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CAPÍTULO CINQUENTA

Kṛṣṇa Estabelece a Cidade de Dvārakā

Este capítulo narra como o Senhor Kṛṣṇa derrotou Jarāsandha em batalha dezessete vezes e, depois, construiu a cidade de Dvārakā.

Depois que Kaṁsa foi morto, suas duas rainhas, Asti e Prāpti, foram para a casa do pai delas, Jarāsandha, e, tomadas de pesar, descreveram-lhe como Kṛṣṇa as fizera viúvas. Ao ouvir esse relato, o rei Jarāsandha se enfureceu. Ele fez o voto de eliminar da Terra todos os Yādavas e reuniu um imenso exército para sitiar Mathurā. Quando Śrī Kṛṣṇa viu que Jarāsandha atacava, o Senhor considerou as razões de Seu advento a este mundo e, então, decidiu exterminar o exército de Jarāsandha, que era um fardo para a Terra.

Duas refulgentes quadrigas de súbito apareceram, equipadas com cocheiros e acessórios, junto de todas as armas pessoais do Senhor. Vendo isso, o Senhor Kṛṣṇa dirigiu-Se ao Senhor Baladeva: “Meu querido irmão, Jarāsandha está agora atacando Mathurā-purī, então, por favor, monta em Tua quadriga e vamos destruir o exército do inimigo.” Os dois Senhores empunharam Suas armas, montaram nas quadrigas e afastaram-Se da cidade.

Ao apresentar-Se diante do exército de Seu adversário, o Senhor Kṛṣṇa soou Seu búzio, provocando medo no coração de Seus inimigos. O rei Jarāsandha, com seus soldados, quadrigas etc., cercou Kṛṣṇa e Balarāma, e as mulheres da cidade, tendo subido aos terraços dos palácios, ficaram por demais infelizes pelo fato de não poderem ver os Senhores. Kṛṣṇa, então, vibrou a corda de Seu arco e colocou-Se a lançar uma torrente de flechas sobre os soldados inimigos. Em pouco tempo, o imbatível exército de Jarāsandha estava aniquilado.

O Senhor Baladeva, em seguida, prendeu Jarāsandha e estava prestes a amarrá-lo com cordas quando Śrī Kṛṣṇa fez com que Baladeva soltasse o rei. O Senhor Kṛṣṇa deduziu que Jarāsandha reuniria outro exército e retornaria para lutar outra vez; isto facilitaria a consecução do objetivo de Kṛṣṇa, que era remover o fardo da Terra. Uma vez liberto, Jarāsandha regressou a Magadha e fez voto de praticar austeridades com a intenção de vingar sua derrota. Os outros reis advertiram-no de que sua derrota não passava de reação a seu karma. Assim alertado, o rei Jarāsandha retirou-se para seu reino com um peso no coração.

Śrī Kṛṣṇa reuniu-se aos cidadãos de Mathurā, que passaram a se rejubilar, cantando hinos de triunfo e preparando celebrações pela vitória. O Senhor trouxe todos os ornamentos e joias dos guerreiros, os quais foram apanhados no campo de batalha, e os deu de presente a Mahārāja Ugrasena.

Jarāsandha atacou os Yādavas em Mathurā dezessete vezes, e, em cada ataque, seu exército foi totalmente destruído. Então, enquanto Jarāsandha se preparava para atacar pela décima oitava vez, um guerreiro chamado Kālayavana, que estivera procurando um adversário meritório, foi enviado por Nārada Muni para combater os Yādavas. Com trinta milhões de soldados, Kālayavana sitiou a capital Yādava. O Senhor Kṛṣṇa atentou para esse ataque com preocupação, pois sabia que, com a iminente chegada de Jarāsandha, havia o sério risco de que o ataque simultâneo desses dois inimigos pudesse colocar os Yādavas em perigo. O Senhor, portanto, construiu uma maravilhosa ci­dade dentro do mar como um porto seguro para os Yādavas, após o que levou todos os Yādavas para lá por meio de Seu poder místico. Essa cidade era completamente povoada com membros de todas as quatro ordens sociais, e, dentro dela, ninguém sentia as torturas da fome e da sede. Os vários semideuses, liderados por Indra, ofereceram como tributo ao Senhor Kṛṣṇa as mesmas opulências que cada um havia original­mente obtido dEle para estabelecer suas posições de autoridade.

Uma vez que viu Seus súditos estabelecidos e seguros, o Senhor Śrī Kṛṣṇa pediu permissão ao Senhor Baladeva e saiu de Mathurā desarmado.

VERSO 1:
Śukadeva Gosvāmī disse: Depois que Kaṁsa foi morto, ó heroico descendente de Bharata, suas duas rainhas, Asti e Prāpti, tomadas de aflição, foram para a casa do pai delas.
VERSO 2:
As pesarosas rainhas contaram a seu pai, o rei Jarāsandha de Magadha, tudo sobre como elas se tornaram viúvas.
VERSO 3:
Ouvindo esta odiosa notícia, ó rei, Jarāsandha encheu-se de pesar e ira e deu início ao maior empreendimento possível para eliminar da Terra os Yādavas.
VERSO 4:
Com uma força de vinte e três divisões akṣauhiṇīs, ele sitiou a capital dos Yadus, Mathurā, por todos os lados.
VERSOS 5-6:
Embora seja a causa original deste mundo, o Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, ao descer à Terra, desempenhou o papel de um ser humano. Assim, quando viu que o exército reunido por Jarāsandha rodeava Sua cidade tal qual um grande oceano que transborda suas praias e viu como este exército provocava medo em Seus súditos, o Senhor pôs-Se a considerar qual devia ser a resposta adequada segundo o tempo, lugar e finalidade específica de Sua atual encarnação.
VERSOS 7-8:
[O Senhor Supremo pensou:] Como é um fardo para a Terra, destruirei o exército de Jarāsandha, constituído de akṣauhiṇīs com soldados de infantaria, cavalos, quadrigas e elefantes, que o rei de Magadha reuniu com todos os reis subservientes e trouxe juntos para cá. Mas o próprio Jarāsandha não deve ser morto, pois é certo que ele reunirá outro exército no futuro.
VERSO 9:
Esta é a finalidade de Minha presente encarnação – aliviar a Terra de seu fardo, proteger os piedosos e matar os ímpios.
VERSO 10:
Também assumo outros corpos para proteger a religião, e para acabar com a irreligião sempre que esta floresce no decurso do tempo.
VERSO 11:
[Śukadeva Gosvāmī continuou:] Enquanto o Senhor Govinda pensava dessa maneira, desceram de repente do céu duas quadrigas tão refulgentes quanto o Sol, equipadas com cocheiros e acessórios.
VERSO 12:
As divinas e eternas armas do Senhor também apareceram diante dEle de modo espontâneo. Ao vê-las, Śrī Kṛṣṇa, o Senhor dos sentidos, dirigiu-Se ao Senhor Saṅkarṣaṇa.
VERSOS 13-14:
[O Senhor Supremo disse:] Meu respeitado irmão mais velho, observa este perigo que perturba Teus dependentes, os Yadus! E observa, querido amo, como Tua quadriga pessoal e armas favoritas apresentam-se diante de Ti. A finalidade para a qual nascemos, Meu Senhor, é garantir o bem-estar de Nossos devo­tos. Por favor, remove agora da Terra o fardo constituído destes vinte e três exércitos.
VERSO 15:
Depois que o Senhor Kṛṣṇa convidou assim Seu irmão, os dois Dāśārhas, Kṛṣṇa e Balarāma, usando armadura e exibindo Suas armas resplandecentes, saíram da cidade em Suas quadrigas. Apenas um pequeno contingente de soldados Os acompanhava.
VERSO 16:
Ao sair da cidade com Dāruka no comando das rédeas de Sua quadriga, o Senhor Kṛṣṇa soprou Seu búzio, e os corações dos soldados inimigos começaram a tremer de medo.
VERSO 17:
Jarāsandha olhou para Eles dois e disse: Ó Kṛṣṇa, és o mais baixo dos homens! Não quero lutar sozinho conTigo, pois seria uma vergonha lutar com um mero menino. Ó tolo que Te man­téns escondido, ó assassino de Teus parentes, vai embora! Não lutarei conTigo.
VERSO 18:
Tu, Rāma, deves reunir Tua coragem e lutar comigo, caso Te consideres capaz disso. Podes ou abandonar o corpo quando este for estraçalhado por minhas flechas e, assim, alcançar os céus, ou, então, matar-me.
VERSO 19:
O Senhor Supremo disse: Os verdadeiros heróis não apenas se vangloriam, senão que mostram sua valentia em ação. Não podemos levar a sério as palavras de alguém que está cheio de ansie­dade e quer morrer.
VERSO 20:
Śukadeva Gosvāmī disse: Assim como o vento encobre o Sol com nuvens ou o fogo com poeira, o filho de Jarā marchou em direção aos dois descendentes de Madhu e, com seu enorme agru­pamento de exércitos, rodeou Kṛṣṇa e Balarāma, bem como Seus soldados, quadrigas, bandeiras, cavalos e quadrigários.
VERSO 21:
As mulheres estavam de pé nas torres de vigia, palácios e por­tais altos da cidade. Ao deixarem de ver as quadrigas de Kṛṣṇa e Balarāma, identificadas pelas flâmulas com os emblemas de Garuḍa e uma palmeira, elas, tomadas de profundo pesar, desmaiaram.
VERSO 22:
Vendo Seu exército atormentado pela implacável e selvagem chuva de flechas proveniente do agrupamento de forças oponen­tes reunido feito nuvens ao redor dEle, o Senhor Hari vibrou a corda de Seu excelente arco, Śārṅga, que é adorado tanto pelos deuses quanto pelos demônios.
VERSO 23:
O Senhor Kṛṣṇa apanhou flechas em Sua aljava, fixou-as na corda do arco, puxou para trás e atirou infindáveis torrentes de flechas afiadas, que atingiam as quadrigas, elefantes, cavalos e infantaria do inimigo. Disparando Suas flechas, o Senhor parecia um ardente círculo de fogo.
VERSO 24:
Elefantes caíam ao chão, com a cabeça partida ao meio; os animais da cavalaria tombavam decapitados; quadrigas ruíam com seus cavalos, bandeiras, cocheiros e guerreiros todos destroça­dos; e soldados da infantaria, com braços, coxas e ombros decepados, sucumbiam.
VERSOS 25-28:
No campo de batalha, centenas de rios de sangue corriam dos membros dos seres humanos, elefantes e cavalos que haviam sido estraçalhados. Nesses rios, braços pareciam serpentes; cabeças humanas, tartarugas; elefantes mortos, ilhas; e cavalos mortos, crocodilos. Mãos e coxas assemelhavam-se a peixes; cabelo hu­mano, a algas, arcos a ondas, e as muitas armas se pareciam com moitas de arbustos. Os rios de sangue abundavam de tudo isso. Rodas de quadrigas lembravam aterrorizantes redemoinhos, e pedras preciosas e ornamentos pareciam seixos e cascalho nos impetuosos rios sanguinolentos, que despertavam temor nos tí­midos, e júbilo nos sábios. Com os golpes de Sua arma arado, o incomensuravelmente poderoso Senhor Balarāma aniquilou a força militar de Magadhendra. E apesar de esta força ser tão imbatível e assustadora quanto um oceano intransponível, a batalha era pouco mais do que uma brincadeira para os dois filhos de Vasudeva, os Senhores do universo.
VERSO 29:
Para Ele que orquestra a criação, manutenção e destruição dos três mundos e que possui ilimitadas qualidades espirituais, é pouco surpreendente o fato de subjugar um grupo adversário. Ainda assim, quando o Senhor age dessa maneira, imitando o comportamento humano, os sábios glorificam Seus atos.
VERSO 30:
Jarāsandha, com sua quadriga arruinada e todos os seus soldados mortos, foi deixado apenas com Seu alento. Nesse instante, o Senhor Balarāma agarrou à força o poderoso guerreiro, assim como um leão agarra outro.
VERSO 31:
Com o laço divino de Varuṇa e outras cordas pertencentes aos mortais, Balarāma colocou-Se a atar Jarāsandha, que matara tantos inimigos. Mas o Senhor Govinda ainda tinha um propósito a cumprir através de Jarāsandha e, por isso, pediu a Balarāma que parasse.
VERSOS 32-33:
Jarāsandha, a quem lutadores haviam oferecido altas honras, ficou envergonhado depois que os dois Senhores do universo o libertaram e, por isso, decidiu fazer penitência. Na estrada, po­rém, diversos reis convenceram-no tanto com sabedoria espiritual quanto com argumentos mundanos de que ele devia desistir da ideia de renúncia. Eles lhe disseram: “O fato de teres sido derrotado pelos Yadus foi apenas a reação inevitável a teu karma passado.”
VERSO 34:
Depois que todos os seus exércitos foram aniquilados e ele próprio foi desdenhado pela Personalidade de Deus, o rei Jarāsandha, filho de Bṛhadratha, então regressou triste ao reino dos Magadhas.
VERSOS 35-36:
 O Senhor Mukunda atravessou o oceano dos exércitos de Seu inimigo com Sua força militar completamente intacta. Ele recebeu congratulações dos habitantes dos céus, que lança­ram chuvas de flores sobre Ele. O povo de Mathurā, aliviado de sua ansiedade febril e cheio de alegria, saiu ao encontro dEle enquanto trovadores profissionais, arautos e panegiristas canta­vam em louvor de Sua vitória.
VERSOS 37-38:
Enquanto o Senhor entrava em Sua cidade, búzios e timbales soavam, e muitos tambores, cornetas, vīṇās, flautas e mṛdaṅgas tocavam em uníssono. Os bulevares estavam borrifados de água, havia flâmulas em toda a parte, e os portais estavam enfeitados para a celebração. Os cidadãos exultavam, e a cidade ressoava com o canto dos hinos védicos.
VERSO 39:
Enquanto olhavam afetuosamente para o Senhor, as mulheres da cidade, com seus olhos arregalados de amor, lançavam sobre Ele guirlandas de flores, iogurte, arroz torrado e brotos novos.
VERSO 40:
O Senhor Kṛṣṇa, então, presenteou o rei Yadu com toda a riqueza que caíra no campo de batalha – a saber, os incontáveis ornamentos dos guerreiros mortos.
VERSO 41:
Dezessete vezes, o rei de Magadha foi derrotado desta mesma maneira. E apesar de todas essas derrotas, ele continuou lutando com suas divisões akṣauhiṇīs contra as forças da dinastia Yadu, que eram protegidas por Śrī Kṛṣṇa.
VERSO 42:
Em virtude do poder do Senhor Kṛṣṇa, os Vṛṣṇis invariavelmente aniquilavam todas as forças de Jarāsandha, e quando todos os seus soldados eram mortos, o rei, solto por seus inimigos, tor­nava a ir embora.
VERSO 43:
Bem na ocasião em que estava para ocorrer a décima oitava batalha, apareceu no campo de batalha, enviado por Nārada, um guerreiro bárbaro chamado Kālayavana.
VERSO 44:
Chegando a Mathurā, esse yavana sitiou a cidade com trinta milhões de soldados bárbaros. Ele jamais encontrara um rival humano digno de combate, mas ouvira dizer que os Vṛṣṇis eram páreos para ele.
VERSO 45:
Quando o Senhor Kṛṣṇa e o Senhor Saṅkarṣaṇa viram Kālayavana, Kṛṣṇa ponderou sobre a situação e disse: “Ah! Um grande perigo ameaça agora os Yadus vindo de dois lados.”
VERSO 46:
“Este yavana já está nos sitiando, e o poderoso rei de Maga­dha logo chegará aqui, se não hoje, então amanhã ou depois.”
VERSO 47:
“Se o poderoso Jarāsandha vier enquanto Nós dois estivermos ocupados lutando com Kālayavana, Jarāsandha poderá matar Nossos parentes ou então levá-los embora para sua capital.”
VERSO 48:
“Portanto, construamos imediatamente uma fortaleza que nenhuma força humana possa penetrar. Instalemos aí os membros de nossa família e, então, matemos o rei bárbaro.”
VERSO 49:
Depois de assim discutir o assunto com Balarāma, a Suprema Personalidade de Deus construiu dentro do mar uma fortaleza de doze yojanas de perímetro. Dentro desse forte, Ele construiu uma cidade que continha toda sorte de maravilhas.
VERSOS 50-53:
Na construção daquela cidade, podiam-se ver o pleno conheci­mento científico e habilidade arquitetônica de Viśvakarmā. Havia largas avenidas, vias comerciais e quintais dispostos em amplos lotes de terra; havia parques esplêndidos e também jardins cheios de árvores e trepadeiras dos planetas celestiais. As torres dos portais eram coroadas com torreões de ouro que tocavam o céu, e suas extremidades eram feitas de quartzo de cristal. As casas revestidas de ouro eram adornadas na frente com vasos doura­dos e, no alto, com telhados de joias, e seus pisos eram incrustados de esmeraldas preciosas. Ao lado das casas erguiam-se tesoura­rias, armazéns e estábulos para cavalos de raça, tudo construí­do de prata e latão. Cada residência tinha uma torre de vigia e também um templo para a deidade da família. Repleta de cida­dãos de todas as quatro ordens sociais, a cidade era especialmen­te embelezada pelos palácios de Śrī Kṛṣṇa, o Senhor dos Yadus.
VERSO 54:
O senhor Indra trouxe para Śrī Kṛṣṇa o salão de assembleias Sudharmā, onde um mortal não está sujeito às leis da mortalidade. Indra também deu de presente a árvore pārijāta.
VERSO 55:
O Senhor Varuṇa ofereceu cavalos tão velozes quanto a mente, alguns dos quais eram de uma cor puramente azul-escura, enquanto outros eram brancos. O tesoureiro dos semideuses, Kuvera, ofertou seus oito tesouros místi­cos, e cada governante dos vários planetas ofereceu suas próprias opulências.
VERSO 56:
Tendo o Senhor Supremo vindo para a Terra, ó rei, estes semideuses agora ofereceram-Lhe todos os poderes de controle que Ele outrora lhes delegara para o exercício de sua própria autoridade.
VERSO 57:
Após transportar todos os Seus súditos à nova cidade mediante o poder de Sua Yogamāyā mística, o Senhor Kṛṣṇa consultou o Senhor Balarāma, que havia ficado em Mathurā para protegê-la. Então, usando uma guirlanda de lótus, mas não portando nenhu­ma arma, o Senhor Kṛṣṇa saiu de Mathurā pela entrada prin­cipal.