Capítulo Vinte e Dois
Bali Mahārāja Entrega Sua Vida
O resumo deste vigésimo segundo capítulo é o seguinte. A Suprema Personalidade de Deus estava satisfeito com o comportamento de Bali Mahārāja. Por isso, o Senhor o colocou no planeta Sutala, onde, após conceder-lhe bênçãos, o Senhor concordou em tornar-Se seu porteiro.
Bali Mahārāja era extremamente veraz. Sendo incapaz de cumprir sua promessa, ele ficou muito temeroso, pois sabia que alguém que se desvia da veracidade é insignificante aos olhos da sociedade. Uma pessoa virtuosa prefere sofrer os rigores da vida infernal a ser acusada de ter-se desviado da verdade. Por isso, Bali Mahārāja concordou com grande prazer em aceitar a punição que lhe foi imposta pela Suprema Personalidade de Deus. Na dinastia de Bali Mahārāja, havia muitos asuras que, devido à sua inimizade com Viṣṇu, alcançaram um destino mais sublime do que o destino de muitos yogīs místicos. Bali Mahārāja, especificamente, lembrou-se da determinação de Prahlāda Mahārāja no serviço devocional. Considerando todos esses pontos, ele decidiu dar em caridade sua cabeça, colocando-a como o lugar para o terceiro passo de Viṣṇu. Bali Mahārāja também analisou como grandes personalidades abandonam suas relações familiares e posses materiais para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Algumas vezes, na verdade, elas sacrificam até mesmo suas vidas para a satisfação do Senhor, simplesmente para tornarem-se Seus servos pessoais. Igualmente, seguindo os passos dos ācāryas e devotos anteriores, Bali Mahārāja sentiu-se exitoso.
Enquanto Bali Mahārāja, tendo sido preso pelas cordas de Varuṇa, oferecia orações ao Senhor, seu avô, Prahlāda Mahārāja, apareceu diante dele e descreveu como a Suprema Personalidade de Deus libertara Bali Mahārāja tirando suas posses através de uma manobra astuta. Enquanto Prahlāda Mahārāja estava presente, o senhor Brahmā e a esposa de Bali, Vindhyāvali, glorificaram a supremacia do Senhor Supremo. Uma vez que Bali Mahārāja havia dado tudo ao Senhor, eles oraram por sua libertação. Então, o Senhor descreveu como, nas mãos de um não-devoto, a riqueza é algo perigoso, ao passo que a opulência de um devoto é uma bênção do Senhor. Então, estando satisfeito com Bali Mahārāja, o Senhor Supremo ofereceu o Seu disco para proteger Bali Mahārāja e prometeu permanecer com ele.
Texto
evaṁ viprakṛto rājan
balir bhagavatāsuraḥ
bhidyamāno ’py abhinnātmā
pratyāhāviklavaṁ vacaḥ
Sinônimos
śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; evam — assim, como mencionado acima; viprakṛtaḥ — tendo sido posto em dificuldade; rājan — ó rei; baliḥ — Mahārāja Bali; bhagavatā — pela Personalidade de Deus, Vāmanadeva; asuraḥ — o rei dos asuras; bhidyamānaḥ api — embora situado nessa posição desconfortável; abhinna-ātmā — sem ficar com o corpo ou a mente agitados; pratyāha — respondeu; aviklavam — imperturbado; vacaḥ — as seguintes palavras.
Tradução
Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, embora, superficialmente, tenha parecido que a Suprema Personalidade de Deus agiu com o propósito de prejudicar Bali Mahārāja, esse permanecia fixo em sua determinação. Julgando não ter cumprido sua promessa, ele falou as seguintes palavras.
Texto
yady uttamaśloka bhavān mameritaṁ
vaco vyalīkaṁ sura-varya manyate
karomy ṛtaṁ tan na bhavet pralambhanaṁ
padaṁ tṛtīyaṁ kuru śīrṣṇi me nijam
Sinônimos
śrī-baliḥ uvāca — Bali Mahārāja disse; yadi — caso; uttamaśloka — ó Senhor Supremo; bhavān — Vós; mama — minhas; īritam — prometidas; vacaḥ — palavras; vyalīkam — falsas; sura-varya — ó maior de todos os suras (semideuses); manyate — pensais assim; karomi — farei as mesmas; ṛtam — verdade; tat — esta (promessa); na — não; bhavet — se tornará; pralambhanam — enganação; padam — passo; tṛtīyam — o terceiro; kuru — por favor, fazei-o; śīrṣṇi — sobre a cabeça; me — minha; nijam — Vossos pés de lótus.
Tradução
Bali Mahārāja disse: Ó excelente Personalidade de Deus, ó pessoa adorabilíssima para todos os semideuses, se julgais que minha promessa se tornou falsa, decerto retificarei qualquer equívoco para mostrar que ela é verdadeira. Não posso permitir que minha promessa seja falsa. Portanto, por favor, colocai sobre minha cabeça o Vosso terceiro passo de lótus.
Comentário
SIGNIFICADO—Bali Mahārāja pôde entender a dissimulação do Senhor Vāmanadeva, que tomara o partido dos semideuses e Se apresentou a eles como um mendigo. Embora o propósito do Senhor fosse enganá-lo, Bali Mahārāja sentiu prazer em entender como o Senhor, enganando Seu devoto, glorificaria a posição desse. Afirma-se que Deus é bom, e isso é um fato. Quer engane, quer recompense, Ele é sempre bom. Bali Mahārāja, portanto, ao dirigir-se a Ele, tratou-O por Uttamaśloka. “Vossa Onipotência”, disse ele, “Vós sempre sois louvado com os versos mais seletos. Em benefício dos semideuses, disfarçastes-Vos para me enganar, dizendo que desejáveis apenas três passos de terra, mas, posteriormente, expandistes Vosso corpo a proporções tão imensas que, com dois passos, cobristes todo o universo. Como estáveis agindo em benefício de Vossos devotos, não considerastes isso uma trapaça. Não importa. Não posso ser considerado um devoto. Entretanto, porque viestes a mim para mendigar, embora sejais o esposo da deusa da fortuna, devo satisfazer-Vos ao máximo da minha capacidade. Então, por favor, não penseis que quero enganar-Vos; devo cumprir minha promessa. Ainda tenho uma posse – meu corpo. Tirastes minha riqueza, mas ainda tenho o meu corpo. Quando eu entregar meu corpo para Vossa satisfação, por favor, colocai Vosso terceiro passo sobre minha cabeça.” Uma vez que o Senhor havia coberto todo o universo com dois passos, alguém poderia perguntar como a cabeça de Bali Mahārāja seria suficiente para o Seu terceiro passo! Bali Mahārāja, entretanto, considerava que o possuidor de riquezas tem que ser maior do que a sua posse. Portanto, embora o Senhor tivesse tirado todas as suas posses, a cabeça de Bali Mahārāja, o possuidor, seria um lugar adequado para o terceiro passo do Senhor.
Texto
na pāśa-bandhād vyasanād duratyayāt
naivārtha-kṛcchrād bhavato vinigrahād
asādhu-vādād bhṛśam udvije yathā
Sinônimos
bibhemi — não temo; na — não; aham — eu; nirayāt — de uma posição no inferno; pada-cyutaḥ — tampouco temo perder minha posição; na — nem; pāśa-bandhāt — de ser preso pelas cordas de Varuṇa; vyasanāt — nem da aflição; duratyayāt — que era insuportável para mim; na — nem; eva — decerto; artha-kṛcchrāt — devido à pobreza, ou escassez de dinheiro; bhavataḥ — de Vossa Onipotência; vinigrahāt — da punição que agora estou sofrendo; asādhu-vādāt — da difamação; bhṛśam — muito; udvije — fico ansioso; yathā — como.
Tradução
Não temo perder todas as minhas posses, viver uma vida infernal, ser preso devido à pobreza pelas cordas de Varuṇa ou ser punido por Vós tanto quanto eu temo ser difamado.
Comentário
SIGNIFICADO—Embora tenha se rendido plenamente à Suprema Personalidade de Deus, Bali Mahārāja não podia tolerar que o difamassem dizendo que ele enganou um brāhmaṇa brahmacārī. Estando completamente alerta no que diz respeito à sua reputação, ele pensou muito em como evitar ser difamado. O Senhor, portanto, deu-lhe o bom conselho de que ele deveria impedir a difamação oferecendo sua cabeça. O vaiṣṇava não teme nenhuma punição. Nārāyaṇa-parāḥ sarve na kutaścana bibhyati. (Śrīmad-Bhāgavatam 6.17.28)
Texto
daṇḍam arhattamārpitam
yaṁ na mātā pitā bhrātā
suhṛdaś cādiśanti hi
Sinônimos
puṁsām — de homens; ślāghya-tamam — a mais sublime; manye — considero; daṇḍam — punição; arhattama-arpitam — dada por Vós, o supremo Senhor adorável; yam — a qual; na — nem; mātā — mãe; pitā — pai; bhrātā — irmão; suhṛdaḥ — amigos; ca — também; ādiśanti — oferecem; hi — na verdade.
Tradução
Embora o pai, a mãe, um irmão ou amigo possam às vezes punir alguém como um benquerente, eles nunca aplicam a seus subordinados uma punição como esta. Porém, como sois o Senhor adorabilíssimo, considero muito sublime a posição que me infligistes.
Comentário
SIGNIFICADO—A punição infligida pela Suprema Personalidade de Deus é aceita pelo devoto como a maior misericórdia.
bhuñjāna evātma-kṛtaṁ vipākam
hṛd-vāg-vapurbhir vidadhan namas te
jīveta yo mukti-pade sa dāya-bhāk
“Aquele que busca Vossa compaixão e, portanto, tolera toda classe de condições adversas consequentes ao karma dos seus feitos passados, que sempre se ocupa em Vosso serviço devocional com sua mente, palavras e corpo, e que sempre Vos oferece reverências decerto é um autêntico candidato à liberação.” (Śrīmad-Bhāgavatam 10.14.8) O devoto sabe que a aparente punição aplicada pela Suprema Personalidade de Deus é apenas Seu favor para corrigir Seu devoto e trazê-lo para o caminho correto. Portanto, nem mesmo o maior benefício concedido pelo pai, pela mãe, pelo irmão ou amigo materiais de alguém pode-se comparar à punição dada pela Suprema Personalidade de Deus.
Texto
parokṣaḥ paramo guruḥ
yo no ’neka-madāndhānāṁ
vibhraṁśaṁ cakṣur ādiśat
Sinônimos
tvam — Vossa Onipotência; nūnam — na verdade; asurāṇām — dos demônios; naḥ — como somos; parokṣaḥ — indireto; paramaḥ — o supremo; guruḥ — mestre espiritual; yaḥ — Vossa Onipotência; naḥ — de nós; aneka — muitas; mada-andhānām — cegos pelas opulências materiais; vibhraṁśam — destruindo nosso falso prestígio; cakṣuḥ — o olho do conhecimento; ādiśat — deu.
Tradução
Uma vez que Vossa Onipotência é indiretamente o maior benquerente de nós demônios, agis para o nosso máximo bem-estar fazendo-Vos passar por nosso inimigo. Visto que demônios como nós sempre aspiramos a uma posição de falso prestígio, castigando-nos, Vós nos dais os olhos com os quais podemos ver o caminho correto.
Comentário
SIGNIFICADO—Bali Mahārāja considerava a Suprema Personalidade de Deus mais amigo dos demônios do que dos semideuses. No mundo material, quanto mais posses materiais alguém obtém, mais ele se torna cego para a vida espiritual. Os semideuses são devotos do Senhor a troco de posses materiais, mas, embora os demônios aparentemente não tenham a Suprema Personalidade de Deus a seu lado, Ele sempre age como benquerente deles, privando-os de suas posições de falso prestígio. Com falso prestígio, as pessoas são desencaminhadas, daí o Senhor Supremo favorecê-las removendo sua posição de falso prestígio.
Texto
vyūḍhena vibudhetarāḥ
bahavo lebhire siddhiṁ
yām u haikānta-yoginaḥ
bhavatā bhūri-karmaṇā
baddhaś ca vāruṇaiḥ pāśair
nātivrīḍe na ca vyathe
Sinônimos
yasmin — a Vós; vaira-anubandhena — por tratar continuamente como inimigo; vyūḍhena — firmemente fixos nessa inteligência; vibudha-itarāḥ — os demônios (aqueles que não são semideuses); bahavaḥ — muitos deles; lebhire — alcançaram; siddhim — perfeição; yām — a qual; u ha — sabe-se muito bem; ekānta-yoginaḥ — igual às conquistas obtidas por yogīs místicos completamente exitosos; tena — portanto; aham — eu; nigṛhītaḥ asmi — embora esteja sendo punido; bhavatā — por Vossa Onipotência; bhūri-karmaṇā — que pode fazer tantas coisas maravilhosas; baddhaḥ ca — eu estou preso e atado; vāruṇaiḥ pāśaiḥ — pelas cordas de Varuṇa; na ati-vrīḍe — não estou nem um pouco envergonhado; na ca vyathe — tampouco estou sofrendo muito.
Tradução
Muitos demônios que continuamente eram Vossos inimigos acabaram alcançando a perfeição própria de grandes yogīs místicos. Vossa Onipotência pode, através de uma única atividade, satisfazer muitos propósitos, e, consequentemente, embora me tenhais punido de tantas maneiras, não me sinto envergonhado de ter sido preso pelas cordas de Varuṇa, tampouco me sinto lesado.
Comentário
SIGNIFICADO—Bali Mahārāja apreciava a misericórdia que o Senhor outorgava não apenas a ele, mas também a tantos outros demônios. Porque essa misericórdia é distribuída liberalmente, o Senhor Supremo é chamado de muitíssimo misericordioso. Bali Mahārāja, na verdade, era um devoto plenamente rendido, mas mesmo alguns demônios que não eram nem um pouco devotos, senão que eram meros inimigos do Senhor, alcançaram a mesma excelsa posição obtida por muitos yogīs místicos. Logo, Bali Mahārāja pôde entender que o Senhor tinha algum propósito oculto ao puni-lo. Em consequência disso, ele não se sentia infeliz nem envergonhado por causa da posição incômoda na qual foi posto pela Suprema Personalidade de Deus.
Texto
prahrāda āviṣkṛta-sādhu-vādaḥ
bhavad-vipakṣeṇa vicitra-vaiśasaṁ
samprāpitas tvaṁ paramaḥ sva-pitrā
Sinônimos
pitāmahaḥ — avô; me — meu; bhavadīya-sammataḥ — estimado pelos devotos de Vossa Onipotência; prahrādaḥ — Prahlāda Mahārāja; āviṣkṛta-sādhu-vādaḥ — famoso, sendo célebre em toda parte como devoto; bhavat-vipakṣeṇa — simplesmente indo contra Vós; vicitra-vaiśasam — inventando diferentes classes de tormentos; samprāpitaḥ — sofreu; tvam — a Vós; paramaḥ — o refúgio supremo; sva-pitrā — pelo seu próprio pai.
Tradução
Meu avô Prahlāda Mahārāja é famoso e é celebrado por todos os Vossos devotos. Embora afligido de tantas maneiras pelo seu pai, Hiraṇyakaśipu, mesmo assim, permaneceu fiel, refugiando-se em Vossos pés de lótus.
Comentário
SIGNIFICADO—Um devoto puro como Prahlāda Mahārāja, embora passe por tantas circunstâncias aflitivas, jamais abandona o refúgio da Suprema Personalidade de Deus para abrigar-se em alguma outra pessoa. O devoto puro nunca se queixa alegando que não recebe a misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Um exemplo vívido é Prahlāda Mahārāja. Examinando a vida de Prahlāda Mahārāja, podemos ver quão severamente ele foi atormentado pelo seu próprio pai, Hiraṇyakaśipu; todavia, ele não afastou sua atenção do Senhor um instante sequer. Bali Mahārāja, seguindo os passos de seu avô Prahlāda Mahārāja, permaneceu fixo em sua devoção ao Senhor, apesar de o Senhor tê-lo punido.
Texto
kiṁ riktha-hāraiḥ svajanākhya-dasyubhiḥ
kiṁ jāyayā saṁsṛti-hetu-bhūtayā
martyasya gehaiḥ kim ihāyuṣo vyayaḥ
Sinônimos
kim — qual a utilidade; ātmanā anena — deste corpo; jahāti — abandona; yaḥ — o qual (corpo); antataḥ — no fim da vida; kim — qual utilidade; riktha-hāraiḥ — os saqueadores de riqueza; svajana-ākhya-dasyubhiḥ — aqueles que, na verdade, são os saqueadores, mas se fazem passar por parentes; kim — qual a utilidade; jāyayā — de uma esposa; saṁsṛti-hetu-bhūtayā — que é a fonte do aumento de condições materiais; martyasya — de uma pessoa que certamente morrerá; gehaiḥ — de família, lares e comunidade; kim — qual a utilidade; iha — a casa na qual; āyuṣaḥ — da duração de vida; vyayaḥ — simples desperdício.
Tradução
Qual a utilidade do corpo material, que fatalmente será deixado pelo seu proprietário no fim da vida? E qual a utilidade de todos os membros familiares, os quais, na verdade, são saqueadores que arrebatam o dinheiro que poderia ser utilizado a serviço da Senhor para gerar opulência espiritual? Qual a utilidade da esposa? Ela é apenas a fonte para a intensificação de condições materiais. E qual a utilidade da família, lar, nação e comunidade? O apego a eles apenas desperdiça a valiosa energia manifesta ao longo da duração de vida da pessoa.
Comentário
SIGNIFICADO—Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, aconselha que sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja: “Abandona todas as variedades de religião e simplesmente rende-te a Mim.” O homem comum não valoriza essa afirmação proferida pela Suprema Personalidade de Deus porque pensa que, durante sua vida, sua família, sociedade, nação, corpo e parentes são tudo. Por que alguém deveria abandonar alguns deles e refugiar-se na Suprema Personalidade de Deus? Todavia, através do comportamento de grandes personalidades como Prahlāda Mahārāja e Bali Mahārāja, entendemos que a rendição ao Senhor é a ação correta para qualquer pessoa inteligente. Contra o desejo de seu pai, Prahlāda Mahārāja se refugiou em Viṣṇu. Igualmente, Bali Mahārāja se refugiou em Vāmanadeva contra o desejo do seu mestre espiritual, Śukrācārya, e também contra o desejo de todos os líderes dos demônios. As pessoas talvez fiquem surpresas em saber que devotos tais como Prahlāda Mahārāja e Bali Mahārāja tenham sido capazes de buscar refúgio no inimigo, abandonando a natural afinidade que existe pela família e pelo aconchego do lar. Com relação a isso, Bali Mahārāja declara que o corpo, o centro de todas as atividades materiais, também é um elemento estranho. Muito embora desejemos manter o corpo em forma e útil em nossas atividades, ele não pode continuar eternamente. Embora eu seja uma alma eterna, de acordo com as leis da natureza, após usar este corpo por algum tempo, tenho que aceitar outro corpo (tathā dehāntara-prāptiḥ), a menos que, com o corpo, preste algum serviço para avançar em serviço devocional. Não se deve usar o corpo para nenhum outro propósito. Todos devem saber que, se alguém usar o corpo para algum outro fim, simplesmente estará desperdiçando tempo, visto que, tão logo o tempo expire, a alma automaticamente deixará o corpo.
Temos muito interesse em sociedade, amizade e amor, mas o que eles são? Tudo o que fazem aqueles estão disfarçados de amigos e parentes é saquear o dinheiro que a alma desorientada ganhou a duras penas. Cada qual tem afeição por sua esposa e está apegado a ela, mas o que é essa esposa? A esposa chama-se strī, que significa “aquela que expande a condição material”. Se alguém vive sem uma esposa, suas condições materiais são menos expansivas. Logo que o homem se casa e se liga a uma esposa, suas necessidades materiais aumentam.
tayor mitho hṛdaya-granthim āhuḥ
ato gṛha-kṣetra-sutāpta-vittair
janasya moho ’yam ahaṁ mameti
“A atração entre macho e fêmea é o princípio básico da existência material. Com base nessa concepção errônea, que amarra os corações do homem e da mulher, a pessoa se sente atraída por seu corpo, lar, propriedades, filhos, parentes e riquezas. Dessa maneira, sua vida se enche de ilusões e ela pensa em termos de ‘eu e meu’.” (Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.8) A vida humana presta-se à autorrealização, e não a acumular coisas indesejáveis. Na verdade, uma esposa serve para que se aumentem coisas indesejáveis. A vida, o lar e tudo o que alguém possua, se não forem apropriadamente usados a serviço do Senhor, tornam-se todos fontes de condições materiais, onde há sofrimento perpétuo impelido pelas três classes de sofrimentos (adhyātmika, adhibhautika e adhidaivika). Infelizmente, na sociedade humana, não há instituição alguma que forneça essa educação. Todos são mantidos em escuridão quanto à meta da vida, daí existir uma contínua luta pela existência. Falamos de “sobrevivência do mais forte”, mas ninguém sobrevive, pois, sob a influência das condições materiais, ninguém está livre.
Texto
agādha-bodho bhavataḥ pāda-padmam
dhruvaṁ prapede hy akutobhayaṁ janād
bhītaḥ svapakṣa-kṣapaṇasya sattama
Sinônimos
ittham — por causa disso (como se afirmou acima); saḥ — ele, Prahlāda Mahārāja; niścitya — definitivamente decidindo sobre este ponto; pitāmahaḥ — meu avô; mahān — o grande devoto; agādha-bodhaḥ — meu avô, que recebeu conhecimento ilimitado devido a seu serviço devocional; bhavataḥ — de Vossa Onipotência; pāda-padmam — os pés de lótus; dhruvam — o eterno refúgio infalível; prapede — rendeu-se; hi — na verdade; akutaḥ-bhayam — inteiramente livre do temor; janāt — das pessoas comuns; bhītaḥ — tendo medo; svapakṣa-kṣapaṇasya — de Vossa Onipotência, que mata os demônios que ficaram do nosso próprio lado; sat-tama — ó melhor dos melhores.
Tradução
Meu avô, o melhor de todos os homens, que alcançou conhecimento ilimitado e era adorável a todos, temia os homens comuns deste mundo. Estando plenamente convicto da estabilidade oferecida pelo refúgio a Vossos pés de lótus, ele se abrigou a Vossos pés de lótus, ainda que, para isso, tenha agido contra o desejo de seu pai e amigos demoníacos, que foram mortos por não outrem senão Vós.
Texto
daivena nītaḥ prasabhaṁ tyājita-śrīḥ
idaṁ kṛtāntāntika-varti jīvitaṁ
yayādhruvaṁ stabdha-matir na budhyate
Sinônimos
atha — portanto; aham — eu; api — também; ātma-ripoḥ — que sois o inimigo tradicional da família; tava — Vosso; antikam — o refúgio; daivena — pela providência; nītaḥ — trazido a; prasabham — à força; tyājita — destituído de; śrīḥ — toda a opulência; idam — esta filosofia de vida; kṛta-anta-antika-varti — sempre recebendo condições de morrer; jīvitam — a duração da vida; yayā — por essa opulência material; adhruvam — como temporária; stabdha-matiḥ — tal pessoa sem inteligência; na budhyate — não pode entender.
Tradução
É somente pela providência que, forçosamente, fui trazido aos Vossos pés de lótus e fiquei privado de toda a minha opulência. Devido à ilusão criada pela opulência temporária, as pessoas em geral, que vivem em condições materiais, deparando-se a cada momento com a morte inesperada, não entendem que esta vida é temporária. Somente pela providência fui salvo dessa condição.
Comentário
SIGNIFICADO—Bali Mahārāja apreciou as ações da Suprema Personalidade de Deus, embora todos os membros das famílias demoníacas, com exceção de Prahlāda Mahārāja e Bali Mahārāja, considerassem Viṣṇu como seu eterno e tradicional inimigo. Como declarou Bali Mahārāja, o Senhor Viṣṇu, na verdade, não era inimigo da família, mas o melhor amigo da família. Já se descreveu qual o princípio dessa amizade. Yasyāham anugṛhṇāmi hariṣye tad-dhanaṁ śanaiḥ: o Senhor outorga favor especial ao Seu devoto, tirando-lhe todas as opulências materiais. Bali Mahārāja apreciou esse comportamento do Senhor. Portanto, ele disse que daivena nītaḥ prasabhaṁ tyājita-śrīḥ: “Foi para me levar à plataforma correta de vida eterna que me pusestes nestas circunstâncias.”
Na verdade, todos devem temer a dita sociedade, amizade e amor pelos quais trabalham tão arduamente ao longo do dia e da noite. Como Bali Mahārāja indica através das palavras janād bhītaḥ, todo devoto em consciência de Kṛṣṇa deve sempre temer os homens comuns ocupados em buscar pela prosperidade material. Tais pessoas são descritas como pramatta, loucos que buscam o fogo-fátuo. Semelhantes homens não sabem que, após uma árdua luta pela vida, deve-se mudar de corpo, sem a certeza de que classe de corpo se receberá em seguida. Aqueles que estão completamente estabelecidos na filosofia da consciência de Kṛṣṇa e que, portanto, entendem a meta da vida jamais adotarão as atividades em que os cães empreendem uma corrida materialista. Contudo, se o devoto sincero acaso caia de alguma forma, o Senhor o corrigirá e o impedirá de deslizar à mais escura região de vida infernal.
punaḥ punaś carvita-carvaṇānām
(Śrīmad-Bhāgavatam 7.5.30)
O modo de vida materialista é simplesmente mastigar repetidas vezes aquilo que já foi mastigado. Embora não haja proveito nesse tipo de vida, as pessoas estão enamoradas dela devido aos sentidos descontrolados. Nūnaṁ pramattaḥ kurute vikarma. Devido aos sentidos descontrolados, as pessoas se ocupam inteiramente em atividades pecaminosas através das quais obtêm um corpo que propiciará muito sofrimento. Bali Mahārāja soube valorizar o fato de o Senhor tê-lo resgatado dessa vida confusa e ignorante. Portanto, ele disse que sua inteligência estava aturdida. Stabdha-matir na budhyate. Antes, ele não conseguia entender como a Suprema Personalidade de Deus favorece Seus devotos cessando à força suas atividades materiais.
Texto
tasyetthaṁ bhāṣamāṇasya
prahrādo bhagavat-priyaḥ
ājagāma kuru-śreṣṭha
rākā-patir ivotthitaḥ
Sinônimos
śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; tasya — Bali Mahārāja; ittham — dessa maneira; bhāṣamāṇasya — enquanto descrevia sua posição afortunada; prahrādaḥ — Mahārāja Prahlāda, seu avô; bhagavat-priyaḥ — o devoto favorito da Suprema Personalidade de Deus; ājagāma — apareceu ali; kuru-śreṣṭha — ó melhor dos Kurus, Mahārāja Parīkṣit; rākā-patiḥ — a Lua; iva — como; utthitaḥ — tendo surgido.
Tradução
Śukadeva Gosvāmī disse: Ó melhor dos Kurus, enquanto Bali Mahārāja descrevia dessa maneira sua posição afortunada, o mais querido devoto do Senhor, Prahlāda Mahārāja, apareceu ali, tal qual a Lua que surge à noite.
Texto
virājamānaṁ nalināyatekṣaṇam
prāṁśuṁ piśaṅgāmbaram añjana-tviṣaṁ
pralamba-bāhuṁ śubhagarṣabham aikṣata
Sinônimos
tam — este Prahlāda Mahārāja; indra-senaḥ — Bali Mahārāja, que agora possuía toda a força militar de Indra; sva-pitāmaham — a seu avô; śriyā — presente com todos os belos traços corpóreos; virājamānam — permanecendo ali; nalina-āyata-īkṣaṇam — com olhos tão largos como pétalas de lótus; prāṁśum — um corpo belíssimo; piśaṅga-ambaram — vestido com roupas amarelas; añjana-tviṣam — com seu corpo parecido com o unguento negro para os olhos; pralamba-bāhum — braços muito longos; śubhaga-ṛṣabham — a melhor de todas as pessoas auspiciosas; aikṣata — ele viu.
Tradução
Então, Bali Mahārāja viu seu avô Prahlāda Mahārāja, a mais afortunada personalidade, cujo corpo escuro parecia unguento negro para os olhos. Sua figura alta e elegante estava vestida com roupas amarelas; ele tinha braços longos, e seus belos olhos eram como pétalas de lótus. Ele era muito querido e agradável a todos.
Texto
samarhaṇaṁ nopajahāra pūrvavat
nanāma mūrdhnāśru-vilola-locanaḥ
sa-vrīḍa-nīcīna-mukho babhūva ha
Sinônimos
tasmai — a Prahlāda Mahārāja; baliḥ — Bali Mahārāja; vāruṇa-pāśa-yantritaḥ — estando amarrado pelas cordas de Varuṇa; samarhaṇam — respeito adequado; na — não; upajahāra — ofereceu; pūrva-vat — como antes; nanāma — ofereceu reverências; mūrdhnā — com a cabeça; aśru-vilola-locanaḥ — olhos inundados de lágrimas; sa-vrīḍa — com recato; nīcīna — para baixo; mukhaḥ — rosto; babhūva ha — ele ficou assim.
Tradução
Estando amarrado pelas cordas de Varuṇa, Bali Mahārāja não pôde oferecer a Prahlāda Mahārāja respeitos adequados, como fizera antes. Ao contrário, simplesmente ofereceu respeitosas reverências com sua cabeça; seus olhos ficaram inundados de lágrimas, e seu rosto curvou-se de vergonha.
Comentário
SIGNIFICADO—Como fora preso pelo Senhor Vāmanadeva, Bali Mahārāja certamente deveria ser considerado um ofensor. Bali Mahārāja sentia-se, de fato, um ofensor da Suprema Personalidade de Deus. Decerto, Prahlāda Mahārāja não iria gostar disso. Portanto, Bali Mahārāja estava envergonhado e abaixou sua cabeça.
Texto
hariṁ sunandādy-anugair upāsitam
upetya bhūmau śirasā mahā-manā
nanāma mūrdhnā pulakāśru-viklavaḥ
Sinônimos
saḥ — Prahlāda Mahārāja; tatra — ali; ha āsīnam — sentado; udīkṣya — após ver; sat-patim — a Suprema Personalidade de Deus, o mestre das almas liberadas; harim — Senhor Hari; sunanda-ādi-anugaiḥ — pelos Seus seguidores, tais como Sunanda; upāsitam — sendo adorado; upetya — aproximando-se de; bhūmau — no chão; śirasā — com sua cabeça (prostrada); mahā-manāḥ — o grande devoto; nanāma — ofereceu reverências; mūrdhnā — com sua cabeça; pulaka-aśru-viklavaḥ — inundado de lágrimas de júbilo.
Tradução
Ao ver que o Senhor Supremo estava sentado ali, cercado e adorado por Seus associados íntimos, tais como Sunanda, a grande personalidade Prahlāda Mahārāja inundou-se de lágrimas de júbilo. Aproximando-se do Senhor e caindo ao chão, ele prostrou sua cabeça para oferecer reverências ao Senhor.
Texto
tvayaiva dattaṁ padam aindram ūrjitaṁ
hṛtaṁ tad evādya tathaiva śobhanam
manye mahān asya kṛto hy anugraho
vibhraṁśito yac chriya ātma-mohanāt
Sinônimos
śrī-prahrādaḥ uvāca — Prahlāda Mahārāja disse; tvayā — por Vossa Onipotência; eva — na verdade; dattam — que foi dada; padam — esta posição; aindram — do rei dos céus; ūrjitam — muitíssimo grande; hṛtam — foi tirado; tat — isto; eva — na verdade; adya — hoje; tathā — como; eva — na verdade; śobhanam — belo; manye — considero; mahān — muito grande; asya — dele (Bali Mahārāja); kṛtaḥ — foi feita por Vós; hi — na verdade; anugrahaḥ — misericórdia; vibhraṁśitaḥ — estando desprovido de; yat — porque; śriyaḥ — desta opulência; ātma-mohanāt — que estava estorvando o processo de autorrealização.
Tradução
Prahlāda Mahārāja disse: Meu Senhor, foi Vossa Onipotência quem deu a este Bali uma enorme opulência, entregando-lhe o posto de rei celestial, mas agora, no dia de hoje, Vós mesmo tirastes tudo dele. Creio que agistes com igual retidão em ambos os casos. Porque sua elevada posição de rei dos céus estava colocando-o na escuridão da ignorância, fizestes-lhe um misericordiosíssimo favor ao privá-lo de todas as opulências.
Comentário
SIGNIFICADO—Afirma-se que yasyāham anugṛhṇāmi hariṣye tad-dhanaṁ śanaiḥ (Śrīmad-Bhāgavatam 10.88.8). É por misericórdia do Senhor que alguém pode obter toda a opulência material, mas se tal opulência material o induz a tornar-se arrogante e esquecer-se do processo de autorrealização, o Senhor decerto lhe tirará toda a opulência. O Senhor outorga misericórdia ao Seu devoto ajudando-o a entender sua posição constitucional. Para esse propósito, o Senhor sempre está disposto a ajudar o devoto de todas as maneiras. Mas a opulência material às vezes é perigosa, visto que distrai a atenção das pessoas para o falso prestígio, conferindo-lhes a ideia de que são os proprietários e mestres de tudo que existe, embora, na verdade, os fatos não sejam esses. Para proteger o devoto, afastando-o desse equívoco, o Senhor, mostrando misericórdia especial, às vezes tira suas posses materiais. Yasyāham anugṛhṇāmi hariṣye tad-dhanaṁ śanaiḥ.
Texto
tat ko vicaṣṭe gatim ātmano yathā
tasmai namas te jagad-īśvarāya vai
nārāyaṇāyākhila-loka-sākṣiṇe
Sinônimos
yayā — a opulência material pela qual; hi — na verdade; vidvān api — mesmo uma pessoa afortunadamente avançada em educação; muhyate — fica confusa; yataḥ — autocontrolada; tat — esta; kaḥ — que; vicaṣṭe — pode buscar; gatim — o progresso; ātmanaḥ — do eu; yathā — apropriadamente; tasmai — a Ele; namaḥ — ofereço minhas respeitosas reverências; te — a Vós; jagat-īśvarāya — ao Senhor do universo; vai — na verdade; nārāyaṇāya — à Sua Onipotência Nārāyaṇa; akhila-loka-sākṣiṇe — que é a testemunha de toda a criação.
Tradução
A opulência material desorienta tão fortemente que faz até mesmo um homem erudito e autocontrolado esquecer-se de buscar a meta da autorrealização. Mas, por Sua vontade, a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, o Senhor do universo, pode ver tudo. Portanto, ofereço-Lhe minhas respeitosas reverências.
Comentário
SIGNIFICADO—As palavras ko vicaṣṭe gatim ātmano yathā indicam que, quando alguém está envaidecido pelo falso prestígio porque possui opulências materiais, decerto negligencia a meta da autorrealização. Essa é a posição do mundo moderno. Devido aos supostos avanços científicos que trazem opulência material, as pessoas abandonaram por completo o caminho da autorrealização. Em termos práticos, ninguém está interessado em Deus, em seu relacionamento com Deus ou em como se deve agir. Os homens modernos esqueceram-se por completo dessas questões porque buscam por posses materiais como loucos. Se esta classe de civilização continuar, muito em breve chegará o tempo em que a Suprema Personalidade de Deus tirará todas as suas opulências materiais. Então, as pessoas voltarão à razão.
Texto
tasyānuśṛṇvato rājan
prahrādasya kṛtāñjaleḥ
hiraṇyagarbho bhagavān
uvāca madhusūdanam
Sinônimos
śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; tasya — de Prahlāda Mahārāja; anuśṛṇvataḥ — de modo que ele pudesse ouvir; rājan — ó rei Parīkṣit; prahrādasya — de Prahlāda Mahārāja; kṛta-añjaleḥ — que permanecia de mãos postas; hiraṇyagarbhaḥ — senhor Brahmā; bhagavān — o poderosíssimo; uvāca — disse; madhusūdanam — a Madhusūdana, a Personalidade de Deus.
Tradução
Śukadeva Gosvāmī continuou: Ó rei Parīkṣit, o senhor Brahmā, então, começou a dirigir a palavra à Suprema Personalidade de Deus. O que ele falava podia ser ouvido por Prahlāda Mahārāja, que, ali perto, permanecia de mãos postas.
Texto
tat-patnī bhaya-vihvalā
prāñjaliḥ praṇatopendraṁ
babhāṣe ’vāṅ-mukhī nṛpa
Sinônimos
baddham — preso; vīkṣya — vendo; patim — o seu esposo; sādhvī — a casta mulher; tat-patnī — esposa de Bali Mahārāja; bhaya-vihvalā — estando muito perturbada pelo temor; prāñjaliḥ — de mãos postas; praṇatā — tendo oferecido reverências; upendram — a Vāmanadeva; babhāṣe — dirigiu-se; avāk-mukhī — com o rosto curvado; nṛpa — ó Mahārāja Parīkṣit.
Tradução
Foi então que a casta esposa de Bali Mahārāja, temerosa e aflita vendo que seu esposo estava preso, imediatamente ofereceu reverências ao Senhor Vāmanadeva [Upendra]. De mãos postas, ela falou as seguintes palavras.
Comentário
SIGNIFICADO—Embora estivesse falando, o senhor Brahmā teve que parar por um momento porque a esposa de Bali Mahārāja, Vindhyāvali, que estava muito agitada e temerosa, queria dizer algo.
Texto
krīḍārtham ātmana idaṁ tri-jagat kṛtaṁ te
svāmyaṁ tu tatra kudhiyo ’para īśa kuryuḥ
kartuḥ prabhos tava kim asyata āvahanti
tyakta-hriyas tvad-avaropita-kartṛ-vādāḥ
Sinônimos
śrī-vindhyāvaliḥ uvāca — Vindhyāvali, a esposa de Bali Mahārāja, disse; krīḍā-artham — com o propósito dos passatempos; ātmanaḥ — Vossos; idam — isto; tri-jagat — os três mundos (este universo); kṛtam — foi criado; te — por Vós; svāmyam — propriedade; tu — mas; tatra — sobre isso; kudhiyaḥ — patifes tolos; apare — outros; īśa — ó meu Senhor; kuryuḥ — estabeleceram; kartuḥ — para o criador supremo; prabhoḥ — para o mantenedor supremo; tava — para Vós próprio; kim — o que; asyataḥ — para o aniquilador supremo; āvahanti — eles podem oferecer; tyakta-hriyaḥ — descarados, sem inteligência; tvat — por Vós; avaropita — falsamente conferida devido a um pobre fundo de conhecimento; kartṛ-vādāḥ — a propriedade desses agnósticos tolos.
Tradução
Śrīmatī Vindhyāvali disse: Ó meu Senhor, criastes todo o universo para desfrutardes dos Vossos passatempos pessoais, mas os homens tolos e sem inteligência reivindicam o direito de gozo material. Sem dúvida, não são nada além de agnósticos desavergonhados. Falsamente alegando-se proprietários, pensam que podem fazer caridade e desfrutar. Nessas condições, que bem eles poderão fazer a Vós, que, agindo de maneira independente, criais, mantendes e aniquilais este universo?
Comentário
SIGNIFICADO—A esposa de Bali Mahārāja, a qual era muito inteligente, apoiou o aprisionamento de seu esposo e lamentou sua falta de inteligência porque ele tentou apoderar-se da propriedade do Senhor. Semelhante atitude deixa transparecer uma vida demoníaca. Embora os semideuses, os administradores designados pelo Senhor, estejam apegados ao gozo material, eles nunca se declaram proprietários do universo, pois sabem que o verdadeiro proprietário de tudo é a Suprema Personalidade de Deus. Essa qualificação é própria dos semideuses. Mas os demônios, em vez de aceitarem a exclusiva propriedade da Suprema Personalidade de Deus, apresentam-se como proprietários do universo, fazendo demarcações nacionalistas. “Esta parte é minha, e aquela parte é sua”, dizem eles. “Esta parte posso dar em caridade, e aquela parte devo manter para o meu prazer.” Todos esses conceitos são demoníacos. Isso é descrito na Bhagavad-gītā (16.13): idam adya mayā labdham imaṁ prāpsye manoratham. “Até aqui, adquiri muito dinheiro e terras. Agora, tenho que conseguir mais e mais. Dessa maneira, serei o maior proprietário de tudo. Quem poderá competir comigo?” Todas essas ideias são demoníacas.
A esposa de Bali Mahārāja acusou-o dizendo que, embora a Suprema Personalidade de Deus o houvesse prendido, mostrando-lhe extraordinária misericórdia, e embora Bali Mahārāja estivesse oferecendo o seu corpo ao Senhor Supremo para que Este desse o terceiro passo, ele ainda estava na escuridão da ignorância. Na verdade, o corpo não lhe pertencia, mas, devido à sua inveterada mentalidade demoníaca, ele não conseguia compreender isso. Ele pensava que, como fora difamado por sua incapacidade de fazer a caridade que prometera, e como o corpo lhe pertencia, ele se libertaria da difamação oferecendo o seu corpo. Na verdade, entretanto, o corpo não pertence a ninguém mais exceto a Suprema Personalidade de Deus, por quem o corpo nos é dado. Como se afirma na Bhagavad-gītā (18.61):
hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati
bhrāmayan sarva-bhūtāni
yantrārūḍhāni māyayā
O Senhor está situado no âmago do coração de todos, e, de acordo com os desejos materiais da entidade viva, o Senhor, por intermédio da energia material, oferece-lhe uma determinada espécie de máquina – o corpo. Na verdade, o corpo não pertence à entidade viva; pertence à Suprema Personalidade de Deus. Nessas circunstâncias, como Bali Mahārāja poderia argumentar que o corpo lhe pertencia?
Assim, Vindhyāvali, a inteligente esposa de Bali Mahārāja, orou para que seu esposo fosse liberto através da misericórdia imotivada do Senhor. Caso contrário, Bali Mahārāja seria simplesmente um demônio descarado, especificamente descrito como tyakta-hriyas tvad-avaropita-kartṛ-vādāḥ, um tolo que se declara proprietário da propriedade da Pessoa Suprema. Na era atual, Kali-yuga, aumentou o número desses homens descarados, agnósticos que descreem da existência de Deus. Tentando desafiar a autoridade da Suprema Personalidade de Deus, os pretensos cientistas, filósofos e políticos elaboram planos e esquemas para a destruição do mundo. Eles não podem fazer nenhum bem ao mundo e, infelizmente, devido a Kali-yuga, imergiram os afazeres do mundo em má administração. Logo, em benefício da população inocente que está sendo arrastada pela propaganda desses demônios, existe grande necessidade do movimento da consciência de Kṛṣṇa. Se for permitida a continuação do presente status quo, a população decerto sofrerá mais e mais sob a liderança desses agnósticos demoníacos.
Texto
bhūta-bhāvana bhūteśa
deva-deva jaganmaya
muñcainaṁ hṛta-sarvasvaṁ
nāyam arhati nigraham
Sinônimos
śrī-brahmā uvāca — o senhor Brahmā disse; bhūta-bhāvana — ó Senhor Supremo, benquerente de todos, que pode fazer alguém prosperar; bhūta-īśa — ó mestre de todos; deva-deva — ó Deidade adorável dos semideuses; jagat-maya — ó pessoa onipenetrante; muñca — por favor, libertai; enam — este pobre Bali Mahārāja; hṛta-sarvasvam — agora destituído de tudo; na — não; ayam — esse pobre homem; arhati — merece; nigraham — punição.
Tradução
O senhor Brahmā disse: Ó benquerente e mestre de todas as entidades vivas, ó Deidade adorável de todos os semideuses, ó onipenetrante Personalidade de Deus, acabastes de infligir a este homem a devida punição, pois lhe tirastes tudo. Agora, podeis libertá-lo. Ele não merece continuar sendo punido.
Comentário
SIGNIFICADO—Ao ver que Prahlāda Mahārāja e Vindhyāvali já se haviam aproximado do Senhor para pedir misericórdia a favor de Bali Mahārāja, o senhor Brahmā juntou-se a eles e, baseando-se em cálculos mundanos, recomendou a libertação de Bali Mahārāja.
Texto
lokāḥ karmārjitāś ca ye
niveditaṁ ca sarvasvam
ātmāviklavayā dhiyā
Sinônimos
kṛtsnāḥ — tudo; te — a Vós; anena — por Bali Mahārāja; dattāḥ — foi dado ou devolvido; bhūḥ lokāḥ — toda a terra e todos os planetas; karma-arjitāḥ ca — tudo o que ele alcançou mediante suas atividades piedosas; ye — tudo isso; niveditam ca — foi oferecido a Vós; sarvasvam — tudo o que ele possuía; ātmā — até mesmo o seu corpo; aviklavayā — sem hesitação; dhiyā — com essa inteligência.
Tradução
Bali Mahārāja já ofereceu tudo à Vossa Onipotência. Sem hesitação, ofereceu sua terra, os planetas e tudo o que ganhou através de suas atividades piedosas. Ofereceu até mesmo o seu próprio corpo.
Texto
dūrvāṅkurair api vidhāya satīṁ saparyām
apy uttamāṁ gatim asau bhajate tri-lokīṁ
dāśvān aviklava-manāḥ katham ārtim ṛcchet
Sinônimos
yat-pādayoḥ — aos pés de lótus de Vossa Onipotência; aśaṭha-dhīḥ — uma pessoa magnânima e sem duplicidade; salilam — água; pradāya — oferecendo; dūrvā — com gramíneas completamente desenvolvidas; aṅkuraiḥ — e com botões de flores; api — embora; vidhāya — oferecendo; satīm — muito elevada; saparyām — com adoração; api — embora; uttamām — o mais altamente elevado; gatim — destino; asau — tal adorador; bhajate — merece; tri-lokīm — os três mundos; dāśvān — dando-Vos; aviklava-manāḥ — sem duplicidade mental; katham — como; ārtim — a aflitiva condição de prisioneiro; ṛcchet — ele merece.
Tradução
Oferecendo mesmo água, gramíneas recém-desenvolvidas ou botões de flores a Vossos pés de lótus, aqueles que não carregam consigo uma mentalidade dúplice podem alcançar a mais elevada posição dentro do mundo espiritual. Este Bali Mahārāja, sem duplicidade, acaba de oferecer tudo nos três mundos. Então, como ele pode merecer ficar aprisionado?
Comentário
SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (9.26), afirma-se:
yo me bhaktyā prayacchati
tad ahaṁ bhakty-upahṛtam
aśnāmi prayatātmanaḥ
A Suprema Personalidade de Deus é tão bondoso que, se uma pessoa simples, com devoção e sem duplicidade, oferece aos pés de lótus do Senhor um pouco de água, uma flor, uma fruta ou uma folha, o Senhor aceita-os. Então, o devoto é promovido a Vaikuṇṭha, o mundo espiritual. Brahmā chamou a atenção do Senhor para este ponto e solicitou que libertasse Bali Mahārāja, que estava sofrendo por estar atado pelas cordas de Varuṇa, e que já dera tudo, incluindo os três mundos e tudo o que possuía.
Texto
brahman yam anugṛhṇāmi
tad-viśo vidhunomy aham
yan-madaḥ puruṣaḥ stabdho
lokaṁ māṁ cāvamanyate
Sinônimos
śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; brahman — ó senhor Brahmā; yam — a todo aquele a quem; anugṛhṇāmi — Eu mostro Minha misericórdia; tat — sua; viśaḥ — opulência ou riquezas materiais; vidhunomi — tiro; aham — Eu; yat-madaḥ — tendo falso prestígio devido a este dinheiro; puruṣaḥ — tal pessoa; stabdhaḥ — sendo um néscio; lokam — os três mundos; mām ca — de Mim também; avamanyate — zombam.
Tradução
A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido senhor Brahmā, devido à opulência material, pessoas tolas tornam-se estúpidas e loucas. Assim, não respeitam ninguém dentro dos três mundos e desafiam até mesmo Minha autoridade. A essas pessoas, Eu mostro um favor especial, tirando primeiro todas as suas posses.
Comentário
SIGNIFICADO—Uma civilização que se tornou ateísta devido ao avanço em opulência material é extremamente perigosa. Devido à grande opulência, o materialista se torna tão orgulhoso que não tem consideração por ninguém e chega inclusive a rejeitar a autoridade da Suprema Personalidade de Deus. O resultado dessa mentalidade decerto é muito perigoso. Para mostrar um favor especial, o Senhor, às vezes, usa como exemplo alguém como Bali Mahārāja, que agora estava privado de todas as suas posses.
Texto
saṁsaran nija-karmabhiḥ
nānā-yoniṣv anīśo ’yaṁ
pauruṣīṁ gatim āvrajet
Sinônimos
yadā — quando; kadācit — às vezes; jīva-ātmā — a entidade viva; saṁsaran — girando no ciclo de nascimentos e mortes; nija-karmabhiḥ — devido às suas próprias atividades fruitivas; nānā-yoniṣu — em diferentes espécies de vida; anīśaḥ — não independente (sob o completo controle exercido pela natureza material); ayam — essa entidade viva; pauruṣīm gatim — a situação humana; āvrajet — quer obter.
Tradução
Enquanto gira no ciclo de repetidos nascimentos e mortes, passando por diferentes espécies de vida por causa de suas próprias atividades fruitivas, a entidade viva dependente, por boa fortuna, às vezes pode tornar-se um ser humano. Esse nascimento humano é muito raramente obtido.
Comentário
SIGNIFICADO—A Suprema Personalidade de Deus é completamente independente. Logo, nem sempre é um fato que, quando um ser vivo perde toda a sua opulência, o Senhor Supremo está mostrando Sua misericórdia para com ele. O Senhor pode agir da maneira que bem quiser. Ele pode tirar toda a opulência de alguém, ou talvez prefira não fazer isso. Existem muitas variedades de formas de vida, e o Senhor trata cada uma delas de acordo com as circunstâncias, conforme Sua escolha. De um modo geral, deve-se entender que a forma de vida humana exige grande responsabilidade.
bhuṅkte prakṛtijān guṇān
kāraṇaṁ guṇa-saṅgo ’sya
sad-asad-yoni-janmasu
“A entidade viva dentro da natureza material segue os caminhos da vida, desfrutando os três modos da natureza. Isso decorre de sua associação com essa natureza material. Assim, ela se encontra com o bem e o mal entre as várias espécies de vida.” (Bhagavad-gītā 13.22) Após esse giro por muitas e muitas formas de vida no ciclo de nascimentos e mortes, o ser vivo obtém a oportunidade de chegar à forma humana. Portanto, todo ser humano, especialmente aquele que pertence a uma nação ou cultura civilizada, deve ser muito responsável em suas atividades. Ele não deve arriscar-se à degradação na próxima vida. Porque o corpo mudará (tathā dehāntara-prāptir), devemos ser extremamente cuidadosos. Zelar pelo uso adequado da vida é o propósito da consciência de Kṛṣṇa. A entidade viva tola declara estar livre de todo o controle, mas, na verdade, ela não é livre; ela está completamente sob o controle da natureza material. Portanto, ela deve ser muito cuidadosa e responsável nas atividades de sua vida.
Texto
vidyaiśvarya-dhanādibhiḥ
yady asya na bhavet stambhas
tatrāyaṁ mad-anugrahaḥ
Sinônimos
janma — através de nascimento em uma família aristocrática; karma — através de atividades maravilhosas ou atividades piedosas; vayaḥ — por meio da idade, especialmente a juventude, quando se é capaz de fazer muitas coisas; rūpa — através da beleza pessoal, que atrai a todos; vidyā — através da educação; aiśvarya — através da opulência; dhana — através da riqueza; ādibhiḥ — através de outras opulências também; yadi — se; asya — do possuidor; na — não; bhavet — existe; stambhaḥ — orgulho; tatra — em tal condição; ayam — uma pessoa; mat-anugrahaḥ — deve ser considerada como tendo recebido Minha misericórdia especial.
Tradução
Se um ser humano nasce em família aristocrática ou em família cujo status de vida é superior, se ele realiza atividades maravilhosas, se é jovem, se tem beleza pessoal, boa educação e muita riqueza, e se, mesmo assim, não se orgulha de suas opulências, deve-se entender que ele é especialmente favorecido pela Suprema Personalidade de Deus.
Comentário
SIGNIFICADO—Quando, apesar de possuir todas essas opulências, o indivíduo não se torna orgulhoso, isso quer dizer que ele é plenamente ciente do fato de que todas as suas opulências se devem à misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, ele emprega todas as suas posses no serviço ao Senhor. O devoto sabe muito bem que tudo, incluindo seu corpo, pertence ao Senhor Supremo. Se alguém está sempre nessa perfeita consciência de Kṛṣṇa, deve-se compreender que é especialmente favorecido pela Suprema Personalidade de Deus. A conclusão é que o fato de alguém ser destituído de sua riqueza não deve ser necessariamente considerado como misericórdia especial do Senhor. Contudo, se alguém continua em sua posição opulenta e não se torna excessivamente orgulhoso, pensando falsamente que é o proprietário de tudo, entende-se que ali existe a misericórdia especial do Senhor.
Texto
janmādīnāṁ samantataḥ
sarva-śreyaḥ-pratīpānāṁ
hanta muhyen na mat-paraḥ
Sinônimos
māna — de falso prestígio; stambha — devido a essa impudência; nimittānām — que são as causas; janma-ādīnām — tais como nascimento em família nobre; samantataḥ — reunidas; sarva-śreyaḥ — para o benefício supremo da vida; pratīpānām — que são impedimentos; hanta — também; muhyet — confunde-se; na — não; mat-paraḥ — Meu devoto puro.
Tradução
Embora um nascimento aristocrático e outras opulências semelhantes sejam impedimentos ao avanço em serviço devocional porque são causas de falso prestígio e orgulho, essas opulências jamais perturbam um devoto puro da Suprema Personalidade de Deus.
Comentário
SIGNIFICADO—Devotos como Dhruva Mahārāja, que recebeu ilimitadas opulências materiais, têm a misericórdia especial da Suprema Personalidade de Deus. Certa vez, Kuvera quis dar a Dhruva Mahārāja uma bênção, mas, muito embora Dhruva Mahārāja pudesse ter-lhe pedido uma grande quantidade de opulências materiais, pediu a Kuvera que lhe permitisse continuar com seu serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus. Quando um devoto está fixo em seu serviço devocional, não há necessidade de o Senhor privá-lo de suas opulências materiais. A Suprema Personalidade de Deus jamais tira as opulências materiais alcançadas devido ao serviço devocional, embora, às vezes, Ele tire as opulências obtidas através de atividades piedosas. Ele adota essa atitude para que o devoto perca seu orgulho ou se eleve em sua posição de serviço devocional. Se algum devoto especial tem o dever de pregar, mas não consegue abandonar sua vida familiar ou opulências materiais para prestar serviço ao Senhor, o Senhor na certa o privará das opulências materiais e o estabelecerá em serviço devocional. Com isso, o devoto puro se torna plenamente dedicado a propagar a consciência de Kṛṣṇa.
Texto
agranīḥ kīrti-vardhanaḥ
ajaiṣīd ajayāṁ māyāṁ
sīdann api na muhyati
Sinônimos
eṣa — este Bali Mahārāja; dānava-daityānām — entre os demônios e descrentes; agranīḥ — o principal devoto; kīrti-vardhanaḥ — o mais famoso; ajaiṣīt — já transpôs; ajayām — a intransponível; māyām — energia material; sīdan — ficando desprovido (de todas as opulências materiais); api — embora; na — não; muhyati — está confuso.
Tradução
Bali Mahārāja tornou-se o mais famoso entre os demônios e descrentes, pois, embora destituído de todas as opulências materiais, permaneceu fixo em seu serviço devocional.
Comentário
SIGNIFICADO—Neste verso, as palavras sīdann api na muhyati são muito importantes. Às vezes, um devoto é posto em adversidade enquanto presta serviço devocional. Na adversidade, todos se lamentam e ficam pesarosos, mas, pela graça da Suprema Personalidade de Deus, o devoto, mesmo que esteja na pior condição, pode entender que a Personalidade de Deus está testando-o rigorosamente. Bali Mahārāja foi aprovado em todos esses testes, como se explica nos versos seguintes.
Texto
kṣipto baddhaś ca śatrubhiḥ
jñātibhiś ca parityakto
yātanām anuyāpitaḥ
jahau satyaṁ na suvrataḥ
chalair ukto mayā dharmo
nāyaṁ tyajati satya-vāk
Sinônimos
kṣīṇa-rikthaḥ — embora privado de todas as riquezas; cyutaḥ — caído; sthānāt — de sua posição superior; kṣiptaḥ — repelido à força; baddhaḥ ca — e amarrado à força; śatrubhiḥ — por seus inimigos; jñātibhiḥ ca — e por seus membros familiares ou parentes; parityaktaḥ — desamparado; yātanām — toda classe de sofrimento; anuyāpitaḥ — sofreu intensamente e de maneira incomum; guruṇā — pelo seu mestre espiritual; bhartsitaḥ — censurado; śaptaḥ — e amaldiçoado; jahau — abandonou; satyam — veracidade; na — não; su-vrataḥ — estando fixo em seu voto; chalaiḥ — simuladamente; uktaḥ — falados; mayā — por Mim; dharmaḥ — os princípios religiosos; na — não; ayam — este Bali Mahārāja; tyajati — abandonou; satya-vāk — sendo fiel à sua palavra.
Tradução
Embora privado de suas riquezas, caído de sua posição original, derrotado e preso por seus inimigos, recriminado e desertado por seus amigos e parentes, embora sofrendo a dor de ser amarrado e embora censurado e amaldiçoado por seu mestre espiritual, Bali Mahārāja, estando fixo em seu voto, não abandonou sua veracidade. Foi certamente de maneira mentirosa que falei sobre os princípios religiosos, mas ele não se afastou dos princípios religiosos, pois manteve-se fiel à sua palavra.
Comentário
SIGNIFICADO—Bali Mahārāja passou no severo teste que lhe foi apresentado pela Suprema Personalidade de Deus. Essa é outra prova da misericórdia do Senhor para com Seu devoto. Algumas vezes, a Suprema Personalidade de Deus submete um devoto a severos testes, quase insuportáveis. Dificilmente alguém poderia sequer viver nas condições infligidas a Bali Mahārāja. O fato de Bali Mahārāja ter suportado todos esses severos testes e austeridades é misericórdia do Senhor Supremo. O Senhor na certa aprecia a paciência do devoto, e isso fica registrado para a futura glorificação do devoto. Esse teste não foi ordinário. Como se descreve neste verso, dificilmente alguém poderia sobreviver a tal teste, mas, para a futura glorificação de Bali Mahārāja, um dos mahājanas, a Suprema Personalidade de Deus não apenas o testou, como também lhe deu forças para tolerar essa adversidade. O Senhor é tão bondoso com o Seu devoto que, ao submetê-lo a um rigoroso teste, o Senhor lhe confere a necessária força para ser tolerante e continuar sendo um devoto glorioso.
Texto
duṣprāpam amarair api
sāvarṇer antarasyāyaṁ
bhavitendro mad-āśrayaḥ
Sinônimos
eṣaḥ — Bali Mahārāja; me — por Mim; prāpitaḥ — alcançou; sthānam — um lugar; duṣprāpam — extremamente difícil de ser obtido; amaraiḥ api — mesmo pelos semideuses; sāvarneḥ antarasya — durante o período do Manu conhecido como Sāvarṇi; ayam — este Bali Mahārāja; bhavitā — se tornará; indraḥ — o senhor dos planetas celestiais; mat-āśrayaḥ — sob Minha completa proteção.
Tradução
O Senhor prosseguiu: Devido à sua grande tolerância, dei-lhe um lugar inacessível até mesmo aos semideuses. Durante o período do Manu conhecido como Sāvarṇi, ele se tornará o rei dos planetas celestiais.
Comentário
SIGNIFICADO—Esta é a misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Mesmo que tire todas as opulências materiais de um devoto, o Senhor imediatamente lhe oferece uma posição com a qual os semideuses não podem sequer sonhar. Existem muitos exemplos disso na história do serviço devocional. Pode-se mencionar a opulência de Sudāmā Vipra. Sudāmā Vipra sofreu severa escassez material, mas não se perturbou nem se desviou do serviço devocional. Então, por Sua misericórdia, o Senhor Kṛṣṇa, por fim, colocou Bali Mahārāja em uma posição elevada. Aqui, a palavra mad-āśrayaḥ é muito significativa. Porque o Senhor quis dar a Bali Mahārāja a excelsa posição de Indra, os semideuses naturalmente poderiam invejá-lo e lutar para perturbar a sua posição. A Suprema Personalidade de Deus, no entanto, assegurou a Bali Mahārāja que ele sempre permaneceria sob a proteção do Senhor (mad-āśrayaḥ).
Texto
viśvakarma-vinirmitam
yad ādhayo vyādhayaś ca
klamas tandrā parābhavaḥ
nopasargā nivasatāṁ
sambhavanti mamekṣayā
Sinônimos
tāvat — enquanto não estiveres no posto do senhor Indra; sutalam — no planeta conhecido como Sutala; adhyāstām — estabelece ali tua residência e ocupa esse lugar; viśvakarma-vinirmitam — que é especialmente criado por Viśvakarmā; yat — onde; ādhayaḥ — sofrimentos relacionados com a mente; vyādhayaḥ — sofrimentos referentes ao corpo; ca — também; klamaḥ — fadiga; tandrā — tontura ou preguiça; parābhavaḥ — sair derrotado; na — não; upasargāḥ — sintomas de outros distúrbios; nivasatām — daqueles que vivem ali; sambhavanti — tornam-se possíveis; mama — Minha; īkṣayā — pela vigilância especial.
Tradução
Enquanto não se estabelece na posição de rei dos céus, Bali Mahārāja viverá no planeta Sutala, que foi feito por Viśvakarmā, de acordo com Minha ordem. Porque é especialmente protegido por Mim, esse planeta está livre dos sofrimentos mentais e corpóreos, da fadiga, da tontura, da derrota e de todos os outros distúrbios. Bali Mahārāja, podes agora viver ali pacificamente.
Comentário
SIGNIFICADO—Viśvakarmā é o engenheiro ou arquiteto designado para as construções palacianas dos planetas celestiais. Portanto, como foi escolhido para construir a residência de Bali Mahārāja, os prédios e palácios do planeta Sutala seriam pelo menos iguais aos dos planetas celestiais. Outra vantagem desse lugar projetado para Bali Mahārāja é que este não seria incomodado por nenhuma calamidade externa. Ademais, não seria perturbado pelos sofrimentos mentais e corpóreos. Tudo isso faz parte dos aspectos extraordinários do planeta Sutala, onde Bali Mahārāja viveria.
Nos textos védicos, encontramos descrições de muitos diferentes planetas, onde há muitos e muitos palácios, centenas e milhares de vezes superiores àqueles que conhecemos neste planeta Terra. Quando falamos de palácios, isso naturalmente inclui a presença de cidades grandes e pequenas. Infelizmente, ao tentarem explorar outros planetas, os cientistas modernos só conseguem ver pedra e areia. É óbvio que eles podem continuar com suas frívolas viagens espaciais, mas os estudantes da literatura védica jamais acreditarão neles ou darão alguma importância ao fato de eles explorarem outros planetas.
Texto
yāhi bho bhadram astu te
sutalaṁ svargibhiḥ prārthyaṁ
jñātibhiḥ parivāritaḥ
Sinônimos
indrasena — ó Mahārāja Bali; mahārāja — ó rei; yāhi — é melhor que vós; bhoḥ — ó rei; bhadram — toda a prosperidade; astu — seja; te — para ti; sutalam — no planeta conhecido como Sutala; svargibhiḥ — pelos semideuses; prārthyam — desejado; jñātibhiḥ — por teus membros familiares; parivāritaḥ — cercado.
Tradução
Ó Bali Mahārāja [Indrasena], podes então ir para o planeta Sutala, que é desejado até mesmo pelos semideuses. Reside ali pacificamente, cercado por teus amigos e parentes. Desejo-te toda boa fortuna!
Comentário
SIGNIFICADO—Bali Mahārāja foi transferido do planeta celestial para o planeta Sutala, que é centenas de vezes melhor do que o céu, como indicam as palavras svargibhiḥ prārthyam. Quando a Suprema Personalidade de Deus priva Seu devoto de todas as opulências materiais, isso não significa que o Senhor o deixe na pobreza; ao contrário, o Senhor o eleva a uma posição superior. A Suprema Personalidade de Deus não pediu que Bali Mahārāja se afastasse de sua família, senão que o Senhor permitiu-lhe permanecer com seus membros familiares (jñātibhiḥ parivāritaḥ).
Texto
lokeśāḥ kim utāpare
tvac-chāsanātigān daityāṁś
cakraṁ me sūdayiṣyati
Sinônimos
na — não; tvām — a ti; abhibhaviṣyanti — serão capazes de vencer; loka-īśāḥ — as deidades predominantes de vários planetas; kim uta apare — o que falar das pessoas comuns; tvat-śāsana-atigān — que violam tuas leis; daityān — esses demônios; cakram — disco; me — Meu; sūdayiṣyati — matará.
Tradução
No planeta Sutala, se nem mesmo as deidades predominantes de outros planetas serão capazes de vencer-te, o que falar, então, das pessoas comuns? Quanto aos demônios, se transgredirem tuas leis, serão mortos pelo Meu disco.
Texto
sānugaṁ saparicchadam
sadā sannihitaṁ vīra
tatra māṁ drakṣyate bhavān
Sinônimos
rakṣiṣye — protegerei; sarvataḥ — em todos os sentidos; aham — Eu; tvām — a ti; sa-anugam — com teus associados; sa-paricchadam — com tua parafernália; sadā — sempre; sannihitam — situado por perto; vīra — ó grande herói; tatra — ali, na tua morada; mām — a Mim; drakṣyate — serás capaz de ver; bhavān — tu.
Tradução
Ó grande herói, sempre estarei contigo e, em todos os sentidos, protegerei tanto a ti quanto aos teus associados e parafernália. Além disso, sempre serás capaz de ver-Me ali.
Texto
saṅgāt te bhāva āsuraḥ
dṛṣṭvā mad-anubhāvaṁ vai
sadyaḥ kuṇṭho vinaṅkṣyati
Sinônimos
tatra — naquele lugar; dānava-daityānām — dos demônios e Dānavas; saṅgāt — devido à associação; te — tua; bhāvaḥ — mentalidade; āsuraḥ — demoníaca; dṛṣṭvā — observando; mat-anubhāvam — Meu poder sobre-excelente; vai — na verdade; sadyaḥ — imediatamente; kuṇṭhaḥ — ansiedade; vinaṅkṣyati — se extinguirão.
Tradução
Porque, nesse lugar, verás o Meu poder supremo, imediatamente se dissiparão tuas ideias e ansiedades materiais, surgidas de tua associação com os demônios e Dānavas.
Comentário
SIGNIFICADO—O Senhor garantiu dar a Bali Mahārāja toda a proteção e, finalmente, assegurou-lhe proteção contra os efeitos da má associação com os demônios. Bali Mahārāja decerto tornou-se um grande devoto, mas ainda estava ansioso porque sua associação não fora puramente devocional. A Suprema Personalidade de Deus, portanto, assegurou-lhe que sua mentalidade demoníaca seria aniquilada. Em outras palavras, através da associação com os devotos, a mentalidade demoníaca é exterminada.
bhavanti hṛt-karṇa-rasāyanāḥ kathāḥ
(Śrīmad-Bhāgavatam 3.25.25)
Ao associarem-se com devotos ocupados em glorificar a Suprema Personalidade de Deus, os demônios pouco a pouco se tornam devotos puros.
Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do oitavo canto, vigésimo segundo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Bali Mahārāja Entrega Sua Vida”.