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Capítulo Sete

Indra Ofende Seu Mestre Espiritual, Bṛhaspati

Como se relata neste capítulo, Indra, o rei dos céus, cometeu uma ofensa aos pés de seu mestre espiritual, Bṛhaspati. Em razão disso, Bṛhaspati abandonou os semideuses, que, então, ficaram sem sacerdote. Todavia, a pedido dos semideuses, Viśvarūpa, o filho do brāhmaṇa Tvaṣṭā, tornou-se sacerdote deles.

Certa vez, enquanto Indra, o rei dos semideuses, estava sentado com sua esposa Śacīdevī e recebia os louvores de muitos semideuses – tais como os Siddhas, Cāraṇas e Gandharvas – Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses, entrou na assembleia. Indra, estando muito absorto em opulência material, esqueceu-se de sua obrigação e não ofereceu respeitos a Bṛhaspati, que percebeu, então, quão orgulhoso Indra estava por causa de sua opulência material, e, de modo a lhe propiciar uma lição, imediatamente desapareceu da assembleia. Indra ficou muito arrependido, compreendendo que, devido à sua opulência, esquecera de prestar respeitos a seu mestre espiritual. A fim de implorar o perdão de seu mestre espiritual, Indra saiu do palácio e foi à sua procura, mas não conseguiu encontrar Bṛhaspati em parte alguma.

Devido a esse seu desrespeito a seu mestre espiritual, Indra perdeu toda a sua opulência e foi derrotado pelos demônios, que ocuparam seu trono após vencerem os semideuses em uma grande luta. Depois, o rei Indra, juntamente com os outros semideuses, refugiou-se no senhor Brahmā. Compreendendo a situação, o senhor Brahmā repreendeu os semideuses por terem ofendido o mestre es­piritual. Seguindo as ordens do senhor Brahmā, os semideuses acei­taram como seu sacerdote Viśvarūpa, um brāhmaṇa filho de Tvaṣṭā. Então, eles executaram yajñas sob o sacerdócio de Viśvarūpa e se tornaram capazes de vencer os demônios.

VERSO 1:
Mahārāja Parīkṣit perguntou a Śukadeva Gosvāmī: Ó grande sábio, por que Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses, rejeitou seus próprios discípulos? Que ofensa eles cometeram contra seu mestre espiritual? Por favor, descreve-me esse incidente!
VERSOS 2-8:
Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, certa vez, Indra, o rei dos céus, estando muitíssimo orgulhoso devido à grande opulência que ostentava nos três mundos, transgrediu a lei da etiqueta védica. Sentado em seu trono, ele estava rodeado pelos Maruts, Vasus, Rudras, Ādityas, Ṛbhus, Viśvadevas, Sādhyas, Aśvinī-kumāras, Siddhas, Cāraṇas e Gandharvas e por grandiosas pessoas santas. Também ao seu redor, encontravam-se os Vidyādharas, as Apsarās, os Kinnaras, os Patagas [pássaros] e os Uragas [serpentes]. Todos eles ofereciam a Indra seus respeitos e serviços, e as Apsarās e os Gandharvas dança­vam e cantavam ao som de instrumentos musicais muito doces. Sobre a cabeça de Indra, havia uma sombrinha branca, tão refulgente como a lua cheia. Recebendo sobre si o vento impelido pelos abanos de cauda de iaque e servido com toda a parafernália de um grande rei, Indra estava sentado com sua esposa, Śacīdevī, a qual ocupava me­tade do trono, quando o grande sábio Bṛhaspati apareceu naquela assembleia. Bṛhaspati, o melhor dos sábios, era o mestre espiritual de Indra e dos semideuses e era respeitado tanto pelos semideuses quanto pelos demônios. Entretanto, embora visse seu mestre espiri­tual diante dele, Indra não se levantou de seu próprio assento nem ofereceu um assento ao seu mestre espiritual, tampouco lhe ofereceu respeitosas boas-vindas. Indra nada fez para lhe mostrar respeito.
VERSO 9:
Bṛhaspati sabia de tudo o que aconteceria no futuro. Vendo que Indra transgredira a etiqueta, compreendeu perfeitamente que Indra estava arrogante de­vido à sua opulência material. Embora capaz de amaldiçoar Indra, não procedeu assim. Em vez disso, deixou a assembleia e, em silêncio, voltou para casa.
VERSO 10:
Indra, o rei dos céus, pôde imediatamente compreender seu erro. Entendendo que desrespeitara seu mestre espiritual, ele se reconheceu culpado e revelou isso diante de todos os membros da assembleia.
VERSO 11:
Ai de mim! Procedi com uma atitude lamentável devido à minha falta de inteligência e ao meu orgulho, criados por minha opulência mate­rial. Deixei de prestar respeitos a meu mestre espiritual quando ele entrou nesta assembleia e, assim, eu o insultei.
VERSO 12:
Embora eu seja o rei dos semideuses, que estão situados no modo da bondade, fiquei orgulhoso com uma pequena opulência e estava contaminado pelo falso ego. Nessas circunstâncias, quem neste mundo aceitaria tais riquezas para correr o risco de cair? Oh! Condeno minha riqueza e opulência.
 VERSO 13:
Se uma pessoa diz: “Aquele que está situado no elevado trono de um rei não deve levantar-se para mostrar respeito a outro rei ou a um brāhmaṇa”, deve-se compreender que ela não conhece os princípios religiosos superiores.
VERSO 14:
Os líderes que caíram na ignorância e que desencaminham a população, conduzindo-a para o caminho da destruição [como descrito no verso anterior], estão, com efeito, a bordo de um barco de pedra, no qual também estão aqueles que os aceitam cegamente. Um barco de pedra será incapaz de flutuar e afundará na água com seus passageiros. Do mesmo modo, aqueles que desencaminham as pessoas vão para o inferno, e levam consigo os seus seguidores.
VERSO 15:
O rei Indra disse: Portanto, com toda a franqueza e sem duplicidades, prostrarei minha cabeça aos pés de lótus de Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses. Porque está no modo da bondade, ele está sempre a par de todo o conhecimento e é o melhor dos brāhmaṇas. Portanto, tentando satisfazê-lo, tocarei seus pés de lótus e lhe oferecerei minhas reverências.
VERSO 16:
Enquanto Indra, o rei dos semideuses, pensava dessa maneira e se arrependia em sua própria assembleia, Bṛhaspati, o poderosíssimo mestre espiritual, compreendeu a mente de Indra. Então, sendo espi­ritualmente mais poderoso que o rei Indra, Bṛhaspati se tornou invisível a ele e saiu de casa.
VERSO 17:
Embora dispusesse da ajuda dos outros semideuses, Indra, que o procurou diligentemente, não conseguiu encontrar Bṛhaspati. Então, Indra pensou: “Ai de mim! Meu mestre espiritual ficou insatisfeito comigo, e agora não tenho meios de alcançar uma boa fortuna.” Embora estivesse cercado de semideuses, Indra não era capaz de encontrar sua paz mental.
VERSO 18:
Ao tomarem conhecimento da lastimável condição do rei Indra, os demônios, seguindo as instruções do seu guru, Śukrācārya, tomaram de armas e declararam guerra aos semideuses.
VERSO 19:
As cabeças, coxas e braços dos semideuses, juntamente com as outras partes de seus corpos, foram feridos pelas flechas afiadas dos demônios. Os semideuses, encabeçados por Indra, não viram outra saída além de se aproximarem imediatamente do senhor Brahmā, a quem deveriam prostrar suas cabeças para obterem refúgio e ins­trução adequada.
VERSO 20:
Ao ver os semideuses vindo em sua direção, tendo seus corpos gravemente feridos pelas flechas dos demônios, o poderosíssimo senhor Brahmā os apaziguou com sua grande e imotivada misericórdia e lhes disse as seguintes palavras.
VERSO 21:
O senhor Brahmā disse: Ó melhores dos semideuses, infelizmente, devido à loucura resultante de vossa opulência material, deixas­tes de dar a Bṛhaspati uma recepção apropriada quando ele foi até vossa assembleia. Porque conhece muito bem o Brahman Supremo e exerce pleno controle sobre os sentidos, ele é o melhor dos brāhmaṇas. Por­tanto, fico muito surpreso em saber que agistes com tamanha imprudência em relação a ele.
VERSO 22:
Devido ao vosso comportamento inapropriado com Bṛhaspati, fostes derrotados pelos demônios. Meus queridos semideuses, visto que os demônios estavam fracos, tendo sido derrotados por vós em várias ocasiões, como, então, explicar o fato de que vós, que tendes tanta opulência, fostes derrotados por eles?
VERSO 23:
Ó Indra, teus inimigos, os demônios, estavam extremamente vulneráveis devido ao fato de terem desrespeitado Śukrācārya, mas, como passaram a adorar Śukrācārya com muita devoção, retomaram seu poder. Através da devoção que dedicaram a Śukrācārya, sua força se tornou tão descomunal que agora são capazes até mesmo de facilmente se apoderarem de minha morada.
VERSO 24:
Devido à sua firme determinação de seguir as instruções de Śukrācārya, seus discípulos, os demônios, não se preocupam com os semideuses. De fato, os reis ou outros que têm fé inabalável na misericórdia dos brāhmaṇas, das vacas e da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, e sempre os adoram permanecem constantemente fortes em suas posições.
VERSO 25:
Ó semideuses, sugiro que vos aproximeis de Viśvarūpa, o filho de Tvaṣṭā, e que o aceiteis como vosso guru. Ele é um brāhmaṇa puro e muito poderoso, que se submete a austeridades e penitências. Ficando satisfeito com a adoração que lhe havereis de prestar, ele concretizará os vossos desejos, desde que tolereis o fato de ele também procurar aliar-se aos demônios.
VERSO 26:
Śrīla Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Recebendo esse conselho do senhor Brahmā e sentindo-se aliviados de sua ansiedade, todos os semideuses foram ter com o sábio Viśvarūpa, o filho de Tvaṣṭā. Meu querido rei, eles o abraçaram e falaram as seguintes palavras.
VERSO 27:
Os semideuses disseram: Amado Viśvarūpa, que toda a boa fortuna esteja contigo. Nós, os semideuses, viemos ao teu āśrama como teus convidados. Por favor, tenta realizar os nossos desejos de acordo com o tempo, visto que estamos no mesmo nível de teus pais.
VERSO 28:
Ó brāhmaṇa, se o dever máximo de um filho, mesmo que ele tenha seus próprios filhos, é servir seus pais, o que dizer, então, da atitude a ser tomada pelo filho brahmacārī?
VERSOS 29-30:
O ācārya, o mestre espiritual que ensina todo o conhecimento vé­dico e confere a iniciação oferecendo o cordão sagrado, é a personi­ficação de todos os Vedas. De modo semelhante, o pai personifica o senhor Brahmā; o irmão, o rei Indra; a mãe, o planeta Terra, e a irmã, a misericórdia. Um hóspede personifica os princípios reli­giosos, um convidado personifica o semideus Agni, e todas as enti­dades vivas personificam o Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus.
VERSO 31:
Estimado filho, fomos derrotados por nossos inimigos e, portanto, estamos muitíssimo pesarosos. Por favor, tem misericórdia e satisfaz os nossos desejos, aliviando nossa aflição com o poder de tuas austeridades. Por favor, atende nossas súplicas.
VERSO 32:
Porque conheces na íntegra o que é o Brahman Supremo, és um brāhmaṇa perfeito e, portanto, és o mestre espiritual de todas as ordens de vida. Nós te aceitamos como mestre espiritual e orientador, para que, mediante o poder de tua austeridade, possamos facilmente derrotar os inimigos que nos subjugaram.
VERSO 33:
Os semideuses continuaram: Não temas censuras por seres mais novo do que nós. Semelhante etiqueta não se aplica em relação aos mantras védicos. Exceto no que se refere aos mantras védicos, a pri­mazia é determinada pela idade, mas mesmo à pessoa mais jovem podem-se oferecer respeitosas reverências no caso de ela ser avança­da em cantar os mantras védicos. Portanto, embora sejas mais jovem quando compa­rado a nós, não há por que te eximires de te tornar nosso sacerdote.
VERSO 34:
Śukadeva Gosvāmī continuou: Quando todos os semideuses pediram que o grande Viśvarūpa se tornasse seu sacerdote, Viśvarūpa, que era avançado em austeridades, ficou muito satisfeito e lhes diri­giu as seguintes palavras.
VERSO 35:
Śrī Viśvarūpa disse: Ó semideuses, embora aceitar o sacerdócio seja algo depreciado porque causa a perda do poder bramânico já adquirido, de que maneira alguém como eu poderia deixar de aceitar vosso pedido pessoal? Todos vós sois nobres comandantes de todo o universo. Sou vosso discípulo e muito tenho que aprender convosco. Portanto, não posso recusar o que me pedis e, em meu próprio benefício, tenho de aceitar vossa proposta.
VERSO 36:
Ó sublimes governantes de vários planetas, o verdadeiro brāhmaṇa, que é desprovido de posses materiais, mantém-se através do ofício de aceitar śiloñchana. Em outras palavras, ele apanha cereais deixados no campo ou no chão dos mercados atacadistas. Por esse meio, o brāhmaṇa pai de família que realmente acata os princípios de austeridade e penitência mantém a si mesmo e a sua família e executa todas as atividades piedosas necessárias. O brāhmaṇa que deseja alcançar a felicidade obtendo riquezas através do sacerdócio profissional decerto deve ter uma mentalidade muito baixa. Como eu aceitaria semelhante sacerdócio?
VERSO 37:
Todos vós sois meus superiores. Portanto, embora aceitar o sacerdócio, às vezes, seja censurável, não sou capaz de me negar a aceitar um pequeno pedido vosso. Concordo em ser vosso sacerdote. Satisfarei vosso pedido, dedicando-vos minha vida e minhas posses.
 VERSO 38:
Śrī Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Ó rei, após fazer essa promessa aos semideuses, o esplêndido Viśvarūpa, rodeado pelos semideuses, executou com muito entusiasmo e atenção as atividades sacerdotais necessárias.
VERSO 39:
A opulência dos demônios, geralmente conhecidos como os inimigos dos semideuses, estava protegida pelos talentos e táticas de Śukrācārya, mas Viśvarūpa, sendo muito poderoso, compôs uma oração protetora conhecida como Nārāyaṇa-kavaca. Através desse mantra inteligente, ele tirou a opulência dos demônios e a entregou a Mahendra, o rei dos céus.
VERSO 40:
Viśvarūpa, que era muito magnânimo, transmitiu ao rei Indra [Sahasrākṣa] o hino secreto que protegeu Indra e derrotou o poder militar dos demônios.