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CAPÍTULO OITENTA E QUATRO

Os Ensinamentos dos Sábios em Kurukṣetra

Este capítulo descreve a chegada de grandes sábios a Kurukṣetra para observar a ocasião auspiciosa de um eclipse solar, a glorificação do Senhor Kṛṣṇa feita pelos sábios e a entusiástica execução de sa­crifícios feita por Vasudeva.

Por ocasião de um eclipse solar em Kurukṣetra, damas gloriosíssimas como Kuntī, Draupadī e Subhadrā tiveram a oportunidade de asso­ciarem-se com as rainhas do Senhor Kṛṣṇa. Vendo o quanto as consortes do Senhor amavam seu marido, as damas ficaram maravilhadas. En­quanto as mulheres conversavam entre si, e os homens também assim o faziam, grandes sábios liderados por Nārada e Vyāsadeva chegaram ali desejando ver o Senhor Kṛṣṇa. Os vários reis e outras impor­tantes personalidades que estavam sentados à vontade, incluindo-se os Pāṇḍavas, Kṛṣṇa e Balarāma, levantaram-se assim que viram os sábios. Todos os líderes curvaram-se ante as grandes almas, perguntaram sobre seu bem-estar e adoraram-nos oferecendo-lhes assen­tos, água etc. O Senhor Kṛṣṇa, então, disse: “Nossas vidas, agora, são bem-sucedidas, pois alcançamos a meta da vida: a audiência com grandes sábios e mestres do yoga, a qual até os semideuses raras vezes conseguem. A água de um lugar santo de peregrinação e as formas de deidade dos deuses podem purificar apenas depois de muito tempo, mas os sábios santos purificam apenas por serem vistos. Aqueles que se identificam com o corpo e deixam de honrar sábios transcendentais como vós não são melhores do que asnos.”

Depois de ouvirem o Senhor Kṛṣṇa falar estas palavras como se fosse um simples mortal, os sábios permaneceram algum tempo em silêncio, perplexos. Então, disseram: “Como nosso Senhor é surpreendente! Ele encobre Sua verdadeira identidade com atividades semelhantes às humanas e finge estar sujeito a um controle superior. Com certeza, Ele falou dessa maneira apenas para iluminar as pessoas em geral. Este Seu comportamento é mesmo inconcebível.” Os sábios continuaram a glorificar o Senhor como a Suprema Personalidade de Deus, a Superalma e o amigo e adorador dos brāhmaṇas.

Depois que os sábios O louvaram, o Senhor Kṛṣṇa ofereceu-lhes Suas reverências, e eles pediram Sua permissão para regressar a seus eremitérios. Contudo, bem naquele momento, Vasudeva adiantou-se, prostrou-se diante dos sábios e perguntou: “Que atividades alguém pode executar para livrar-se do cativeiro do trabalho fruitivo?” Os sábios responderam: “Adorando o Senhor Supremo, Hari, através da execução de sacrifícios védicos, ficarás livre do cativeiro do trabalho fruitivo.” Vasudeva, então, pediu aos sábios que fossem seus sacerdo­tes e providenciou a execução de sacrifícios védicos com excelente parafernália. Depois, Vasudeva presenteou os sacerdotes com valio­sos presentes, tais como vacas, joias e também jovens brāhmaṇas em idade de se casarem. Então, ele tomou o banho ritualístico que marca o fim do sacrifício e alimentou todos suntuosamente, até mesmo os cães da vila. Em seguida, deu muitos presentes a seus parentes, aos vários reis e a outras pessoas, todos os quais se despediram do Senhor Kṛṣṇa e regressaram a seus lares.

Incapaz de partir por causa de sua intensa afeição por seus paren­tes, Nanda Mahārāja permaneceu três meses em Kurukṣetra, servido com reverência pelos Yādavas. Certa ocasião, enquanto descrevia a profunda amizade que Nanda Mahārāja lhe mostrara, Vasudeva chegou a derramar lágrimas em público. Terminados os três meses, Nanda partiu para Mathurā com as carinhosas despedidas de todos os Yādavas. Quando, afinal, viram que a estação das chuvas estava prestes a começar, os Yādavas voltaram para Dvārakā, onde contaram aos residentes de sua capital tudo o que acontecera em Kurukṣetra.

Texto

śrī-śuka uvāca
śrutvā pṛthā subala-putry atha yājñasenī
mādhavy atha kṣitipa-patnya uta sva-gopyaḥ
kṛṣṇe ’khilātmani harau praṇayānubandhaṁ
sarvā visismyur alam aśru-kalākulākṣyaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; śrutvā — ouvindo; pṛthā — Kuntī; subala-putrī — Gāndhārī, a filha do rei Subala; atha­ — e; yājñasenī — Draupadī; mādhavī — Subhadrā; atha — e; kṣiti-pa — dos reis; patnyaḥ — as esposas; uta — também; sva — as próprias (do Senhor Kṛṣṇa); gopyaḥgopīs; kṛṣṇe — a Kṛṣṇa; akhila — de tudo; ātmani — a Alma; harau — o Supremo Senhor Hari; praṇaya — amoroso; anubandham — apego; sarvāḥ — todas elas; visismyuḥ — ficaram surpresas; alam — muito; aśru-kala — de lágrimas; ākula — enchendo; akṣyaḥ — cujos olhos.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Pṛthā, Gāndhārī, Draupadī, Subhadrā, as esposas dos outros reis e as vaqueirinhas namoradas de Kṛṣṇa ficaram todas surpresas ao ouvirem sobre o profundo amor das rainhas pelo Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus e Alma de todos os seres, e seus olhos encheram-se de lágrimas.

Comentário

SIGNIFICADO—Draupadī é a principal ouvinte nesta assembleia de mulheres sublimes, pois, conforme explica Śrīla Śrīdhara Svāmī, foi em resposta à pergunta dela que as rainhas do Senhor Kṛṣṇa narraram suas respectivas histórias. Como no capítulo precedente nem mesmo se menciona a presença de Gāndhārī e das outras damas nomeadas nesta passagem, o ācārya Śrīdhara conclui que elas devem ter ouvido as narrações das rainhas apenas em segunda mão. De fato, Draupadī jamais teria falado tão à vontade na presença de Pṛthā e Gāndhārī, que eram mais velhas do que ela, ou diante das gopīs, cuja atitude para com as rainhas de Dvārakā não era de tanta afinidade. Mesmo que as gopīs também tenham se juntado ao pranto, isso foi mais por terem-se lem­brado dos passatempos de Śrī Kṛṣṇa do que por alguma afinidade amorosa delas com as rainhas.

Devemos lembrar, é claro, que sempre existe perfeita harmonia na plataforma espiritual. Aparente conflito entre os devotos puros não se assemelha em nada à luta e inveja mundanas. O ciúme das gopīs era mais exibição do que substância, sendo exibido por elas como um sintoma extático de seu transbordante amor por Kṛṣṇa. Śrīla Śrīdhara Svāmīpāda ainda analisa que a frase sva-gopyaḥ indica que essas gopīs eram as sva-svarūpas das rainhas, os protótipos originais das quais as rainhas eram expansões específicas.

Texto

iti sambhāṣamāṇāsu
strībhiḥ strīṣu nṛbhir nṛṣu
āyayur munayas tatra
kṛṣṇa-rāma-didṛkṣayā
dvaipāyano nāradaś ca
cyavano devalo ’sitaḥ
viśvāmitraḥ śatānando
bharadvājo ’tha gautamaḥ
rāmaḥ sa-śiṣyo bhagavān
vasiṣṭho gālavo bhṛguḥ
pulastyaḥ kaśyapo ’triś ca
mārkaṇḍeyo bṛhaspatiḥ
dvitas tritaś caikataś ca
brahma-putrās tathāṅgirāḥ
agastyo yājñavalkyaś ca
vāmadevādayo ’pare

Sinônimos

iti — assim; sambhāṣamāṇāsu — enquanto conversavam; strībhiḥ — com mulheres; strīṣu — mulheres; nṛbhiḥ — com homens; nṛṣu — homens; āyayuḥ — chegaram; munayaḥ — grandes sábios; tatra — àque­le lugar; kṛṣṇa-rāma — o Senhor Kṛṣṇa e o Senhor Balarāma; di­dṛkṣayā — com o desejo de ver; dvaipāyanaḥ — Dvaipāyana Vedavyāsa; nāradaḥ — Nārada; ca — e; cyavanaḥ devalaḥ asitaḥ — Cyavana, De­vala e Asita; viśvāmitraḥ śatānandaḥ — Viśvāmitra e Śatānanda; bharadvājaḥ atha gautamaḥ — Bharadvāja e Gautama; rāmaḥ — Paraśurāma; sa — com; śiṣyaḥ — seus discípulos; bhagavān — a encarnação do Senhor Supremo; vasiṣṭhaḥ gālavaḥ bhṛguḥ — Vasiṣṭha, Gālava e Bhṛgu; pulastyaḥ kaśyapaḥ atriḥ ca — Pulastya, Kaśyapa e Atri; mār­kaṇḍeyaḥ bṛhaspatiḥ — Mārkaṇḍeya e Bṛhaspati; dvitaḥ tritaḥ ca ekataḥ ca — Dvita, Trita e Ekata; brahma-putrāḥ — filhos do senhor Brahmā (Sanaka, Sanat, Sananda e Sanātana); tathā — e também; aṅgirāḥ — Aṅgirā; agastyaḥ yājñavalkyaḥ ca — Agastya e Yājñavalkya; vāmadeva-ādayaḥ — liderados por Vāmadeva; apare — outros.

Tradução

Enquanto as mulheres conversavam entre si dessa maneira, e os homens entre eles, chegaram ali vários sábios eminentes, todos ávidos por ver o Senhor Kṛṣṇa e o Senhor Balarāma. Entre eles, encontravam-se Dvaipāyana, Nārada, Cyavana, Devala e Asita, Viśvāmitra, Śatānanda, Bharadvāja e Gautama, o Senhor Paraśurāma e seus discípulos, Vasiṣṭha, Gālava, Bhṛgu, Pulastya e Kaśyapa, Atri, Mārkaṇḍeya e Bṛhaspati, Dvita, Trita, Ekata e os quatro Kumā­ras, e Aṅgirā, Agastya, Yājñavalkya e Vāmadeva.

Texto

tān dṛṣṭvā sahasotthāya
prāg āsīnā nṛpādayaḥ
pāṇḍavāḥ kṛṣṇa-rāmau ca
praṇemur viśva-vanditān

Sinônimos

tān — a eles; dṛṣṭvā — vendo; sahasā — imediatamente; utthāya — levantando-se; prāk — até então; āsīnāḥ — sentados; nṛpa-ādayaḥ — os reis e outros; pāṇḍavāḥ — os Pāṇḍavas; kṛṣṇa-rāmau — Kṛṣṇa e Balarāma; ca — também; praṇemuḥ — curvaram-se; viśva — por todo o universo; vanditān — ante aqueles que são honrados.

Tradução

Logo que viram os sábios aproximando-se, os reis e outros cavalheiros, incluindo os irmãos Pāṇḍavas e Kṛṣṇa e Balarāma, que estavam todos sentados, levantaram-se imediatamente. Todos eles, então, curvaram-se ante os sábios, os quais são honrados em todo o universo.

Texto

tān ānarcur yathā sarve
saha-rāmo ’cyuto ’rcayat
svāgatāsana-pādyārghya-
mālya-dhūpānulepanaiḥ

Sinônimos

tān — a eles; ānarcuḥ — adoraram; yathā — como se deve; sarve — todos eles; saha-rāma — incluindo o Senhor Balarāma; acyutaḥ — e o Senhor Kṛṣṇa; arcayat — adoraram-nos; sv-āgata — com saudações; āsana — lugares para se sentar; pādya — água para lavar os pés; arghya — água para beber; mālya — guirlandas de flores; dhūpa — incenso; anu­lepanaiḥ — e pasta de sândalo.

Tradução

O Senhor Kṛṣṇa, o Senhor Balarāma e os outros reis e líderes adoraram convenientemente os sábios, oferecendo-lhes palavras de saudação, lugares para se sentar, água para lavar os pés, água para beber, guirlandas de flores, incenso e pasta de sândalo.

Texto

uvāca sukham āsīnān
bhagavān dharma-gup-tanuḥ
sadasas tasya mahato
yata-vāco ’nuśṛṇvataḥ

Sinônimos

uvāca — disse; sukham — confortavelmente; āsīnān — aos que esta­vam sentados; bhagavān — o Senhor Supremo; dharma — da religião; gup — os meios de proteção; tanuḥ — cujo corpo; sadasaḥ — na assem­bleia; tasya — aquela; mahataḥ — às grandes almas; yata — conquista­da; vācaḥ — cuja fala; anuśṛṇvataḥ — enquanto ouviam com atenção.

Tradução

Depois que os sábios estavam confortavelmente sentados, o Supremo Senhor Kṛṣṇa, cujo corpo transcendental protege os princípios religiosos, dirigiu-Se a eles no meio daquela grande assembleia, enquanto todos, tomados de arrebatada atenção, ouviam em silêncio.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
aho vayaṁ janma-bhṛto
labdhaṁ kārtsnyena tat-phalam
devānām api duṣprāpaṁ
yad yogeśvara-darśanam

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — o Senhor Supremo disse; aho — ah; vayam — nós; janma-bhṛtaḥ — tendo nascido com êxito; labdham — obtido; kārtsnyena — por completo; tat — dele (do nascimento); phalam — o fruto; devānām — para semideuses; api — até mesmo; duṣprāpam — raramen­te obtido; yat — que; yoga-īśvara — dos mestres do yoga; darśanam — a visão.

Tradução

O Senhor Supremo disse: Agora nossas vidas de fato são bem-sucedidas, porque alcançamos a meta máxima da vida: a audiên­cia com grandes mestres do yoga, algo que mesmo os semideuses apenas raramente conseguem.

Comentário

SIGNIFICADO—A despeito dos grandes privilégios que gozam como administra­dores do universo, os semideuses raramente veem sábios tais como Nārada e Vyāsadeva. Quanto mais raro, então, deve ser para reis ter­renos e meros vaqueiros vê-los. Aqui, o Senhor Kṛṣṇa, identificando-­Se com todos os reis e outras pessoas que se haviam reunido em Samanta-pañcaka, fala em nome deles.

Texto

kiṁ svalpa-tapasāṁ nṝṇām
arcāyāṁ deva-cakṣuṣām
darśana-sparśana-praśna-
prahva-pādārcanādikam

Sinônimos

kim — acaso; su-alpa — muito escassas; tapasām — cujas austerida­des; nṝṇām — para seres humanos; arcāyām — na Deidade no templo; deva — Deus; cakṣuṣām — cuja percepção; darśana — visão; sparśa­na — contato; praśna — indagação; prahva — reverência; pāda-arcana — adoração dos pés; ādikam — etc.

Tradução

Como é que pessoas que não são muito austeras e que apenas reconhecem a Deus na forma de Sua Deidade no templo podem agora ver-vos, tocar-vos, interrogar-vos, curvar-se ante vós, ado­rar vossos pés e servir-vos de outras maneiras?

Texto

na hy am-mayāni tīrthāni
na devā mṛc-chilā-mayāḥ
te punanty uru-kālena
darśanād eva sādhavaḥ

Sinônimos

na — não; hi — de fato; ap — de água; mayāni — compostos; tīrthā­ni — lugares santos; na — não; devāḥ — deidades; mṛt — de terra; śilā — e pedra; mayāḥ — compostas; te — eles; punanti — purificam; uru-kāle­na — depois de muito tempo; darśanāt — por serem vistos; eva — somente; sādhavaḥ — os santos.

Tradução

Meros reservatórios de água não são os verdadeiros lugares sagrados de peregrinação; nem meras imagens de terra e pedra, as verdadeiras deidades adoráveis. Esses purificam apenas depois de muito tempo, mas os sábios santos purificam de imediato quem os vê.

Comentário

SIGNIFICADO—Porque a Personalidade de Deus é absoluta – o Espírito Supre­mo –, qualquer representação dEle, manifesta em pedra, tinta, som ou qualquer outro meio autorizado, não é diferente de Sua forma original no mais elevado planeta espiritual, Goloka Vṛndāvana. Porém, os semideuses comuns, por não passarem de almas espirituais infinitesimais, não são absolutos, de maneira que representações dos semideuses não são idênticas a eles. Adoração aos semideuses ou banho ritualís­tico num lugar santificado somente concedem benefício limitado àqueles que carecem de fé transcendental no Senhor Supremo.

Por outro lado, grandes santos vaiṣṇavas, como Vyāsadeva, Nārada e os quatro Kumāras, estão sempre absortos em consciência de Kṛṣṇa, de modo que são verdadeiros tīrthas ambulantes, lugares de peregrinação móveis. Até mesmo a associação de um momento com eles, sobretudo através de ouvi-los glorificar o Senhor, pode livrar alguém de todo o enredamento material. Como o rei Yudhiṣṭhira disse a Vidura:

bhavad-vidhā bhāgavatās
tīṛtha-bhūtāḥ svayaṁ vibho
tīrthī-kurvanti tīrthāni
svāntaḥ-sthena gadābhṛtā

“Meu senhor, devotos como tu são, em verdade, lugares santos personificados. Porque trazes em teu coração a Personalidade de Deus, con­vertes todos os lugares em locais de peregrinação.” (Śrīmad-Bhāgavatam 1.13.10)

Texto

nāgnir na sūryo na ca candra-tārakā
na bhūr jalaṁ khaṁ śvasano ’tha vāṅ manaḥ
upāsitā bheda-kṛto haranty aghaṁ
vipaścito ghnanti muhūrta-sevayā

Sinônimos

na — não; agniḥ — fogo; na — não; sūryaḥ — o Sol; na — não; ca — e; candra — a Lua; tārakāḥ — e estrelas; na — não; bhūḥ — terra; jalam — água; kham — éter; śvasanaḥ — alento; atha — ou; vāk — fala; manaḥ — e a mente; upāsitāḥ — adorados; bheda — diferenças (entre ele e outros seres vivos); kṛtaḥ — de alguém que cria; haranti — levam embora; agham — os pecados; vipaścitaḥ — homens sábios; ghnanti — destroem; muhūrta — por alguns minutos; sevayā — mediante serviço.

Tradução

Nem os semideuses que controlam o fogo, o Sol, a Lua e as estrelas, nem as entidades encarregadas da terra, água, éter, ar, fala e mente eliminam de fato os pecados de seus adoradores, que continuam a ver em termos de dualidades. Mas os sábios destroem os pecados daquele que os serve com respeito ainda que apenas por alguns momentos.

Comentário

SIGNIFICADO—Um devoto imaturo do Senhor Supremo às vezes aceita apenas a Deidade do Senhor como divina e vê tudo o mais como material – até mesmo os servos íntimos do Senhor. Não obstante, porque reco­nhece a posição suprema do Senhor Viṣṇu, tal devoto está mais bem situado do que os materialistas adoradores dos semideuses, daí merecer certo grau de respeito.

Neste verso, recomenda-se a companhia dos sábios mais avançados, quer diretamente, quer por ouvir suas instruções, para quem deseja avançar além dos níveis inferiores da vida devocional. Um devoto neófito pode estar livre de pecados mais óbvios, como violência contra cria­turas inocentes e contra seu próprio corpo e mente, mas, até que se torne muito avançado no caminho devocional, ele tem de lu­tar constantemente contra contaminações mais sutis, como falso orgulho, desrespeito aos vaiṣṇavas respeitáveis e falta de compaixão para com as criaturas sofredoras. O melhor remédio para esses sintomas de imaturidade é ouvir e honrar vaiṣṇavas puros e ajudá-los no trabalho de salvar as almas condicionadas e caídas.

Texto

yasyātma-buddhiḥ kuṇape tri-dhātuke
sva-dhīḥ kalatrādiṣu bhauma ijya-dhīḥ
yat-tīrtha-buddhiḥ salile na karhicij
janeṣv abhijñeṣu sa eva go-kharaḥ

Sinônimos

yasya — cujo; ātma — como seu eu; buddhiḥ — ideia; kuṇape — num corpo semelhante a um cadáver; tri-dhātuke — feito de três elementos básicos; sva — como o seu; dhīḥ — ideia; kalatra-ādiṣu — em esposa etc.; bhaume — na terra; ijya — como adorável; dhīḥ — ideia; yat — cujo; tīrtha — como lugar de peregrinação; buddhiḥ — ideia; salile — na água; na karhicit — nunca; janeṣu — em homens; abhijñeṣu — sábios; saḥ — ele; eva — de fato; gaḥ — uma vaca; kharaḥ — ou um asno.

Tradução

Aquele que se identifica com o corpo inerte composto de muco, bílis e ar, que se presume permanente proprietário de sua esposa e família, que pensa que uma imagem de argila ou a terra de seu nascimento são adoráveis, ou que vê um lugar de peregrinação como a mera água ali existente, mas que nunca se identifica nem sente afinidade com aqueles que são sábios na verdade espiritual, tampouco os adora ou sequer os visita – tal pessoa não é melhor do que uma vaca ou um asno.

Comentário

SIGNIFICADO—O que caracteriza a verdadeira inteligência é o indivíduo estar livre da falsa identificação com o eu. Como se declara na Bṛhaspati­-saṁhitā:

ajñāta-bhagavad-dharmā
mantra-vijñāna-saṁvidaḥ
narās te go-khara jñeyā
api bhū-pāla-vanditāḥ

“Homens que não conhecem os princípios do serviço devocional ao Senhor Supremo devem ser conhecidos como vacas e asnos, ainda que sejam peritos na análise técnica dos mantras védicos e sejam adorados por líderes mundanos.”

Um vaiṣṇava imperfeito que está avançando rumo à plataforma de segunda classe identifica-se com os sábios que estabeleceram o verdadeiro caminho espiritual, mesmo que ainda possa ter alguns apegos materiais inferiores a corpo, família etc. Semelhante devoto do Senhor não é uma vaca tola ou um asno teimoso como a maioria dos materialistas. Ainda assim, o mais excelente é o vaiṣṇava que ganhou a misericórdia especial do Senhor e se livrou por completo do cativeiro dos apegos ilusórios.

Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī, as palavras bhauma ijya-dhīḥ, “quem pensa que uma imagem feita de argila é adorável”, não se referem à forma da Deidade do Senhor Supremo em Seu templo, mas a deidades de semideuses, e as palavras yat-tīrtha-buddhiḥ salile, “quem vê um lugar de peregrinação como a mera água ali existen­te”, referem-se não a rios sagrados como o Ganges ou o Yamunā, mas a rios menos importantes.

Texto

śrī-śuka uvāca
niśamyetthaṁ bhagavataḥ
kṛṣṇasyākuṇtha-medhasaḥ
vaco duranvayaṁ viprās
tūṣṇīm āsan bhramad-dhiyaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; niśamya — ouvindo; ittham — tais; bhagavataḥ — do Senhor Supremo; kṛṣṇasya — Kṛṣṇa; akuṇṭha — irrestrita; medhasaḥ — cuja sabedoria; vacaḥ — as palavras; duranvayam — difíceis de compreender; viprāḥ — os brāhmaṇas eruditos; tūṣṇīm — em silêncio; āsan — ficaram; bhramat — vacilantes; dhiyaḥ — suas mentes.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Ouvindo tais palavras insondáveis do ilimitadamente sábio Senhor Kṛṣṇa, os brāhmaṇas eruditos permaneceram em silêncio, com suas mentes perplexas.

Texto

ciraṁ vimṛśya munaya
īśvarasyeśitavyatām
jana-saṅgraha ity ūcuḥ
smayantas taṁ jagad-gurum

Sinônimos

ciram — por algum tempo; vimṛśya — pensando; munayaḥ — os sábios; īśvarasya — do controlador supremo; īśitavyatām — a condição de ser controlado; jana-saṅgrahaḥ — o esclarecimento do povo em geral; iti — assim (concluindo); ūcuḥ — disseram; smayantaḥ — sorrindo; tam­ — a Ele; jagat — do universo; gurum — o mestre espiritual.

Tradução

Por algum tempo, os sábios ponderaram acerca do comportamento do Senhor Supremo, o qual se assemelhava ao de um ser vivo subordinado. Concluindo que Ele agia dessa maneira para instruir o povo em geral, os sábios sorriram e dirigiram-se a Ele, o mestre espiritual do universo.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī explica que a palavra īśitavyatā se refere ao fato de a pessoa não ser um controlador, ou, em outras palavras, estar sob a lei do karma, obrigada a trabalhar e a experimentar os resultados de seu trabalho. Enquanto Se dirigia aos sábios, o Senhor Kṛṣṇa aceitou o papel de um ser vivo subordinado, para enfatizar a importância de ouvir e servir a vaiṣṇavas santos. A Personalidade de Deus é também o supremo instrutor da rendição espiritual.

Texto

śrī-munaya ūcuḥ
yan-māyayā tattva-vid-uttamā vayaṁ
vimohitā viśva-sṛjām adhīśvarāḥ
yad īśitavyāyati gūḍha īhayā
aho vicitram bhagavad-viceṣṭitam

Sinônimos

śrī-munayaḥ ūcuḥ — os grandes sábios disseram; yat — cujo; māyayā — pelo poder de ilusão; tattva — da verdade; vit — conhecedores; uttamāḥ — melhores; vayam — nós; vimohitāḥ — confusos; viśva — do universo; sṛjām — dos criadores; adhīśvarāḥ — chefes; yat — o fato que; īśitavyāyati — (o Senhor Supremo) finge estar sujeito a um controle supe­rior; gūḍhaḥ — oculto; īhayā — por Suas atividades; aho — ah; vicitram — surpreendente; bhagavat — do Senhor Supremo; viceṣṭitam — a atividade.

Tradução

Os grandes sábios disseram: Vosso poder de ilusão trouxe completa desorientação a nós, os mais elevados conhecedores da verdade e líderes entre os criadores universais. Oh! Como é surpreendente o comportamento do Senhor Supremo! Ele Se encobre com Suas atividades aparentemente humanas e finge sujeitar-Se a um controle superior.

Comentário

SIGNIFICADO—Os sábios caracterizaram as palavras do Senhor como inescrutá­veis (duranvayam). Aqui se diz como isso acontece: Quando Ele brinca de subordinar-Se a Seus próprios servos, Suas palavras e atividades confundem até mesmo os mais eruditos.

Texto

anīha etad bahudhaika ātmanā
sṛjaty avaty atti na badhyate yathā
bhaumair hi bhūmir bahu-nāma-rūpiṇī
aho vibhūmnaś caritaṁ viḍambanam

Sinônimos

anīhaḥ — sem fazer esforço; etat — este (universo); bahudhā — múltiplo; ekaḥ — sozinho; ātmanā — por Si mesmo; sṛjati — Ele cria; ava­ti — mantém; atti — aniquila; na badhyate — não fica atado; yathā — como; bhaumaiḥ — pelas transformações da terra; hi — de fato; bhūmiḥ — terra; bahu — muitos; nāma-rūpiṇī — tendo nomes e formas; aho — ah; vibhūmnaḥ — do Senhor onipotente; caritam — as ativida­des; viḍambanam — um fingimento.

Tradução

De fato, os passatempos aparentemente humanos do Onipo­tente são mero faz-de-conta! Sem esforço algum, Ele sozi­nho emite de Seu eu esta variegada criação, mantém-na e, depois, torna a engoli-la, tudo sem Se envolver, assim como o elemento terra assume muitos nomes e formas em suas várias transformações.

Comentário

SIGNIFICADO—O Supremo único expande-Se em muitos sem diminuir Sua completude. Ele faz isso sem esforço, sem depender de ninguém ou de nada mais. Esse processo místico de autoexpansão do Senhor é incompreensível para todos exceto para Ele mesmo, mas o exemplo da substância terra e seus múltiplos produtos tem bastante semelhança e serve para nos proporcionar alguma noção. Em uma passagem muito citada da Chāndogya Upaniṣad (6.1), também se apresenta esse mesmo exemplo, vācārambhaṇaṁ vikāro nāmadheyaṁ mṛttikety eva satyam: “As transformações da terra são meras criações verbais do processo de denominação; a própria substância terra é a única coisa verda­deira.”

Śrīla Śrīdhara Svāmī sugere que este verso do Śrīmad-Bhāgavatam responde a uma possível objeção por parte do Senhor Kṛṣṇa: “Como posso criar, manter e destruir o universo se sou filho de Vasudeva?” A resposta é dada através das palavras aho vibhūmnaś caritaṁ viḍambanam: “Sois o todo perfeitamente completo, e Vosso nascimento e passatempos não passam de uma imitação das atividades das pessoas comuns no mundo material. Apenas fingis estar sob algum controle superior.”

Texto

athāpi kāle sva-janābhiguptaye
bibharṣi sattvaṁ khala-nigrahāya ca
sva-līlayā veda-pathaṁ sanātanaṁ
varṇāśramātmā puruṣaḥ paro bhavān

Sinônimos

atha api — não obstante; kāle — no tempo correto; sva-jana — de Vossos devotos; abhiguptaye — para a proteção; bibharṣi — assumis; sattvam — o modo da bondade; khala — dos perversos; nigrahāya — para o castigo; ca — e; sva — Vossos; līlayā — pelos passatempos; veda­patham — o caminho dos Vedas; sanātanam — eterno; varṇa-āśrama — do divino sistema de divisões ocupacionais e espirituais da socie­dade; ātmā — a Alma; puruṣaḥ — a Personalidade de Deus; paraḥ — Suprema; bhavān — Vós mesmo.

Tradução

Não obstante, nas ocasiões apropriadas, assumis o modo da bondade pura para proteger Vossos devotos e castigar os perversos. Dessa maneira, Vós, a Alma da ordem social varṇāśrama, a Suprema Personalidade de Deus, mantendes o caminho eterno dos Vedas desfrutando Vossos passatempos aprazíveis.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso descreve como o Senhor ilumina o povo em geral (jana­-saṅgraha) e imita o comportamento deste mundo. Porque a Personali­dade de Deus permanece sempre perfeito, o corpo que Ele manifesta ao vir a este mundo não é tocado pela bondade material; é antes uma manifestação da bondade pura conhecida como viśuddha-sattva, a mesma substância espiritual que constitui Sua forma original.

Texto

brahma te hṛdayaṁ śuklaṁ
tapaḥ-svādhyāya-saṁyamaiḥ
yatropalabdhaṁ sad vyaktam
avyaktaṁ ca tataḥ param

Sinônimos

brahma — os Vedas; te — Vosso; hṛdayam — coração; śuklam — puro; tapaḥ — por austeridades; svādhyāya — estudo; saṁyamaiḥ — e autocontrole; yatra — em que; upalabdham — percebidos; sat — existência espiritual pura; vyaktam — o manifesto (produtos da criação material); avyaktam — o imanifesto (causas sutis da criação); ca — e; tataḥ — àqueles; param — transcendental.

Tradução

Os Vedas são Vosso imaculado coração, e, através deles, podem­-se perceber – por meio de austeridade, estudo e autocontrole – o manifesto, o imanifesto e a existência pura e transcendental a ambos.

Comentário

SIGNIFICADO—Vyakta, “o manifesto”, consiste nas coisas visíveis deste mundo, e avyakta consiste nas causas sutis e subjacentes da criação cósmica. Os Vedas objetivam o reino transcendental de Brahman, que jaz além de toda causa e efeito materiais.

Texto

tasmād brahma-kulaṁ brahman
śāstra-yones tvam ātmanaḥ
sabhājayasi sad dhāma
tad brahmaṇyāgraṇīr bhavān

Sinônimos

tasmāt — portanto; brahma — dos brāhmaṇas; kulam — à comuni­dade; brahman — ó Verdade Absoluta; śāstra — as escrituras revela­das; yoneḥ — cujo meio de realização; tvam — Vós; ātmanaḥ — de Vós mesmo; sabhājayasi — mostrais honra; sat — perfeita; dhāma — a morada; tat — por conseguinte; brahmaṇya — daqueles que respeitam a cultura bramânica; agranīḥ — o líder; bhavān — Vós.

Tradução

Portanto, ó Brahman Supremo, honrais os membros da comunidade bramânica porque eles são os agentes perfeitos pelos quais alguém pode compreender-Vos através da evidência dos Vedas. Por essa mesma razão, sois o principal adorador dos brāhmaṇas.

Texto

adya no janma-sāphalyaṁ
vidyāyās tapaso dṛśaḥ
tvayā saṅgamya sad-gatyā
yad antaḥ śreyasāṁ paraḥ

Sinônimos

adya — hoje; naḥ — nosso; janma — do nascimento; sāphalyam — gozo; vidyāyāḥ — da educação; tapasaḥ — das austeridades; dṛśaḥ — do poder da visão; tvayā — conVosco; saṅgamya — obtendo associa­ção; sat — de pessoas santas; garyā — que sois a meta; yat — porque; antaḥ — o limite; śreyasām — dos benefícios; paraḥ — último.

Tradução

Hoje, nosso nascimento, educação, austeridade e visão, todos se tornaram perfeitos, visto que fomos capazes de nos associar com Vós, a meta de todas as pessoas santas. De fato, Vós mesmo sois a bênção derradeira e suprema.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui, os sábios contrastam seu respeito pelo Senhor com a adoração recíproca que Ele lhes presta. O Senhor Kṛṣṇa honra os brāhmaṇas como um meio de instruir os homens menos inteligentes, consideran­do que Ele de fato é absolutamente independente. Os brāhmaṇas que O adoram, por outro lado, beneficiam-se mais do que podem imaginar.

Texto

namas tasmai bhagavate
kṛṣṇāyākuṇṭha-medhase
sva-yogamāyayācchanna-
mahimne paramātmane

Sinônimos

namaḥ — reverências; tasmai — a Ele; bhagavate — o Senhor Supremo; kṛṣṇāya — a Kṛṣṇa; akuṇṭha — ilimitada; medhase — cuja sabedo­ria; sva — dEle; yoga-māyayā — pela potência ilusória interna; ācchan­na — cobertas; mahimne — cujas glórias; parama-ātnane — a Superalma.

Tradução

Ofereçamos reverências àquela Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa, a Superalma de inteligência infinita, que disfarçou Sua grandiosidade por meio de Sua yogamāyā mís­tica.

Comentário

SIGNIFICADO—Além de qualquer benefício a ser obtido por adorar o Senhor Supremo, é a obrigação mais essencial de toda pessoa prostrar-se diante dEle como reconhecimento de sua dependência e posição de servo. O Senhor Kṛṣṇa recomenda:

man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru
mām evaiṣyasi yuktvaivam
ātmānaṁ mat-parāyaṇaḥ

“Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim, torna-te Meu devoto, oferece-Me reverências e Me adora. Estando absorto por completo em Mim, com certeza virás a Mim.” (Bhagavad-gītā 9.34)

Texto

na yaṁ vidanty amī bhū-pā
ekārāmāś ca vṛṣṇayaḥ
māyā-javanikācchannam
ātmānaṁ kālam īśvaram

Sinônimos

na — não; yam — a quem; vidanti — conhecem; amī — estes; bhū­-pāḥ — reis; eka — juntos; ārāmāḥ — que desfrutam; ca — e; vṛṣṇayaḥ — os Vṛṣṇis; māyā — do divino poder de ilusão; javanikā — pela cortina; ācchannam — coberto; ātmānam — a Alma Suprema; kālam — o tempo; īśvaram — o controlador supremo.

Tradução

Nem estes reis nem mesmo os Vṛṣṇis, que desfrutam de Vossa associação íntima, conhecem-Vos como a Alma de toda a existência, a força do tempo e o controlador supremo. Para eles, estais coberto pelo véu de māyā.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī explica que a família do Senhor Kṛṣṇa, os Vṛṣṇis, estavam muito familiarizados com Ele para compreendê-lO como a Superalma que reside no coração de todo ser criado. E aque­les reis em Kurukṣetra que não eram devotos de Kṛṣṇa não podiam reconhecê-lO como o tempo, o aniquilador de tudo. Devotos e não­-devotos são ambos cobertos por māyā, mas de maneira diferente. Para os materialistas, māyā é ilusão, ao passo que, para os vaiṣṇavas, ela age como yogamāyā, a potência interna que lhes encobre o conhecimento sobre a majestade do Senhor Supremo e os ocupa nos eternos passa­tempos aprazíveis dEle.

Texto

yathā śayānaḥ puruṣa
ātmānaṁ guṇa-tattva-dṛk
nāma-mātrendriyābhātaṁ
na veda rahitaṁ param
evaṁ tvā nāma-mātreṣu
viṣayeṣv indriyehayā
māyayā vibhramac-citto
na veda smṛty-upaplavāt

Sinônimos

yathā — como; śayānaḥ — dormindo; puruṣaḥ — uma pessoa; ātmānam — a si mesma; guṇa — secundária; tattva — da realidade; dṛk — cuja visão; nāma — com nomes; mātra — e formas; indriya — através de sua mente; ābhātam — manifesto; na veda — não sabe; rahitam — separado; param — bastante; evam — igualmente; tvā — Vós; nāma­mātreṣu — tendo nomes e formas; viṣayeṣu — em objetos de percepção material; indriya — dos sentidos; īhayā — pela atividade; māyayā — por causa da influência de Vossa energia ilusória; vibhramat — ficando confusa; cittaḥ — cuja consciência; na veda — não conhece; smṛti — de sua memória; upaplavāt — devido à perturbação.

Tradução

A pessoa adormecida imagina para si uma realidade alternati­va e, vendo-se como se tivesse vários nomes e formas, esquece a identidade que possui durante o estado de vigília, a qual é dis­tinta do sonho. De modo semelhante, os sentidos de alguém cuja consciência está desorientada pela ilusão percebem apenas os nomes e formas dos objetos materiais. Assim, tal pessoa perde a memó­ria e não pode conhecer-Vos.

Comentário

SIGNIFICADO—Assim como o sonho de uma pessoa é uma realidade secundá­ria criada a partir do estoque de suas memórias e desejos, da mesma forma este universo existe como a criação inferior do Senhor Supremo, de nenhum modo verdadeiramente separado dEle. E assim como a pes­soa que desperta do sono experimenta a realidade superior de sua vida acordada, da mesma forma o Senhor Supremo também tem Sua realidade superior distinta, além de tudo o que conhecemos deste mundo. Em Suas próprias palavras:

mayā tatam idaṁ sarvaṁ
jagad avyakta-mūrtinā
mat-sthāni sarva-bhūtāni
na cāhaṁ teṣv avasthitaḥ
na ca mat-sthāni bhūtāni
paśya me yogam aiśvaram
bhūta-bhṛn na ca bhūta-stho
mamātmā bhūta-bhāvanaḥ

“Sob Minha forma imanifesta, Eu penetro este universo inteiro. Todos os seres estão em Mim, mas Eu não estou neles. E mesmo assim, os elementos criados não repousam em Mim. Observa Minha opulência mística! Embora Eu seja o mantenedor de todas as enti­dades vivas e embora esteja em toda parte, não faço parte desta manifestação cósmica, pois Meu eu é a própria fonte da criação.” (Bhagavad-gītā 9.4-5)

Texto

tasyādya te dadṛśimāṅghrim aghaugha-marṣa-
tīrthāspadaṁ hṛdi kṛtaṁ su-vipakva-yogaiḥ
utsikta-bhakty-upahatāśaya jīva-kośā
āpur bhavad-gatim athānugṛhāna bhaktān

Sinônimos

tasya — dEle; adya — hoje; te — Vossos; dadṛśima — vimos; aṅghrim — os pés; agha — de pecados; ogha — torrentes; marṣa — que desfaz; tīrtha — do santo lugar de peregrinação (o Ganges); āspa­dam — a fonte; hṛdi — no coração; kṛtam — colocados; su — bem; vi­pakva — amadurecida; yogaiḥ — por aqueles cuja prática de yoga; ut­sikta — plenamente desenvolvido; bhakti — pelo serviço devocional; upahata — destruída; āśaya — a mentalidade material; jīva — da alma individual; kośāḥ — cuja cobertura externa; āpuḥ — alcançaram; bha­vat — Vosso; gatim — destino; atha — portanto; anugṛhāṇa — por favor, concedei misericórdia; bhaktān — a Vossos devotos.

Tradução

Hoje, vimos diretamente Vossos pés, a fonte do sagrado Ganges, que leva embora enormes quantidades de pecado. Yogīs perfei­tos podem, no melhor dos casos, meditar em Vossos pés dentro de seus corações. Mas apenas aqueles que Vos prestam serviço devo­cional de todo o coração e, dessa maneira, destroem a cobertura da alma – a mente material – é que Vos alcançam como seu destino final. Portanto, por favor, concedei misericórdia a nós, Vossos devotos.

Comentário

SIGNIFICADO—O sagrado rio Ganges tem o poder de destruir todas as espécies de reações pecaminosas porque se origina dos pés de lótus do Senhor e, assim, contém a poeira de Seus pés. Explicando este verso, Śrīla Śrīdhara Svāmī diz: “Se o Senhor tivesse aconselhado os sábios a não se preocuparem com práticas devocionais porque já eram muito avançados em conhecimento espiritual e austeridade, eles aqui esta­riam respeitosamente rejeitando tal sugestão ao ressaltarem que apenas aqueles yogīs que destruíram sua mente e ego materiais por meio da rendição a Kṛṣṇa em serviço devocional puro é que podem atingir a perfeição plena. Por fim, eles oram ao Senhor que os favoreça da ma­neira mais misericordiosa: tornando-os Seus devotos.”

Texto

śrī-śuka uvāca
ity anujñāpya dāśārhaṁ
dhṛtarāṣṭraṁ yudhiṣṭhiram
rājarṣe svāśramān gantuṁ
munayo dadhire manaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim falando; anujñāpya — pedindo permissão para partir; dāśārham — do Senhor Kṛṣṇa, o descendente de Mahārāja Daśārha; dhṛtarāṣṭram — de Dhṛtarāṣṭra; yudhiṣṭhiram — de Yudhiṣṭhira; rāja — entre reis; ṛṣe — ó sábio; sva — deles; āśramān — aos eremitérios; gantum — para ir; munayaḥ — os sábios; dadhire — voltaram; manaḥ — suas mentes.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Tendo assim falado, ó sábio rei, os sábios, então, despediram-se do Senhor Dāśārha, de Dhṛtarāṣṭra e de Yudhiṣṭhira e se prepararam para partir com destino a seus āśramas.

Texto

tad vīkṣya tān upavrajya
vasudevo mahā-yaśāḥ
praṇamya copasaṅgṛhya
babhāṣedaṁ su-yantritaḥ

Sinônimos

tat — isto; vīkṣya — vendo; tān — deles; upavrajya — aproximando-se; vasudevaḥ — Vasudeva; mahā — grande; yaśāḥ — cuja fama; praṇamya — prostrando-se; ca — e; upasaṅgṛhya — segurando os pés deles; babhāṣa — disse; idam — isto; su — muito; yantritaḥ — composto com cuidado.

Tradução

Vendo que eles estavam prestes a partir, o renomado Vasudeva se aproximou dos sábios. Depois de prostrar-se diante deles e tocar seus pés, falou-lhes com palavras cuidadosamente esco­lhidas.

Texto

śrī-vasudeva uvāca
namo vaḥ sarva-devebhya
ṛṣayaḥ śrotum arhatha
karmaṇā karma-nirhāro
yathā syān nas tad ucyatām

Sinônimos

śrī-vasudevaḥ uvāca — Śrī Vasudeva disse; namaḥ — reverências; vaḥ — a vós; sarva — todos; devebhyaḥ — (que contendes) os semideuses; ṛṣayaḥ — ó sábios; śrotum arhatha — por favor, ouvi; karmaṇā — pelo trabalho material; karma — do trabalho (anterior); nirhāraḥ — a purificação; yathā — como; syāt — pode haver; naḥ — para nós; tat — isto; ucyatām — por favor, dizei.

Tradução

Śrī Vasudeva disse: Reverências a vós, a residência de todos os semideuses. Fazei a gentileza de ouvir-me, ó sábios. Por favor, dizei-nos como se podem neutralizar as reações do trabalho por meio do próprio trabalho.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui, Vasudeva dirige-se aos sábios como “a residência de todos os semideuses”. Sua afirmação é confirmada pela autoridade dos śruti-mantras, que declaram que yāvatīr vai devatās tāḥ sarvā veda-vidi brāhmaṇe vasanti: “Todos os semideuses existentes residem em um brāhmaṇa que conhece os Vedas.”

Texto

śrī-nārada uvāca
nāti-citram idaṁ viprā
vasudevo bubhutsayā
kṛṣṇam matvārbhakaṁ yan naḥ
pṛcchati śreya ātmanaḥ

Sinônimos

śrī-nāradaḥ uvāca — Śrī Nārada disse; na — não; ati — muito; citram — maravilhoso; idam — isto; viprāḥ — ó brāhmaṇas; vasudevaḥ — Vasudeva; bubhutsayā — com o desejo de aprender; kṛṣṇam — o Senhor Kṛṣṇa; matvā — pensando; arbhakam — um menino; yat — o fato de que; naḥ — a nós; pṛcchati — pergunta; śreyaḥ — sobre o bem supremo; ātma­naḥ — para si mesmo.

Tradução

Śrī Nārada Muni disse: Ó brāhmaṇas, não é tão surpreenden­te que, em sua avidez por saber, Vasudeva nos tenha perguntado sobre seu benefício último, pois ele considera Kṛṣṇa um mero menino.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Jīva Gosvāmī relata os pensamentos de Nārada: Śrī Nārada compreendeu por que Vasudeva, em conformidade com sua atitude de fingir ser um pai de família comum, perguntou aos sábios sobre karma-yoga, embora ele já tivesse atingido metas espirituais que nem grandes yogīs e ṛṣis conseguem alcançar. Mas Nārada ainda esta­va preocupado com a possibilidade de Vasudeva criar uma situação embaraçosa por tratar o Senhor Kṛṣṇa como mera criança na presen­ça de todos os sábios. Nārada e os outros sábios sentiam-se obrigados a manter sua atitude de reverência ao Senhor Kṛṣṇa; como, então, po­deriam ignorá-lO e atreverem-se a responder Vasudeva eles mesmos? Para evitar esse constrangimento, Nārada aproveitou essa oportunidade para fazer todos os presentes se lembrarem da absoluta supremacia de Śrī Kṛṣṇa.

Texto

sannikarṣo ’tra martyānām
anādaraṇa-kāraṇam
gāṅgaṁ hitvā yathānyāmbhas
tatratyo yāti śuddhaye

Sinônimos

sannikarṣaḥ — proximidade; atra — aqui (neste mundo); martyānām — para mortais; anādaraṇa — de desprezo; kāraṇam — uma causa; gāṅgam — (a água) do Ganges; hitvā — deixando; yathā — como; anya — outra; ambhaḥ — água; tatratyaḥ — alguém que mora perto dela; yāti — vai; śuddhaye — para se purificar.

Tradução

Neste mundo, a familiaridade gera desprezo. Por exemplo, alguém que mora às margens do Ganges às vezes viaja até algum outro reservatório de água para se purificar.

Texto

yasyānubhūtiḥ kālena
layotpatty-ādināsya vai
svato ’nyasmāc ca guṇato
na kutaścana riṣyati
taṁ kleśa-karma-paripāka-guṇa-pravāhair
avyāhatānubhavam īśvaram advitīyam
prāṇādibhiḥ sva-vibhavair upagūḍham anyo
manyeta sūryam iva megha-himoparāgaiḥ

Sinônimos

yasya — cuja; anubhūtiḥ — consciência; kālena — causada pelo tempo; laya — pela destruição; utpatti — criação; ādinā — e assim por diante; asya — deste (universo); vai — de fato; svataḥ — por si mesma; anyasmāt — devido a alguma outra causa; ca — ou; guṇataḥ — em termos de suas qualida­des; na — não; kutaścana — por alguma razão; riṣyati — fica destruída; tam — a Ele; kleśa — por aflições materiais; karma — atividades mate­riais; paripāka — suas consequências; guṇa — dos modos da natureza; pravāhaiḥ — e pelo fluxo constante; avyāhata — não afetada; anubhavam — cuja consciência; īśvaram — o controlador supremo; advitīyam — único e incomparável; prāṇa — pelo ar vital; ādibhiḥ — e outros (ele­mentos do corpo material); sva — Suas; vibhavaiḥ — expansões; upagū­ḍham — disfarçado; anyaḥ — alguma outra pessoa; manyeta — conside­ra; sūryam iva — com o Sol; megha — por nuvens; hima — neve; upa­rāgaiḥ — e eclipses.

Tradução

A consciência do Senhor Supremo jamais é perturbada pelo tempo, pela criação e destruição do universo, por mudanças em suas próprias qualidades ou por qualquer outra coisa, intrínseca ou extrínseca em relação a Ele. Contudo, embora a consciência da Personalidade de Deus, que é o supremo, único e incomparável, jamais seja afetada pela aflição material, pelas reações do traba­lho material ou pelo fluxo constante dos modos da natureza, as pessoas comuns, todavia, pensam que o Senhor é encoberto por Suas próprias criações tais como prāṇa e outros elementos ma­teriais, assim como se pode pensar que o Sol é encoberto pelas nuvens, neve ou eclipse.

Comentário

SIGNIFICADO—As coisas deste mundo são destruídas inevitavelmente de uma maneira ou de outra. O próprio tempo causa a decadência final de todos os seres criados – por exemplo, uma fruta, que pode amadurecer, mas então tem de apodrecer ou ser comida. Algumas coisas, como o relâmpago, destroem-se logo que se manifestam, enquanto outras são de repente destruídas por agentes externos, como um pote de barro atingido por um martelo. Mesmo nos corpos vivos e outras coisas cuja exis­tência continua durante algum tempo, há um fluxo constante de várias qualidades que são destruídas e substituídas por outras.

Contrastando com tudo isso, a consciência da Suprema Personalidade de Deus jamais é destruída por algo. Só por causa da ignorância, alguém poderia imaginá-lO como um ser humano comum sujeito às condições materiais. Os seres mortais são cobertos por seu envolvimento nas ati­vidades fruitivas e sua consequente felicidade e aflição, mas o Senhor Supremo não pode ser coberto pelo que de fato são Suas próprias ex­pansões. Analogamente, o imenso Sol é a fonte dos fenômenos rela­tivamente insignificantes, tais como as nuvens, neve e eclipses, de modo que não pode ser coberto por eles, embora o observador comum talvez pense que seja.

Texto

athocur munayo rājann
ābhāṣyānalsadundabhim
sarveṣāṁ śṛṇvatāṁ rājñāṁ
tathaivācyuta-rāmayoḥ

Sinônimos

atha — então; ūcuḥ — disseram; munayaḥ — os sábios; rājan — ó rei (Parīkṣit); ābhāṣya — falando; ānaka-dundubhim — a Vasudeva; sarveṣām — todos; śṛṇvatām — enquanto ouviam; rājñām — os reis; tathā eva — também; acyuta-rāmayoḥ — Kṛṣṇa e Balarāma.

Tradução

[Śukadeva Gosvāmī continuou:] Os sábios, então, tornaram a falar, ó rei, dirigindo-se a Vasudeva enquanto todos os reis, juntamente com o Senhor Acyuta e o Senhor Rāma, ouviam.

Texto

karmaṇā karma-nirhāra
eṣa sādhu-nirūpitaḥ
yac chraddhayā yajed viṣṇuṁ
sarva-yajñeśvaraṁ makhaiḥ

Sinônimos

karmaṇā — pela atividade; karma — das reações das ações passadas; nirhāraḥ — a anulação; eṣaḥ — isto; sādhu — corretamente; nirūpitaḥ — determinado; yat — que; śraddhayā — com fé; yajet — deve-se adorar; viṣṇum — Viṣṇu; sarva — de todos; yajña — os sacrifícios; īśvaram — o Senhor; makhaiḥ — por rituais védicos de fogo.

Tradução

[Os sábios disseram:] Foi definitivamente concluído que se anula o trabalho por meio de outro trabalho quando alguém exe­cuta sacrifícios védicos como meio de adorar a Viṣṇu, o Senhor de todos os sacrifícios, com fé sincera.

Texto

cittasyopaśamo ’yaṁ vai
kavibhiḥ śāstra-cakṣusā
darśitaḥ su-gamo yogo
dharmaś cātma-mud-āvahaḥ

Sinônimos

cittasya — da mente; upaśamaḥ — a pacificação; ayam — este; vai — de fato; kavibhiḥ — por estudiosos eruditos; śāstra — da escritura; cakṣuṣā — com o olho; darśitaḥ — mostrado; su-gamaḥ — executados com facilidade; yogaḥ — meios de alcançar a liberação; dharmaḥ — dever religioso; ca — e; ātma — ao coração; mut — prazer; āvahaḥ — que traz.

Tradução

Autoridades eruditas que veem através dos olhos da escritu­ra demonstram que este é o método mais fácil de subjugar a mente agitada e alcançar a liberação, e é um dever sagrado que traz júbilo ao coração.

Texto

ayaṁ svasty-ayanaḥ panthā
dvi-jāter gṛha-medhinaḥ
yac chraddhayāpta-vittena
śuklenejyeta pūruṣaḥ

Sinônimos

ayam — este; svasti — auspiciosidade; ayanaḥ — que traz; panthā — o caminho; dvi-jāteḥ — para alguém que é duas vezes nascido (sendo membro de uma das três ordens sociais superiores); gṛha — em casa; medhinaḥ — que executa sacrifícios; yat — que; śraddhayā — com abnegação; apta — conseguidos por meios justos; vittena — com seus bens; śuklena — sem mácula; ījyeta — deve-se adorar; pūruṣaḥ — a Persona­lidade de Deus.

Tradução

Este é o caminho mais auspicioso para um pai de família religioso pertencente a alguma das ordens dos duas vezes nascidos – adorar abnegadamente a Personalidade de Deus com a riqueza obtida por meios honestos.

Comentário

SIGNIFICADO—Tanto Śrīdhara Svāmī quanto Śrī Jīva Gosvāmī concordam aqui que o karma ritualístico dos sacrifícios védicos destina-se em espe­cial aos pais de família apegados. Aqueles que já são renunciados em consciência de Kṛṣṇa, como o próprio Vasudeva, precisam apenas cultivar sua fé nos devotos do Senhor, na forma de Sua Deidade, em Seu nome, nos restos de Sua comida e em Seus ensinamentos como apresentados na Bhagavad-gītā e no Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

vittaiṣaṇāṁ yajña-dānair
gṛhair dāra-sutaiṣaṇām
ātma-lokaiṣaṇāṁ deva
kālena visṛjed budhaḥ
grāme tyaktaiṣaṇāḥ sarve
yayur dhīrās tapo-vanam

Sinônimos

vitta — de riqueza; eṣaṇām — o desejo; yajña — por sacrifícios; dānaiḥ — e por caridade; gṛhaiḥ — pela ocupação em assuntos familiares; dāra — de esposa; suta — e filhos; eṣaṇām — o desejo; ātma — para si mesmo; loka — de planeta elevado (na próxima vida); eṣaṇām — o desejo; deva — ó santo Vasudeva; kālena — por causa do tempo; visṛjet — deve-se renunciar; budhaḥ — quem é inteligente; grāme — de vida familiar; tyakta — que renunciou; eṣaṇāḥ — seus desejos; sarve — todos; yayuḥ — foram; dhīrāḥ — sábios possuidores de sobriedade; tapaḥ — de austeridades; vanam — para a floresta.

Tradução

Uma pessoa inteligente deve aprender a renunciar seu desejo por riquezas realizando sacrifícios e atos de caridade. Deve apren­der a renunciar seu desejo de ter esposa e filhos experimentan­do a vida familiar. E deve aprender a renunciar seu desejo de promoção a um planeta superior na próxima vida, ó santo Vasudeva, estudando os efeitos do tempo. Sábios autocontrolados que, dessa forma, renunciaram seu apego à vida familiar vão para a floresta executar austeridades.

Texto

ṛṇais tribhir dvijo jāto
devarṣi-pitṝṇāṁ prabho
yajñādhyayana-putrais tāny
anistīrya tyajan patet

Sinônimos

ṛṇaiḥ — com dívidas; tribhiḥ — três; dvi-jaḥ — um membro das clas­ses dos duas vezes nascidos; jātaḥ — nasce; deva — aos semideuses; ṛṣi — sábios; pitṝṇām — e antepassados; prabho — ó mestre (Vasudeva); yajña — por sacrifício; adhyayana — estudo da escritura; putraiḥ — e (geração de) filhos; tāni — estas (dívidas); anistīrya — não liquidando; tyajan — deixando (o corpo); patet — cai.

Tradução

Querido Prabhu, um membro das classes dos duas vezes nascidos nasce com três espécies de dívidas – dívidas com os semideuses, com os sábios e com seus antepassados. Se deixar o corpo sem primeiro liquidar essas dívidas mediante a execução de sacrifícios, o es­tudo das escrituras e a geração de filhos, ele cai em uma condição infernal.

Comentário

SIGNIFICADO—Quanto às obrigações especiais de um brāhmaṇa, declara o śruti que jāyamāno vai brāhmaṇas tribhir ṛṇavāñ jāyate brahmacaryeṇa ṛṣibhyo yajñena devebhyaḥ prajayā pitṛbhyaḥ: “Sempre que nasce um brāhmaṇa, três dívidas nascem com ele. Ele pode pagar sua dívi­da aos sábios através do celibato, sua dívida aos semideuses através do sacrifício, e sua dívida aos antepassados através da geração de filhos.”

Texto

tvaṁ tv adya mukto dvābhyāṁ vai
ṛṣi-pitror mahā-mate
yajñair devarṇam unmucya
nirṛṇo ’śaraṇo bhava

Sinônimos

tvam — tu; tu — mas; adya — agora; muktaḥ — liberto; dvābhyām — de duas (das dívidas); vai — decerto; ṛṣi — aos sábios; pitroḥ — e aos antepassados; mahā-mate — ó pessoa generosa; yajñaiḥ — pelos sacrifícios védicos; deva — aos semideuses; ṛṇam — da dívida; unmucya — liberando-te; nirṛṇaḥ — sem dívida; aśaraṇaḥ — sem abrigo material; bhava — fica.

Tradução

Mas tu, ó alma magnânima, já estás livre de duas de tuas dí­vidas – com os sábios e com os antepassados. Agora, exime-te de tua dí­vida para com os semideuses executando sacrifícios védicos e, desse modo, livra-te por completo da dívida e renuncia todo abrigo ma­terial.

Texto

vasudeva bhavān nūnaṁ
bhaktyā paramayā harim
jagatām īśvaraṁ prārcaḥ
sa yad vāṁ putratāṁ gataḥ

Sinônimos

vasudeva — ó Vasudeva; bhavān — tu; nūnam — sem dúvida; bhaktyā — com devoção; paramayā — suprema; harim — o Senhor Kṛṣṇa; jagatām — de todos os mundos; īśvaram — o controlador supremo; prārcaḥ — adoraste perfeitamente; saḥ — Ele; yat — porque; vām — de vós ambos (Vasudeva e Devakī); putratām — o papel de filho; gataḥ — assumiu.

Tradução

Ó Vasudeva, é certo que outrora deves ter adorado o Senhor Hari, o mestre de todos os mundos. Tu e tua esposa devem tê-lO adorado perfeitamente e com suprema devoção, pois Ele aceitou o papel de vosso filho.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī parafraseia assim a disposição dos sábios: “Nós respondemos a ti, que nos interrogaste conforme dita as normas do discurso comum, da mesma maneira comum. Em verdade, porém, como és o eternamente liberado pai do Senhor Supremo, nem os costumes mundanos nem os preceitos das escrituras exercem qualquer autoridade sobre ti.”

Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī, o próprio nome Vasudeva indica que Vasudeva manifesta brilhantemente (dīvyati) a riqueza (vasu) sobre-excelente do serviço devocional puro. No décimo primeiro canto, Nārada reencontrará Vasudeva e, então, o recordará:

devarṣi-bhūtāpta-nṛṇāṁ pitṝṇāṁ
na kiṅkaro nāyam ṛṇī ca rājan
sarvātmanā yaḥ śaraṇaṁ śaraṇyaṁ
gato mukundaṁ parihṛtya kartam

“Ó rei, aquele que renunciou todos os deveres materiais e aceitou completo refúgio nos pés de lótus de Mukunda, que oferece abrigo a todos, não está em dívida com os semideuses, grandes sábios, seres vivos ordinários, parentes, amigos, humanidade ou mesmo com os antepassados que se foram. Porque todas essas classes de entidades vivas são partes integrantes do Senhor Supremo, aquele que se rendeu ao serviço do Senhor não tem necessidade de servir essas pessoas separadamente.” (Śrīmad-Bhāgavatam 11.5.41)

Texto

śrī-śuka uvāca
iti tad-vacanaṁ śrutvā
vasudevo mahā-manāḥ
tān ṛṣīn ṛtvijo vavre
mūrdhnānamya prasādya ca

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim faladas; tat — deles; vacanam — palavras; śrutvā — tendo ouvido; vasudevaḥ — Vasudeva; mahā-manāḥ — generoso; tān — a eles; ṛṣīn — os sábios; ṛtvijaḥ — como sacerdotes; vavre — escolheu; mūrdhnā — com sua cabeça; ānamya — curvando-se; prasādya — satisfazendo-os; ca — também.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Depois de ter ouvido essas declara­ções dos sábios, o generoso Vasudeva prostrou sua cabeça no chão e, louvando-os, pediu-lhes que fossem seus sacerdotes.

Texto

ta enam ṛṣayo rājan
vṛtā dharmeṇa dhārmikam
tasminn ayājayan kṣetre
makhair uttama-kalpakaiḥ

Sinônimos

te — eles; enam — a ele; ṛṣayaḥ — os sábios; rājan — ó rei (Parīkṣit); vṛtāḥ — escolhidos; dharmeṇa — segundo os princípios religiosos; dhārmikam — que era religioso; tasmin — naquele; ayājayan — ocupa­ram na execução de sacrifícios; kṣetre — campo sagrado (de Kurukṣetra); makhaiḥ — com rituais de fogo; uttama — sobre-excelentes; kal­pakaiḥ — cujos arranjos.

Tradução

Assim solicitados por ele, ó rei, os sábios ocuparam o piedoso Vasudeva na execução de sacrifícios de fogo naquele lugar sagra­do de Kurukṣetra segundo estritos princípios religiosos e com os mais excelentes arranjos ritualísticos.

Texto

tad-dīkṣāyāṁ pravṛttāyāṁ
vṛṣṇayaḥ puṣkara-srajaḥ
snātāḥ su-vāsaso rājan
rājānaḥ suṣṭhv-alaṅkṛtāḥ
tan-mahiṣyaś ca muditā
niṣka-kaṇṭhyaḥ su-vāsasaḥ
dīkṣā-śālām upājagmur
āliptā vastu-pāṇayaḥ

Sinônimos

tat — dele (Vasudeva); dīkṣāyām — a iniciação para o sacrifício; pravṛttāyām — quando estava para começar; vṛṣṇayaḥ — os Vṛṣṇis; puṣkara — de lótus; srajaḥ — usando guirlandas; snātāḥ — banhados; suvāsasaḥ — bem vestidos; rājan — ó rei; rājānaḥ — (outros) reis; suṣṭhu — elaboradamente; alaṅkṛtāḥ — ornamentados; tat — deles; mahi­ṣyaḥ — rainhas; ca — e; muditāḥ — alegres; niṣka — medalhões de pedras preciosas; kaṇṭhyaḥ — em cujos pescoços; su-vāsasaḥ — bem vestidas; dīkṣā — da iniciação; śālām — o pavilhão; upājagmuḥ — aproximaram-se; āliptāḥ — ungidas; vastu — objetos auspiciosos; pāṇayaḥ — em suas mãos.

Tradução

Quando Mahārāja Vasudeva estava prestes a ser iniciado para o sacrifício, ó rei, os Vṛṣṇis, depois de terem-se banhado e colo­cado roupas finas e guirlandas de lótus, foram ao pavilhão de iniciação. Os outros reis, enfeitados com muito esmero, também foram, acompanhados de todas as suas alegres rainhas, que usavam medalhões de pedras preciosas em volta do pescoço e também se vestiam com roupas finas. As esposas reais estavam ungidas com pasta de sândalo e traziam objetos auspiciosos para a adoração.

Texto

nedur mṛdaṅga-paṭaha-
śaṅkha-bhery-ānakādayaḥ
nanṛtur naṭa-nartakyas
tuṣṭuvuḥ sūta-māgadhāḥ
jaguḥ su-kaṇṭhyo gandharvyaḥ
saṅgītaṁ saha-bhartṛkāḥ

Sinônimos

neduḥ — soaram; mṛdaṅga-paṭaha — tambores mṛdaṅga e paṭaha; śaṅkha — búzios; bherī-ānaka — tambores bherī e ānaka; ādayaḥ — e outros instrumentos; nanṛtuḥ — dançaram; naṭa-nartakyaḥ — dançari­nos e bailarinas; tuṣṭuvuḥ — recitaram louvor; sūta-māgadhāḥ — bardos sūta e māgadha; jaguḥ — cantaram; su-kaṇṭhyaḥ — com doces vozes; gandharvyaḥ — as Gandharvīs; saṅgītam — canções; saha — com; bhartṛkāḥ — seus maridos.

Tradução

Mṛdaṅgas, paṭahas, búzios, bherīs, ānakas e outros instrumentos ressoaram, dançarinos e bailarinas dançaram, e sūtas e māgadhas recitaram glorificações. Gandharvīs com doces vozes cantaram, acompanhadas por seus maridos.

Texto

tam abhyaṣiñcan vidhi-vad
aktam abhyaktam ṛtvijaḥ
patnībhir aṣṭā-daśabhiḥ
soma-rājam ivoḍubhiḥ

Sinônimos

tam — a ele; abhyaṣiñcan — aspergiram com água sagrada; vidhi­vat — segundo as regras das escrituras; aktam — com seus olhos de­corados com rímel; abhyaktam — seu corpo untado com manteiga recém-batida; ṛtvijaḥ — os sacerdotes; patnībhiḥ — juntamente com as espo­sas dele; aṣṭā-daśabhiḥ — dezoito; soma-rājam — a Lua real; iva — como se; uḍubhiḥ — com estrelas.

Tradução

Depois que os olhos de Vasudeva foram ornados com cosméti­co negro e seu corpo untado com manteiga fresca, os sacerdotes iniciaram-no segundo as regras das escrituras borrifando água sagrada sobre ele e suas dezoito rainhas. Rodeado por suas esposas, ele parecia a Lua régia cercada de estrelas.

Comentário

SIGNIFICADO—Devakī era a principal esposa de Vasudeva, mas ela tinha várias co-esposas, inclusive suas seis irmãs. Esse fato está registrado no nono canto do Śrīmad-Bhāgavatam:

devakaś cograsenaś ca
catvāro devakātmajāḥ
devavān upadevaś ca
sudevo devavardhanaḥ
teṣāṁ svasāraḥ saptāsan
dhṛtadevādayo nṛpa
śāntidevopadevā ca
śrīdevā devarakṣitā
sahadevā devakī ca
vasudeva uvāha tāḥ

“Āhuka teve dois filhos, chamados Devaka e Ugrasena. Devaka teve quatro filhos, chamados Devavān, Upadeva, Sudeva e Devavardhana, e teve também sete filhas, chamadas Śāntidevā, Upadevā, Śrīdevā, Devarakṣitā, Sahadevā, Devakī e Dhṛtadevā. Dhṛtadevā era a mais velha. Vasudeva, o pai de Kṛṣṇa, casou-se com todas essas irmãs.” (Śrīmad-Bhāgavatam 9.24.21-23)

Algumas das outras esposas de Vasudeva são mencionadas alguns versos adiante:

pauravī rohiṇī bhadrā
madirā rocanā ilā
devakī-pramukhāś cāsan
patnya ānakadundubheḥ

“Devakī, Pauravī, Rohiṇī, Bhadrā, Madirā, Rocanā, Ilā e outras eram todas esposas de Ānakadundubhi [Vasudeva]. Entre todas elas, Devakī era a principal.” (Śrīmad-Bhāgavatam 9.24.45)

Texto

tābhir dukūla-valayair
hāra-nūpura-kuṇḍalaiḥ
sv-alaṅkṛtābhir vibabhau
dīkṣito ’jina-saṁvṛtaḥ

Sinônimos

tābhiḥ — com elas; dukūla — com sáris de seda; valayaiḥ — e pulseiras; hāra — com colares; nūpura — guizos de tornozelo; kuṇḍalaiḥ — e brincos; su — belamente; alaṅkṛtābhiḥ — decoradas; vibabhau — ele brilhava com fulgor; dīkṣitaḥ — tendo sido iniciado; ajina — com uma pele de veado; saṁvṛtaḥ — enrolado.

Tradução

Vasudeva recebeu iniciação juntamente com suas esposas, que usavam sáris de seda e estavam enfeitadas com pulseiras, colares, guizos de tornozelo e brincos. Com o corpo enrolado em uma pele de veado, Vasudeva brilhava com muito esplendor.

Texto

tasyartvijo mahā-rāja
ratna-kauśeya-vāsasaḥ
sa-sadasyā virejus te
yathā vṛtra-haṇo ’dhvare

Sinônimos

tasya — dele; ṛtvijaḥ — sacerdotes; mahā-rāja — ó grande rei (Parīkṣit); ratna — com joias; kauśeya — de seda; vāsasaḥ — e roupas; sa — juntamente com; sadasyāḥ — os membros oficiantes da assembleia; virejuḥ — pareciam refulgentes; te — eles; yathā — como se; vṛtra-haṇaḥ — do Senhor Indra, o matador de Vṛtra; adhvare — no sacrifício.

Tradução

Meu caro Mahārāja Parīkṣit, os sacerdotes de Vasudeva e os membros oficiantes da assembleia, vestidos de dhotīs de seda e ornamentados com joias, pareciam tão refulgentes que era como se estivessem na arena de sacrifício de Indra, o matador de Vṛtra.

Texto

tadā rāmaś ca kṛṣṇaś ca
svaiḥ svair bandhubhir anvitau
rejatuḥ sva-sutair dārair
jīveśau sva-vibhūtibhiḥ

Sinônimos

tadā — naquela ocasião; rāmaḥ — o Senhor Balarāma; ca — e; kṛṣṇaḥ — o Senhor Kṛṣṇa; ca — também; svaiḥ svaiḥ — cada um por Seus; bandhubhiḥ — parentes; anvitau — acompanhados; rejatuḥ — pareciam brilhantes; sva — com Seus; sutaiḥ — filhos; dāraiḥ — e espo­sas; jīva — de todas as entidades vivas; īśau — os dois Senhores; sva­-vibhūtibhiḥ — com as expansões de Suas próprias opulências.

Tradução

Naquela ocasião, Balarāma e Kṛṣṇa, os Senhores de todas as entidades vivas, brilhavam com grande majestade em companhia de Seus respectivos filhos, esposas e outros familiares, que eram expansões de Suas opulências.

Texto

īje ’nu-yajñaṁ vidhinā
agni-hotrādi-lakṣaṇaiḥ
prākṛtair vaikṛtair yajñair
dravya-jñāna-kriyeśvaram

Sinônimos

īje — adorou; anu-yajñam — com cada tipo de sacrifício; vidhinā — segundo os regulamentos adequados; agni-hotra — oferecendo oblações ao fogo sagrado; ādi — etc.; lakṣaṇaiḥ — caracterizados; prākṛtaiḥ — sem modificações, completamente especificados pelos preceitos do śruti; vaikṛtaiḥ — modificados, ajustados segundo as indicações de outras fontes; yajñaiḥ — com sacrifícios; dravya — da parafernália sacrificial; jñāna — do conhecimento dos mantras; kriyā — e dos rituais; īśvaram — o Senhor.

Tradução

Efetuando várias espécies de sacrifícios védicos de acordo com os regulamentos adequados, Vasudeva adorou o Senhor de toda a parafernália sacrificial, mantras e rituais. Ele executou sacri­fícios primários e secundários, oferecendo oblações ao fogo sa­grado e realizando outros aspectos da adoração feita através de sacrifícios.

Comentário

SIGNIFICADO—Há muitas espécies de sacrifício védico de fogo, cada um dos quais envolve vários rituais minuciosos. A porção Brāhmaṇa do śruti vé­dico especifica o procedimento passo a passo apenas de alguns sa­crifícios prototípicos, tais como o Jyotiṣṭoma e o Darśa-pūrṇamāsa. Esses são chamados yajñas prākṛtas, ou originais; os detalhes dos outros yajñas devem ser extrapolados a partir dos padrões desses preceitos prākṛtas segundo as regras estritas do Mīmāṁsā-śāstra. Como os outros sacrifícios são conhecidos por derivação dos sacrifícios prototípicos, eles se chamam vaikṛta, ou “modificados”.

Texto

athartvigbhyo ’dadāt kāle
yathāmnātaṁ sa dakṣiṇāḥ
sv-alaṅkṛtebhyo ’laṅkṛtya
go-bhū-kanyā mahā-dhanāḥ

Sinônimos

atha — então; ṛtvigbhyaḥ — aos sacerdotes; adadāt — deu; kāle — no momento oportuno; yathā-āmnātam — como estipulam as escrituras; saḥ — ele; dakṣiṇāḥ — presentes de agradecimento; su-alaṅkṛtebhyaḥ — que estavam ricamente adornados; alaṅkṛtya — decorando-os ainda mais elaboradamente; go — vacas; bhū — terra; kanyāḥ — e moças casáveis; mahā — muito; dhanāḥ — valiosos.

Tradução

Então, no momento oportuno e de acordo com a escritura, Vasudeva remunerou os sacerdotes decorando-os com precio­sos ornamentos, embora eles já estivessem ricamente adorna­dos, e oferecendo-lhes valiosos presentes, tais como vacas, terras e moças casáveis.

Texto

patnī-saṁyājāvabhṛthyaiś
caritvā te maharṣayaḥ
sasnū rāma-hrade viprā
yajamāna-puraḥ-sarāḥ

Sinônimos

patnī-saṁyāja — ao ritual em que o patrocinador do sacrifício ofere­ce oblações juntamente com sua esposa; avabhṛthyaiḥ — e os rituais finais conhecidos como avabhṛthya; caritvā — tendo executado; te — eles; mahā-ṛṣayaḥ — os grandes sábios; sasnuḥ — banharam-se; rāma — do Senhor Paraśurāma; hrade — no lago; viprāḥbrāhmaṇas; yaja­māna — o patrocinador do sacrifício (Vasudeva); puraḥ-sarāḥ — colo­cando à frente.

Tradução

Depois de supervisionar os rituais patnī-saṁyāja e avabhṛthya, os grandes sábios brāhmaṇas se banharam no lago do Senhor Paraśurāma com o patrocinador do sacrifício, Vasudeva, que os liderava.

Texto

snāto ’laṅkāra-vāsāṁsi
vandibhyo ’dāt tathā striyaḥ
tataḥ sv-alaṅkṛto varṇān
ā-śvabhyo ’nnena pūjayat

Sinônimos

snātaḥ — banhado; alaṅkāra — joias; vāsāṁsi — e roupas; vandi­bhyaḥ — aos bardos; adāt — deu; tathā — então; striyaḥ — bem ornamentados; tathā — também; striyaḥ — as mulheres; tataḥ — então; su-alaṅkṛtaḥ — bem ornamentados; varṇān — todas as classes de pessoas; ā — estendendo; śvabhyaḥ — aos cães; annena — com comida; pūjayat — honrou.

Tradução

Concluído seu banho sagrado, Vasudeva, juntamente com suas esposas, deu aos recitadores profissionais as joias e roupas que tinham usado. Então, Vasudeva vestiu roupas novas, depois do que ele honrou todas as classes de pessoas alimentando a todos, inclusive os cães.

Texto

bandhūn sa-dārān sa-sutān
pāribarheṇa bhūyasā
vidarbha-kośala-kurūn
kāśi-kekaya-sṛñjayān
sadasyartvik-sura-gaṇān
nṛ-bhūta-pitṛ-cāraṇān
śrī-niketam anujñāpya
śaṁsantaḥ prayayuḥ kratum

Sinônimos

bandhūn — seus parentes; sa-dārān — com suas esposas; sa-sutān — com seus filhos; pāribarheṇa — com presentes; bhūyasā — opulentos; vidarbha-kośala-kurūn — os líderes dos clãs Vidarbha, Kośala e Kuru; kāśi-kekaya-sṛñjayān — também os Kāśīs, Kekayas e Sṛñjayas; sadasya — os oficiais da assembleia de sacrifício; ṛtvik — os sacerdotes; sura-gaṇān — as várias classes de semideuses; nṛ — os seres humanos; bhūta — espíritos espectrais; pitṛ — antepassados; cāraṇān — e Cāraṇas, membros de uma classe de semideuses menos importantes; śrī-niketam — do Senhor Kṛṣṇa, a morada da deusa da fortuna; anujñāpya — despedindo-se; śaṁsantaḥ — louvando; prayayuḥ — partiram; kratum — a execução do sacrifício.

Tradução

Com presentes opulentos, ele honrou seus parentes, incluindo todas as esposas e filhos destes; a realeza dos reinos de Vidarbha, Kośala, Kuru, Kāśī, Kekaya e Sṛñjaya; os membros oficiantes da assembleia; e também os sacerdotes, semideuses que serviam de testemunha, seres humanos, espíritos, antepassados e Cāraṇas. Então, pedindo permissão ao Senhor Kṛṣṇa, o abrigo da deusa da fortuna, os vários hóspedes partiram enquanto cantavam as glórias do sacrifício de Vasudeva.

Texto

dhṛtarāṣṭro ’nujaḥ pārthā
bhīṣmo droṇaḥ pṛthā yamau
nārado bhagavān vyāsaḥ
suhṛt-sambandhi-bāndhavāḥ
bandhūn pariṣvajya yadūn
sauhṛdāklinna-cetasaḥ
yayur viraha-kṛcchreṇa
sva-deśāṁś cāpare janāḥ

Sinônimos

dhṛtarāṣṭraḥ — Dhṛtarāṣṭra; anujaḥ — o irmão mais novo de Dhṛtarāṣṭra (Vidura); pārthāḥ — os filhos de Pṛthā (Yudhiṣṭhira, Bhīma e Arjuna); bhīṣmaḥ — Bhīṣma; droṇaḥ — Droṇa; pṛthā — Kuntī; yamau — os gêmeos (Nakula e Sahadeva); nāradaḥ — Nārada; bhagavān vyā­saḥ — a Personalidade de Deus, Vyāsadeva; suhṛt — amigos; samban­dhi — membros da família imediata; bāndhavāḥ — e outros parentes; bandhūn — seus parentes e amigos; pariṣvajya — abraçando; yadūn — os Yadus; sauhṛda — por sentimento de amizade; āklinna — derretendo-se; cetasaḥ — seus corações; yayuḥ — foram; viraha — por ficarem separados; kṛcchreṇa — com dificuldade; sva — a seus respectivos; deśān — reinos; ca — também; apare — as outras; janāḥ — pessoas.

Tradução

Os Yadus foram todos abraçados por seus amigos, membros íntimos da família e outros parentes, entre os quais Dhṛtarāṣṭra e seu irmão mais novo, Vidura; Pṛthā e seus filhos; Bhīṣma; Droṇa; os gêmeos Nakula e Sahadeva; Nārada; e Vedavyāsa, a Personalidade de Deus. Com os corações derretidos de afeição, esses e os outros hóspedes partiram para seus reinos, embora sua marcha fosse lenta devido à dor da separação.

Texto

nandas tu saha gopālair
bṛhatyā pūjayārcitaḥ
kṛṣṇa-rāmograsenādyair
nyavātsīd bandhu-vatsalaḥ

Sinônimos

nandaḥ — Nanda Mahārāja; tu — e; saha — juntamente com; gopālaiḥ — os vaqueiros; bṛhatyā — especialmente opulenta; pūjayā — com adoração; arcitaḥ — honrado; kṛṣṇa-rāma-ugrasena-ādyaiḥ — por Kṛṣṇa, Balarāma, Ugrasena e os outros; nyavātsīt — ficou; bandhu — a seus paren­tes; vatsalaḥ — afeiçoado.

Tradução

Nanda Mahārāja mostrou afeição por seus parentes, os Yadus, ficando com eles um pouco mais, juntamente com os vaqueiros. Durante sua estada, Kṛṣṇa, Balarāma, Ugrasena e os outros o honraram com uma adoração especialmente opulenta.

Texto

vasudevo ’ñjasottīrya
manoratha-mahārṇavam
suhṛd-vṛtaḥ prīta-manā
nandam āha kare spṛśan

Sinônimos

vasudevaḥ — Vasudeva; añjasā — facilmente; uttīrya — tendo atravessado; manaḥ-ratha — de seus desejos (de executar sacrifícios védicos); mahā — grande; arṇavam — o oceano; suhṛt — por seus benquerentes; vṛtaḥ — rodeado; prīta — satisfeito; manāḥ — em sua mente; nandam — a Nanda; āha — falou; kare — sua mão; spṛśan — tocando.

Tradução

Tendo atravessado com tanta facilidade o vasto oceano de sua ambição, Vasudeva sentiu-se completamente satisfeito. Em companhia de seus muitos benquerentes, ele segurou a mão de Nanda e disse-lhe o seguinte.

Texto

śrī-vasudeva uvāca
bhrātar īśa-kṛtaḥ pāśo
nṛnāṁ yaḥ sneha-saṁjñitaḥ
taṁ dustyajam ahaṁ manye
śūrāṇām api yoginām

Sinônimos

śrī-vasudevaḥ uvāca — Śrī Vasudeva disse; bhrātaḥ — ó irmão; īśa — pelo Senhor Supremo; kṛtaḥ — feito; pāśaḥ — o nó; nṛṇām — de homens; yaḥ — que; sneha — afeição; saṁjñitaḥ — chamado; tam — a ele; dustyajam — difícil de libertar-se; aham — eu; manye — penso; śūrāṇām — para heróis; api — mesmo; yoginām — e para yogīs.

Tradução

Śrī Vasudeva disse: Meu querido irmão, foi o próprio Deus quem deu o nó chamado afeição, o qual ata firmemente os seres humanos entre si. Parece-me que até grandes heróis e místicos acham muito di­fícil libertarem-se dele.

Comentário

SIGNIFICADO—Líderes heroicos dos homens tentam transcender seus insignifican­tes apegos por meio da força de vontade, enquanto yogīs introspecti­vos buscam o conhecimento com o mesmo propósito. Mas a energia ilusória do Senhor, māyā, é muito mais forte do que qualquer alma condicionada. É somente abrigando-se em Kṛṣṇa, o senhor de māyā, que alguém pode tornar-se imune à sua influência.

Texto

asmāsv apratikalpeyaṁ
yat kṛtājñeṣu sattamaiḥ
maitry arpitāphalā cāpi
na nivarteta karhicit

Sinônimos

asmāsu — para nós; apratikalpā — incomparável; iyam — isto; yat — desde que; kṛta-ajñeṣu — quem se esquece da misericórdia que lhes foi mostrada; sat-tamaiḥ — por aqueles que são muito santos; maitrī — amizade; arpitā — oferecida; aphalā — não correspondida; ca api — ainda que; na nivarteta — não descontinua; karhicit — nunca.

Tradução

De fato, o Senhor Supremo deve ter criado os laços da afeição, pois santos grandiosos como tu jamais deixaram de mostrar incomparável amizade a ingratos como nós, embora ela jamais tenha sido correspondida como se deve.

Texto

prāg akalpāc ca kuśalaṁ
bhrātar vo nācarāma hi
adhunā śrī-madāndhākṣā
na paśyāmaḥ puraḥ sataḥ

Sinônimos

prāk — anteriormente; akalpāt — por causa da incapacidade; ca — e; kuśalam — bem-estar; bhrātaḥ — ó irmão; vaḥ — teu; na ācarāma — não cumprimos; hi — de fato; adhunā — agora; śrī — decorrente da opulência; mada — devido ao inebriamento; andha — cegos; akṣāḥ — cujos olhos; na paśyāmaḥ — não conseguimos ver; puraḥ — adiante; sataḥ — presente.

Tradução

Anteriormente, querido irmão, nada fizemos para te benefi­ciar porque éramos incapazes, e mesmo agora que estás presente diante de nós, nossos olhos estão tão cegos pelo inebriamento decorrente da boa fortuna material que continuamos a te ignorar.

Comentário

SIGNIFICADO—Enquanto vivia sob a tirania de Kaṁsa, Vasudeva era incapaz de fazer alguma coisa para ajudar Nanda e seus súditos a defenderem-se dos muitos demônios enviados de Mathurā para matar Kṛṣṇa e Bala­rāma.

Texto

mā rājya-śrīr abhūt puṁsaḥ
śreyas-kāmasya māna-da
sva-janān uta bandhūn vā
na paśyati yayāndha-dṛk

Sinônimos

— que não; rājya — real; śrīḥ — fortuna; abhūt — haja; puṁsaḥ — para uma pessoa; śreyaḥ — verdadeiro benefício da vida; kāma­sya — que deseja; māna-da — ó tu que ofereces respeito; sva-janān — seus parentes; uta — mesmo; bandhūn — seus amigos; — ou; na paśyati — não vê; yayā — pela qual (opulência); andha — cega; dṛk — cuja visão.

Tradução

Ó respeitosíssima personalidade, que aquele que deseja o mais alto benefício da vida jamais ganhe opulência real, pois esta o deixa cego às necessidades de sua própria família e amigos.

Comentário

SIGNIFICADO—É, sem dúvida, devido à sua profunda humildade que Vasudeva está se censurando, mas sua condenação da opulência é, em geral, válida. Anteriormente neste canto, Nārada Muni proferiu uma forte crítica contra Nalakūvara e Maṇigrīva, dois ricos filhos de Ku­vera, o tesoureiro dos céus. Embriagados tanto de orgulho quanto de bebida, os dois deixaram de oferecer os devidos respeitos a Nārada quando este por acaso os encontrou divertindo-se nus no rio Mandā­kinī com algumas jovens. Vendo-os nesse estado vergonhoso, Nārada disse:

na hy anyo juṣato joṣyān
buddhi-bhraṁśo rajo-guṇaḥ
śrī-madād ābhijātyādir
yatra strī dyūtam āsavaḥ

“Entre todos os atrativos oferecidos pelo gozo material, a atração que se apresenta sob a forma de riqueza confunde mais a inteligência de alguém do que ter belos traços físicos, nascer em família aristocrática e ser erudito. Quando a pessoa não é instruída, mas falsamen­te arrogante devido à riqueza, o resultado é que ela ocupa sua riqueza em desfrutar de vinho, mulheres e jogatina.” (Śrīmad-Bhāgavatam 10.10.8)

Texto

śrī-śuka uvāca
evaṁ sauhṛda-śaithilya-
citta ānakadundubhiḥ
ruroda tat-kṛtāṁ maitrīṁ
smarann aśru-vilocanaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; evam — assim; sauhṛda — por íntima afinidade; śaithilya — enternecido; cittaḥ — seu coração; ānakadundubhiḥ — Vasudeva; ruroda — chorou; tat — por ele (Nanda); kṛtām — feitos; maitrīm — os atos de amizade; smaran — lembrando; aśru — lágrimas; vilocanaḥ — em seus olhos.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Com o coração enternecido por sentimentos de íntima afinidade, Vasudeva chorou. Seus olhos encheram-se de lágrimas enquanto se lembrava da amizade que Nanda lhe demonstrara.

Texto

nandas tu sakhyuḥ priya-kṛt
premṇā govinda-rāmayoḥ
adya śva iti māsāṁs trīn
yadubhir mānito ’vasat

Sinônimos

nandaḥ — Nanda; tu — e; sakhyuḥ — a seu amigo; priya — afeição; kṛt — que mostrou; premṇā — devido a seu amor; govinda-rāmayoḥ — por Kṛṣṇa e Balarāma; adya — (irei mais tarde) hoje; śvaḥ — (irei) amanhã; iti — assim dizendo; māsān — meses; trīn — três; yadubhiḥ — pelos Yadus; mānitaḥ — honrado; avasat — permaneceu.

Tradução

E de sua parte, Nanda também estava cheio de afeição por seu amigo Vasudeva. Assim, durante os dias seguintes, Nanda anunciou repetidas vezes: “Vou-me embora hoje mais tarde” e “Vou-me embora amanhã”. Mas, por amor a Kṛṣṇa e Balarāma, ele permaneceu mais três meses ali, honrado por todos os Yadus.

Comentário

SIGNIFICADO—Após decidir que iria embora bem cedo, Nanda, então, repensava: “Irei hoje mais tarde”, e depois, quando chegava a tarde, ele dizia: “Vou ficar apenas até amanhã.” Śrīla Viśvanātha Cakravartī sugere uma possível razão para esse adiamento. Nanda secretamente intencio­nava levar Kṛṣṇa com ele de volta para Vraja, mas não queria partir o coração de Vasudeva. Por isso, sua indecisão se estendeu por três meses.

Texto

tataḥ kāmaiḥ pūryamāṇaḥ
sa-vrajaḥ saha-bāndhavaḥ
parārdhyābharaṇa-kṣauma-
nānānarghya-paricchadaiḥ
vasudevograsenābhyāṁ
kṛṣṇoddhava-balādibhiḥ
dattam ādāya pāribarhaṁ
yāpito yadubhir yayau

Sinônimos

tataḥ — então; kāmaiḥ — com objetos desejáveis; pūryamāṇaḥ — saciado; sa-vrajaḥ — com o povo de Vraja; saha-bāndhavaḥ — com os membros de sua família; para — muito; ardhya — valiosos; ābharaṇa — com ornamentos; kṣauma — linho fino; nānā — vários; anarghya — de valor inestimável; paricchadaiḥ — e apetrechos domésticos; vasudeva­ugrasenābhyām — por Vasudeva e Ugrasena; kṛṣṇa-uddhava-bala­-ādibhiḥ — e por Kṛṣṇa, Uddhava, Balarāma e outros; dattam — dados; ādāya — tomando; pāribarham — os presentes; yāpitaḥ — acompanha­dos; yadubhiḥ — pelos Yadus; yayau — partiu.

Tradução

Então, depois que Vasudeva, Ugrasena, Kṛṣṇa, Uddhava, Balarāma e outros tinham satisfeito os desejos dele e o tinham presen­teado com ornamentos preciosos, linho fino e grande sortimento de apetrechos domésticos de valor inestimável, Nanda Mahārāja aceitou todos esses presentes e se despediu. Na presença de todos os Yadus, ele partiu com os membros de sua família e os residen­tes de Vraja.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com Śrīla Viśvanātha Cakravartī, no final dos três meses, Mahārāja Nanda aproximou-se de Kṛṣṇa e Lhe disse: “Meu querido filho, por uma gota de suor de Teu divino rosto, estou pronto para abandonar incontáveis vidas. Partamos agora para Vraja; não posso ficar mais aqui.” Em seguida, foi ter com Vasudeva e lhe disse: “Meu caro amigo, por favor, manda Kṛṣṇa para Vraja”, e ao rei Ugrasena pediu: “Por favor, ordena a meu amigo que faça isso. Se recusares, terei de me afogar aqui no lago do Senhor Paraśurāma. Eu te mostrarei na prática se não crês em mim! Nós de Vraja viemos a este lugar sagrado não para ganhar algum crédito piedoso por ocasião do eclipse solar, mas para levar Kṛṣṇa de volta ou morrer.” Ouvindo essas palavras desesperadas de Nanda, Vasudeva e os outros tentaram acalmá-lo com valiosos presentes.

Muito versado na arte da diplomacia, Vasudeva consultou seus conselheiros de maior confiança e, então, satisfez Śrī Nanda dizendo-lhe: “Meu caríssimo amigo, ó rei de Vraja, é sem dúvida verdadeiro que nenhum de vós pode viver sem Kṛṣṇa. E como podemos permitir que vos mateis? Portanto, de qualquer maneira, vou enviar Kṛṣṇa de volta para Vraja. Farei isso logo depois de acompanhá-lO e a Seus paren­tes e amigos – entre eles muitas mulheres desamparadas – de volta a Dvārakā. Então, bem no dia seguinte, sem tentar impedi-lO de nenhum modo, eu O deixarei partir para Vraja em um momento auspicio­so do dia. Isso eu te juro mil vezes. Afinal, como podemos nós que viemos aqui com Kṛṣṇa voltar para casa sem Ele? O que as pessoas dirão de nós? És um grande erudito em todos os assuntos, então, por favor, perdoa-me por fazer-te este pedido.”

Em seguida, Ugrasena disse a Nanda Mahārāja: “Meu querido senhor de Vraja, sou testemunha do que Vasudeva disse e faço esta promessa solene: Mandarei Kṛṣṇa de volta para Vraja mesmo que tenha de fazer isso à força.”

Então, o Senhor Kṛṣṇa, acompanhado de Uddhava e Balarāma, falou com Nanda em particular. Ele disse: “Querido pai, se Eu for diretamente para Vraja hoje, deixando todos estes Vṛṣṇis de lado, eles mor­rerão de saudade de Mim. Então, muitos milhares de inimigos mais poderosos até do que Keśī e Ariṣṭa virão aniquilar todos estes reis.”

“Como sou onisciente, sei o que vai Me acontecer inevitavelmen­te. Ouve e Eu vos descreverei tudo. Após regressar a Dvārakā, rece­berei um convite de Yudhiṣṭhira e irei a Indraprastha participar de seu sacrifício Rājasūya. Ali, matarei Śiśupāla e, depois, voltarei mais uma vez para Dvārakā e matarei Śālva. Em seguida, viajarei para um lugar logo ao sul de Mathurā para salvar-vos matando Dantavakra. Então, voltarei para Vraja, verei todos os Meus velhos amigos e sentarei de novo em vosso colo com grande prazer. De fato, com grande felicidade, passarei o resto de Minha vida convosco. Deus escreveu este desti­no em Minha testa, e está escrito em vossa testa que até o dia de Meu retorno deveis tolerar a separação de Mim. Nem o Meu nem os vossos destinos podem ser mudados, então, por favor, encontrai a co­ragem de deixar-Me aqui por ora e ide para vossa casa em Vraja.”

“E se, enquanto isso, vós, Meus queridos pais, e vós, Meus que­ridos amigos, ficardes aflitos com o inevitável destino escrito em nossa fronte, então sempre que Me quiserdes dar a comer alguma iguaria ou jogar coMigo ou apenas ver-Me, basta fechardes os olhos que Eu aparecerei diante de vós para transformar vosso tormento em flores do céu e satisfazer todos os vossos desejos. Eu vos prometo isso, e os jovens amigos cujas vidas salvei em um incêndio na floresta podem confirmar Minhas palavras.”

Convencido por todos esses argumentos de que a felicidade de seu filho era da maior importância, Nanda aceitou os presentes ofereci­dos e se despediu, acompanhado pelo grande exército dos Yadus.

Texto

nando gopās’ ca gopyaś ca
govinda-caraṇāmbuje
manaḥ kṣiptaṁ punar hartum
anīśā mathurāṁ yayuḥ

Sinônimos

nandaḥ — Nanda; gopāḥ — os vaqueiros; ca — e; gopyaḥ — as esposas dos vaqueiros; ca — também; govinda — de Kṛṣṇa; caraṇa-ambuje — aos pés de lótus; manaḥ — suas mentes; kṣiptam — lançadas; punaḥ — de novo; hartum — de retirar; anīśāḥ — incapazes; mathurām — para Mathurā; yayuḥ — foram.

Tradução

Incapazes de retirar suas mentes dos pés de lótus do Senhor Govinda, aos quais as haviam entregado, Nanda, os vaqueiros e suas esposas voltaram para Mathurā.

Texto

bandhuṣu pratiyāteṣu
vṛṣṇayaḥ kṛṣṇa-devatāḥ
vīkṣya prāvṛṣam āsannād
yayur dvāravatīṁ punaḥ

Sinônimos

bandhuṣu — seus parentes; pratiyāteṣu — tendo partido; vṛṣṇayaḥ — os Vṛṣṇis; kṛṣṇa-devatāḥ — cuja Deidade adorável era Kṛṣṇa; vīkṣya — vendo; prāvṛṣam — a estação das chuvas; āsannāt — iminente; yayuḥ — foram; dvāravatīm — para Dvārakā; punaḥ — de novo.

Tradução

Uma vez que seus parentes haviam partido, e vendo que a estação das chuvas se aproximava, os Vṛṣṇis, cujo único Senhor era Kṛṣṇa, voltaram para Dvārakā.

Texto

janebhyaḥ kathayāṁ cakrur
yadu-deva-mahotsavam
yad āsīt tīrtha-yātrāyāṁ
suhṛt-sandarśanādikam

Sinônimos

janebhyaḥ — ao povo; kathayām cakruḥ — relataram; yadu-deva — ­do senhor dos Yadus, Vasudeva; mahā-utsavam — a grande festivida­de; yat — que; āsīt — ocorreu; tīrtha-yātrāyām — durante sua peregri­nação; suhṛt — de seus amigos benquerentes; sandarśana — a visão; ādikam — etc.

Tradução

Eles contaram ao povo da cidade sobre os sacrifícios festivos executados por Vasudeva, o senhor dos Yadus, e sobre tudo o mais que acontecera durante sua peregrinação, especialmente como eles tinham-se encontrado com todos os seus entes que­ridos.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humildes servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhu­pāda referentes ao décimo canto, octogésimo quarto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Os Ensinamentos dos Sábios em Kurukṣetra”.