Skip to main content

Capítulo Catorze

A Gravidez de Diti ao Anoitecer

VERSO 1:
Śukadeva Gosvāmī disse: Após ouvir o grande sábio Maitreya falar sobre a encarnação do Senhor como Varāha, Vidura, que havia feito um voto, pediu-lhe, de mãos juntas, a bondade de narrar outras atividades transcendentais do Senhor, uma vez que ele [Vidura] ainda não estava satisfeito.
VERSO 2:
Śrī Vidura disse: Ó principal entre os grandes sábios, eu ouvi através da sucessão discipular que Hiraṇyākṣa, o demônio original, foi morto pela própria forma dos sacrifícios, a Personalidade de Deus [o Senhor Javali].
VERSO 3:
Qual foi o motivo, ó brāhmaṇa, da luta entre o rei-demônio e o Senhor Javali, enquanto o Senhor erguia a Terra como Seu passatempo?
VERSO 4:
Minha mente está muito curiosa, em razão do que não me sacio de ouvir a narração do aparecimento do Senhor. Portanto, por favor, compartilha mais e mais com este devoto cheio de fé.
VERSO 5:
O grande sábio Maitreya disse: Ó guerreiro, a pergunta feita por ti é digna de um devoto porque se relaciona com a encarnação da Personalidade de Deus. Ele é a fonte de liberação da corrente de nascimentos e mortes para todos aqueles que, de outro modo, estão destinados a morrer.
VERSO 6:
Ao ouvir esses tópicos falados pelo sábio [Nārada], o filho do rei Uttānapāda [Dhruva] foi iluminado a respeito da Personalidade de Deus, e se elevou à morada do Senhor, colocando seu pé sobre a cabeça da morte.
VERSO 7:
Esta história da luta entre o Senhor como um javali e o demônio Hiraṇyākṣa, eu a ouvi anos atrás. Quem a descreveu foi Brahmā, o mais elevado dos semideuses, quando questionado pelos outros semideuses.
VERSO 8:
Diti, filha de Dakṣa, estando atormentada pelo desejo sexual, pediu a seu esposo, Kaśyapa, filho de Marīci, que tivesse relação sexual com ela à noite para gerarem um filho.
VERSO 9:
O Sol estava se pondo, e o sábio estava sentado em transe após oferecer oblações à Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu, cuja língua é o fogo sacrificatório.
VERSO 10:
Naquele local, a bela Diti expressou seu desejo: Ó sábio, o Cupido está tomando de suas flechas e me atormentando violentamente, assim como um elefante louco agita uma bananeira.
VERSO 11:
Portanto, sê bondoso comigo, mostrando-me completa misericórdia. Eu desejo ter filhos, e muito me angustia ver as opulências de minhas co-esposas. Se procederes assim, serás feliz.
VERSO 12:
Uma mulher é honrada no mundo pela bênção de seu esposo, e um esposo como Vossa Graça ficará famoso por ter filhos porque te destinas à multiplicação das entidades vivas.
VERSO 13:
Muito tempo atrás, nosso pai, o opulentíssimo Dakṣa, que era afetuoso com suas filhas, perguntou separadamente a cada uma de nós a quem preferíamos escolher como nosso esposo.
VERSO 14:
Dakṣa, nosso pai e benquerente, após conhecer nossas intenções, deu a mão de treze de suas filhas a ti, e desde então nós todas temos sido fiéis.
VERSO 15:
Ó pessoa de olhos de lótus, por favor, abençoa-me satisfazendo meu desejo. Quando alguém, aflito, se aproxima de um grande homem, suas súplicas nunca devem ser em vão.
VERSO 16:
Ó herói [Vidura], Diti, estando assim agitada pela contaminação da luxúria e, portanto, desolada e falando em excesso, foi apaziguada pelo filho de Marīci com palavras adequadas.
VERSO 17:
Ó aflita, satisfarei sem demora qualquer desejo que te seja querido, pois quem mais além de ti é a fonte das três perfeições da liberação?
VERSO 18:
Assim como se pode cruzar o oceano com resistentes embarcações marítimas, da mesma forma pode-se atravessar a perigosa situação do oceano material vivendo-se com a esposa.
VERSO 19:
Ó mulher respeitosa, uma esposa é tão auxiliadora que é chamada de a melhor metade do corpo do homem, isso por causa de sua partilha em todas as atividades auspiciosas. Um homem pode mover-se sem ansiedade, confiando todas as responsabilidades à sua esposa.
VERSO 20:
Assim como o comandante de uma fortaleza repele com muita facilidade os assaltantes invasores, refugiando-nos numa esposa podemos conquistar os sentidos, que são inconquistáveis nas outras ordens sociais.
VERSO 21:
Ó rainha do lar, não temos capacidade de agir como tu, nem poderíamos recompensar-te por aquilo que tens feito, ainda que trabalhássemos por toda a nossa vida ou mesmo após a morte. Recompensar-te é impossível, inclusive para aqueles que são admiradores de qualidades pessoais.
VERSO 22:
Muito embora não me seja possível recompensar-te, hei de satisfazer teu desejo sexual imediatamente para gerarmos filhos. Mas terás de esperar apenas alguns momentos, de modo que os outros não me censurem.
VERSO 23:
Este momento em particular é muito inauspicioso porque, nessa altura, os fantasmas de aparência horrível e os companheiros constantes do senhor dos fantasmas são visíveis.
VERSO 24:
Durante este período, o senhor Śiva, o rei dos fantasmas, sentado no lombo de seu touro, viaja acompanhado por fantasmas que o seguem para o bem-estar deles.
VERSO 25:
O corpo do senhor Śiva é avermelhado, e ele é imaculado, mas anda coberto com cinzas. Seu cabelo se empoeira com a poeira do redemoinho dos crematórios incandescentes. Ele é o irmão mais novo de teu esposo, e vê com seus três olhos.
VERSO 26:
O senhor Śiva não considera ninguém como seu parente, apesar do que não há ninguém que não tenha ligação com ele. Ele não considera ninguém como muito favorável ou abominável. Nós adoramos respeitosamente os restos de seu alimento, e fazemos votos de aceitar aquilo que é por ele rejeitado.
VERSO 27:
Embora ninguém no mundo material seja igual ou superior ao senhor Śiva, e embora seu caráter impecável seja seguido por grandes almas para desmantelar a massa de ignorância, não obstante ele permanece como se fosse um espírito maligno para salvar todos os devotos do Senhor.
VERSO 28:
Não sabendo que ele está absorto em seu próprio eu, os tolos e desventurados zombam dele. Tais tolos dedicam-se a manter o corpo – que é comestível para os cães – com roupas, adornos, guirlandas e cosméticos.
VERSO 29:
Semideuses como Brahmā também seguem os ritos religiosos por ele observados. Ele é o controlador da energia material, que provoca a criação do mundo material. Ele é grandioso, de modo que suas características diabólicas são uma mera imitação.
VERSO 30:
Maitreya disse: Diti foi assim informada por seu esposo, mas o Cupido impeliu-a a buscar pela satisfação sexual. Ela se agarrou à roupa do grandioso sábio brāhmaṇa, tal qual uma desavergonhada prostituta pública.
VERSO 31:
Compreendendo a intenção de sua esposa, ele foi obrigado a realizar o ato proibido, e assim, após oferecer suas reverências ao destino adorável, deitou-se com ela num lugar solitário.
VERSO 32:
Em seguida, o brāhmaṇa se banhou na água e controlou sua fala praticando o transe, meditando na refulgência eterna e entoando os sagrados hinos Gāyatrī dentro de sua boca.
VERSO 33:
Ó filho da família Bharata, depois disso, Diti aproximou-se de seu esposo, cabisbaixa por causa de sua ação culpável. Ela falou o seguinte.
VERSO 34:
A bela Diti disse: Meu querido brāhmaṇa, por favor, cuida para que meu embrião não seja morto pelo senhor Śiva, o senhor de todas as entidades vivas, por causa da grande ofensa que cometi contra ele.
VERSO 35:
Deixe-me oferecer minhas respeitosas reverências ao irado senhor Śiva, que é simultaneamente o ferocíssimo grande semideus e a pessoa que satisfaz todos os desejos materiais. Ele é todo-auspicioso e indulgente, mas sua ira pode imediatamente levá-lo a castigar.
VERSO 36:
Que ele fique satisfeito conosco, uma vez que é meu cunhado, esposo de minha irmã Satī. Ele também é o senhor adorável de todas as mulheres. Ele é a personalidade de todas as opulências e pode mostrar misericórdia para com as mulheres, que são perdoadas mesmo por caçadores incivilizados.
VERSO 37:
Maitreya disse: O grande sábio Kaśyapa dirigiu-se, então, a sua esposa, que tremia pelo temor de que seu esposo estivesse ofendido. Ela compreendeu que ele havia sido dissuadido de seus deveres diários de oferecer as orações do anoitecer, mas desejava o bem-estar de seus filhos no mundo.
VERSO 38:
O erudito Kaśyapa disse: Por tua mente estar poluída, por tua profanação durante aquele momento, por teres negligenciado as minhas orientações e por seres indiferente aos semideuses, tudo tornou-se inauspicioso.
VERSO 39:
Ó mulher arrogante, terás dois filhos insolentes nascidos de teu ventre condenado. Ó desafortunada, eles causarão constante lamentação para todos os três mundos!
VERSO 40:
Eles matarão pobres e impecáveis entidades vivas, torturarão mulheres e enraivecerão as grandes almas.
VERSO 41:
Nessa altura, o Senhor do universo, a Suprema Personalidade de Deus, que é o benquerente de todas as entidades vivas, descerá para matá-los, assim como Indra esmaga as montanhas com seus raios.
VERSO 42:
Diti disse: Será ótimo que meus filhos sejam magnanimamente mortos pelos braços da Personalidade de Deus com Sua arma Sudarśana. Ó meu esposo, que eles nunca sejam mortos pela ira dos devotos brāhmaṇas.
VERSO 43:
Uma pessoa que é condenada por um brāhmaṇa ou é sempre amedrontadora para outras entidades vivas não é favorecida, nem por aqueles que já estão no inferno, nem por aqueles situados na espécie em que ela nasce.
VERSOS 44-45:
O erudito Kaśyapa disse: Por causa de tua lamentação, penitência e deliberação adequada, e também por causa de tua fé inquebrantável na Suprema Personalidade de Deus e de tua adoração ao senhor Śiva e a mim, um dos filhos [Prahlāda] de teu filho [Hiraṇyakaśipu] será um devoto reconhecido do Senhor, e sua fama há de se espalhar igualmente junto à da Personalidade de Deus.
VERSO 46:
A fim de seguir seus passos, pessoas santas tentarão emular seu caráter, praticando o libertar-se da animosidade, assim como o processo purificatório retifica o ouro de qualidade inferior.
VERSO 47:
Todos ficarão satisfeitos com ele porque a Personalidade de Deus, o controlador supremo do universo, sempre está satisfeito com um devoto que não deseja nada além dEle.
VERSO 48:
Este elevadíssimo devoto do Senhor terá inteligência e influência expandidas e será a maior entre as grandes almas. Devido ao maduro serviço devocional, decerto ele estará situado em êxtase transcendental e entrará no céu espiritual após deixar este mundo material.
VERSO 49:
Ele será alguém de grande virtude, qualificado como um reservatório de todas as boas qualidades; será alegre e feliz com a felicidade dos outros, ficará aflito diante da aflição alheia e não terá inimigos. Destruirá a lamentação de todos os universos, assim como a Lua é agradável após o sol do verão.
VERSO 50:
Teu neto será capaz de ver, interna e externamente, a Suprema Personalidade de Deus, aquele cuja esposa é a bela deusa da fortuna. O Senhor pode assumir a forma desejada pelo devoto, e Seu rosto está sempre belamente enfeitado com brincos.
VERSO 51:
O sábio Maitreya disse: Ao ouvir que seu neto seria um grande devoto e que seus filhos seriam mortos por Kṛṣṇa, Diti ficou muitíssimo satisfeita mentalmente.