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Capítulo Vinte e Dois

Bali Mahārāja Entrega Sua Vida

O resumo deste vigésimo segundo capítulo é o seguinte. A Su­prema Personalidade de Deus estava satisfeito com o comportamento de Bali Mahārāja. Por isso, o Senhor o colocou no planeta Sutala, onde, após conceder-lhe bênçãos, o Senhor concordou em tornar-Se seu porteiro.

Bali Mahārāja era extremamente veraz. Sendo incapaz de cumprir sua promessa, ele ficou muito temeroso, pois sabia que alguém que se desvia da veracidade é insignificante aos olhos da sociedade. Uma pessoa virtuosa prefere sofrer os rigores da vida infernal a ser acusada de ter-se desviado da verdade. Por isso, Bali Mahārāja con­cordou com grande prazer em aceitar a punição que lhe foi imposta pela Suprema Personalidade de Deus. Na dinastia de Bali Mahārāja, havia muitos asuras que, devido à sua inimizade com Viṣṇu, alcançaram um destino mais sublime do que o destino de muitos yogīs místicos. Bali Mahārāja, especificamente, lembrou-se da determinação de Prahlāda Mahārāja no serviço devocional. Considerando todos esses pontos, ele decidiu dar em caridade sua cabeça, colocando-a como o lugar para o terceiro passo de Viṣṇu. Bali Mahārāja também analisou como grandes personalidades abandonam suas relações familiares e posses materiais para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Algumas vezes, na verdade, elas sacrificam até mesmo suas vidas para a satisfação do Senhor, simplesmente para tornarem-se Seus servos pessoais. Igualmente, seguindo os passos dos ācāryas e devotos anteriores, Bali Mahārāja sentiu-se exitoso.

Enquanto Bali Mahārāja, tendo sido preso pelas cordas de Varuṇa, oferecia orações ao Senhor, seu avô, Prahlāda Mahārāja, apareceu diante dele e descreveu como a Suprema Personalidade de Deus libertara Bali Mahārāja tirando suas posses através de uma manobra astuta. Enquanto Prahlāda Mahārāja estava presente, o senhor Brahmā e a esposa de Bali, Vindhyāvali, glorificaram a supremacia do Senhor Supremo. Uma vez que Bali Mahārāja havia dado tudo ao Senhor, eles oraram por sua libertação. Então, o Senhor descreveu como, nas mãos de um não-devoto, a riqueza é algo perigoso, ao passo que a opulência de um devoto é uma bênção do Senhor. Então, estan­do satisfeito com Bali Mahārāja, o Senhor Supremo ofereceu o Seu disco para proteger Bali Mahārāja e prometeu permanecer com ele.

Texto

śrī-śuka uvāca
evaṁ viprakṛto rājan
balir bhagavatāsuraḥ
bhidyamāno ’py abhinnātmā
pratyāhāviklavaṁ vacaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; evam — assim, como mencionado acima; viprakṛtaḥ — tendo sido posto em dificuldade; rājan — ó rei; baliḥ — Mahārāja Bali; bhagavatā — pela Personalidade de Deus, Vāmanadeva; asuraḥ — o rei dos asuras; bhidyamānaḥ api — embora situado nessa posição desconfortável; abhinna-ātmā — sem ficar com o corpo ou a mente agitados; pratyāha — respondeu; aviklavam — imperturbado; vacaḥ — as seguintes palavras.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, embora, superficialmente, tenha parecido que a Suprema Personalidade de Deus agiu com o propósito de prejudicar Bali Mahārāja, esse permanecia fixo em sua determinação. Julgando não ter cumprido sua promessa, ele falou as seguintes palavras.

Texto

śrī-balir uvāca
yady uttamaśloka bhavān mameritaṁ
vaco vyalīkaṁ sura-varya manyate
karomy ṛtaṁ tan na bhavet pralambhanaṁ
padaṁ tṛtīyaṁ kuru śīrṣṇi me nijam

Sinônimos

śrī-baliḥ uvāca — Bali Mahārāja disse; yadi — caso; uttamaśloka — ó Senhor Supremo; bhavān — Vós; mama — minhas; īritam — prome­tidas; vacaḥ — palavras; vyalīkam — falsas; sura-varya — ó maior de todos os suras (semideuses); manyate — pensais assim; karomi — farei as mesmas; ṛtam — verdade; tat — esta (promessa); na — não; bhavet — se tornará; pralambhanam — enganação; padam — passo; tṛtīyam — o ter­ceiro; kuru — por favor, fazei-o; śīrṣṇi — sobre a cabeça; me — minha; nijam — Vossos pés de lótus.

Tradução

Bali Mahārāja disse: Ó excelente Personalidade de Deus, ó pessoa adorabilíssima para todos os semideuses, se julgais que minha promessa se tornou falsa, decerto retificarei qualquer equívoco para mostrar que ela é verdadeira. Não posso permitir que minha pro­messa seja falsa. Portanto, por favor, colocai sobre minha cabeça o Vosso terceiro passo de lótus.

Comentário

SIGNIFICADO—Bali Mahārāja pôde entender a dissimulação do Senhor Vāmanadeva, que tomara o partido dos semideuses e Se apresentou a eles como um mendigo. Embora o propósito do Senhor fosse enganá-lo, Bali Mahārāja sentiu prazer em entender como o Senhor, enganando Seu devoto, glorificaria a posição desse. Afirma-se que Deus é bom, e isso é um fato. Quer engane, quer recompense, Ele é sempre bom. Bali Mahārāja, portanto, ao dirigir-se a Ele, tratou-O por Uttamaśloka. “Vossa Oni­potência”, disse ele, “Vós sempre sois louvado com os versos mais seletos. Em benefício dos semideuses, dis­farçastes-Vos para me enganar, dizendo que desejáveis apenas três passos de terra, mas, posteriormente, expandistes Vosso corpo a pro­porções tão imensas que, com dois passos, cobristes todo o universo. Como estáveis agindo em benefício de Vossos devotos, não considerastes isso uma trapaça. Não importa. Não posso ser considerado um de­voto. Entretanto, porque viestes a mim para mendigar, embora sejais o esposo da deusa da fortuna, devo satisfazer-Vos ao máximo da minha capacidade. Então, por favor, não penseis que quero enga­nar-Vos; devo cumprir minha promessa. Ainda tenho uma posse – meu corpo. Tirastes minha riqueza, mas ainda tenho o meu corpo. Quando eu entregar meu corpo para Vossa satisfação, por favor, colocai Vosso terceiro passo sobre minha cabeça.” Uma vez que o Senhor havia coberto todo o universo com dois passos, alguém po­deria perguntar como a cabeça de Bali Mahārāja seria suficiente para o Seu terceiro passo! Bali Mahārāja, entretanto, considerava que o possuidor de riquezas tem que ser maior do que a sua posse. Por­tanto, embora o Senhor tivesse tirado todas as suas posses, a cabeça de Bali Mahārāja, o possuidor, seria um lugar adequado para o ter­ceiro passo do Senhor.

Texto

bibhemi nāhaṁ nirayāt pada-cyuto
na pāśa-bandhād vyasanād duratyayāt
naivārtha-kṛcchrād bhavato vinigrahād
asādhu-vādād bhṛśam udvije yathā

Sinônimos

bibhemi — não temo; na — não; aham — eu; nirayāt — de uma posi­ção no inferno; pada-cyutaḥ — tampouco temo perder minha posição; na — nem; pāśa-bandhāt — de ser preso pelas cordas de Varuṇa; vya­sanāt — nem da aflição; duratyayāt — que era insuportável para mim; na — nem; eva — decerto; artha-kṛcchrāt — devido à pobreza, ou escas­sez de dinheiro; bhavataḥ — de Vossa Onipotência; vinigrahāt — da punição que agora estou sofrendo; asādhu-vādāt — da difamação; bhṛśam — muito; udvije — fico ansioso; yathā — como.

Tradução

Não temo perder todas as minhas posses, viver uma vida infernal, ser preso devido à pobreza pelas cordas de Varuṇa ou ser punido por Vós tanto quanto eu temo ser difamado.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora tenha se rendido plenamente à Suprema Personalidade de Deus, Bali Mahārāja não podia tolerar que o difamassem dizen­do que ele enganou um brāhmaṇa brahmacārī. Estando completa­mente alerta no que diz respeito à sua reputação, ele pensou muito em como evitar ser difamado. O Senhor, portanto, deu-lhe o bom conselho de que ele deveria impedir a difamação oferecendo sua ca­beça. O vaiṣṇava não teme nenhuma punição. Nārāyaṇa-parāḥ sarve na kutaścana bibhyati. (Śrīmad-Bhāgavatam 6.17.28)

Texto

puṁsāṁ ślāghyatamaṁ manye
daṇḍam arhattamārpitam
yaṁ na mātā pitā bhrātā
suhṛdaś cādiśanti hi

Sinônimos

puṁsām — de homens; ślāghya-tamam — a mais sublime; manye — considero; daṇḍam — punição; arhattama-arpitam — dada por Vós, o supremo Senhor adorável; yam — a qual; na — nem; mātā — mãe; pitā — pai; bhrātā — irmão; suhṛdaḥ — amigos; ca — também; ādiśanti — oferecem; hi — na verdade.

Tradução

Embora o pai, a mãe, um irmão ou amigo possam às vezes punir alguém como um benquerente, eles nunca aplicam a seus subordinados uma punição como esta. Porém, como sois o Senhor adorabilíssimo, considero muito sublime a posição que me infligistes.

Comentário

SIGNIFICADO—A punição infligida pela Suprema Personalidade de Deus é aceita pelo devoto como a maior misericórdia.

tat te ’nukampāṁ susamīkṣamāṇo
bhuñjāna evātma-kṛtaṁ vipākam
hṛd-vāg-vapurbhir vidadhan namas te
jīveta yo mukti-pade sa dāya-bhāk

“Aquele que busca Vossa compaixão e, portanto, tolera toda classe de condições adversas consequentes ao karma dos seus feitos pas­sados, que sempre se ocupa em Vosso serviço devocional com sua mente, palavras e corpo, e que sempre Vos oferece reverências de­certo é um autêntico candidato à liberação.” (Śrīmad-Bhāgavatam 10.14.8) O devoto sabe que a aparente punição aplicada pela Suprema Persona­lidade de Deus é apenas Seu favor para corrigir Seu devoto e trazê-lo para o caminho correto. Portanto, nem mesmo o maior benefício conce­dido pelo pai, pela mãe, pelo irmão ou amigo materiais de alguém pode-se comparar à punição dada pela Suprema Personalidade de Deus.

Texto

tvaṁ nūnam asurāṇāṁ naḥ
parokṣaḥ paramo guruḥ
yo no ’neka-madāndhānāṁ
vibhraṁśaṁ cakṣur ādiśat

Sinônimos

tvam — Vossa Onipotência; nūnam — na verdade; asurāṇām — dos demônios; naḥ — como somos; parokṣaḥ — indireto; paramaḥ — o supremo; guruḥ — mestre espiritual; yaḥ — Vossa Onipotência; naḥ — de nós; aneka — muitas; mada-andhānām — cegos pelas opulências materiais; vibhraṁśam — destruindo nosso falso prestígio; cakṣuḥ — o olho do conhecimento; ādiśat — deu.

Tradução

Uma vez que Vossa Onipotência é indiretamente o maior benque­rente de nós demônios, agis para o nosso máximo bem-estar fazendo-Vos passar por nosso inimigo. Visto que demônios como nós sempre aspiramos a uma posição de falso prestígio, castigando­-nos, Vós nos dais os olhos com os quais podemos ver o caminho correto.

Comentário

SIGNIFICADO—Bali Mahārāja considerava a Suprema Personalidade de Deus mais amigo dos demônios do que dos semideuses. No mundo material, quanto mais posses materiais alguém obtém, mais ele se torna cego para a vida espiritual. Os semideuses são devotos do Senhor a troco de posses materiais, mas, embora os demônios aparentemente não tenham a Suprema Personalidade de Deus a seu lado, Ele sempre age como benquerente deles, privando-os de suas posições de falso prestígio. Com falso prestígio, as pessoas são de­sencaminhadas, daí o Senhor Supremo favorecê-las removendo sua posição de falso prestígio.

Texto

yasmin vairānubandhena
vyūḍhena vibudhetarāḥ
bahavo lebhire siddhiṁ
yām u haikānta-yoginaḥ
tenāhaṁ nigṛhīto ’smi
bhavatā bhūri-karmaṇā
baddhaś ca vāruṇaiḥ pāśair
nātivrīḍe na ca vyathe

Sinônimos

yasmin — a Vós; vaira-anubandhena — por tratar continuamente como inimigo; vyūḍhena — firmemente fixos nessa inteligência; vibudha-itarāḥ — os demônios (aqueles que não são semideuses); baha­vaḥ — muitos deles; lebhire — alcançaram; siddhim — perfeição; yām — a qual; u ha — sabe-se muito bem; ekānta-yoginaḥ — igual às conquistas obtidas por yogīs místicos completamente exitosos; tena — portanto; aham — eu; nigṛhītaḥ asmi — embora esteja sendo punido; bhava­tā — por Vossa Onipotência; bhūri-karmaṇā — que pode fazer tantas coisas maravilhosas; baddhaḥ ca — eu estou preso e atado; vāruṇaiḥ pāśaiḥ — pelas cordas de Varuṇa; na ati-vrīḍe — não estou nem um pouco envergonhado; na ca vyathe — tampouco estou sofrendo muito.

Tradução

Muitos demônios que continuamente eram Vossos inimigos acaba­ram alcançando a perfeição própria de grandes yogīs místicos. Vossa Onipotência pode, através de uma única atividade, satisfazer muitos propósitos, e, consequentemente, embora me tenhais punido de tantas maneiras, não me sinto envergonhado de ter sido preso pelas cordas de Varuṇa, tampouco me sinto lesado.

Comentário

SIGNIFICADO—Bali Mahārāja apreciava a misericórdia que o Senhor outorgava não apenas a ele, mas também a tantos outros demônios. Porque essa misericórdia é distribuída liberalmente, o Senhor Supremo é chamado de muitíssimo misericordioso. Bali Mahārāja, na verdade, era um devoto plenamente rendido, mas mesmo alguns demônios que não eram nem um pouco devotos, senão que eram meros inimigos do Senhor, alcançaram a mesma excelsa posição obtida por muitos yogīs místicos. Logo, Bali Mahārāja pôde entender que o Senhor tinha algum propósito oculto ao puni-lo. Em consequência disso, ele não se sentia infeliz nem envergonhado por causa da posição incômoda na qual foi posto pela Suprema Personalidade de Deus.

Texto

pitāmaho me bhavadīya-sammataḥ
prahrāda āviṣkṛta-sādhu-vādaḥ
bhavad-vipakṣeṇa vicitra-vaiśasaṁ
samprāpitas tvaṁ paramaḥ sva-pitrā

Sinônimos

pitāmahaḥ — avô; me — meu; bhavadīya-sammataḥ — estimado pelos devotos de Vossa Onipotência; prahrādaḥ — Prahlāda Mahārāja; āviṣkṛta-sādhu-vādaḥ — famoso, sendo célebre em toda parte como devoto; bhavat-vipakṣeṇa — simplesmente indo contra Vós; vicitra-vaiśasam — inventando diferentes classes de tormentos; samprāpitaḥ — sofreu; tvam — a Vós; paramaḥ — o refúgio supremo; sva-­pitrā — pelo seu próprio pai.

Tradução

Meu avô Prahlāda Mahārāja é famoso e é celebrado por todos os Vossos devotos. Embora afligido de tantas maneiras pelo seu pai, Hiraṇyakaśipu, mesmo assim, permaneceu fiel, refugiando-se em Vossos pés de lótus.

Comentário

SIGNIFICADO—Um devoto puro como Prahlāda Mahārāja, embora passe por tantas circunstâncias aflitivas, jamais abandona o refúgio da Suprema Personalidade de Deus para abrigar-se em alguma outra pessoa. O devoto puro nunca se queixa alegando que não recebe a misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Um exemplo vívido é Prahlāda Mahārāja. Examinando a vida de Prahlāda Mahārāja, podemos ver quão severamente ele foi atormentado pelo seu próprio pai, Hiraṇyakaśipu; todavia, ele não afastou sua atenção do Senhor um instante sequer. Bali Mahārāja, seguindo os passos de seu avô Prahlāda Mahārāja, permaneceu fixo em sua devoção ao Senhor, apesar de o Senhor tê­-lo punido.

Texto

kim ātmanānena jahāti yo ’ntataḥ
kiṁ riktha-hāraiḥ svajanākhya-dasyubhiḥ
kiṁ jāyayā saṁsṛti-hetu-bhūtayā
martyasya gehaiḥ kim ihāyuṣo vyayaḥ

Sinônimos

kim — qual a utilidade; ātmanā anena — deste corpo; jahāti — abandona; yaḥ — o qual (corpo); antataḥ — no fim da vida; kim — qual utilidade; riktha-hāraiḥ — os saqueadores de riqueza; svajana-ākhya-dasyubhiḥ — aqueles que, na verdade, são os saqueadores, mas se fazem passar por parentes; kim — qual a utilidade; jāyayā — de uma esposa; saṁsṛti-hetu-bhūtayā — que é a fonte do aumento de condições materiais; martyasya — de uma pessoa que certamente morrerá; gehaiḥ — de família, lares e comunidade; kim — qual a utilidade; iha — a casa na qual; āyuṣaḥ — da duração de vida; vyayaḥ — simples desperdício.

Tradução

Qual a utilidade do corpo material, que fatalmente será deixado pelo seu proprietário no fim da vida? E qual a utilidade de todos os membros familiares, os quais, na verdade, são saqueadores que arrebatam o dinheiro que poderia ser utilizado a serviço da Senhor para gerar opulência espiritual? Qual a utilidade da esposa? Ela é apenas a fonte para a intensificação de condições materiais. E qual a utilidade da família, lar, nação e comunidade? O apego a eles apenas desperdiça a valiosa energia manifesta ao longo da du­ração de vida da pessoa.

Comentário

SIGNIFICADO—Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, aconselha que sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja: “Abandona todas as variedades de religião e simplesmente rende-te a Mim.” O homem comum não valoriza essa afirmação proferida pela Suprema Personalidade de Deus porque pensa que, durante sua vida, sua família, sociedade, nação, corpo e parentes são tudo. Por que alguém deveria abandonar alguns deles e refugiar-se na Suprema Personalidade de Deus? Todavia, através do comportamento de grandes personalidades como Prahlāda Mahārāja e Bali Mahārāja, entendemos que a rendição ao Senhor é a ação correta para qualquer pessoa inteligen­te. Contra o desejo de seu pai, Prahlāda Mahārāja se refugiou em Viṣṇu. Igualmente, Bali Mahārāja se refugiou em Vāmanadeva contra o desejo do seu mestre espiritual, Śukrācārya, e também contra o desejo de todos os líderes dos demônios. As pessoas talvez fiquem surpresas em saber que devotos tais como Prahlāda Mahārāja e Bali Mahārāja tenham sido capazes de buscar refúgio no inimigo, abandonando a natural afinidade que existe pela família e pelo aconchego do lar. Com relação a isso, Bali Mahārāja declara que o corpo, o centro de todas as atividades materiais, também é um elemento estranho. Muito embora desejemos manter o corpo em forma e útil em nossas atividades, ele não pode continuar eternamente. Embora eu seja uma alma eterna, de acordo com as leis da natureza, após usar este corpo por algum tempo, tenho que aceitar outro corpo (tathā dehāntara-prāptiḥ), a menos que, com o corpo, preste algum serviço para avançar em serviço devocional. Não se deve usar o corpo para nenhum outro propósito. Todos devem saber que, se alguém usar o corpo para algum outro fim, sim­plesmente estará desperdiçando tempo, visto que, tão logo o tempo expire, a alma automaticamente deixará o corpo.

Temos muito interesse em sociedade, amizade e amor, mas o que eles são? Tudo o que fazem aqueles estão disfarçados de amigos e parentes é saquear o dinheiro que a alma desorientada ganhou a duras penas. Cada qual tem afeição por sua esposa e está apegado a ela, mas o que é essa esposa? A esposa chama-se strī, que significa “aquela que expande a condição material”. Se alguém vive sem uma es­posa, suas condições materiais são menos expansivas. Logo que o homem se casa e se liga a uma esposa, suas necessidades materiais aumentam.

puṁsaḥ striyā mithunī-bhāvam etaṁ
tayor mitho hṛdaya-granthim āhuḥ
ato gṛha-kṣetra-sutāpta-vittair
janasya moho ’yam ahaṁ mameti

“A atração entre macho e fêmea é o princípio básico da existência material. Com base nessa concepção errônea, que amarra os cora­ções do homem e da mulher, a pessoa se sente atraída por seu corpo, lar, propriedades, filhos, parentes e riquezas. Dessa maneira, sua vida se enche de ilusões e ela pensa em termos de ‘eu e meu’.” (Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.8) A vida humana presta-se à autorrealização, e não a acumular coisas indesejáveis. Na verdade, uma esposa serve para que se aumentem coisas indesejáveis. A vida, o lar e tudo o que alguém possua, se não forem apropriadamente usados a serviço do Senhor, tornam-se todos fontes de condições materiais, onde há sofrimento perpétuo im­pelido pelas três classes de sofrimentos (adhyātmika, adhibhautika e adhidaivika). Infelizmente, na sociedade humana, não há instituição alguma que forneça essa educação. Todos são mantidos em escuridão quanto à meta da vida, daí existir uma contínua luta pela existência. Falamos de “sobrevivência do mais forte”, mas ninguém sobrevive, pois, sob a influência das condições materiais, ninguém está livre.

Texto

itthaṁ sa niścitya pitāmaho mahān
agādha-bodho bhavataḥ pāda-padmam
dhruvaṁ prapede hy akutobhayaṁ janād
bhītaḥ svapakṣa-kṣapaṇasya sattama

Sinônimos

ittham — por causa disso (como se afirmou acima); saḥ — ele, Prahlāda Mahārāja; niścitya — definitivamente decidindo sobre este ponto; pitāmahaḥ — meu avô; mahān — o grande devoto; agādha-bodhaḥ — meu avô, que recebeu conhecimento ilimitado devido a seu serviço devocional; bhavataḥ — de Vossa Onipotência; pāda-padmam — os pés de lótus; dhruvam — o eterno refúgio infalível; prapede — rendeu­-se; hi — na verdade; akutaḥ-bhayam — inteiramente livre do temor; janāt — das pessoas comuns; bhītaḥ — tendo medo; svapakṣa-kṣapa­ṇasya — de Vossa Onipotência, que mata os demônios que ficaram do nosso próprio lado; sat-tama — ó melhor dos melhores.

Tradução

Meu avô, o melhor de todos os homens, que alcançou conhecimento ilimitado e era adorável a todos, temia os homens comuns deste mundo. Estando plenamente convicto da estabilidade oferecida pelo refúgio a Vossos pés de lótus, ele se abrigou a Vossos pés de lótus, ainda que, para isso, tenha agido contra o desejo de seu pai e amigos demoníacos, que foram mortos por não outrem senão Vós.

Texto

athāham apy ātma-ripos tavāntikaṁ
daivena nītaḥ prasabhaṁ tyājita-śrīḥ
idaṁ kṛtāntāntika-varti jīvitaṁ
yayādhruvaṁ stabdha-matir na budhyate

Sinônimos

atha — portanto; aham — eu; api — também; ātma-ripoḥ — que sois o inimigo tradicional da família; tava — Vosso; antikam — o refúgio; daivena — pela providência; nītaḥ — trazido a; prasabham — à força; tyājita — destituído de; śrīḥ — toda a opulência; idam — esta filosofia de vida; kṛta-anta-antika-varti — sempre recebendo condições de morrer; jīvitam — a duração da vida; yayā — por essa opulência material; adhruvam — como temporária; stabdha-matiḥ — tal pessoa sem inteligência; na budhyate — não pode entender.

Tradução

É somente pela providência que, forçosamente, fui trazido aos Vossos pés de lótus e fiquei privado de toda a minha opulência. Devido à ilusão criada pela opulência temporária, as pessoas em geral, que vivem em condições materiais, deparando-se a cada momento com a morte inesperada, não entendem que esta vida é temporária. Somente pela providência fui salvo dessa condição.

Comentário

SIGNIFICADO—Bali Mahārāja apreciou as ações da Suprema Personalidade de Deus, embora todos os membros das famílias demoníacas, com exceção de Prahlāda Mahārāja e Bali Mahārāja, considerassem Viṣṇu como seu eterno e tradicional inimigo. Como declarou Bali Mahā­rāja, o Senhor Viṣṇu, na verdade, não era inimigo da família, mas o melhor amigo da família. Já se descreveu qual o princípio dessa amizade. Yasyāham anugṛhṇāmi hariṣye tad-dhanaṁ śanaiḥ: o Senhor outorga favor especial ao Seu devoto, tirando-lhe todas as opulên­cias materiais. Bali Mahārāja apreciou esse comportamento do Senhor. Portanto, ele disse que daivena nītaḥ prasabhaṁ tyājita-śrīḥ: “Foi para me levar à plataforma correta de vida eterna que me pusestes nestas circunstâncias.”

Na verdade, todos devem temer a dita sociedade, amizade e amor pelos quais trabalham tão arduamente ao longo do dia e da noite. Como Bali Mahārāja indica através das palavras janād bhītaḥ, todo devo­to em consciência de Kṛṣṇa deve sempre temer os homens comuns ocupados em buscar pela prosperidade material. Tais pessoas são des­critas como pramatta, loucos que buscam o fogo-fátuo. Semelhan­tes homens não sabem que, após uma árdua luta pela vida, deve-se mudar de corpo, sem a certeza de que classe de corpo se receberá em seguida. Aqueles que estão completamente estabelecidos na filo­sofia da consciência de Kṛṣṇa e que, portanto, entendem a meta da vida jamais adotarão as atividades em que os cães empreendem uma corrida materialista. Contudo, se o devoto since­ro acaso caia de alguma forma, o Senhor o corrigirá e o impedirá de deslizar à mais escura região de vida infernal.

adānta-gobhir viśatāṁ tamisraṁ
punaḥ punaś carvita-carvaṇānām

O modo de vida materialista é simplesmente mastigar repetidas vezes aquilo que já foi mastigado. Embora não haja proveito nesse tipo de vida, as pessoas estão enamoradas dela devido aos sentidos des­controlados. Nūnaṁ pramattaḥ kurute vikarma. Devido aos senti­dos descontrolados, as pessoas se ocupam inteiramente em atividades pecaminosas através das quais obtêm um corpo que propiciará muito sofrimento. Bali Mahārāja soube valorizar o fato de o Senhor tê-lo resgatado dessa vida confusa e ignorante. Portanto, ele disse que sua inteligência estava aturdida. Stabdha-matir na budhyate. Antes, ele não conseguia entender como a Suprema Personalidade de Deus favorece Seus devotos cessando à força suas atividades materiais.

Texto

śrī-śuka uvāca
tasyetthaṁ bhāṣamāṇasya
prahrādo bhagavat-priyaḥ
ājagāma kuru-śreṣṭha
rākā-patir ivotthitaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; tasya — Bali Mahārāja; ittham — dessa maneira; bhāṣamāṇasya — enquanto descrevia sua posição afortunada; prahrādaḥ — Mahārāja Prahlāda, seu avô; bhagavat-priyaḥ — o devoto favorito da Suprema Personalidade de Deus; ājagāma — apareceu ali; kuru-śreṣṭha — ó melhor dos Kurus, Mahārāja Parīkṣit; rākā-patiḥ — a Lua; iva — como; utthitaḥ — tendo surgido.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Ó melhor dos Kurus, enquanto Bali Mahārāja descrevia dessa maneira sua posição afortunada, o mais querido devoto do Senhor, Prahlāda Mahārāja, apareceu ali, tal qual a Lua que surge à noite.

Texto

tam indra-senaḥ sva-pitāmahaṁ śriyā
virājamānaṁ nalināyatekṣaṇam
prāṁśuṁ piśaṅgāmbaram añjana-tviṣaṁ
pralamba-bāhuṁ śubhagarṣabham aikṣata

Sinônimos

tam — este Prahlāda Mahārāja; indra-senaḥ — Bali Mahārāja, que agora possuía toda a força militar de Indra; sva-pitāmaham — a seu avô; śriyā — presente com todos os belos traços corpóreos; virājamānam — permanecendo ali; nalina-āyata-īkṣaṇam — com olhos tão largos como pétalas de lótus; prāṁśum — um corpo belíssimo; piśaṅga-ambaram — vestido com roupas amarelas; añjana-tviṣam — com seu corpo pareci­do com o unguento negro para os olhos; pralamba-bāhum — braços muito longos; śubhaga-ṛṣabham — a melhor de todas as pessoas aus­piciosas; aikṣata — ele viu.

Tradução

Então, Bali Mahārāja viu seu avô Prahlāda Mahārāja, a mais afor­tunada personalidade, cujo corpo escuro parecia unguento negro para os olhos. Sua figura alta e elegante estava vestida com roupas amarelas; ele tinha braços longos, e seus belos olhos eram como pétalas de lótus. Ele era muito querido e agradável a todos.

Texto

tasmai balir vāruṇa-pāśa-yantritaḥ
samarhaṇaṁ nopajahāra pūrvavat
nanāma mūrdhnāśru-vilola-locanaḥ
sa-vrīḍa-nīcīna-mukho babhūva ha

Sinônimos

tasmai — a Prahlāda Mahārāja; baliḥ — Bali Mahārāja; vāruṇa­-pāśa-yantritaḥ — estando amarrado pelas cordas de Varuṇa; samar­haṇam — respeito adequado; na — não; upajahāra — ofereceu; pūrva­-vat — como antes; nanāma — ofereceu reverências; mūrdhnā — com a cabeça; aśru-vilola-locanaḥ — olhos inundados de lágrimas; sa-vrīḍa — com recato; nīcīna — para baixo; mukhaḥ — rosto; babhūva ha — ele ficou assim.

Tradução

Estando amarrado pelas cordas de Varuṇa, Bali Mahārāja não pôde oferecer a Prahlāda Mahārāja respeitos adequados, como fizera antes. Ao contrário, simplesmente ofereceu respeitosas reverências com sua cabeça; seus olhos ficaram inundados de lágrimas, e seu rosto curvou-se de vergonha.

Comentário

SIGNIFICADO—Como fora preso pelo Senhor Vāmanadeva, Bali Mahārāja certamente deveria ser considerado um ofensor. Bali Mahārāja sentia-se, de fato, um ofensor da Suprema Personalidade de Deus. Decerto, Prahlāda Mahārāja não iria gostar disso. Portanto, Bali Mahārāja estava envergonhado e abaixou sua cabeça.

Texto

sa tatra hāsīnam udīkṣya sat-patiṁ
hariṁ sunandādy-anugair upāsitam
upetya bhūmau śirasā mahā-manā
nanāma mūrdhnā pulakāśru-viklavaḥ

Sinônimos

saḥ — Prahlāda Mahārāja; tatra — ali; ha āsīnam — sentado; udīk­ṣya — após ver; sat-patim — a Suprema Personalidade de Deus, o mestre das almas liberadas; harim — Senhor Hari; sunanda-ādi-anu­gaiḥ — pelos Seus seguidores, tais como Sunanda; upāsitam — sendo adorado; upetya — aproximando-se de; bhūmau — no chão; śira­sā — com sua cabeça (prostrada); mahā-manāḥ — o grande devoto; nanāma — ofereceu reverências; mūrdhnā — com sua cabeça; pulaka­-aśru-viklavaḥ — inundado de lágrimas de júbilo.

Tradução

Ao ver que o Senhor Supremo estava sentado ali, cercado e adorado por Seus associados íntimos, tais como Sunanda, a grande personalidade Prahlāda Mahārāja inundou-se de lágrimas de júbilo. Aproximando-se do Senhor e caindo ao chão, ele prostrou sua cabeça para oferecer reverências ao Senhor.

Texto

śrī-prahrāda uvāca
tvayaiva dattaṁ padam aindram ūrjitaṁ
hṛtaṁ tad evādya tathaiva śobhanam
manye mahān asya kṛto hy anugraho
vibhraṁśito yac chriya ātma-mohanāt

Sinônimos

śrī-prahrādaḥ uvāca — Prahlāda Mahārāja disse; tvayā — por Vossa Onipotência; eva — na verdade; dattam — que foi dada; padam — esta posição; aindram — do rei dos céus; ūrjitam — muitíssimo grande; hṛtam — foi tirado; tat — isto; eva — na verdade; adya — hoje; tathā — como; eva — na verdade; śobhanam — belo; manye — considero; mahān — muito grande; asya — dele (Bali Mahārāja); kṛtaḥ — foi feita por Vós; hi — na verdade; anugrahaḥ — misericórdia; vibhraṁśitaḥ — estando desprovido de; yat — porque; śriyaḥ — desta opulência; ātma-moha­nāt — que estava estorvando o processo de autorrealização.

Tradução

Prahlāda Mahārāja disse: Meu Senhor, foi Vossa Onipotência quem deu a este Bali uma enorme opulência, entregando-lhe o posto de rei celestial, mas agora, no dia de hoje, Vós mesmo tirastes tudo dele. Creio que agistes com igual retidão em ambos os casos. Porque sua elevada posição de rei dos céus estava colocando-o na escuridão da ignorância, fizestes-lhe um misericordiosíssimo favor ao privá-lo de todas as opulências.

Comentário

SIGNIFICADO—Afirma-se que yasyāham anugṛhṇāmi hariṣye tad-dhanaṁ śanaiḥ (Śrīmad-Bhāgavatam 10.88.8). É por misericórdia do Senhor que alguém pode obter toda a opulência material, mas se tal opulência material o induz a tornar-se arrogante e esquecer-se do processo de autorreali­zação, o Senhor decerto lhe tirará toda a opulência. O Senhor ou­torga misericórdia ao Seu devoto ajudando-o a entender sua posição constitucional. Para esse propósito, o Senhor sempre está disposto a ajudar o devoto de todas as maneiras. Mas a opulência material às vezes é perigosa, visto que distrai a atenção das pessoas para o falso prestígio, conferindo-lhes a ideia de que são os proprietários e mestres de tudo que existe, embora, na verdade, os fatos não sejam esses. Para proteger o devoto, afastando-o desse equívoco, o Senhor, mostrando misericórdia especial, às vezes tira suas posses materiais. Yasyāham anugṛhṇāmi hariṣye tad-dhanaṁ śanaiḥ.

Texto

yayā hi vidvān api muhyate yatas
tat ko vicaṣṭe gatim ātmano yathā
tasmai namas te jagad-īśvarāya vai
nārāyaṇāyākhila-loka-sākṣiṇe

Sinônimos

yayā — a opulência material pela qual; hi — na verdade; vidvān api — mesmo uma pessoa afortunadamente avançada em educação; muhyate — fica confusa; yataḥ — autocontrolada; tat — esta; kaḥ — que; vicaṣṭe — pode buscar; gatim — o progresso; ātmanaḥ — do eu; yathā — apropriadamente; tasmai — a Ele; namaḥ — ofereço minhas respeito­sas reverências; te — a Vós; jagat-īśvarāya — ao Senhor do universo; vai — na verdade; nārāyaṇāya — à Sua Onipotência Nārāyaṇa; akhila-­loka-sākṣiṇe — que é a testemunha de toda a criação.

Tradução

A opulência material desorienta tão fortemente que faz até mesmo um homem erudito e autocontrolado esquecer-se de buscar a meta da autorreali­zação. Mas, por Sua vontade, a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, o Senhor do universo, pode ver tudo. Portanto, ofere­ço-Lhe minhas respeitosas reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—As palavras ko vicaṣṭe gatim ātmano yathā indicam que, quando alguém está envaidecido pelo falso prestígio porque possui opulên­cias materiais, decerto negligencia a meta da autorrealização. Essa é a posição do mundo moderno. Devido aos supostos avanços cien­tíficos que trazem opulência material, as pessoas abandonaram por completo o caminho da autorrealização. Em termos práticos, ninguém está interessado em Deus, em seu relacionamento com Deus ou em como se deve agir. Os homens modernos esqueceram-se por completo dessas questões porque buscam por posses materiais como loucos. Se esta classe de civilização continuar, muito em breve chegará o tempo em que a Su­prema Personalidade de Deus tirará todas as suas opulências mate­riais. Então, as pessoas voltarão à razão.

Texto

śrī-śuka uvāca
tasyānuśṛṇvato rājan
prahrādasya kṛtāñjaleḥ
hiraṇyagarbho bhagavān
uvāca madhusūdanam

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; tasya — de Prahlāda Mahārāja; anuśṛṇvataḥ — de modo que ele pudesse ouvir; rājan — ó rei Parīkṣit; prahrādasya — de Prahlāda Mahārāja; kṛta-añjaleḥ — que permanecia de mãos postas; hiraṇyagarbhaḥ — senhor Brahmā; bhagavān — o poderosíssimo; uvāca — disse; madhusūdanam — a Madhusūdana, a Personalidade de Deus.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Ó rei Parīkṣit, o senhor Brahmā, então, começou a dirigir a palavra à Suprema Personalidade de Deus. O que ele falava podia ser ouvido por Prahlāda Mahārāja, que, ali perto, per­manecia de mãos postas.

Texto

baddhaṁ vīkṣya patiṁ sādhvī
tat-patnī bhaya-vihvalā
prāñjaliḥ praṇatopendraṁ
babhāṣe ’vāṅ-mukhī nṛpa

Sinônimos

baddham — preso; vīkṣya — vendo; patim — o seu esposo; sādhvī — a casta mulher; tat-patnī — esposa de Bali Mahārāja; bhaya-vihvalā — estando muito perturbada pelo temor; prāñjaliḥ — de mãos postas; praṇatā — tendo oferecido reverências; upendram — a Vāmanadeva; babhāṣe — dirigiu-se; avāk-mukhī — com o rosto curvado; nṛpa — ó Mahārāja Parīkṣit.

Tradução

Foi então que a casta esposa de Bali Mahārāja, temerosa e aflita vendo que seu esposo estava preso, imediatamente ofereceu reverên­cias ao Senhor Vāmanadeva [Upendra]. De mãos postas, ela falou as seguintes palavras.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora estivesse falando, o senhor Brahmā teve que parar por um momento porque a esposa de Bali Mahārāja, Vindhyāvali, que estava muito agitada e temerosa, queria dizer algo.

Texto

śrī-vindhyāvalir uvāca
krīḍārtham ātmana idaṁ tri-jagat kṛtaṁ te
svāmyaṁ tu tatra kudhiyo ’para īśa kuryuḥ
kartuḥ prabhos tava kim asyata āvahanti
tyakta-hriyas tvad-avaropita-kartṛ-vādāḥ

Sinônimos

śrī-vindhyāvaliḥ uvāca — Vindhyāvali, a esposa de Bali Mahārāja, disse; krīḍā-artham — com o propósito dos passatempos; ātmanaḥ — Vossos; idam — isto; tri-jagat — os três mundos (este universo); kṛtam — foi criado; te — por Vós; svāmyam — propriedade; tu — mas; tatra — sobre isso; kudhiyaḥ — patifes tolos; apare — outros; īśa — ó meu Senhor; kuryuḥ — estabeleceram; kartuḥ — para o criador supremo; prabhoḥ — para o mantenedor supremo; tava — para Vós próprio; kim — o que; asyataḥ — para o aniquilador supremo; āvahanti — eles podem oferecer; tyakta-hriyaḥ — descarados, sem inteligência; tvat — por Vós; avaropita — falsamente conferida devido a um pobre fundo de conhecimento; kartṛ-vādāḥ — a propriedade desses agnósticos tolos.

Tradução

Śrīmatī Vindhyāvali disse: Ó meu Senhor, criastes todo o universo para desfrutardes dos Vossos passatempos pessoais, mas os homens tolos e sem inteligência reivindicam o direito de gozo material. Sem dúvida, não são nada além de agnósticos desavergonhados. Falsamente alegando-se proprietários, pensam que podem fazer caridade e desfrutar. Nessas condições, que bem eles poderão fazer a Vós, que, agindo de maneira indepen­dente, criais, mantendes e aniquilais este universo?

Comentário

SIGNIFICADO—A esposa de Bali Mahārāja, a qual era muito inteligente, apoiou o aprisionamento de seu esposo e lamentou sua falta de inteligência porque ele tentou apoderar-se da propriedade do Senhor. Semelhante atitude deixa transparecer uma vida demoníaca. Embora os semideuses, os administradores designados pelo Senhor, estejam apegados ao gozo material, eles nunca se declaram proprietários do universo, pois sabem que o verdadeiro proprietário de tudo é a Suprema Personalidade de Deus. Essa qualificação é própria dos semideuses. Mas os demônios, em vez de aceitarem a exclusiva propriedade da Suprema Personalidade de Deus, apresentam-se como proprietários do universo, fazendo demarcações nacionalistas. “Esta parte é minha, e aquela parte é sua”, dizem eles. “Esta parte posso dar em caridade, e aquela parte devo manter para o meu prazer.” Todos esses concei­tos são demoníacos. Isso é descrito na Bhagavad-gītā (16.13): idam adya mayā labdham imaṁ prāpsye manoratham. “Até aqui, adqui­ri muito dinheiro e terras. Agora, tenho que conseguir mais e mais. Dessa maneira, serei o maior proprietário de tudo. Quem poderá competir comigo?” Todas essas ideias são demoníacas.

A esposa de Bali Mahārāja acusou-o dizendo que, embora a Suprema Personalidade de Deus o houvesse prendido, mostrando-lhe extraordinária misericórdia, e embora Bali Mahārāja estivesse oferecendo o seu corpo ao Senhor Supremo para que Este desse o terceiro passo, ele ainda estava na escuridão da ignorância. Na verdade, o corpo não lhe pertencia, mas, devido à sua inveterada mentali­dade demoníaca, ele não conseguia compreender isso. Ele pensava que, como fora difamado por sua incapacidade de fazer a caridade que prometera, e como o corpo lhe pertencia, ele se libertaria da difamação oferecendo o seu corpo. Na verdade, entretanto, o corpo não pertence a ninguém mais exceto a Suprema Personalidade de Deus, por quem o corpo nos é dado. Como se afirma na Bhagavad-gītā (18.61):

īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ
hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati
bhrāmayan sarva-bhūtāni
yantrārūḍhāni māyayā

O Senhor está situado no âmago do coração de todos, e, de acordo com os desejos materiais da entidade viva, o Senhor, por intermédio da energia material, oferece-lhe uma determinada espécie de máquina – o corpo. Na verdade, o corpo não pertence à entidade viva; perten­ce à Suprema Personalidade de Deus. Nessas circunstâncias, como Bali Mahārāja poderia argumentar que o corpo lhe pertencia?

Assim, Vindhyāvali, a inteligente esposa de Bali Mahārāja, orou para que seu esposo fosse liberto através da misericórdia imotiva­da do Senhor. Caso contrário, Bali Mahārāja seria simplesmente um demônio descarado, especificamente descrito como tyakta-hriyas tvad-avaropita-kartṛ-vādāḥ, um tolo que se declara proprietário da propriedade da Pessoa Suprema. Na era atual, Kali-yuga, aumentou o número desses homens descarados, agnósticos que descreem da existência de Deus. Tentando desafiar a autoridade da Suprema Personalidade de Deus, os pretensos cientistas, filósofos e políticos elaboram planos e esquemas para a destruição do mundo. Eles não podem fazer nenhum bem ao mundo e, infelizmente, devido a Kali-yuga, imergiram os afazeres do mundo em má administração. Logo, em benefício da população inocente que está sendo arrastada pela propaganda desses demônios, existe grande necessidade do movimento da consciência de Kṛṣṇa. Se for permitida a continuação do presente status quo, a população decerto sofrerá mais e mais sob a liderança desses agnósticos demoníacos.

Texto

śrī-brahmovāca
bhūta-bhāvana bhūteśa
deva-deva jaganmaya
muñcainaṁ hṛta-sarvasvaṁ
nāyam arhati nigraham

Sinônimos

śrī-brahmā uvāca — o senhor Brahmā disse; bhūta-bhāvana — ó Senhor Supremo, benquerente de todos, que pode fazer alguém prosperar; bhūta-īśa — ó mestre de todos; deva-deva — ó Deidade adorá­vel dos semideuses; jagat-maya — ó pessoa onipenetrante; muñca — por favor, libertai; enam — este pobre Bali Mahārāja; hṛta-sarvasvam — ­agora destituído de tudo; na — não; ayam — esse pobre homem; arha­ti — merece; nigraham — punição.

Tradução

O senhor Brahmā disse: Ó benquerente e mestre de todas as entidades vivas, ó Deidade adorável de todos os semideuses, ó onipenetrante Personalidade de Deus, acabastes de infligir a este homem a devida punição, pois lhe tirastes tudo. Agora, podeis libertá-lo. Ele não merece continuar sendo punido.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao ver que Prahlāda Mahārāja e Vindhyāvali já se haviam aproximado do Senhor para pedir misericórdia a favor de Bali Mahārāja, o senhor Brahmā juntou-se a eles e, baseando-se em cálculos mun­danos, recomendou a libertação de Bali Mahārāja.

Texto

kṛtsnā te ’nena dattā bhūr
lokāḥ karmārjitāś ca ye
niveditaṁ ca sarvasvam
ātmāviklavayā dhiyā

Sinônimos

kṛtsnāḥ — tudo; te — a Vós; anena — por Bali Mahārāja; dattāḥ — foi dado ou devolvido; bhūḥ lokāḥ — toda a terra e todos os planetas; karma-arjitāḥ ca — tudo o que ele alcançou mediante suas atividades piedosas; ye — tudo isso; niveditam ca — foi oferecido a Vós; sarvasvam — tudo o que ele possuía; ātmā — até mesmo o seu corpo; aviklavayā — sem hesitação; dhiyā — com essa inteligência.

Tradução

Bali Mahārāja já ofereceu tudo à Vossa Onipotência. Sem hesita­ção, ofereceu sua terra, os planetas e tudo o que ganhou através de suas atividades piedosas. Ofereceu até mesmo o seu próprio corpo.

Texto

yat-pādayor aśaṭha-dhīḥ salilaṁ pradāya
dūrvāṅkurair api vidhāya satīṁ saparyām
apy uttamāṁ gatim asau bhajate tri-lokīṁ
dāśvān aviklava-manāḥ katham ārtim ṛcchet

Sinônimos

yat-pādayoḥ — aos pés de lótus de Vossa Onipotência; aśaṭha-­dhīḥ — uma pessoa magnânima e sem duplicidade; salilam — água; pradāya — oferecendo; dūrvā — com gramíneas completamente desenvolvidas; aṅkuraiḥ — e com botões de flores; api — embora; vidhāya — oferecendo; satīm — muito elevada; saparyām — com adoração; api — embora; uttamām — o mais altamente elevado; gatim — destino; asau — tal adorador; bhajate — merece; tri-lokīm — os três mundos; dāśvān — dando-Vos; aviklava-manāḥ — sem duplicidade mental; katham — como; ārtim — a aflitiva condição de prisioneiro; ṛcchet — ele merece.

Tradução

Oferecendo mesmo água, gramíneas recém-desenvolvidas ou botões de flores a Vossos pés de lótus, aqueles que não carregam consigo uma mentalidade dúplice podem alcançar a mais elevada posição dentro do mundo espiritual. Este Bali Mahārāja, sem duplicidade, acaba de oferecer tudo nos três mundos. Então, como ele pode merecer ficar aprisionado?

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (9.26), afirma-se:

patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyaṁ
yo me bhaktyā prayacchati
tad ahaṁ bhakty-upahṛtam
aśnāmi prayatātmanaḥ

A Suprema Personalidade de Deus é tão bondoso que, se uma pessoa simples, com devoção e sem duplicidade, oferece aos pés de lótus do Senhor um pouco de água, uma flor, uma fruta ou uma folha, o Senhor aceita-os. Então, o devoto é promovido a Vaikuṇṭha, o mundo espiritual. Brahmā chamou a atenção do Senhor para este ponto e solicitou que libertasse Bali Mahārāja, que estava sofrendo por estar atado pelas cordas de Varuṇa, e que já dera tudo, incluindo os três mundos e tudo o que possuía.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
brahman yam anugṛhṇāmi
tad-viśo vidhunomy aham
yan-madaḥ puruṣaḥ stabdho
lokaṁ māṁ cāvamanyate

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; brahman — ó senhor Brahmā; yam — a todo aquele a quem; anugṛhṇāmi — Eu mostro Minha misericórdia; tat — sua; viśaḥ — opulên­cia ou riquezas materiais; vidhunomi — tiro; aham — Eu; yat-madaḥ — tendo falso prestígio devido a este dinheiro; puruṣaḥ — tal pessoa; stabdhaḥ — sendo um néscio; lokam — os três mundos; mām ca — de Mim também; avamanyate — zombam.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido senhor Brahmā, devido à opulência material, pessoas tolas tornam-se estúpidas e loucas. Assim, não respeitam ninguém dentro dos três mundos e desafiam até mesmo Minha autoridade. A essas pessoas, Eu mostro um favor especial, tirando primeiro todas as suas posses.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma civilização que se tornou ateísta devido ao avanço em opulência material é extremamente perigosa. Devido à grande opulência, o materialista se torna tão orgulhoso que não tem consideração por ninguém e chega inclusive a rejeitar a autoridade da Suprema Perso­nalidade de Deus. O resultado dessa mentalidade decerto é muito perigoso. Para mostrar um favor especial, o Senhor, às vezes, usa como exemplo alguém como Bali Mahārāja, que agora estava privado de todas as suas posses.

Texto

yadā kadācij jīvātmā
saṁsaran nija-karmabhiḥ
nānā-yoniṣv anīśo ’yaṁ
pauruṣīṁ gatim āvrajet

Sinônimos

yadā — quando; kadācit — às vezes; jīva-ātmā — a entidade viva; saṁsaran — girando no ciclo de nascimentos e mortes; nija-karmabhiḥ — devido às suas próprias atividades fruitivas; nānā-yoniṣu — em diferentes espécies de vida; anīśaḥ — não independente (sob o completo controle exercido pela natureza material); ayam — essa entidade viva; pauruṣīm gatim — a situação humana; āvrajet — quer obter.

Tradução

Enquanto gira no ciclo de repetidos nascimentos e mortes, passando por diferentes espécies de vida por causa de suas próprias atividades fruitivas, a entidade viva dependente, por boa fortuna, às vezes pode tornar-se um ser humano. Esse nascimento humano é muito rara­mente obtido.

Comentário

SIGNIFICADO—A Suprema Personalidade de Deus é completamente independente. Logo, nem sempre é um fato que, quando um ser vivo perde toda a sua opulência, o Senhor Supremo está mostrando Sua misericór­dia para com ele. O Senhor pode agir da maneira que bem quiser. Ele pode tirar toda a opulência de alguém, ou talvez prefira não fazer isso. Existem muitas variedades de formas de vida, e o Senhor trata cada uma delas de acordo com as circunstâncias, conforme Sua escolha. De um modo geral, deve-se entender que a forma de vida humana exige grande responsabilidade.

puruṣaḥ prakṛti-stho hi
bhuṅkte prakṛtijān guṇān
kāraṇaṁ guṇa-saṅgo ’sya
sad-asad-yoni-janmasu

“A entidade viva dentro da natureza material segue os caminhos da vida, desfrutando os três modos da natureza. Isso decorre de sua associação com essa natureza material. Assim, ela se encontra com o bem e o mal entre as várias espécies de vida.” (Bhagavad-gītā 13.22) Após esse giro por muitas e muitas formas de vida no ciclo de nascimen­tos e mortes, o ser vivo obtém a oportunidade de chegar à forma humana. Portanto, todo ser humano, especialmente aquele que per­tence a uma nação ou cultura civilizada, deve ser muito responsável em suas atividades. Ele não deve arriscar-se à degradação na próxima vida. Porque o corpo mudará (tathā dehāntara-prāptir), devemos ser extremamente cuidadosos. Zelar pelo uso adequado da vida é o propósito da consciência de Kṛṣṇa. A entidade viva tola declara estar livre de todo o controle, mas, na verdade, ela não é livre; ela está completamente sob o controle da natureza material. Portanto, ela deve ser muito cuidadosa e responsável nas atividades de sua vida.

Texto

janma-karma-vayo-rūpa-
vidyaiśvarya-dhanādibhiḥ
yady asya na bhavet stambhas
tatrāyaṁ mad-anugrahaḥ

Sinônimos

janma — através de nascimento em uma família aristocrática; karma — através de atividades maravilhosas ou atividades piedosas; vayaḥ — por meio da idade, especialmente a juventude, quando se é capaz de fazer muitas coisas; rūpa — através da beleza pessoal, que atrai a todos; vidyā — através da educação; aiśvarya — através da opulência; dhana — através da riqueza; ādibhiḥ — através de outras opulências também; yadi — se; asya — do possuidor; na — não; bhavet — existe; stambhaḥ — orgulho; tatra — em tal condição; ayam — uma pessoa; mat-anugrahaḥ — deve ser considerada como tendo recebido Minha misericórdia especial.

Tradução

Se um ser humano nasce em família aristocrática ou em família cujo status de vida é superior, se ele realiza atividades maravilhosas, se é jovem, se tem beleza pessoal, boa educação e muita riqueza, e se, mesmo assim, não se orgulha de suas opulências, deve-se enten­der que ele é especialmente favorecido pela Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando, apesar de possuir todas essas opulências, o indivíduo não se torna orgulhoso, isso quer dizer que ele é plenamente ciente do fato de que todas as suas opulências se devem à misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, ele emprega todas as suas posses no serviço ao Senhor. O devoto sabe muito bem que tudo, incluindo seu corpo, pertence ao Senhor Supremo. Se alguém está sempre nessa per­feita consciência de Kṛṣṇa, deve-se compreender que é especialmente favorecido pela Suprema Personalidade de Deus. A conclusão é que o fato de alguém ser destituído de sua riqueza não deve ser necessariamente considerado como misericórdia especial do Senhor. Contudo, se alguém continua em sua posição opulenta e não se torna excessivamente orgulhoso, pensando falsamente que é o proprietário de tudo, entende-se que ali existe a misericórdia especial do Senhor.

Texto

māna-stambha-nimittānāṁ
janmādīnāṁ samantataḥ
sarva-śreyaḥ-pratīpānāṁ
hanta muhyen na mat-paraḥ

Sinônimos

māna — de falso prestígio; stambha — devido a essa impudência; nimittānām — que são as causas; janma-ādīnām — tais como nascimento em família nobre; samantataḥ — reunidas; sarva-śreyaḥ — para o benefício supremo da vida; pratīpānām — que são impedimentos; hanta — também; muhyet — confunde-se; na — não; mat-paraḥ — Meu devoto puro.

Tradução

Embora um nascimento aristocrático e outras opulências semelhan­tes sejam impedimentos ao avanço em serviço devocional porque são causas de falso prestígio e orgulho, essas opulências jamais per­turbam um devoto puro da Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—Devotos como Dhruva Mahārāja, que recebeu ilimitadas opulên­cias materiais, têm a misericórdia especial da Suprema Personali­dade de Deus. Certa vez, Kuvera quis dar a Dhruva Mahārāja uma bênção, mas, muito embora Dhruva Mahārāja pudesse ter-lhe pedido uma grande quantidade de opulências materiais, pediu a Kuvera que lhe permitisse continuar com seu serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus. Quando um devoto está fixo em seu serviço devocional, não há necessidade de o Senhor privá-lo de suas opulências materiais. A Suprema Personalidade de Deus jamais tira as opulências materiais alcançadas devido ao serviço de­vocional, embora, às vezes, Ele tire as opulências obtidas através de atividades piedosas. Ele adota essa atitude para que o devoto perca seu orgulho ou se eleve em sua posição de serviço devocional. Se algum devoto especial tem o dever de pregar, mas não consegue aban­donar sua vida familiar ou opulências materiais para prestar servi­ço ao Senhor, o Senhor na certa o privará das opulências materiais e o estabelecerá em serviço devocional. Com isso, o devoto puro se torna plenamente dedicado a propagar a consciência de Kṛṣṇa.

Texto

eṣa dānava-daityānām
agranīḥ kīrti-vardhanaḥ
ajaiṣīd ajayāṁ māyāṁ
sīdann api na muhyati

Sinônimos

eṣa — este Bali Mahārāja; dānava-daityānām — entre os demônios e descrentes; agranīḥ — o principal devoto; kīrti-vardhanaḥ — o mais famoso; ajaiṣīt — já transpôs; ajayām — a intransponível; māyām — energia material; sīdan — ficando desprovido (de todas as opulências materiais); api — embora; na — não; muhyati — está confuso.

Tradução

Bali Mahārāja tornou-se o mais famoso entre os demônios e descrentes, pois, embora destituído de todas as opulências mate­riais, permaneceu fixo em seu serviço devocional.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, as palavras sīdann api na muhyati são muito importantes. Às vezes, um devoto é posto em adversidade enquanto presta serviço devocional. Na adversidade, todos se lamentam e ficam pesarosos, mas, pela graça da Suprema Personalidade de Deus, o devoto, mesmo que esteja na pior condição, pode entender que a Personalidade de Deus está testando-o rigorosamente. Bali Mahārāja foi aprovado em todos esses testes, como se explica nos versos se­guintes.

Texto

kṣīṇa-rikthaś cyutaḥ sthānāt
kṣipto baddhaś ca śatrubhiḥ
jñātibhiś ca parityakto
yātanām anuyāpitaḥ
guruṇā bhartsitaḥ śapto
jahau satyaṁ na suvrataḥ
chalair ukto mayā dharmo
nāyaṁ tyajati satya-vāk

Sinônimos

kṣīṇa-rikthaḥ — embora privado de todas as riquezas; cyutaḥ — caído; sthānāt — de sua posição superior; kṣiptaḥ — repelido à força; baddhaḥ ca — e amarrado à força; śatrubhiḥ — por seus inimigos; jñātibhiḥ ca — e por seus membros familiares ou parentes; parityak­taḥ — desamparado; yātanām — toda classe de sofrimento; anuyāpi­taḥ — sofreu intensamente e de maneira incomum; guruṇā — pelo seu mestre espiritual; bhartsitaḥ — censurado; śaptaḥ — e amaldiçoado; jahau — abandonou; satyam — veracidade; na — não; su-vrataḥ — estando fixo em seu voto; chalaiḥ — simuladamente; uktaḥ — falados; mayā — por Mim; dharmaḥ — os princípios religiosos; na — não; ayam — este Bali Mahārāja; tyajati — abandonou; satya-vāk — sendo fiel à sua palavra.

Tradução

Embora privado de suas riquezas, caído de sua posição original, derrotado e preso por seus inimigos, recriminado e desertado por seus amigos e parentes, embora sofrendo a dor de ser amarrado e embora censurado e amaldiçoado por seu mestre espiritual, Bali Mahārāja, estando fixo em seu voto, não abandonou sua veracidade. Foi certamente de maneira mentirosa que falei sobre os princípios religiosos, mas ele não se afastou dos princípios religiosos, pois manteve-se fiel à sua palavra.

Comentário

SIGNIFICADO—Bali Mahārāja passou no severo teste que lhe foi apresentado pela Suprema Personalidade de Deus. Essa é outra prova da misericórdia do Senhor para com Seu devoto. Algumas vezes, a Suprema Personalidade de Deus submete um devoto a severos testes, quase insuportá­veis. Dificilmente alguém poderia sequer viver nas condições infligi­das a Bali Mahārāja. O fato de Bali Mahārāja ter suportado todos esses severos testes e austeridades é misericórdia do Senhor Supremo. O Senhor na certa aprecia a paciência do devoto, e isso fica registrado para a futura glorificação do devoto. Esse teste não foi ordinário. Como se descreve neste verso, dificilmente alguém poderia sobrevi­ver a tal teste, mas, para a futura glorificação de Bali Mahārāja, um dos mahājanas, a Suprema Personalidade de Deus não apenas o testou, como também lhe deu forças para tolerar essa adversidade. O Senhor é tão bondoso com o Seu devoto que, ao submetê-lo a um rigoroso teste, o Senhor lhe confere a necessária força para ser tole­rante e continuar sendo um devoto glorioso.

Texto

eṣa me prāpitaḥ sthānaṁ
duṣprāpam amarair api
sāvarṇer antarasyāyaṁ
bhavitendro mad-āśrayaḥ

Sinônimos

eṣaḥ — Bali Mahārāja; me — por Mim; prāpitaḥ — alcançou; sthānam — um lugar; duṣprāpam — extremamente difícil de ser obtido; amaraiḥ api — mesmo pelos semideuses; sāvarneḥ antarasya — durante o período do Manu conhecido como Sāvarṇi; ayam — este Bali Mahārāja; bhavitā — se tornará; indraḥ — o senhor dos planetas celestiais; mat-āśrayaḥ — sob Minha completa proteção.

Tradução

O Senhor prosseguiu: Devido à sua grande tolerância, dei-lhe um lugar inacessível até mesmo aos semideuses. Durante o período do Manu conhecido como Sāvarṇi, ele se tornará o rei dos planetas celestiais.

Comentário

SIGNIFICADO—Esta é a misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Mesmo que tire todas as opulências materiais de um devoto, o Senhor imediatamente lhe oferece uma posição com a qual os semideuses não podem sequer sonhar. Existem muitos exemplos disso na história do serviço devocional. Pode-se mencionar a opulência de Sudāmā Vipra. Sudāmā Vipra sofreu severa escassez material, mas não se perturbou nem se desviou do serviço devocional. Então, por Sua misericórdia, o Senhor Kṛṣṇa, por fim, colocou Bali Mahārāja em uma posição ele­vada. Aqui, a palavra mad-āśrayaḥ é muito significativa. Porque o Senhor quis dar a Bali Mahārāja a excelsa posição de Indra, os se­mideuses naturalmente poderiam invejá-lo e lutar para perturbar a sua posição. A Suprema Personalidade de Deus, no entanto, assegurou a Bali Mahārāja que ele sempre permaneceria sob a proteção do Senhor (mad-āśrayaḥ).

Texto

tāvat sutalam adhyāstāṁ
viśvakarma-vinirmitam
yad ādhayo vyādhayaś ca
klamas tandrā parābhavaḥ
nopasargā nivasatāṁ
sambhavanti mamekṣayā

Sinônimos

tāvat — enquanto não estiveres no posto do senhor Indra; sutalam — no planeta conhecido como Sutala; adhyāstām — estabelece ali tua residência e ocupa esse lugar; viśvakarma-vinirmitam — que é especialmente criado por Viśvakarmā; yat — onde; ādhayaḥ — sofrimentos relacionados com a mente; vyādhayaḥ — sofrimentos referentes ao corpo; ca — também; klamaḥ — fadiga; tandrā — tontura ou preguiça; parābhavaḥ — sair derrotado; na — não; upasargāḥ — sintomas de outros distúrbios; nivasatām — daqueles que vivem ali; sambhavanti — tornam-se possíveis; mama — Minha; īkṣayā — pela vigilância especial.

Tradução

Enquanto não se estabelece na posição de rei dos céus, Bali Mahārāja viverá no planeta Sutala, que foi feito por Viśvakarmā, de acordo com Minha ordem. Porque é especialmente protegido por Mim, esse planeta está livre dos sofrimentos mentais e corpóreos, da fadiga, da tontura, da derrota e de todos os outros distúrbios. Bali Mahārāja, podes agora viver ali pacificamente.

Comentário

SIGNIFICADO—Viśvakarmā é o engenheiro ou arquiteto designado para as construções palacianas dos planetas celestiais. Portanto, como foi escolhido para construir a residência de Bali Mahārāja, os prédios e palácios do planeta Sutala seriam pelo menos iguais aos dos planetas celestiais. Outra vantagem desse lugar projetado para Bali Mahārāja é que este não seria incomodado por nenhuma calamidade externa. Ademais, não seria perturbado pelos sofrimentos mentais e corpóreos. Tudo isso faz parte dos aspectos extraordinários do planeta Sutala, onde Bali Mahārāja viveria.

Nos textos védicos, encontramos descrições de muitos diferentes planetas, onde há muitos e muitos palácios, centenas e milhares de vezes superiores àqueles que conhecemos neste planeta Terra. Quando falamos de palácios, isso naturalmente inclui a presença de cidades grandes e pequenas. Infelizmente, ao tentarem explorar outros planetas, os cientistas modernos só conseguem ver pedra e areia. É óbvio que eles podem continuar com suas frívolas viagens espaciais, mas os estudantes da literatura védica jamais acreditarão neles ou darão alguma importância ao fato de eles explorarem outros planetas.

Texto

indrasena mahārāja
yāhi bho bhadram astu te
sutalaṁ svargibhiḥ prārthyaṁ
jñātibhiḥ parivāritaḥ

Sinônimos

indrasena — ó Mahārāja Bali; mahārāja — ó rei; yāhi — é melhor que vós; bhoḥ — ó rei; bhadram — toda a prosperidade; astu — seja; te — para ti; sutalam — no planeta conhecido como Sutala; svargi­bhiḥ — pelos semideuses; prārthyam — desejado; jñātibhiḥ — por teus membros familiares; parivāritaḥ — cercado.

Tradução

Ó Bali Mahārāja [Indrasena], podes então ir para o planeta Sutala, que é desejado até mesmo pelos semideuses. Reside ali pacificamente, cercado por teus amigos e parentes. Desejo-te toda boa fortuna!

Comentário

SIGNIFICADO—Bali Mahārāja foi transferido do planeta celestial para o planeta Sutala, que é centenas de vezes melhor do que o céu, como indicam as palavras svargibhiḥ prārthyam. Quando a Suprema Personalidade de Deus priva Seu devoto de todas as opulências materiais, isso não significa que o Senhor o deixe na pobreza; ao contrário, o Senhor o eleva a uma posição superior. A Suprema Personalidade de Deus não pediu que Bali Mahārāja se afastasse de sua família, senão que o Senhor permitiu-lhe permanecer com seus membros familiares (jñātibhiḥ parivāritaḥ).

Texto

na tvām abhibhaviṣyanti
lokeśāḥ kim utāpare
tvac-chāsanātigān daityāṁś
cakraṁ me sūdayiṣyati

Sinônimos

na — não; tvām — a ti; abhibhaviṣyanti — serão capazes de vencer; loka-īśāḥ — as deidades predominantes de vários planetas; kim uta apare — o que falar das pessoas comuns; tvat-śāsana-atigān — que violam tuas leis; daityān — esses demônios; cakram — disco; me — Meu; sūdayiṣyati — matará.

Tradução

No planeta Sutala, se nem mesmo as deidades predominantes de outros planetas serão capazes de vencer-te, o que falar, então, das pessoas comuns? Quanto aos demônios, se transgredirem tuas leis, serão mortos pelo Meu disco.

Texto

rakṣiṣye sarvato ’haṁ tvāṁ
sānugaṁ saparicchadam
sadā sannihitaṁ vīra
tatra māṁ drakṣyate bhavān

Sinônimos

rakṣiṣye — protegerei; sarvataḥ — em todos os sentidos; aham — Eu; tvām — a ti; sa-anugam — com teus associados; sa-paricchadam — com tua parafernália; sadā — sempre; sannihitam — situado por perto; vīra — ó grande herói; tatra — ali, na tua morada; mām — a Mim; drakṣya­te — serás capaz de ver; bhavān — tu.

Tradução

Ó grande herói, sempre estarei contigo e, em todos os sentidos, protegerei tanto a ti quanto aos teus associados e parafernália. Além disso, sempre serás capaz de ver-Me ali.

Texto

tatra dānava-daityānāṁ
saṅgāt te bhāva āsuraḥ
dṛṣṭvā mad-anubhāvaṁ vai
sadyaḥ kuṇṭho vinaṅkṣyati

Sinônimos

tatra — naquele lugar; dānava-daityānām — dos demônios e Dāna­vas; saṅgāt — devido à associação; te — tua; bhāvaḥ — mentalidade; āsuraḥ — demoníaca; dṛṣṭvā — observando; mat-anubhāvam — Meu poder sobre-excelente; vai — na verdade; sadyaḥ — imediatamente; kuṇṭhaḥ — ansiedade; vinaṅkṣyati — se extinguirão.

Tradução

Porque, nesse lugar, verás o Meu poder supremo, imediatamente se dissiparão tuas ideias e ansiedades materiais, surgidas de tua associação com os demônios e Dānavas.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor garantiu dar a Bali Mahārāja toda a proteção e, finalmente, assegurou-lhe proteção contra os efeitos da má associação com os demônios. Bali Mahārāja decerto tornou-se um grande devoto, mas ainda estava ansioso porque sua associação não fora puramen­te devocional. A Suprema Personalidade de Deus, portanto, assegurou-lhe que sua mentalidade demoníaca seria aniquilada. Em outras palavras, através da associação com os devotos, a mentalidade demoníaca é exterminada.

satāṁ prasaṅgān mama vīrya-saṁvido
bhavanti hṛt-karṇa-rasāyanāḥ kathāḥ

Ao associarem-se com devotos ocupados em glorificar a Suprema Personalidade de Deus, os demônios pouco a pouco se tornam devo­tos puros.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do oitavo canto, vigésimo segundo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitu­lado “Bali Mahārāja Entrega Sua Vida”.