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Capítulo Sete

O Senhor Caitanya em Cinco Aspectos

Texto

agaty-eka-gatiṁ natvā
hīnārthādhika-sādhakam
śrī-caitanyaṁ likhyate ’sya
prema-bhakti-vadānyatā

Sinônimos

agati do mais caído; eka o único; gatim destino; natvā após oferecer reverências; hīna inferior; hīna interesse; adhika maior do que isto; sādhakam que pode prestar; śrī-caitanyam ao Senhor Śrī Caitanya; likhyate está sendo escrito; asya do Senhor, Śrī Caitanya Mahāprabhu; prema amor; bhakti serviço devocional; vadānyatā magnanimidade.

Tradução

Primeiramente, ofereço minhas respeitosas reverências ao Senhor Caitanya Mahāprabhu, que é a meta última da vida para quem é desprovido de todas as posses neste mundo material e que é o único sentido para quem está avançando na vida espiritual. Assim, escrevo sobre Sua magnânima contribuição de serviço devocional em amor a Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma pessoa na fase condicionada de existência material jaz em uma atmosfera de desamparo, mas a alma condicionada, sob a ilusão de māyā, ou a energia externa, pensa que está inteiramente protegida por seu país, sociedade, amizade e amor, desconhecendo que, à hora da morte, nada disso poderá salvá-la. As leis da natureza material são tão fortes que nenhuma de nossas posses materiais pode nos salvar das mãos cruéis da morte. Na Bhagavad-gītā (13.9), afirma-se que janma-mṛtyu-jarā-vyādhi-duḥkha-doṣānudarśanam: quem está realmente avançando deve sempre considerar os quatro princípios de vida miserável, a saber, nascimento, morte, velhice e doença. Não é possível salvar-se de todas essas misérias a menos que se recorra ao abrigo dos pés de lótus do Senhor. Por conseguinte, Śrī Caitanya Mahāprabhu é o único abrigo para todas as almas condicionadas. Uma pessoa inteligente, portanto, não deposita sua fé em nenhuma posse material, senão que se refugia completamente aos pés de lótus do Senhor. Uma pessoa assim chama-se akiñcana, ou seja, aquele que nada possui neste mundo material. A Suprema Personalidade de Deus é também conhecida como Akiñcana-gocara, pois pode ser alcançado por alguém que não deposita sua fé em posses materiais. Portanto, para a alma inteiramente rendida que não tem posses materiais das quais depender, o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu é o único abrigo.

Todos dependem de dharma (religiosidade), artha (desenvolvimento econômico), kāma (gozo dos sentidos) e, finalmente, mokṣa (salvação), mas Śrī Caitanya Mahāprabhu, devido a Seu caráter magnânimo, pode dar mais do que salvação. Portanto, neste verso, as palavras hīnārthādhika-sādhakam indicam que, embora pela estimativa material a salvação seja de qualidade superior aos interesses inferiores de religiosidade, desenvolvimento econômico e gozo dos sentidos, acima da salvação existe a posição de serviço devocional e amor transcendental pela Suprema Personalidade de Deus. Śrī Caitanya Mahāprabhu é o outorgador dessa grande bênção. Śrī Caitanya Mahāprabhu disse que premā pumartho mahān: “O amor a Deus é a bênção última para todos os seres humanos.” Portanto, Śrīla Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī, o autor do Caitanya-caritāmṛta, primeiro oferece suas respeitosas reverências ao Senhor Caitanya Mahāprabhu, antes de descrever Sua magnanimidade em outorgar amor a Deus.

Texto

jaya jaya mahāprabhu śrī-kṛṣṇa-caitanya
tāṅhāra caraṇāśrita, sei baḍa dhanya

Sinônimos

jaya todas as glórias; jaya todas as glórias; mahāprabhu ao Senhor Supremo; śrī-kṛṣṇa-caitanya chamado Śrī Kṛṣṇa Caitanya; tāṅhāra de Seus; caraṇa āśrita aquele que se abriga aos pés de lótus; sei ele; baḍa é muito; dhanya glorioso.

Tradução

Glorifico o Supremo Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu. Quem se abriga a Seus pés de lótus é a pessoa mais gloriosa.

Comentário

SIGNIFICADO—Prabhu significa mestre. Śrī Caitanya Mahāprabhu é o mestre supremo de todos os mestres, de modo que Ele é chamado de Mahāprabhu. Qualquer pessoa que se refugie em Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu é muito gloriosa, porque, pela misericórdia de Śrī Caitanya Mahāprabhu, ela é capaz de obter promoção à plataforma do serviço amoroso ao Senhor, que é transcendental à salvação.

Texto

pūrve gurv-ādi chaya tattve kaila namaskāra
guru-tattva kahiyāchi, ebe pāṅcera vicāra

Sinônimos

pūrve no começo; guru-ādi o mestre espiritual e outros; chaya seis; chaya nos assuntos de; kailā eu fiz; namaskāra reverências; guru-tattva a verdade na compreensão do mestre espiritual; kahiyāchi já descrevi; ebe — agora; pāṅcera dos cinco; vicāra consideração.

Tradução

No começo, explanei a verdade acerca do mestre espiritual. Agora, tentarei explicar o Pañca-tattva.

Comentário

SIGNIFICADO—No primeiro capítulo do Caitanya-caritāmṛta, Ādi-līlā, o autor, Śrīla Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī, descreve o mestre espiritual iniciador e o mestre espiritual instrutor no verso que começa com as palavras vande gurūn īśa-bhaktān īśam īśāvatārakān. Naquele verso, há seis assuntos transcendentais, dos quais já se descreveu a verdade relativa ao mestre espiritual. Agora, o autor descreverá os outros cinco tattvas (verdades), a saber, īśa-tattva (o Senhor Supremo), Sua expansão-tattva, Sua encarnação-tattva, Sua energia-tattva e Seu devoto-tattva.

Texto

pañca-tattva avatīrṇa caitanyera saṅge
pañca-tattva lañā karena saṅkīrtana raṅge

Sinônimos

pañca-tattva estes cinco tattvas; avatīrṇa surgiram; caitanyera com Caitanya Mahāprabhu; saṅge na companhia de; pañca-tattva os mesmos cinco assuntos; lañā levando conSigo; karena Ele faz; saṅkīrtana o movimento de saṅkīrtana; raṅge com grande prazer.

Tradução

Estes cinco tattvas encarnam com o Senhor Caitanya Mahāprabhu, e assim o Senhor executa Seu movimento de saṅkīrtana com grande prazer.

Comentário

SIGNIFICADO—No Śrīmad-Bhāgavatam (11.5.32), consta a seguinte afirmação a respeito de Śrī Caitanya Mahāprabhu:

kṛṣṇa-varṇaṁ tviṣākṛṣṇaṁsāṅgopāṅgāstra-pārṣadam
yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair
yajanti hi su-medhasaḥ

“Na era de Kali, as pessoas que são dotadas de suficiente inteligência adorarão o Senhor, que vem acompanhado por Seus associados, mediante a execução de saṅkīrtana-yajña.” Śrī Caitanya Mahāprabhu está sempre acompanhado por Sua expansão plenária Śrī Nityānanda Prabhu, Sua encarnação Śrī Advaita Prabhu, Sua potência interna Śrī Gadādhara Prabhu e Sua potência marginal Śrīvāsa Prabhu. Ele está no meio deles como a Suprema Personalidade de Deus. Deve-se saber que Śrī Caitanya Mahāprabhu sempre anda na companhia desses outros tattvas. Portanto, nossas reverências a Śrī Caitanya Mahāprabhu são completas ao dizermos: śrī-kṛṣṇa-caitanya prabhu nityānanda śrī-advaita gadādhara śrīvāsādi-gaura-bhakta-vṛnda. Como pregadores do movimento para a consciência de Kṛṣṇa, primeiro oferecemos nossas reverências a Śrī Caitanya Mahāprabhu, cantando esse mantra do Pañca-tattva, após o que dizemos: Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. Há dez ofensas ao cantar do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, mas elas não são consideradas quando se canta o mantra do Pañca-tattva, a saber, śrī-kṛṣṇa-caitanya prabhu nityānanda śrī-advaita gadādhara śrīvāsādi-gaura-bhakta-vṛnda. Śrī Caitanya Mahāprabhu é conhecido como mahā-vadānyāvatāra, a encarnação mais magnânima, pois Ele não considera as ofensas das almas caídas. Assim, para obter pleno benefício do cantar do mahā-mantra (Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare), devemos primeiro refugiarmo-nos em Śrī Caitanya Mahāprabhu, aprender o mahā-mantra do Pañca-tattva e, então, cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Isso será muito eficaz.

Aproveitando-se de Śrī Caitanya Mahāprabhu, há muitos devotos inescrupulosos que inventam um mahā-mantra por conta própria. Às vezes, eles cantam: bhaja nitāi gaura rādhe śyāma hare kṛṣṇa hare rāma ou śrī-kṛṣṇa-caitanya prabhu nityānanda hare kṛṣṇa hare rāma śrī rādhe govinda. Na realidade, contudo, deve-se cantar os nomes do Pañca-tattva inteiro (śrī-kṛṣṇa-caitanya prabhu nityānanda śrī-advaita gadādhara śrīvāsādi-gaura-bhakta-vṛnda) e, então, as dezesseis palavras Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare, mas esses homens inescrupulosos e menos inteligentes embaralham todo o processo. Naturalmente, uma vez que também são devotos, podem expressar seus sentimentos dessa maneira, mas o método prescrito pelos devotos puros de Śrī Caitanya Mahāprabhu é cantar primeiro o Pañca-tattva inteiro e, depois, cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare.

Texto

pañca-tattva — eka-vastu, nāhi kichu bheda
rasa āsvādite tabu vividha vibheda

Sinônimos

pañca-tattva os cinco assuntos; eka-vastu são um em cinco; nāhi — não há; kichu nada; nāhi diferença; kichu doçuras; āsvādite para saborear; tabu — não obstante; vividha variedades; vināhi diferenças.

Tradução

Espiritualmente, não há diferenças entre esses cinco tattvas, pois, na plataforma transcendental, tudo é absoluto. Não obstante, também há variedade no mundo espiritual, e, a fim de saborear essas variedades espirituais, deve-se distinguir entre elas.

Comentário

SIGNIFICADO—Em seu comentário Anubhāṣya, Śrī Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura descreve o Pañca-tattva como se segue. O energético supremo, a Personalidade de Deus, manifestando-Se em cinco espécies de passatempos, aparece como o Pañca-tattva. Na verdade, não há qualquer diferença entre eles, pois estão situados na plataforma absoluta; porém, manifestam diferentes variedades espirituais, desafiando os impersonalistas a saborear diferentes espécies de humores (rasas) espirituais. Nos Vedas, se diz que parāsya śaktir vividhaiva śrūyate: “As variedades de energia da Suprema Personalidade de Deus são conhecidas de formas diferentes.” Essa afirmação dos Vedas dá a entender que há variedades eternas de humores ou sabores no mundo espiritual. Śrī Gauraṅga, Śrī Nityānanda, Śrī Advaita, Śrī Gadādhara e Śrīvāsa estão todos na mesma plataforma, mas, ao se fazer distinções espirituais entre eles, deve-se compreender que Śrī Caitanya Mahāprabhu é a forma de um devoto, Nityānanda Prabhu aparece sob a forma de mestre espiritual do devoto, Advaita Prabhu é a forma da encarnação de um bhakta (devoto), Gadādhara Prabhu é a energia de um bhakta e Śrīvāsa é um devoto puro. Assim, há distinções espirituais entre eles. O bhakta-rūpa (Śrī Caitanya Mahāprabhu), o bhakta-svarūpa (Śrī Nityānanda Prabhu) e o bhakta-avatāra (Śrī Advaita Prabhu) são descritos como a própria Suprema Personalidade de Deus, Sua manifestação imediata e Sua expansão plenária, e pertencem todos à categoria Viṣṇu. Embora as energias espiritual e marginal da Suprema Personalidade de Deus não sejam diferentes da Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu, elas são sujeitos predominados, ao passo que o Senhor Viṣṇu é o predominador. Sendo assim, embora estejam na mesma plataforma, aparecem de maneiras diferentes a fim de facilitar o saborear de doçuras transcendentais. Na verdade, contudo, não há possibilidade de um ser diferente do outro, pois o adorador e o adorável não podem separar-se em nenhuma fase. Na plataforma absoluta, não se pode compreender um sem o outro.

Texto

pañca-tattvātmakaṁ kṛṣṇaṁ
bhakta-rūpa-svarūpakam
bhaktāvatāraṁ bhaktākhyaṁ
namāmi bhakta-śaktikam

Sinônimos

pañca-tattva-ātmakam compreendendo os cinco assuntos transcendentais; kṛṣṇam ao Senhor Kṛṣṇa; kṛṣṇam sob a forma de um devoto; svarūpakam sob a expansão de um devoto; bhakta-avatāram sob a encarnação de um devoto; bhakta-akhyam — conhecido como devoto; namāmi ofereço minhas reverências; bhakta-śaktikam a energia da Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Ofereço minhas reverências ao Senhor Śrī Kṛṣṇa, que Se manifesta em cinco formas: como um devoto, expansão de um devoto, encarnação de um devoto, devoto puro e energia devocional.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Nityānanda Prabhu é a expansão imediata de Śrī Caitanya Mahāprabhu como irmão dEle. Ele é a bem-aventurança espiritual personificada de sac-cid-ānanda-vigraha. Seu corpo é transcendental e pleno de êxtase em serviço devocional. Śrī Caitanya Mahāprabhu, portanto, é chamado bhakta-rūpa (a forma de um devoto), e Śrī Nityānanda Prabhu é chamado bhakta-svarūpa (a expansão de um devoto). Śrī Advaita Prabhu, a encarnação de um devoto, é viṣṇu-tattva e pertence à mesma categoria. Há também diferentes espécies de bhaktas, ou devotos, nas plataformas de neutralidade, serviço, amizade, paternidade e amor conjugal. Devotos como Śrī Dāmodara, Śrī Gadādhara e Śrī Rāmānanda são diferentes energias. Isso confirma o sūtra védico: parāsya śaktir vividhaiva śrūyate. Todas essas categorias de bhaktas tomadas juntas constituem Śrī Caitanya Mahāprabhu, que é o próprio Kṛṣṇa.

Texto

svayaṁ bhagavān kṛṣṇa ekale īśvara
advitīya, nandātmaja, rasika-śekhara

Sinônimos

svayam Ele próprio; bhagavān a Suprema Personalidade de Deus; kṛṣṇa o Senhor Kṛṣṇa; kṛṣṇa — o único; īśvara o controlador supremo; advitīya incomparável; nanda-ātmaja apareceu como o filho de Mahārāja Nanda; rasika — o mais doce; śekhara o auge.

Tradução

Kṛṣṇa, o reservatório de todo o prazer, é a própria Suprema Personalidade de Deus, o controlador supremo. Ninguém é superior ou igual a Śrī Kṛṣṇa, mas Ele aparece como o filho de Mahārāja Nanda.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, Kavirāja Gosvāmī dá uma descrição precisa do Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, afirmando que, embora ninguém seja igual ou superior a Ele, e embora Ele seja o reservatório de todo o prazer espiritual, Ele aparece como o filho de Mahārāja Nanda e Yaśodāmayī.

Texto

rāsādi-vilāsī, vrajalalanā-nāgara
āra yata saba dekha, — tāṅra parikara

Sinônimos

rāsa-ādi a dança da rāsa; vilāsī o desfrutador; vraja-lalanā as donzelas de Vṛndāvana; nāgara o líder; āra outros; yata todos; sabā todos; dekha devem saber; tāṅra Seus; parikara associados.

Tradução

O Senhor Śrī Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, é o desfrutador supremo da dança da rāsa. Ele é o líder das donzelas de Vraja, e todos os demais são simplesmente Seus associados.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra rāsādi-vilāsī (“o desfrutador da dança da rāsa”) é muito importante. Somente Śrī Kṛṣṇa pode desfrutar da dança da rāsa, pois Ele é o líder e chefe supremo das donzelas de Vṛndāvana. Todos os outros devotos são Seus associados. Embora não se possa comparar ninguém a Śrī Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, há muitos patifes inescrupulosos que imitam a dança da rāsa de Śrī Kṛṣṇa. Eles são māyāvādīs, e as pessoas devem precaver-se contra eles. Apenas Śrī Kṛṣṇa pode executar a dança da rāsa, e ninguém mais.

Texto

sei kṛṣṇa avatīrṇa śrī-kṛṣṇa-caitanya
sei parikara-gaṇa saṅge saba dhanya

Sinônimos

sei kṛṣṇa esse mesmo Senhor Kṛṣṇa; avatīrṇa apareceu; śrī-kṛṣṇa-caitanya sob a forma do Senhor Caitanya Mahāprabhu; sei aqueles; parikara-gaṇa associados; saṅge com Ele; sabā todos; dhanya gloriosos.

Tradução

O mesmíssimo Senhor Kṛṣṇa apareceu pessoalmente como Śrī Caitanya Mahāprabhu com todos os Seus associados eternos, que são igualmente gloriosos.

Texto

ekale īśvara-tattva caitanya-īśvara
bhakta-bhāvamaya tāṅra śuddha kalevara

Sinônimos

ekale uma única pessoa; īśvara-tattva o controlador supremo; caitanya a força viva suprema; īśvara controlador; caitanya no êxtase de um devoto; tāṅra Seu; śuddha transcendental; kalevara corpo.

Tradução

Śrī Caitanya Mahāprabhu, que é o controlador supremo, a única Personalidade de Deus, tornou-Se extaticamente um devoto, mas Seu corpo é transcendental e não é manchado pela matéria.

Comentário

SIGNIFICADO—Existem diferentes tattvas, ou verdades, incluindo īśa-tattva, jīva-tattva e śakti-tattva. Īśa-tattva refere-se à Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu, que é a força viva suprema. Na Katha Upaniṣad, se diz que nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām: a Suprema Personalidade de Deus é o eterno supremo e a força viva suprema. As entidades vivas também são eternas e também são forças vivas, mas são muito diminutas em quantidade, ao passo que o Senhor Supremo é a força viva suprema e o eterno supremo. O eterno supremo nunca aceita um corpo de natureza material temporária, ao passo que as entidades vivas, que são partes integrantes do eterno supremo, estão propensas a isso. Dessa forma, segundo os mantras védicos, o Senhor Supremo é o amo supremo das inumeráveis entidades vivas.

Contudo, os filósofos māyāvādīs tentam equiparar as entidades vivas diminutas com a entidade viva suprema. Como não reconhecem distinções entre elas, a filosofia deles chama-se advaita-vada, ou monismo. Na verdade, contudo, há uma distinção. Esse verso destina-se especialmente a comunicar aos filósofos māyāvādīs a compreensão de que a Suprema Personalidade de Deus é o controlador supremo. O controlador supremo, a Personalidade de Deus, é o próprio Kṛṣṇa, mas, como um passatempo transcendental, Ele aceita a forma de um devoto, o Senhor Caitanya Mahāprabhu.

Como se afirma na Bhagavad-gītā, quando a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, vem a este planeta exatamente como um ser humano, alguns patifes O consideram como um dos seres humanos comuns. Descreve-se como mūḍha, ou tolo, aquele que pensa desta maneira errônea. Portanto, não se deve considerar tolamente que Caitanya Mahāprabhu é um ser humano comum. Ele aceitou o êxtase de um devoto, mas é a Suprema Personalidade de Deus. Desde a época de Caitanya Mahāprabhu, tem havido muitas encarnações de imitação de Kṛṣṇa que não podem entender que Caitanya Mahāprabhu era o próprio Kṛṣṇa, e não um ser humano comum. Homens menos inteligentes criam seus próprios “Deuses” divulgando um ser humano como Deus. Esse é o erro deles. Aqui, portanto, as palavras tāṅra śuddha kalevara advertem-nos que o corpo de Caitanya Mahāprabhu não é material, mas puramente espiritual. Não se deve, portanto, aceitar Caitanya Mahāprabhu como um devoto comum, muito embora Ele tenha assumido a forma de um devoto. Ainda assim, é preciso saber com certeza que, embora Caitanya Mahāprabhu seja a Suprema Personalidade de Deus, não é porque Ele aceitou o êxtase de um devoto que se deve interpretar mal os passatempos dEle e colocá-lO exatamente na mesma posição que Kṛṣṇa. É apenas por essa razão que, quando Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu era chamado de Kṛṣṇa ou Viṣṇu, Ele tampava os ouvidos, não desejando ouvir chamarem-nO de a Suprema Personalidade de Deus. Há uma classe de devotos, chamados gaurāṅga-nāgarīs, que encenam peças dos passatempos de Kṛṣṇa usando uma vigraha, ou forma, de Caitanya Mahāprabhu. Isso é um erro tecnicamente chamado rasābhāsa. Enquanto Caitanya Mahāprabhu está tentando desfrutar como um devoto, não se deve perturbá-lO chamando-O de a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

kṛṣṇa-mādhuryera eka adbhuta svabhāva
āpanā āsvādite kṛṣṇa kare bhakta-bhāva

Sinônimos

kṛṣṇa-mādhuryera a suprema potência de prazer de Kṛṣṇa; eka é única; adbhuta maravilhosa; svabhāva natureza; āpanā Ele próprio; āsvādite para saborear; kṛṣṇa a Suprema Personalidade de Deus; kare faz; bhakta-bhāva aceita a forma de um devoto.

Tradução

A doçura transcendental do amor conjugal de Kṛṣṇa é tão maravilhosa que o próprio Kṛṣṇa aceita a forma de um devoto para prová-la e saboreá-la plenamente.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora seja o reservatório de todo o prazer, Kṛṣṇa tem uma intenção especial de saborear-Se a Si mesmo, aceitando a forma de um devoto. Deve-se concluir que, embora o Senhor Caitanya esteja presente na forma de um devoto, Ele é o próprio Kṛṣṇa. Portanto, os vaiṣṇavas cantam śrī-kṛṣṇa-caitanya rādhā-kṛṣṇa nahe anya: a combinação de Rādhā e Kṛṣṇa é Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu. Caitanyākhyaṁ prakaṭam adhunā tad-dvayaṁ āptam. Śrī Svarūpa-Dāmodara Gosvāmī diz que Rādhā e Kṛṣṇa uniram-Se na forma de Śrī Caitanya Mahāprabhu.

Texto

ithe bhakta-bhāva dhare caitanya gosāñi
‘bhakta-svarūpa’ tāṅra nityānanda-bhāi

Sinônimos

ithe por esta razão; bhakta-bhāva o êxtase de um devoto; dhare aceita; caitanya Senhor Caitanya Mahāprabhu; gosāñi o mestre transcendental; bhakta-svarūpa — exatamente como um devoto puro; tāṅra Seu; nityānanda Senhor Nityānanda; bhāi irmão.

Tradução

Por essa razão, Śrī Caitanya Mahāprabhu, o mestre supremo, aceita a forma de um devoto e aceita o Senhor Nityānanda como Seu irmão mais velho.

Texto

‘bhakta-avatāra’ tāṅra ācārya-gosāñi
ei tina tattva sabe prabhu kari’ gāi

Sinônimos

bhakta-avatāra encarnação como um devoto; tāṅra dEle; ācārya-gosāñi o mestre supremo, Advaita Ācārya Prabhu; ei todas estas; tina três; tattva verdades; sabe todos; prabhu o predominador; kari’ com tal compreensão; gāi cantamos.

Tradução

Śrī Advaita Ācārya é a encarnação do Senhor Caitanya como um devoto. Portanto, esses três tattvas [Caitanya Mahāprabhu, Nityānanda Prabhu e Advaita Gosāñi] são os predominadores ou amos.

Comentário

SIGNIFICADO—Gosāñi significa gosvāmī. Quem tem pleno controle dos sentidos e da mente chama-se gosvāmī ou gosāñi. Quem não tem tal controle chama-se godāsa, ou servo dos sentidos, e não pode tornar-se um mestre espiritual. Um mestre espiritual que realmente tem controle da mente e dos sentidos chama-se gosvāmī. Embora o título gosvāmī tenha se tornado uma designação hereditária para homens inescrupulosos, na verdade, o título gosāñi, ou gosvāmī, começou com Śrī Rūpa Gosvāmī, que se fazia passar por gṛhastha ordinário e ministro a serviço do governo, mas se tornou gosvāmī ao converter-se realmente pela instrução do Senhor Caitanya Mahāprabhu. Portanto, gosvāmī não é um título hereditário, senão que se refere às qualificações de alguém. Quando alguém está altamente elevado em avanço espiritual, independentemente de sua origem, pode-se chamá-lo de gosvāmī. Śrī Caitanya Mahāprabhu, Śrī Nityānanda Prabhu e Śrī Advaita Gosāñi Prabhu são gosvāmīs naturais porque pertencem à categoria viṣṇu-tattva. Sendo assim, todos Eles são prabhus (“predominadores” ou “amos”), e às vezes são chamados Caitanya Gosāñi, Nityānanda Gosāñi e Advaita Gosāñi. Infelizmente, Seus supostos descendentes, que não têm qualificações de gosvāmīs, têm aceitado esse título como designação hereditária ou um posto profissional. Isso não está de acordo com os preceitos dos śāstras.

Texto

eka mahāprabhu, āra prabhu duijana
dui prabhu seve mahāprabhura caraṇa

Sinônimos

eka mahāprabhu um Mahāprabhu, ou o predominador supremo; āra prabhu duijana e os outros dois (Nityānanda e Advaita) são dois prabhus (mestres); dui prabhu os dois prabhus (Nityānanda e Advaita Gosāñi); sebe servem; mahāprabhura do predominador supremo, o Senhor Caitanya Mahāprabhu; caraṇa os pés de lótus.

Tradução

Um dEles é Mahāprabhu, e os outros dois são prabhus. Esses dois prabhus servem aos pés de lótus de Mahāprabhu.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora Śrī Caitanya Mahāprabhu, Śrī Nityānanda Prabhu e Śrī Advaita Prabhu pertençam todos à mesma categoria Viṣṇu, Śrī Caitanya Mahāprabhu, contudo, é aceito como o Supremo, e os outros dois prabhus dedicam-se a Seu transcendental serviço amoroso para ensinar às entidades vivas comuns que todos nós somos subordinados a Śrī Caitanya Mahāprabhu. Em outra passagem do Caitanya-caritāmṛta (Ādi 5.142), afirma-se que ekala īśvara kṛṣṇa, āra sabā bhṛtya: o único amo supremo é Kṛṣṇa, e todos os demais, tanto viṣṇu-tattva quanto jīva-tattva, ocupam-se a serviço do Senhor. Tanto o viṣṇu-tattva (como Nityānanda Prabhu e Advaita) quanto o jīva-tattva (śrīvāsādi-gaura-bhakta-vṛnda) ocupam-se a serviço do Senhor, mas é preciso distinguir entre os servidores viṣṇu-tattva e os servidores jīva-tattva. O servidor jīva-tattva, o mestre espiritual, é realmente o Deus servidor. Como se explicou em versos anteriores, não há tais diferenças no mundo absoluto, mas é preciso observar essas diferenças a fim de distinguir o Supremo de Seus subordinados.

Texto

ei tina tattva, — ‘sarvārādhya’ kari māni
caturtha ye bhakta-tattva, — ‘ārādhaka’ jāni

Sinônimos

ei tina tattva todas essas três verdades; sarva-ārādhya adorável por todas as entidades vivas; kari māni admitindo este; caturtha quarto; ye que é; bhakta-tattva na categoria de devotos; arādhāka adorador; jāni eu compreendo.

Tradução

Os três predominadores [Caitanya Mahāprabhu, Nityānanda Prabhu e Advaita Prabhu] são adoráveis a todas as entidades vivas, e deve-se admitir o quarto princípio [Śrī Gadādhara Prabhu] como o adorador dEles.

Comentário

SIGNIFICADO—Em seu Anubhāṣya, Śrī Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura, expondo a verdade sobre o Pañca-tattva, explica como podemos entender que o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu é o predominador supremo, e Nityānanda Prabhu e Advaita Prabhu são Seus subordinados, mas também são predominadores. O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu é o Senhor Supremo, e Nityānanda Prabhu e Advaita Prabhu são manifestações do Senhor Supremo. Todos Eles são viṣṇu-tattva, o Supremo, e por isso são adoráveis pelas entidades vivas. Embora os outros dois tattvas dentro da categoria do Pañca-tattva – a saber, śakti-tattva e jīva-tattva, representados por Gadādhara e Śrīvāsa – sejam adoradores do Senhor Supremo, eles estão na mesma categoria porque se ocupam eternamente no transcendental serviço amoroso ao Senhor.

Texto

śrīvāsādi yata koṭi koṭi bhakta-gaṇa
‘śuddha-bhakta’-tattva-madhye tāṅ-sabāra gaṇana

Sinônimos

śrīvāsa-ādi devotos encabeçados por Śrīvāsa Ṭhākura; yata todos os outros; koṭi koṭi inúmeros; bhakta-gaṇa devotos; śuddha-bhakta devotos puros; tattva-madhye na verdade; tāṅ-sabāra todos eles; gaṇana considerados.

Tradução

Há inúmeros devotos puros do Senhor, encabeçados por Śrīvāsa Ṭhākura, que são conhecidos como devotos imaculados.

Texto

gadādhara-paṇḍitādi prabhura ‘śakti’-avatāra
‘antaraṅga-bhakta’ kari’ gaṇana yāṅhāra

Sinônimos

gadādhara chamado Gadādhara; paṇḍita do sábio erudito; ādi encabeçados por; prabhura do Senhor; śakti potência; avatāra encarnação; antaraṅga muito confidencial; bhakta — devoto; kari’ aceitando; gaṇana incluindo; yāṅhāra de quem.

Tradução

Deve-se considerar os devotos encabeçados por Gadādhara Paṇḍita como encarnações da potência do Senhor. Eles são devotos potenciais internos ocupados a serviço do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Em relação aos versos 16 e 17, Śrī Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura explica em seu Anubhāṣya: “Há sintomas específicos pelos quais se pode reconhecer os devotos internos e os devotos puros ou imaculados. Todos os devotos imaculados são śakti-tattvas, ou potências do Senhor. Alguns deles estão situados em amor conjugal, e outros, em afeição filial, fraternidade e servidão. Decerto, todos eles são devotos, mas, ao fazermos um estudo comparativo, descobrimos que os devotos ou potências que se ocupam em amor conjugal estão mais bem situados do que os outros. Assim, os devotos que se relacionam com a Suprema Personalidade de Deus em amor conjugal são considerados os devotos mais íntimos do Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu. Aqueles que se ocupam a serviço do Senhor Nityānanda Prabhu e do Senhor Advaita Prabhu geralmente têm relações de amor de pai ou mãe, fraternidade, servidão e neutralidade. Ao desenvolverem grande apego a Śrī Caitanya Mahāprabhu, tais devotos também se integram no círculo íntimo de devotos em amor conjugal.” Śrī Narottama Dāsa Ṭhākura descreve esse desenvolvimento gradual de serviço devocional da seguinte maneira:

gaurāṅga balite habe pulaka śarīra
hari hari balite nayane ba’be nīra
āra kabe nitāicāṅda karuṇā karibe
saṁsāra-vāsanā mora kabe tuccha habe
viṣaya chāḍiyā kabe śuddha habe mana
kabe hāma heraba śrī-vṛndāvana
rūpa-raghunātha-pade ha-ibe ākuti
kabe hāma bujhaba śrī-yugala-pirīti

“Quando surgirão erupções em meu corpo assim que eu cantar o nome do Senhor Caitanya, e quando derramarei torrentes incessantes de lágrimas ao cantar os santos nomes ‘Hare Kṛṣṇa’? Quando o Senhor Nityānanda terá misericórdia de mim e livrar-me-á de todos os desejos de gozo material? Quando minha mente se livrará inteiramente de toda a contaminação dos desejos de prazer material? Somente então ser-me-á possível compreender Vṛndāvana. Somente se eu me apegar às instruções dadas pelos seis Gosvāmīs, encabeçados por Rūpa Gosvāmī e Raghunātha Dāsa Gosvāmī, é que me será possível compreender o amor conjugal de Rādhā e Kṛṣṇa.” Quem se apega ao serviço devocional ao Senhor Caitanya Mahāprabhu atinge imediatamente a posição extática. Ao desenvolver seu amor por Nityānanda Prabhu, livra-se de todo o apego ao mundo material e, nesse momento, torna-se apto para compreender os passatempos do Senhor em Vṛndāvana. Em tal condição, quando alguém desenvolve seu amor pelos seis Gosvāmīs, pode compreender o amor conjugal entre Rādhā e Kṛṣṇa. Essas são as diferentes fases da promoção de um devoto puro ao amor conjugal em serviço a Rādhā e Kṛṣṇa numa relação íntima com Śrī Caitanya Mahāprabhu.

Texto

yāṅ-sabā lañā prabhura nitya vihāra
yāṅ-sabā lañā prabhura kīrtana-pracāra
yāṅ-sabā lañā karena prema āsvādana
yāṅ-sabā lañā dāna kare prema-dhana

Sinônimos

yāṅ-sabā todos; lañā aceitando a companhia; prabhura do Senhor; nitya eterno; vihāra passatempo; yāṅ-sabā todos aqueles que estão; lañā aceitando a companhia; prabhura do Senhor; kīrtana saṅkīrtana; pracāra movimento; yāṅ-sabā pessoas com quem; lañā em acompanhamento; karena Ele faz; prema amor por Deus; āsvādana saboreia; yāṅ-sabā aqueles que estão; lañā em acompanhamento; dāna kare dá em caridade; prema-dhana amor por Deus.

Tradução

Os devotos internos, ou potências internas, são todos associados eternos nos passatempos do Senhor. Somente com eles é que o Senhor aparece para propor o movimento de saṅkīrtana, somente com eles o Senhor saboreia a doçura do amor conjugal, e somente com eles distribui esse amor por Deus às pessoas em geral.

Comentário

SIGNIFICADO—Em seu livro Upadeśamṛta, Śrī Rūpa Gosvāmī, distinguindo entre devotos puros e devotos internos ou íntimos, delineia o seguinte processo gradual de desenvolvimento. De muitos milhares de karmīs, alguém é melhor ao situar-se em perfeito conhecimento védico. De muitos de tais acadêmicos eruditos e filósofos, aquele que realmente se liberta do cativeiro material é melhor, e, entre muitas pessoas assim que são realmente liberadas, aquele que é devoto da Suprema Personalidade de Deus é considerado o melhor. Entre muitos de tais amantes transcendentais da Suprema Personalidade de Deus, as gopīs são as melhores, e, entre as gopīs, Śrīmatī Rādhikā é a melhor. Śrīmatī Rādhikā é muito querida pelo Senhor Kṛṣṇa, e, de modo semelhante, os lagos dEla, a saber, Śyāma-kuṇḍa e Rādhā-kuṇḍa, são também muito queridos pela Suprema Personalidade de Deus.

Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura comenta em seu Anubhāṣya que, dentre os cinco tattvas, dois são energias (śakti-tattva) e os outros três são energéticos (śaktimān tattva). Tanto os devotos imaculados quanto os internos dedicam-se ao cultivo favorável de consciência de Kṛṣṇa, sem mácula de especulação filosófica ou atividades fruitivas. Todos eles são tidos como devotos puros, e aqueles dentre eles que simplesmente se dedicam ao amor conjugal chamam-se mādhurya-bhaktas, ou devotos internos. Os serviços amorosos potenciais em amor de pai ou mãe, fraternidade e servidão estão incluídos no amor conjugal a Deus. Conclui-se, portanto, que cada devoto íntimo é um devoto puro do Senhor.

Śrī Caitanya Mahāprabhu desfruta de Seus passatempos com Sua expansão imediata Nityānanda Prabhu. Seus devotos puros e Suas três encarnações puruṣa, a saber, Karāṇodakaśāyī Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kśirodakaśāyī Viṣṇu, sempre acompanham o Senhor Supremo para propagar o movimento de saṅkīrtana.

Texto

sei pañca-tattva mili’ pṛthivī āsiyā
pūrva-premabhāṇḍārera mudrā ughāḍiyā
pāṅce mili’ luṭe prema, kare āsvādana
yata yata piye, tṛṣṇā bāḍhe anukṣaṇa

Sinônimos

sei aquelas; pañca-tattva cinco verdades; mili’ combinadas; pṛthivī nesta Terra; āsiyā descendo; pūrva original; prema-bhāṇḍārera o reservatório de amor transcendental; mudra selo; ughāḍiyā abrindo; pāṅce mili’ misturando todas essas cinco; luṭe saqueiam; prema amor por Deus; kare āsvādana — saboreiam; yata yata tanto quanto; piye bebem; tṛṣṇā sede; bāḍhe aumenta; anukṣaṇa — repetidamente.

Tradução

Compreende-se que as características de Kṛṣṇa são um reservatório de amor transcendental. Com certeza, esse reservatório de amor veio com Kṛṣṇa quando Ele esteve presente aqui, mas estava selado. Contudo, quando Śrī Caitanya Mahāprabhu apareceu com Seus outros associados do Pañca-tattva, eles romperam o selo e saquearam o reservatório a fim de saborear o transcendental amor por Kṛṣṇa. Quanto mais o saboreavam, mais aumentava a sede que eles tinham desse amor.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Caitanya Mahāprabhu é chamado mahā-vadānyāvatāra porque, embora seja o próprio Śrī Kṛṣṇa, Ele tem disposição mais favorável ainda para com as pobres almas caídas do que o Senhor Śrī Kṛṣṇa. Quando o Senhor Śrī Kṛṣṇa esteve pessoalmente presente aqui, Ele exigia que todos se rendessem a Ele e prometia que daria toda a proteção a quem assim o fizesse, mas, quando Śrī Caitanya Mahāprabhu veio a esta Terra com Seus associados, Ele só fez distribuir transcendental amor por Deus, sem discriminação. Portanto, Śrī Rūpa Gosvāmī pôde compreender que o Senhor Caitanya não era outro senão o próprio Śrī Kṛṣṇa, pois ninguém senão a Suprema Personalidade de Deus pode distribuir o íntimo amor da Pessoa Suprema.

Texto

punaḥ punaḥ piyāiyā haya mahāmatta
nāce, kānde, hāse, gāya, yaiche mada-matta

Sinônimos

punaḥ punaḥ repetidamente; piyāiyā fazendo com que bebessem; haya —torna-se; mahā-matta altamente extático; nāce dança; kānde chora; hāse ri; gāya canta; yaiche como se; mada-matta alguém que está bêbado.

Tradução

Os próprios membros do Śrī Pañca-tattva dançavam repetidamente e, deste modo, facilitavam o beber do nectáreo amor a Deus. Eles dançavam, choravam, riam e cantavam como loucos, e distribuíam amor por Deus dessa maneira.

Comentário

SIGNIFICADO—De um modo geral, as pessoas não podem entender o significado real de cantar e dançar. Descrevendo os Gosvāmīs, Śrī Śrīnivāsa Ācārya afirmou que kṛṣṇotkīrtana-gāna-nartana-parau: não somente o Senhor Caitanya Mahāprabhu e Seus associados demonstraram esse canto e dança, mas também os seis Gosvāmīs fizeram o mesmo na geração seguinte. O atual movimento para a consciência de Kṛṣṇa observa o mesmo princípio, e, por isso, simplesmente por cantar e dançar, temos recebido boa acolhida em todo o mundo. Deve-se compreender, contudo, que este processo de cantar e dançar não pertence a este mundo material. São atividades realmente transcendentais, pois, quanto mais cantarmos e dançarmos, mais poderemos saborear o néctar do transcendental amor a Deus.

Texto

pātrāpātra-vicāra nāhi, nāhi sthānāsthāna
yei yāṅhā pāya, tāṅhā kare prema-dāna

Sinônimos

pātra receptivo; apātra — não receptivo; vicāra consideração; nāhi — não há nenhuma; nāhi — não há nenhuma; sthāna local favorável; asthāna local desfavorável; yei qualquer pessoa; yāṅhā onde quer que; pāya tem a oportunidade; tāṅhā somente ali; kare faz; prema-dāna distribuição do amor a Deus.

Tradução

Ao distribuir o amor a Deus, Caitanya Mahāprabhu e Seus associados não levavam em conta quem era candidato apto e quem não era, nem onde tal distribuição deveria ou não acontecer. Eles não impunham condições. Onde quer que tivessem a oportunidade, os membros do Pañca-tattva distribuíam amor a Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—Há alguns patifes que ousam falar contra a missão do Senhor Caitanya, criticando o movimento para a consciência de Kṛṣṇa por aceitar europeus e americanos como brāhmaṇas e oferecer-lhes sannyāsa. Mas eis aqui uma afirmação autorizada de que, ao distribuirmos o amor a Deus, não devemos considerar se os recebedores são europeus, americanos, hindus, muçulmanos, etc. O movimento para a consciência de Kṛṣṇa deve ser difundido onde quer que seja possível, e deve-se aceitar aqueles que assim se tornam vaiṣṇavas como superiores a brāhmaṇas, hindus ou indianos. Śrī Caitanya Mahāprabhu desejou que Seu nome fosse difundido em cada vila e cidade na superfície do globo. Portanto, se o culto de Caitanya Mahāprabhu está sendo difundido em todo o mundo, deveriam aqueles que o abraçaram não ser aceitos como vaiṣṇavas, brāhmaṇas e sannyāsīs? Esses argumentos tolos são às vezes levantados por patifes invejosos, mas os devotos conscientes de Kṛṣṇa não se importam com eles. Seguimos estritamente os princípios estabelecidos pelo Pañca-tattva.

Texto

luṭiyā, khāiyā, diyā, bhāṇḍāra ujāḍe
āścarya bhāṇḍāra, prema śata-guṇa bāḍe

Sinônimos

luṭiyā saqueando; khāiyā comendo; diyā distribuindo; bhāṇḍāra reservatório; ujāḍe esvaziado; āścarya maravilhoso; bhāṇḍāra reservatório; prema amor a Deus; śata-guṇa centenas de vezes; bāḍe aumenta.

Tradução

Embora os membros do Pañca-tattva saqueassem o reservatório de amor a Deus e comessem e distribuíssem seu estoque, nunca havia escassez, pois esse reservatório maravilhoso é tão completo que, à medida que se distribui o amor, o suprimento aumenta centenas de vezes.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma pseudoencarnação de Kṛṣṇa certa vez disse a seu discípulo que se havia esvaziado ao dar-lhe todo o conhecimento e, assim, estava espiritualmente esgotado. Semelhantes enganadores falam dessa maneira para ludibriar o público. Porém, a verdadeira consciência espiritual é tão perfeita que, quanto mais é distribuída, mais aumenta. Esgotamento é um termo aplicável no mundo material, mas o reservatório de amor a Deus no mundo espiritual não pode jamais esgotar-se. Kṛṣṇa supre milhões e trilhões de entidades vivas ao fornecer-lhes todas as coisas de que necessitam, e mesmo que todas as inúmeras entidades vivas desejassem tornar-se conscientes de Kṛṣṇa, não haveria escassez de amor a Deus, nem haveria insuficiência de provisões para a manutenção delas. Iniciamos nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa sem a ajuda de ninguém, e ninguém forneceu nosso sustento, mas, atualmente, estamos gastando centenas e milhares de dólares em todo o mundo, e o movimento está aumentando cada vez mais. Assim, não há possibilidade de escassez. Mesmo que pessoas invejosas nos critiquem, se nos mantivermos fiéis a nossos princípios e seguirmos os passos do Pañca-tattva, este movimento continuará imune a svāmīs, sannyāsīs, religiosos, filósofos ou cientistas de imitação, pois transcende todas as considerações materiais. Portanto, aqueles que propagam o movimento para a consciência de Kṛṣṇa não devem temer tais patifes e tolos.

Texto

uchalila prema-vanyā caudike veḍāya
strī, vṛddha, bālaka, yuvā, sabāre ḍubāya

Sinônimos

uchalila agitou-se; prema-vanyā a inundação de amor a Deus; caudike em todas as direções; veḍāya rodeando; strī mulher; vṛddha velho; bālaka criança; yuvā — jovem; sabāre todos eles; ḍuvāya — imergiram em.

Tradução

A inundação de amor a Deus alastrou-se em todas as direções, e assim rapazes, velhos, mulheres e crianças afundaram-se todos nessa inundação.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao distribuir-se assim o estoque do reservatório de amor a Deus, uma poderosa inundação cobre toda a Terra. Em Śrīdhāma Māyāpur, acontece às vezes uma grande enchente após a estação das chuvas. Isso indica que, a partir do local de nascimento do Senhor Caitanya, a inundação de amor a Deus deve espalhar-se por todo o mundo, pois isso ajudará a todos, incluindo velhos, rapazes, mulheres e crianças. O movimento para a consciência de Kṛṣṇa de Śrī Caitanya Mahāprabhu é tão poderoso que pode inundar o mundo inteiro e despertar interesse em todas as classes de homens pelo tema do amor a Deus.

Texto

saj-jana, durjana, paṅgu, jaḍa, andha-gaṇa
prema-vanyāya ḍubāila jagatera jana

Sinônimos

saj-jana cavalheiros; dur-jana patifes; paṅgu — aleijados; jaḍa — inválidos; andha-gaṇa — cegos; prema-vanyāya na inundação de amor a Deus; ḍuvāila — afogados; jagatera — em todo o mundo; jana pessoas.

Tradução

O movimento para a consciência de Kṛṣṇa inundará o mundo inteiro e afogará a todos, sejam eles cavalheiros, patifes ou mesmo aleijados, inválidos ou cegos.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui, pode-se novamente enfatizar que, embora patifes invejosos protestem contra o fato de darmos o cordão sagrado ou sannyāsa a europeus e americanos, não há sequer necessidade de considerar se alguém é cavalheiro ou patife, pois este é um movimento espiritual que não se relaciona com o corpo externo, de pele e ossos. Por estar sendo devidamente conduzido sob a orientação do Pañca-tattva, seguindo estritamente os princípios reguladores, ele nada tem a ver com impedimentos externos.

Texto

jagat ḍubila, jīvera haila bīja nāśa
tāhā dekhi’ pāṅca janera parama ullāsa

Sinônimos

jagat o mundo inteiro; ḍuvila afogado; jīvera das entidades vivas; haila assim tornou-se; bīja a semente; nāśa completamente destruída; tāhā então; dekhi’ — ao verem; pāṅca cinco; janera das pessoas; parama — mais elevada; ullāsa felicidade.

Tradução

Ao verem o mundo inteiro imerso no amor a Deus e a semente de gozo material nas entidades vivas completamente destruída, todos os cinco membros do Pañca-tattva ficaram excessivamente felizes.

Comentário

SIGNIFICADO—A esse respeito, Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura escreve em seu Anubhāṣya que, como todas as entidades vivas pertencem à potência marginal do Senhor, cada entidade viva tem a tendência natural de tornar-se consciente de Kṛṣṇa, embora, ao mesmo tempo, a semente de gozo material esteja indubitavelmente dentro dela. A semente de gozo material, aguada pelo curso da natureza material, frutifica e transforma-se numa árvore de enredamento material que dota a entidade viva de todas as espécies de gozo material. Desfrutar de tais facilidades materiais significa deixar-se afetar pelas três misérias materiais. No entanto, quando a lei da natureza provoca uma inundação, as sementes dentro da terra ficam inativas. Analogamente, à medida que a inundação de amor a Deus espalha-se por todo o mundo, as sementes de gozo material tornam-se impotentes. Assim, quanto mais se espalhar o movimento para a consciência de Kṛṣṇa, mais o desejo de gozo material diminuirá. A semente de gozo material torna-se automaticamente impotente com o aumento do movimento para a consciência de Kṛṣṇa.

Em vez de invejar que a consciência de Kṛṣṇa esteja sendo difundida em todo o mundo pela graça do Senhor Caitanya, aqueles que são invejosos deveriam estar felizes, como indicam aqui as palavras parama ullāsa. Todavia, por serem kaniṣṭha-adhikārīs, ou prākṛta-bhaktas (devotos materialistas que não são avançados em conhecimento espiritual), eles invejam em vez de se alegrarem, e procuram descobrir falhas na consciência de Kṛṣṇa. Todavia, Śrīmat Prabodhānanda Sarasvatī escreve em seu Caitanya-candrāmṛta que, ao serem influenciados pelo movimento de consciência de Kṛṣṇa do Senhor Caitanya, os materialistas desenvolvem aversão a falar sobre suas esposas e filhos, estudiosos supostamente eruditos abandonam seus estudos maçantes da literatura védica, yogīs abandonam suas práticas impráticas de yoga místico, ascetas abandonam suas rigorosas atividades de penitência e austeridade, e sannyāsīs abandonam seus estudos de filosofia sāṅkhya. Assim, todos eles ficam atraídos pelas práticas de bhakti-yoga do Senhor Caitanya e não conseguem saborear um gosto de doçura superior a esse da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

yata yata prema-vṛṣṭi kare pañca-jane
tata tata bāḍhe jala, vyāpe tri-bhuvane

Sinônimos

yata tanto; yata quanto; prema-vṛṣṭi enxurradas de amor a Deus; kare faz com que; pañca-jane os cinco membros do Pañca-tattva; tata tata tanto quanto; bāḍhe aumenta; jala — água; vyāpe espalha-se; tri-bhuvane — por todos os três mundos.

Tradução

Quanto mais os cinco membros do Pañca-tattva provocam a queda de chuvas de amor a Deus, mais a inundação aumenta e se espalha por todo o mundo.

Comentário

SIGNIFICADO—O movimento para a consciência de Kṛṣṇa não é estereotipado ou estagnado. Ele se espalhará por todo o mundo a despeito de todas as objeções de tolos e patifes de que não se pode aceitar como brāhmaṇas ou sannyāsīs os mlecchas europeus e americanos. Este verso indica como este processo se espalhará e inundará o mundo inteiro com consciência de Kṛṣṇa.

Texto

māyāvādī, karma-niṣṭha kutārkika-gaṇa
nindaka, pāsaṇḍī yata paḍuyā adhama
sei saba mahādakṣa dhāñā palāila
sei vanyā tā-sabāre chuṅite nārila

Sinônimos

māyāvādī os filósofos impersonalistas; karma-niṣṭha os trabalhadores fruitivos; kutārkika-gaṇa os pseudológicos; nindaka os blasfemadores; pāṣaṇḍi — não devotos; yata todos; paḍuyā estudantes; adhama a mais baixa classe; sei saba todos eles; mahā-dakṣa são muito peritos; dhāñā correndo; palāila foram embora; sei vanyā essa inundação; tā-sabāre todos eles; chuṅite tocando; nārila não pôde.

Tradução

Os impersonalistas, trabalhadores fruitivos, pseudológicos, blasfemadores, não-devotos e os mais baixos entre a comunidade estudantil são muito peritos em evitar o movimento para a consciência de Kṛṣṇa, motivo pelo qual a inundação de consciência de Kṛṣṇa não pode atingi-los.

Comentário

SIGNIFICADO—Assim como filósofos māyāvādīs no passado, tais como Prakāśānanda Sarasvatī, de Benares, os impersonalistas modernos não se interessam pelo movimento para a consciência de Kṛṣṇa do Senhor Caitanya. Eles não sabem avaliar este mundo material; consideram-no falso e não podem entender como o movimento para a consciência de Kṛṣṇa pode utilizá-lo. Vivem tão absortos em pensamentos impessoais que tomam por certo que toda variedade espiritual é material. Por desconhecerem qualquer coisa que esteja além de sua falsa concepção do brahmajyoti, não podem compreender que Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, é espiritual e, por isso, está além da concepção de ilusão material. Sempre que Kṛṣṇa encarna pessoalmente ou como um devoto, esses filósofos māyāvādīs tomam-nO como um ser humano comum. Condena-se isso na Bhagavad-gītā (9.11):

avajānanti māṁ mūḍhā
mānuṣīṁ tanum āśritam
paraṁ bhāvam ajānanto
mama bhūta-maheśvaram

“Os tolos zombam de Mim quando desço sob a forma humana. Eles desconhecem Minha natureza transcendental e Meu domínio supremo sobre tudo o que existe.”

Há também outras pessoas inescrupulosas que exploram o aparecimento do Senhor, fazendo-se passar por encarnações para enganar o público inocente. Uma encarnação de Deus deve passar pelo teste das afirmações dos śāstras e, além disso, executar atividades incomuns. Não devemos aceitar qualquer patife como encarnação de Deus, senão que devemos pôr à prova sua capacidade de agir como a Suprema Personalidade de Deus. Por exemplo, Kṛṣṇa ensinou tudo a Arjuna na Bhagavad-gītā, e Arjuna, por sua vez, aceitou-O como a Suprema Personalidade de Deus, mas, para nossa compreensão, Arjuna pediu ao Senhor que manifestasse Sua forma universal, para assim verificar se Ele era realmente o Senhor Supremo. De modo semelhante, deve-se pôr à prova uma suposta encarnação de Deus segundo os critérios padrão. Para evitar de ser desorientado por uma exibição de poderes místicos, é melhor examinar uma suposta encarnação de Deus à luz das afirmações dos śāstras. Os śāstras descrevem Caitanya Mahāprabhu como uma encarnação de Kṛṣṇa. Portanto, caso alguém queira imitar o Senhor Caitanya e afirmar ser uma encarnação, deve mostrar evidências dos śāstras sobre seu aparecimento para comprovar sua reivindicação.

Texto

tāhā dekhi’ mahāprabhu karena cintana
jagat ḍubāite āmi kariluṅ yatana
keha keha eḍāila, pratijñā ha-ila bhaṅga
tā-sabā ḍubaite pātiba kichu raṅga

Sinônimos

tāhā dekhi’ observando este avanço; mahāprabhu o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu; karena faz; cintana pensando; jagat o mundo inteiro; ḍuvāite afogar; āmi Eu; kariluṅ Me esforcei; yatana — tentativas; keha keha alguns deles; eḍāila escaparam; pratijñā promessa; ha-ila foi; bhaṅga cumprida; tā-sabā todos eles; ḍuvāite fazê-los afundar; pātiba — inventarei; kichu algum; raṅga estratagema.

Tradução

Ao ver que os māyāvādīs e outros fugiam, o Senhor Caitanya pensou: “Eu queria que todos imergissem nesta inundação de amor a Deus, mas alguns deles escaparam. Portanto, inventarei um estratagema para afogá-los também.”

Comentário

SIGNIFICADO—Eis aqui um ponto importante. O Senhor Caitanya Mahāprabhu queria inventar um modo de cativar os māyāvādīs e outros que não mostraram interesse pelo movimento para a consciência de Kṛṣṇa. Esse é o sintoma de um ācārya. Não se pode esperar que um ācārya que vem a serviço do Senhor se conforme com um estereótipo, pois ele deve descobrir as maneiras e meios pelos quais se possa difundir a consciência de Kṛṣṇa. Às vezes, pessoas invejosas criticam o movimento para a consciência de Kṛṣṇa porque nele ocupamos igualmente rapazes e moças na distribuição do amor a Deus. Ignorando que rapazes e moças de países da Europa e das Américas misturam-se muito livremente, esses tolos e patifes criticam os rapazes e as moças da consciência de Kṛṣṇa por misturarem-se. Porém, esses patifes devem levar em conta que não se pode mudar de repente os costumes sociais de uma comunidade. No entanto, uma vez que tanto os rapazes quanto as moças são treinados a tornarem-se pregadores, essas moças não são moças ordinárias, mas são tão boas quanto seus irmãos que estão pregando a consciência de Kṛṣṇa. Portanto, a política de ocupar tanto rapazes quanto moças em atividades plenamente transcendentais destina-se a difundir o movimento para a consciência de Kṛṣṇa. Esses tolos invejosos que criticam a ação conjunta de rapazes e moças terão simplesmente que contentar-se com sua própria tolice, pois não podem pensar em como difundir a consciência de Kṛṣṇa, adotando maneiras e meios favoráveis a esse propósito. Os métodos estereotipados deles jamais ajudarão a difundir a consciência de Kṛṣṇa. Portanto, o que estamos fazendo é perfeito pela graça do Senhor Caitanya Mahāprabhu, pois foi Ele que Se propôs a inventar um modo de cativar aqueles que se desviaram da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

eta bali’ mane kichu kariyā vicāra
sannyāsa-āśrama prabhu kailā aṅgīkāra

Sinônimos

eta bali’ dizendo isto; mane mentalmente; kichu algo; kariyā—fazendo; vicāra consideração; sannyāsa-āśrāma a ordem de vida renunciada; prabhu o Senhor; kailā fez; aṅgīkāra aceitar.

Tradução

Assim, o Senhor aceitou a ordem sannyāsa de vida após plena consideração.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu não precisava aceitar sannyāsa, pois Ele é o próprio Deus e, por isso, nada tem a ver com o conceito corpóreo material de vida. Śrī Caitanya Mahāprabhu não Se identificava com nenhum dos oito varṇas e āśramas, a saber, brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya, śūdra, brahmacārī, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa. Ele Se identificava como sendo o Espírito Supremo. Śrī Caitanya Mahāprabhu, ou, quanto a isso, qualquer devoto puro, jamais Se identifica com essas classes de vida social e espiritual, pois um devoto é sempre transcendental a essas diferentes gradações da sociedade. Não obstante, o Senhor Caitanya resolveu aceitar sannyāsa com base no fato de que, ao tornar-Se sannyāsī, todos Lhe prestariam respeitos e, dessa maneira, seriam favorecidos. Embora na realidade não fosse preciso que Ele aceitasse sannyāsa, Ele o fez para o benefício daqueles que viessem a considerá-lO um ser humano comum. O principal objetivo pelo qual Ele aceitou sannyāsa foi de liberar os sannyāsīs māyāvādīs. Isso ficará evidente mais tarde neste capítulo.

Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura explica o termo “māyāvādī” da seguinte maneira: “A Suprema Personalidade de Deus é transcendental ao conceito material de vida. Māyāvādī é quem considera que o corpo da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, é feito de māyā e que também considera a morada do Senhor e o processo de aproximar-se dEle, o serviço devocional, como sendo māyā. O māyāvādī acha que toda a parafernália do serviço devocional é māyā.” Māyā refere-se à existência material, que se caracteriza pelas reações de atividades fruitivas. Os māyāvādīs incluem o serviço devocional entre essas atividades fruitivas. Segundo eles, quando bhāgavatas, ou devotos, se purificarem pela especulação filosófica, atingirão o verdadeiro ponto da liberação. Aqueles que especulam dessa maneira a respeito do serviço devocional chamam-se kutārkikas (pseudológicos), e quem acha que serviço devocional é atividade fruitiva chama-se karma-niṣṭha. Aqueles que criticam o serviço devocional chamam-se nindakas (blasfemadores). De modo semelhante, não-devotos que consideram as atividades devocionais como materiais chamam-se pāṣaṇḍīs, e eruditos com um ponto de vista semelhante chamam-se adhama paḍuyās.

Os kutārkikas, nindakas, pāṣaṇḍīs e adhama paḍuyās excluíram-se dos benefícios do movimento de Śrī Caitanya Mahāprabhu de desenvolver amor a Deus. Śrī Caitanya Mahāprabhu sentiu compaixão por eles, e foi por essa razão que Ele resolveu aceitar a ordem de sannyāsa, pois, ao vê-lO como sannyāsī, eles Lhe prestariam respeitos. Ainda hoje, a ordem de sannyāsa é respeitada na Índia. De fato, a própria roupa de um sannyāsī ainda inspira respeito no público indiano. Portanto, Śrī Caitanya Mahāprabhu aceitou sannyāsa para facilitar a pregação de Seu culto devocional, embora, de outro modo, não tivesse necessidade de aceitar a quarta ordem da vida espiritual.

Texto

cabbiśa vatsara chilā gṛhastha-āśrame
pañca-viṁśati varṣe kaila yati-dharme

Sinônimos

cabbiśa vinte e quatro; vatsara anos; chilā Ele permaneceu; gṛhastha vida familiar; āśrame a ordem de; pañca cinco; viṁśati vinte; varṣe no ano; kailā fez; yati-dharme aceitou a ordem de sannyāsa.

Tradução

Śrī Caitanya Mahāprabhu permaneceu na vida familiar por vinte e quatro anos e, nas vésperas de Seu vigésimo quinto aniversário, aceitou a ordem de sannyāsa.

Comentário

SIGNIFICADO—Há quatro ordens de vida espiritual, a saber, brahmācārya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa, e em cada um destes āśramas há quatro divisões. As divisões do brahmacarya-āśrama são sāvitrya, prājāpatya, brāhma e bṛhat, e as divisões do gṛhastha-āśrama são vārtā (profissionais), sañcaya (acumuladores), śālīna (aqueles que não pedem nada a ninguém) e śiloñchana (aqueles que coletam grãos nos arrozais). De modo semelhante, as divisões do vānaprastha-āśrama são vaikhānasa, vālakhilya, auḍumbara e pheṇapa, e as divisões de sannyāsa são kuṭīcaka, bahūdaka, haṁsa e niṣkriya. Existem duas classes de sannyāsīs, chamados dhīras e narottamas, como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (1.13.26-27). No final do mês de janeiro do ano de 1432 śakābda, Śrī Caitanya Mahāprabhu aceitou a ordem de sannyāsa de Keśava Bhāratī, que pertencia ao Śaṅkara-sampradāya.

Texto

sannyāsa kariyā prabhu kailā ākarṣaṇa
yateka pālāñāchila tārkikādigaṇa

Sinônimos

sannyāsa a ordem de sannyāsa; kariyā aceitando; prabhu o Senhor; kailā realmente; ākarṣaṇa atraiu; yateka todos; pālāñāchila fugiram; tārkika-ādi-gaṇa todas as pessoas, começando com os lógicos.

Tradução

Após aceitar a ordem de sannyāsa, Śrī Caitanya Mahāprabhu atraiu a atenção de todos aqueles que O haviam evitado, começando com os lógicos.

Texto

paḍuyā, pāṣaṇḍī, karmī, nindakādi yata
tārā āsi’ prabhu-pāya haya avanata

Sinônimos

paḍuya estudantes; pāṣaṇḍi calculistas materiais; karmī trabalhadores fruitivos; nindaka-ādi críticos; yata todos; tārā eles; āsi’ vindo; prabhu do Senhor; pāya pés de lótus; haya — tornaram-se; avanata rendidos.

Tradução

Assim, os estudantes, os infiéis, os trabalhadores fruitivos e os críticos vieram todos render-se aos pés de lótus do Senhor.

Texto

aparādha kṣamāila, ḍubila prema-jale
kebā eḍāibe prabhura prema-mahājāle

Sinônimos

aparādha ofensa; kṣamāila perdoou; ḍubila imergiram em; prema-jale — no oceano de amor a Deus; kebā quem mais; eḍāibe irá embora; prabhura do Senhor; prema amorosa; mahā-jāle — rede.

Tradução

O Senhor Caitanya perdoou-lhes a todos, e eles imergiram no oceano de serviço devocional, pois ninguém pode escapar à singular rede amorosa de Śrī Caitanya Mahāprabhu.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Caitanya Mahāprabhu foi um ācārya ideal. O ācārya é um mestre ideal que conhece o propósito das escrituras reveladas, comporta-se exatamente segundo seus preceitos e ensina seus estudantes a adotar esses princípios também. Como ācārya ideal, Śrī Caitanya Mahāprabhu planejou maneiras de cativar todas as espécies de ateístas e materialistas. Todo ācārya tem um método específico de propagar seu movimento espiritual com o objetivo de trazer pessoas à consciência de Kṛṣṇa. Portanto, o método de um ācārya pode diferir do de outro, mas a meta última não é jamais negligenciada. Śrīla Rūpa Gosvāmī recomenda:

tasmāt kenāpy upāyenamanaḥ kṛṣṇe niveśayet
sarve vidhi-niṣedhāḥ syur
etayor eva kiṅkarāḥ

ācārya deve planejar um método pelo qual as pessoas possam, de alguma forma, atingir a consciência de Kṛṣṇa. Primeiro, devem tornar-se conscientes de Kṛṣṇa, e, mais tarde, pode-se introduzir gradualmente todas as regras e regulações prescritas. Em nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa, seguimos esta política do Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu. Por exemplo, uma vez que rapazes e moças nos países ocidentais se relacionam entre si livremente, são necessárias concessões especiais relativas a seus costumes e hábitos para trazê-los à consciência de Kṛṣṇa. O ācārya deve planejar um modo de trazê-los ao serviço devocional. Portanto, apesar de eu ser um sannyāsī, às vezes participo de casamentos de rapazes e moças, embora, na história de sannyāsa, nenhum sannyāsī tenha pessoalmente se ocupado em casar seus discípulos.

Texto

sabā nistārite prabhu kṛpā-avatāra
sabā nistārite kare cāturī apāra

Sinônimos

sabā todas; nistārite para liberar; prabhu o Senhor; kṛpā misericórdia; avatāra encarnação; sabā todas; nistārite para liberar; kare fez; cāṭurī métodos; apāra ilimitados.

Tradução

Śrī Caitanya Mahāprabhu apareceu para liberar todas as almas caídas. Portanto, Ele planejou muitos métodos para libertá-las das garras de māyā.

Comentário

SIGNIFICADO—É a preocupação do ācārya mostrar misericórdia às almas caídas. A esse respeito, deve-se levar em conta deśa-kāla-pātra (o local, o tempo e o objeto). Uma vez que moças e rapazes europeus e americanos em nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa pregam juntos, homens menos inteligentes criticam que eles estão se misturando sem restrição. Moças e rapazes na Europa e nas Américas misturam-se irrestritamente e têm iguais direitos; portanto, não é possível separar completamente os homens das mulheres. Entretanto, estamos dando todas as instruções a homens e mulheres sobre como pregar, e, na verdade, eles estão pregando muito bem. Naturalmente, proibimos sexo ilícito muito estritamente. Moças e rapazes que não são casados não têm permissão de dormir juntos ou viver juntos, e há acomodações separadas para moças e rapazes em todo templo. Gṛhasthas vivem fora do templo, pois, no templo, nem mesmo esposo e esposa têm permissão de viver juntos. Os resultados disso são maravilhosos. Tanto homens quanto mulheres estão pregando o evangelho do Senhor Caitanya Mahāprabhu e do Senhor Kṛṣṇa com força redobrada. Neste verso, as palavras sabā nistārite kare cāturī apāra indicam que Śrī Caitanya Mahāprabhu desejava liberar todas as pessoas. Portanto, por princípio, um pregador deve seguir estritamente as regras e regulações estabelecidas nos śāstras, mas, ao mesmo tempo, deve planejar um método pelo qual o trabalho de pregação para redimir os caídos possa continuar com força total.

Texto

tabe nija bhakta kaila yata mleccha ādi
sabe eḍāila mātra kāśīra māyāvādī

Sinônimos

tabe depois disso; nija próprio; bhakta — devoto; kailā converteu; yata todos; mleccha aquele que não segue os princípios védicos; ādi encabeçando a lista; sabe todos aqueles; eḍāila escaparam; mātra apenas; kāśīra de Vārāṇasī; māyāvādī impersonalistas.

Tradução

Todos converteram-se em devotos do Senhor Caitanya, mesmo os mlecchas e yavanas. Apenas os seguidores impersonalistas de Śaṅkarācārya escaparam dEle.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, indica-se claramente que, embora o Senhor Caitanya Mahāprabhu convertesse maometanos e outros mlecchas em devotos, os seguidores impersonalistas de Śaṅkarācārya não se deixaram converter. Após aceitar a ordem de vida renunciada, Caitanya Mahāprabhu converteu muitos karma-niṣṭhas que eram viciados em atividades fruitivas, muitos grandes lógicos como Sārvabhauma Bhaṭṭācārya, nindakas (blasfemadores) como Prakāśānanda Sarasvatī, pāṣaṇḍīs (não-devotos) como Jagāi e Mādhāi, e adhama paḍuyās (estudantes degradados) como Mukunda e seus amigos. Todos eles gradualmente tornaram-se devotos do Senhor, incluindo os pāṭhāns, ou muçulmanos. Porém, os piores ofensores, os impersonalistas, eram extremamente difíceis de converter, pois escaparam muito habilidosamente dos métodos do Senhor Caitanya Mahāprabhu.

Ao descrever os māyāvādīs kāśīras, Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura explica que pessoas confundidas pelo conhecimento empírico ou pela percepção sensorial direta, que, portanto, consideram que mesmo este mundo material limitado pode ser medido por suas estimativas materiais, concluem que qualquer coisa que alguém possa discernir por percepção sensorial direta não passa de māyā, ou ilusão. Elas afirmam que, embora a Verdade Absoluta esteja além da jurisdição da percepção sensorial, ela não inclui variedade ou desfrute espirituais. Segundo os māyāvādīs kāśīras, o mundo espiritual é simplesmente vazio. Eles não creem na personalidade da Verdade Absoluta nem na variedade de Suas atividades no mundo espiritual. Embora tenham seus próprios argumentos, que não são muito fortes, eles não fazem ideia das atividades variadas da Verdade Absoluta. Esses impersonalistas, que são seguidores de Śaṅkarācārya, são geralmente conhecidos como māyāvādīs kāśīras.

Perto de Vārāṇasī, há outro grupo de impersonalistas, que são conhecidos como māyāvādīs saranāthas. Fora da cidade de Vārāṇasī, há um local conhecido como Saranātha, onde se encontra um grande stūpa budista. Muitos seguidores da filosofia budista vivem ali, e são conhecidos como māyāvādīs saranāthas. Os impersonalistas de Saranātha diferem daqueles de Vārāṇasī, pois os impersonalistas de Vārāṇasī propagam a ideia de que o Brahman impessoal é verdadeiro, ao passo que a variedade material é falsa. Porém, os impersonalistas de Saranātha nem mesmo creem que se possa compreender a Verdade Absoluta, ou Brahman, como oposta a māyā, ou ilusão. Segundo a visão deles, o materialismo é a única manifestação da Verdade Absoluta.

De fato, tanto os māyāvādīs de Kāśīra quanto os de Saranātha, bem como quaisquer outros filósofos sem conhecimento da alma espiritual, são defensores do materialismo extremo. Nenhum deles tem conhecimento claro a respeito do Absoluto ou do mundo espiritual. Filósofos como os māyāvādīs de Saranātha, que não creem na existência espiritual da Verdade Absoluta, mas que consideram as variedades materiais como sendo tudo, não acreditam que haja duas classes de natureza, a inferior (material) e a superior (espiritual), como descreve a Bhagavad-gītā. Na realidade, nem os māyāvādīs de Vārāṇasī nem os de Saranātha aceitam os princípios da Bhagavad-gītā, devido a um pobre fundo de conhecimento.

Como esses impersonalistas sem conhecimento espiritual perfeito não conseguem entender os princípios de bhakti-yoga, têm que ser classificados entre os não-devotos que são contra o movimento para a consciência de Kṛṣṇa. Às vezes, esses impersonalistas procuram nos incomodar, colocando obstáculos em nosso caminho, mas não nos importamos com a dita filosofia deles, pois estamos propagando nossa própria filosofia, conforme é apresentada no Bhagavad-gītā Como Ele É, e temos obtido resultados exitosos. Teorizando como se o serviço devocional fosse sujeito à especulação mental deles, ambas as classes de impersonalistas māyāvādīs concluem que o tema bhakti-yoga é criação de māyā, e que Kṛṣṇa, o serviço devocional e o devoto também são māyā. Portanto, como afirma Śrī Caitanya Mahāprabhu, māyāvādī kṛṣṇe aparādhī: “Todos os māyāvādīs são ofensores ao Senhor Kṛṣṇa.” (Śrī Caitanya-caritāmṛta, Madhya 17.129) Não é possível que eles compreendam o movimento para a consciência de Kṛṣṇa, em virtude do que não damos valor às suas conclusões filosóficas. Por mais peritos que esses briguentos impersonalistas sejam em apresentar sua pseudológica, nós os derrotamos sob todos os aspectos e seguimos adiante com nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa. A imaginativa especulação mental deles não pode deter o progresso do movimento para a consciência de Kṛṣṇa, que é inteiramente espiritual e não cai jamais sob o controle de semelhantes māyāvādīs.

Texto

vṛndāvana yāite prabhu rahilā kāśīte
māyāvādi-gaṇa tāṅre lāgila nindite

Sinônimos

vṛndāvana o local santo chamado Vṛndāvana; yāite ao ir para lá; prabhu o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu; rahilā permaneceu; kāśite — em Vārāṇasī; māyāvādī-gaṇa os filósofos māyāvādīs; tāṅre a Ele; lāgita começaram; nindite a falar contra Ele.

Tradução

Quando o Senhor Caitanya Mahāprabhu estava de passagem por Vārāṇasī, a caminho de Vṛndāvana, os filósofos sannyāsīs māyāvādīs blasfemaram-nO de muitas maneiras.

Comentário

SIGNIFICADO—Enquanto pregava a consciência de Kṛṣṇa com pleno vigor, Śrī Caitanya Mahāprabhu enfrentou muitos filósofos māyāvādīs. Semelhantemente, também temos enfrentado muitos opositores – svāmīs, yogīs, impersonalistas, cientistas, filósofos e outros especuladores mentais –, e, pela graça do Senhor Kṛṣṇa, temos tido sucesso em derrotá-los a todos, sem dificuldades.

Texto

sannyāsī ha-iyā kare gāyana, nācana
nā kare vedānta-pāṭha, kare saṅkīrtana

Sinônimos

sannyāsī uma pessoa na ordem de vida renunciada; ha-iyā aceitando semelhante posição; kare faz; gāyana cantando; nācana dançando; nā kare — não pratica; vedānta-pāṭha — estudo da filosofia do Vedānta; kare saṅkīrtana — mas simplesmente dedica-Se a saṅkīrtana.

Tradução

“Apesar de ser sannyāsī, Ele não Se interessa pelo estudo do Vedānta, mas, em vez disso, sempre Se dedica a cantar e dançar em saṅkīrtana.”

Comentário

SIGNIFICADO—Ditosa ou desditosamente, também nos deparamos com semelhantes māyāvādīs que criticam nosso método de cantar e acusam-nos de não termos interesse pelo estudo. Eles não sabem que temos traduzido volumes e volumes de livros para o inglês e que os estudantes em nossos templos regularmente os estudam de manhã, à tarde e à noite. Estamos escrevendo e imprimindo livros, e nossos estudantes os estudam e distribuem-nos em todo o mundo. Nenhuma escola māyāvādī pode apresentar tantos livros quanto temos apresentado; não obstante, eles nos acusam de não gostarmos de estudar. Semelhantes acusações são totalmente falsas. Porém, embora estudemos, não estudamos o disparate dos māyāvādīs.

Os sannyāsīs māyāvādīs nem cantam nem dançam. A objeção técnica deles é que este método de cantar e dançar chama-se tauryatrika, e isso quer dizer que um sannyāsī deve evitar por completo tais atividades e ocupar seu tempo no estudo do Vedānta. Na realidade, esses homens não entendem o que significa Vedānta. Na Bhagavad-gītā, (15.15) se diz, vedaiś ca sarvair aham eva vedyo vedānta-kṛd veda-vid eva cāham: “O objetivo dos Vedas é conhecer-Me. Na verdade, Eu sou o compilador do Vedānta, e sou o conhecedor dos Vedas.” O Senhor Kṛṣṇa é o verdadeiro compilador do Vedānta, e tudo o que Ele fala é filosofia vedānta. Embora careçam do conhecimento do vedānta apresentado pela Suprema Personalidade de Deus na forma transcendental do Śrīmad-Bhāgavatam, os māyāvādīs têm muito orgulho de seu estudo. Prevendo os maus efeitos de eles apresentarem a filosofia vedānta de maneira pervertida, Śrīla Vyāsadeva compilou o Śrīmad-Bhāgavatam como um comentário ao Vedānta-sūtra. O Śrīmad-Bhāgavatam é bhāṣyaṁ brahma-sūtrāṇām; em outras palavras, toda a filosofia vedānta nos códigos dos Brahma-sūtras é inteiramente descrita nas páginas do Śrīmad-Bhāgavatam. Assim, o expositor verdadeiro da filosofia vedānta é uma pessoa consciente de Kṛṣṇa que sempre se dedica a ler e entender a Bhagavad-gītā e o Śrīmad-Bhāgavatam e a ensinar o significado desses livros ao mundo inteiro. Os māyāvādīs orgulham-se muito de ter monopolizado a filosofia vedānta, mas os devotos têm seus próprios comentários sobre o Vedānta, tais como o Śrīmad-Bhāgavatam e outras obras escritas pelos ācāryas. O comentário dos vaiṣṇavas gauḍīyas chama-se Govinda-bhāṣya.

A acusação dos māyāvādīs de que os devotos não estudam o Vedānta é falsa. Eles não sabem que cantar, dançar e pregar os princípios do Śrīmad-Bhāgavatam, chamados Bhāgavata-dharma, é o mesmo que estudar o Vedānta. Por acharem que ler a filosofia do Vedānta é a única função de um sannyāsī e por não verem Caitanya Mahāprabhu dedicado a tal estudo direto, eles criticaram o Senhor. Śrīpāda Śaṅkarācārya dá ênfase especial ao estudo da filosofia vedānta. Vedānta-vākyeṣu sadā ramantaḥ kaupīnavantaḥ khalu bhāgyavantaḥ. “Um sannyāsī, aceitando a ordem renunciada muito estritamente e usando nada mais que uma tanga, deve sempre desfrutar das afirmações filosóficas do Vedānta-sūtra. Deve-se considerar uma pessoa assim situada na ordem da renúncia como muito afortunada.” Os māyāvādīs em Vārāṇasī blasfemaram o Senhor Caitanya porque Seu comportamento não seguia esses princípios. O Senhor Caitanya, contudo, outorgou Sua misericórdia a esses sannyāsīs māyāvādīs e libertou-os por meio de Seus discursos do Vedānta com Prakāśānanda Sarasvatī e Sārvabhauma Bhaṭṭācārya.

Texto

mūrkha sannyāsī nija-dharma nāhi jane
bhāvuka ha-iyā phere bhāvukera sane

Sinônimos

mūrkha iletrado; sannyāsī alguém na ordem de vida renunciada; nija-dharma o próprio dever; nāhi não; jāne conhece; bhāvuka em êxtase; ha-iyā ficando; phere vagueia; bhāvukera com outra pessoa extática; sane com.

Tradução

“Este Caitanya Mahāprabhu é um sannyāsī iletrado e, por isso, não conhece Sua função verdadeira. Movido unicamente por Seus sentimentos, Ele anda por aí na companhia de outros sentimentalistas.”

Comentário

SIGNIFICADO—Māyāvādīs tolos, ignorando que o movimento para a consciência de Kṛṣṇa baseia-se numa filosofia sólida de ciência transcendental, concluem superficialmente que quem dança e canta não tem conhecimento filosófico. Aqueles que são conscientes de Kṛṣṇa têm realmente pleno conhecimento da essência da filosofia vedānta, pois estudam o verdadeiro comentário sobre a filosofia vedānta, o Śrīmad-Bhāgavatam, e seguem as verdadeiras palavras da Suprema Personalidade de Deus, conforme são encontradas no Bhagavad-gītā Como Ele É. Após entender a filosofia Bhāgavata, ou Bhāgavata-dharma, ficam saturados de consciência espiritual, ou consciência de Kṛṣṇa, razão pela qual o cantar e o dançar deles não são materiais, senão que estão na plataforma espiritual. Embora todos admirem o cantar e o dançar extáticos dos devotos, que são, portanto, conhecidos popularmente como “o pessoal do Hare Kṛṣṇa”, os māyāvādīs não podem apreciar essas atividades devido a seu pobre fundo de conhecimento.

Texto

e saba śuniyā prabhu hāse mane mane
upekṣā kariyā kāro nā kaila sambhāṣaṇe

Sinônimos

e sabā todas estas; śuniyā após ouvir; prabhu o Senhor; hāse sorriu; mane mane mentalmente; upekṣā rejeição; kariyā fazendo assim; kāro com qualquer pessoa; não; kaila fez; sambhāṣaṇe conversa.

Tradução

Ouvindo toda essa blasfêmia, o Senhor Caitanya Mahāprabhu só fez sorrir levemente, rejeitou todas estas acusações e não falou com os māyāvādīs.

Comentário

SIGNIFICADO—Como devotos conscientes de Kṛṣṇa, não gostamos de conversar com filósofos māyāvādīs simplesmente para desperdiçar o tempo valioso. Porém, sempre que surge uma oportunidade, pregamos nossa filosofia a eles com grande vigor e sucesso.

Texto

upekṣā kariyā kaila mathurā gamana
mathurā dekhiyā punaḥ kaila āgamana

Sinônimos

upekṣā menosprezando-os; kariyā fazendo assim; kaila fez; mathurā a cidade chamada Mathurā; gamana viajando; mathurā Mathurā; dekhiyā após visitá-la; punaḥ — novamente; kaila āgamana retornou.

Tradução

Assim, menosprezando a blasfêmia dos māyāvādīs de Vārāṇasī, o Senhor Caitanya Mahāprabhu prosseguiu para Mathurā e, após visitar Mathurā, retornou para corrigir a situação.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Caitanya Mahāprabhu não falou com os filósofos māyāvādīs em Sua primeira visita a Vārāṇasī, mas retornou de Mathurā para convencê-los do verdadeiro objetivo do vedānta.

Texto

kāśīte lekhaka śūdra-śrīcandraśekhara
tāṅra ghare rahilā prabhu svatantra īśvara

Sinônimos

kāśite — em Vārāṇasī; lekhaka — escritor; śūdra nascido em família de śūdras; śrīcandraśekhara — chamado Candraśekhara; tāṅra ghare — em sua casa; rahilā ficou; prabhu o Senhor; svatantra — independente; īśvara o controlador supremo.

Tradução

Dessa vez, o Senhor Caitanya ficou na casa de Candraśekhara, embora este fosse considerado um śūdra ou kāyastha, pois o Senhor, como a Suprema Personalidade de Deus, é inteiramente independente.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Caitanya hospedou-Se na casa de Candraśekhara, um caixeiro, embora se suponha que um sannyāsī não deva residir na casa de um śūdra. Quinhentos anos atrás, especialmente na Bengala, o sistema era que pessoas nascidas em famílias de brāhmaṇas eram aceitas como brāhmaṇas, e todos aqueles que nasciam em outras famílias – mesmo nas castas superiores, a saber, kṣatriyas e vaiśyas eram considerados śūdras não-brāhmaṇas. Portanto, embora Śrī Candraśekhara fosse um caixeiro de uma família kāyastha na Índia central, ele era considerado śūdra. Do mesmo modo, vaiśyas, especialmente os da comunidade suvarṇa-vaṇik, eram tidos como śūdras na Bengala, e mesmo os vaidyas, que geralmente eram médicos, também eram considerados śūdras. No entanto, o Senhor Caitanya Mahāprabhu não aceitou esse princípio artificial, que foi introduzido na sociedade por homens interesseiros, e mais tarde os kāyasthas, vaidyas e vaṇiks passaram todos a aceitar o cordão sagrado, a despeito das objeções dos ditos brāhmaṇas.

Antes da época de Caitanya Mahāprabhu, a classe suvarṇa-vaṇik fora condenada por Ballāl Sena, que era, então, o rei da Bengala, devido a ressentimentos pessoais. Na Bengala, a classe suvarṇa-vaṇik é sempre muito rica, pois é uma classe de banqueiros e negociantes de ouro e prata. Logo, Ballāl Sena costumava tomar empréstimos de um banqueiro suvarṇa-vaṇik. Mais tarde, a falência de Ballāl Sena obrigou o banqueiro suvarṇa-vaṇik a parar de emprestar-lhe dinheiro, e assim, ficando zangado, ele condenou toda a sociedade suvarṇa-vaṇik como pertencente à comunidade śūdra. Ballāl Sena tentou induzir os brāhmaṇas a não aceitarem os suvarṇa-vaṇiks como seguidores das instruções dos Vedas sob orientação bramânica, mas, embora alguns brāhmaṇas aprovassem a atitude de Ballāl Sena, outros não concordaram. Assim, os brāhmaṇas também ficaram divididos entre si, e aqueles que apoiaram a classe suvarṇa-vaṇik foram rejeitados da comunidade dos brāhmaṇas. Hoje em dia, ainda existem os mesmos preconceitos.

Há muitas famílias vaiṣṇavas na Bengala cujos membros, embora não tenham realmente nascido como brāhmaṇas, agem como ācāryas, iniciando discípulos e oferecendo-lhes o cordão sagrado como se prescreve nos tantras vaiṣṇavas. Por exemplo, nas famílias de Ṭhākura Raghunandana Ācārya, Ṭhākura Kṛṣṇadāsa, Navanī Hoḍa e Rasikānanda-deva (um discípulo de Śyāmānanda Prabhu), executa-se a cerimônia do cordão sagrado, assim como a executam os gosvāmīs de casta, e esse sistema tem estado vigente nos últimos três a quatro séculos. Aceitando discípulos nascidos em famílias de brāhmaṇas, eles são mestres espirituais fidedignos que têm oportunidade de adorar a śālagrāma-śilā que é adorada com a Deidade. Até a data deste escrito, a adoração à śālagrāma-śilā ainda não se adotou em nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa, mas logo será introduzida em todos os nossos templos como uma função essencial de arcana-mārga (adoração à Deidade).

Texto

tapana-miśrera ghare bhikṣā-nirvāhaṇa
sannyāsīra saṅge nāhi māne nimantraṇa

Sinônimos

tapana-miśrera de Tapana Miśra; ghare na casa; bhikṣā — aceitando comida; nirvāhaṇa executava regularmente; sannyāsīra com outros sannyāsīs māyāvādīs; saṅge na companhia deles; nāhi nunca; māne aceitava; nimantraṇa convite.

Tradução

Por uma questão de princípios, regularmente o Senhor Caitanya alimentava-Se na casa de Tapana Miśra. Ele nunca Se misturava com outros sannyāsīs, nem aceitava seus convites.

Comentário

SIGNIFICADO—Este comportamento exemplar do Senhor Caitanya prova definitivamente que o sannyāsī vaiṣṇava não pode aceitar convites de sannyāsīs māyāvādīs nem se misturar intimamente com eles.

Texto

sanātana gosāñi āsi’ tāṅhāi mililā
tāṅra śikṣā lāgi’ prabhu du-māsa rahilā

Sinônimos

sanātana chamado Sanātana; gosāñi grande devoto; āsi’ chegando ali; tāṅhāi ali em Vārāṇasī; mililā visitou-O; tāṅra Sua; śikṣā instrução; lāgi’ quanto a; prabhu o Senhor Caitanya Mahāprabhu; du-māsa dois meses; rahilā permaneceu ali.

Tradução

Ao vir da Bengala, Sanātana Gosvāmī encontrou-se com o Senhor Caitanya na casa de Tapana Miśra, onde o Senhor Caitanya permaneceu por dois meses consecutivos para ensinar-lhe o serviço devocional.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Caitanya ensinou a Sanātana Gosvāmī na linha de sucessão discipular. Sanātana Gosvāmī era um estudioso muito erudito em sânscrito e outras línguas, porém, até receber instruções do Senhor Caitanya Mahāprabhu, ele nada escreveu sobre o comportamento vaiṣṇava. Seu famosíssimo livro Hari-bhakti-vilāsa, que dá orientações para candidatos a vaiṣṇavas, foi escrito totalmente de acordo com as instruções de Śrī Caitanya Mahāprabhu. Nesse Hari-bbakti-vilāsa, Śrī Sanātana Gosvāmī dá instruções definitivas de que, ao ser devidamente iniciado por um mestre espiritual fidedigno, é possível tornar-se um brāhmaṇa imediatamente. A esse respeito, ele diz:

yathā kāñcanatāṁ yātikāṁsyaṁ rasa-vidhānataḥ
tathā dīkṣā-vidhānena
dvijatvaṁ jāyate nṛṇām

“Assim como o bronze para sinos transforma-se em ouro ao misturar-se com mercúrio num processo alquímico, analogamente, quem é devidamente treinado e iniciado por um mestre espiritual fidedigno imediatamente torna-se um brābmaṇa.” Às vezes, os nascidos em famílias de brāhmaṇas protestam contra isso, embora não tenham argumentos fortes contra esse princípio. Pela graça de Kṛṣṇa e de Seu devoto, nossa vida pode mudar. O Śrīmad-Bhāgavatam confirma isso com as palavras jahāti bandham e śudhyanti. Jahāti bandham indica que a entidade viva é condicionada por uma espécie de corpo em particular. O corpo é decerto um obstáculo, mas quem se associa com um devoto puro e segue suas instruções pode evitar esse obstáculo e tornar-se um brāhmaṇa exemplar, mediante a iniciação sob sua orientação estrita. Śrīla Jīva Gosvāmī afirma como o não brāhmaṇa pode tornar-se brāhmaṇa pelo contato com um devoto puro. Prabha viṣṇave namaḥ: o Senhor Viṣṇu é tão poderoso que pode fazer qualquer coisa que queira. Portanto, para Viṣṇu não é difícil transformar o corpo de um devoto que esteja sob a orientação de um devoto puro do Senhor.

Texto

tāṅre śikhāilā saba vaiṣṇavera dharma
bhāgavata-ādi śāstrera yata gūḍha marma

Sinônimos

tāṅre a ele (Sanātana Gosvāmī); śikhāilā o Senhor ensinou-lhe; saba todos; vaiṣṇavera dos devotos; dharma — atividades regulares; bhāgavata Śrīmad-Bhāgavatam; ādi começando com; śāstrera das escrituras reveladas; yata todas; gūḍha confidencial; marma propósito.

Tradução

Com base em escrituras como o Śrīmad-Bhāgavatam, que revelam estas orientações confidenciais, Śrī Caitanya Mahāprabhu deu instruções a Sanātana Gosvāmī a respeito de todas as atividades regulares de um devoto.

Comentário

SIGNIFICADO—No sistema paramparā, as instruções recebidas do mestre espiritual fidedigno devem também basear-se em escrituras védicas reveladas. Quem pertence à linha de sucessão discipular não pode inventar sua própria maneira de comportamento. Há muitos ditos seguidores do culto vaiṣṇava na linha de Caitanya Mahāprabhu que não seguem escrupulosamente as conclusões dos śāstras, sendo, por isso, considerados apa-sampradāyas, que significa “fora do sampradāya.” Alguns destes grupos são conhecidos como āula, bāula, kartābhajā, neḍā, daraveśa, sāṅi, sahajiyā, sakhībhekī, smārta, jāta-gosāñi, ativāḍī, cūḍādhārī e gaurāṅga-nāgarī. A fim de seguir estritamente a sucessão discipular do Senhor Caitanya Mahāprabhu, não devemos associar-nos com essas comunidades apa-sampradāya.

Quem não é instruído por um mestre espiritual fidedigno não pode compreender a literatura védica. Para enfatizar este ponto, ao dar instruções a Arjuna, o Senhor Kṛṣṇa disse claramente que era pelo fato de Arjuna ser Seu devoto e amigo íntimo que ele podia entender o mistério da Bhagavad-gītā. Deve-se concluir, portanto, que quem desejar compreender o mistério das escrituras reveladas deverá aproximar-se de um mestre espiritual fidedigno, ouvi-lo muito submissamente e prestar-lhe serviço. Então, o significado das escrituras ser-lhe-á revelado. Afirma-se nos Vedas:

yasya deve parā bhaktiryathā deve tathā gurau
tasyaite kathitā hy arthā
prakāśante mahātmanaḥ

“O verdadeiro sentido das escrituras revela-se àquele que tem fé inquebrantável, tanto na Suprema Personalidade de Deus, quanto no mestre espiritual.” Śrīla Narottama Dāsa Ṭhākura aconselha: sādhu-śāstra-guru-vākya, hṛdaye kariyā aikya. O significado dessa instrução é que devemos levar em conta as instruções do sādhu, das escrituras reveladas e do mestre espiritual a fim de entender o verdadeiro propósito da vida espiritual. Nem o sādhu (pessoa santa, ou vaiṣṇava), nem o mestre espiritual fidedigno diz algo que esteja além do campo da sanção das escrituras reveladas. Assim, as afirmações das escrituras reveladas correspondem às do mestre espiritual fidedigno e das pessoas santas. Portanto, devemos agir com referência a essas três fontes importantes de compreensão.

Texto

itimadhye candraśekhara, miśra-tapana
duḥkhī hañā prabhu-pāya kaila nivedana

Sinônimos

iti-madhye entrementes; candraśekhara — o caixeiro chamado Candraśekhara; miśra-tapana — bem como Tapana Miśra; duhkhī hañā — ficando muito tristes; prabhu-pāya aos pés de lótus do Senhor; kaila fizeram; nivedana — um apelo.

Tradução

Enquanto o Senhor Caitanya Mahāprabhu dava instruções a Sanātana Gosvāmī, tanto Candraśekhara quanto Tapana Miśra ficaram muito tristes. Portanto, eles fizeram um apelo aos pés de lótus do Senhor.

Texto

kateka śuniba prabhu tomāra nindana
nā pāri sahite, ebe chāḍiba jīvana

Sinônimos

kateka quanto; śuniba ouviremos; prabhu ó Senhor; tomāra Vossa; nindana blasfêmia; nā pāri não somos capazes; sahite de tolerar; ebe agora; chāḍiba abandonar; jīvana vida.

Tradução

“Por quanto tempo teremos de tolerar a blasfêmia de Vossos críticos contra Vossa conduta? Preferiríamos abandonar nossas vidas a ter que ouvir tal blasfêmia.”

Comentário

SIGNIFICADO—Uma das instruções mais importantes de Śrī Caitanya Mahāprabhu a respeito do comportamento regular do vaiṣṇava é que o vaiṣṇava deve ser tolerante como a árvore e submisso como uma palha.

tṛṇād api sunīcena
taror iva sahiṣṇunā
amāninā mānadena
kīrtanīyaḥ sadā hariḥ

“Deve-se cantar o santo nome do Senhor em um estado de espírito humilde, julgando-se inferior à palha na rua; deve-se ser mais tolerante que uma árvore, destituído de todo o sentido de falso prestígio, e deve-se estar pronto a prestar todo o respeito aos outros. Em tal estado de espírito, pode-se cantar os santos nomes do Senhor constantemente.” Não obstante, o autor dessas instruções, o Senhor Caitanya Mahāprabhu, não tolerou o mau comportamento de Jagāi e Mādhāi. Quando eles machucaram o Senhor Nityānanda Prabhu, o Senhor Caitanya ficou imediatamente irado e quis matá-los, e foi apenas pela misericórdia do Senhor Nityānanda Prabhu que eles foram salvos. Devemos ser muito mansos e humildes em nossos tratos pessoais; se for insultado, o vaiṣṇava deverá ser tolerante e não se irritar. Porém, caso alguém blasfeme nosso guru ou outro vaiṣṇava, devemos ficar irados como o fogo. O Senhor Caitanya Mahāprabhu demonstrou isso. Não devemos tolerar que alguém blasfeme um vaiṣṇava, senão que devemos tomar de pronto uma das três seguintes atitudes. Se alguém blasfema um vaiṣṇava, devemos contê-lo com argumentos e raciocínio superiores. Se não formos peritos o bastante para fazer isso, deveremos abandonar nossa vida no local, e, se não pudermos fazer isso, deveremos ir embora. Enquanto Caitanya Mahāprabhu estava em Benares, ou Kāśī, os sannyāsīs māyāvādīs blasfemavam-nO de muitas maneiras porque, embora Ele fosse sannyāsī, entregava-Se a cantar e dançar. Tapana Miśra e Candraśekhara ouviram essas críticas, e aquilo foi intolerável para eles porque eles eram grandes devotos do Senhor Caitanya. No entanto, eles não puderam parar aquilo, em razão do que apelaram ao Senhor Caitanya Mahāprabhu, porque aquela blasfêmia era tão intolerável que eles haviam resolvido abandonar suas vidas.

Texto

tomāre nindaye yata sannyāsīra gaṇa
śunite nā pāri, phāṭe hṛdaya-śravaṇa

Sinônimos

tomāre a Vós; nindaye blasfema; yata todos; sannyāsīra gaṇa os sannyāsīs māyāvādīs; śunite ouvir; não podemos; pāri tolerar; phāṭe isto dilacera; hṛdaya nossos corações; śravaṇa ao ouvirmos essa blasfêmia.

Tradução

“Todos os sannyāsīs māyāvādīs estão criticando Vossa Santidade. É intolerável para nós ouvirmos tais críticas, pois essa blasfêmia dilacera nosso coração.”

Comentário

SIGNIFICADO—Esta é uma manifestação de amor verdadeiro por Kṛṣṇa e pelo Senhor Caitanya Mahāprabhu. Há três categorias de vaiṣṇavas: kaniṣṭha-adhikārīs, madhyama-adhikārīs e uttama-adhikārīs. O kaniṣṭha-adhikārī, ou devoto na fase inferior de vida vaiṣṇava, tem firme fé, mas não está familiarizado com as conclusões dos śāstras. O devoto na segunda fase, o madhyama-adhikārī, tem plena noção da conclusão dos śāstras e tem firme fé em seu guru e no Senhor. Portanto, evitando os não-devotos, ele prega aos inocentes. Contudo, o mahā-bhāgavata, ou uttama-adhikārī, o devoto na fase máxima de vida devocional, não acha que alguém seja contra os princípios vaiṣṇavas, pois considera que todos, menos ele próprio, são vaiṣṇavas. Essa é a essência da instrução de Caitanya Mahāprabhu, de que devemos ser mais tolerantes que a árvore e julgarmo-nos inferiores à palha na rua (tṛṇād api su-nīcena taror iva sahiṣṇunā). No entanto, mesmo que um devoto esteja no status de uttama-bhāgavata, ele deve descer ao segundo status de vida, madhyama-adhikārī, para ser um pregador, pois o pregador não deve tolerar blasfêmias contra outros vaiṣṇavas. Embora o kaniṣṭha-adhikārī também não possa tolerar tais blasfêmias, ele não é competente para reprimi-las citando evidências dos śāstras. Portanto, subentende-se que Tapana Miśra e Candraśekhara sejam kaniṣṭha-adhikārīs, pois não conseguiram refutar os argumentos dos sannyāsīs em Benares. Eles apelaram ao Senhor Caitanya Mahāprabhu para que tomasse alguma providência, pois sentiram que não podiam tolerar tais críticas, embora também não conseguissem reprimi-las.

Texto

ihā śuni rahe prabhu īṣat hāsiyā
sei kāle eka vipra milila āsiyā

Sinônimos

iha isto; śuni — ouvindo; rahe permaneceu; prabhu o Senhor Caitanya Mahāprabhu; īṣat levemente; hāsiyā sorrindo; sei kāle nessa altura; eka um; vipra brāhmaṇa; milila encontrou; āsiyā chegando ali.

Tradução

Enquanto Tapana Miśra e Candraśekhara conversavam assim com Śrī Caitanya Mahāprabhu, Ele só fazia sorrir levemente e permanecia calado. Nessa altura, um brāhmaṇa veio ao encontro do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Como a blasfêmia foi lançada contra o próprio Śrī Caitanya Mahāprabhu, Ele não ficou aborrecido, e sorria. Esse é o comportamento vaiṣṇava ideal. Não devemos irritar-nos ao ouvir alguém criticar-nos, mas, se criticam outros vaiṣṇavas, devemos estar preparados a agir como se sugeriu anteriormente. Śrī Caitanya Mahāprabhu foi muito compassivo com Seus devotos puros Tapana Miśra e Candraśekhara; portanto, por Sua graça, aquele brāhmaṇa veio imediatamente ter com Ele. Por Sua onipotência, o Senhor criou essa situação para a felicidade de Seus devotos.

Texto

āsi’ nivedana kare caraṇe dhariyā
eka vastu māgoṅ, deha prasanna ha-iyā

Sinônimos

āsi’ chegando ali; vivedana afirmação submissa; kare fez; caraṇe aos pés de lótus; dhariyā cativando; eka uma; vastu coisa; māgoṅ peço-Vos; deha por favor, dai-me; prasanna satisfazendo-se; ha-iyā tornando-se assim.

Tradução

O brāhmaṇa imediatamente caiu aos pés de lótus de Caitanya Mahāprabhu e pediu-Lhe que aceitasse sua proposta alegremente.

Comentário

SIGNIFICADO—Os preceitos védicos afirmam que tad viddhi praṇipātena paripraśnena sevaya: devemos aproximar-nos de uma autoridade superior com humildade (Bhagavad-gītā 4.34). Não podemos desafiar a autoridade superior, mas, com grande submissão, podemos submeter nossas propostas ao julgamento do mestre espiritual ou de autoridades espirituais. Śrī Caitanya Mahāprabhu é um mestre ideal por Seu comportamento pessoal, e todos os Seus discípulos também o são. Assim, aquele brāhmaṇa, purificando-se na companhia de Śrī Caitanya Mahāprabhu, seguiu esses princípios ao submeter seu pedido à autoridade superior. Ele caiu aos pés de lótus de Śrī Caitanya Mahāprabhu e, então, falou o seguinte.

Texto

sakala sannyāsī muñi kainu nimantraṇa
tumi yadi āisa, pūrṇa haya mora mana

Sinônimos

sakala todos; sannyāsī renunciantes; muñi eu; kainu fiz; nimantraṇa convidados; tumi Vossa Graça; yadi se; āisa vier; pūrṇa satisfação; haya — torna-se; mora minha; mana mente.

Tradução

“Meu querido Senhor, convidei todos os sannyāsīs de Benares à minha casa. Meus desejos serão satisfeitos se Vós também aceitardes meu convite.”

Comentário

SIGNIFICADO—Aquele brāhmaṇa sabia que Caitanya Mahāprabhu era o único sannyāsī vaiṣṇava em Benares naquela época e que todos os demais eram māyāvādīs. É dever de um gṛhastha, às vezes, convidar sannyāsīs a comerem em sua casa. Esse brāhmaṇa-gṛhastha desejou convidar a todos os sannyāsīs à sua casa, mas também sabia que seria muito difícil induzir o Senhor Caitanya Mahāprabhu a aceitar tal convite porque os sannyāsīs māyāvādīs estariam presentes. Portanto, ele caiu a Seus pés e fervorosamente apelou para que o Senhor fosse compassivo e atendesse a seu pedido. Assim, humildemente expôs seu desejo.

Texto

nā yāha sannyāsi-goṣṭhī, ihā āmi jāni
more anugraha kara nimantraṇa māni’

Sinônimos

não; yāha vades; sannyāsī-goṣṭhī a companhia de sannyāsīs māyāvādīs; ihā isto; āmi eu; jāni sei; more para comigo; anugraha misericordioso; kara sede; nimantraṇa convite; māni’ aceitando.

Tradução

“Meu querido Senhor, sei que nunca Vos misturais com outros sannyāsīs, mas, por favor, tende misericórdia de mim e aceitai meu convite.”

Comentário

SIGNIFICADO—Um ācārya ou grande personalidade da escola vaiṣṇava é muito estrito em seus princípios. Porém, embora seja duro como o trovão, às vezes é suave como a rosa. Assim, na realidade, ele é independente. Segue todas as regras e regulações estritamente, mas, às vezes, afrouxa essa política. Era sabido que o Senhor Caitanya nunca Se misturava com os sannyāsīs māyāvādīs, mas Ele aquiesceu ao pedido do brāhmaṇa, como se afirma no verso seguinte.

Texto

prabhu hāsi’ nimantraṇa kaila aṅgīkāra
sannyāsīre kṛpā lāgi’ e bhaṅgī tāṅhāra

Sinônimos

prabhu o Senhor; hāsi’ sorrindo; nimantraṇa convite; kaila fez; aṅgīkāra aceitação; sannyāsīre aos sannyāsīs māyāvādīs; kṛpā para mostrar-lhes misericórdia; lāgi’ quanto a; e este; bhāṅgī gesto; tāṅhāra Seu.

Tradução

O Senhor Caitanya sorriu e aceitou o convite do brāhmaṇa. Ele fez esse gesto para mostrar Sua misericórdia aos sannyāsīs māyāvādīs.

Comentário

SIGNIFICADO—Tapana Miśra e Candraśekhara apelaram aos pés de lótus do Senhor em relação à aflição deles com as críticas que os sannyāsīs de Benares Lhe fizeram. Caitanya Mahāprabhu só fez sorrir, mas desejava satisfazer os desejos de Seus devotos, e essa oportunidade surgiu quando o brāhmaṇa veio pedir-Lhe para aceitar seu convite de apresentar-Se no meio dos outros sannyāsī. A onipotência do Senhor possibilitou essa coincidência.

Texto

se vipra jānena prabhu nā yā’na kā’ra ghare
tāṅhāra preraṇāya tāṅre atyāgraha kare

Sinônimos

se esse; vipra brāhmaṇa; jānena sabia disso; prabhu Senhor Caitanya Mahāprabhu; jamais; yā’na vai; kā’ra de alguém; ghare casa; tāṅhāra Sua; preraṇāya por inspiração; tāṅre a Ele; atyāgraha kare fortemente instando a aceitar o convite.

Tradução

O brāhmaṇa sabia que o Senhor Caitanya Mahāprabhu não costumava ir à casa de qualquer pessoa, mas, devido à inspiração do Senhor, ele fervorosamente pediu-Lhe que aceitasse esse convite.

Texto

āra dine gelā prabhu se vipra-bhavane
dekhilena, vasiyāchena sannyāsīra gaṇe

Sinônimos

āra seguinte; dine dia; gelā foi; prabhu o Senhor; se esse; vipra brāhmaṇa; bhavane na casa de; dekhilena Ele viu; vasiyāchena ali estavam sentados; sannyāsīra todos os sannyāsīs; gaṇe em grupo.

Tradução

No dia seguinte, ao ir à casa daquele brāhmaṇa, o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu viu todos os sannyāsīs de Benares ali sentados.

Texto

sabā namaskari’ gelā pāda-prakṣālane
pāda prakṣālana kari vasilā sei sthāne

Sinônimos

sabā a todos; namaskari’ — oferecendo reverências; gelā foi; pāda pé; prakṣālane para lavar; pāda pé; prakṣālana lavando; kari terminando; vasilā sentou-Se; sei naquele; sthāne local.

Tradução

Assim que Śrī Caitanya Mahāprabhu viu os sannyāsīs, imediatamente ofereceu-lhes reverências, depois do que foi lavar Seus pés. Após lavar os pés, Ele Se sentou no local onde fizera isso.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao oferecer Suas reverências aos sannyāsīs māyāvādīs, Śrī Caitanya Mahāprabhu demonstrou muito claramente Sua humildade para com todos. Os vaiṣṇavas não devem ser desrespeitosos com ninguém, isso para não falar de sê-lo com um sannyāsī. Śrī Caitanya Mahāprabhu ensina que amāninā mānadena: deve-se sempre respeitar os outros, mas não se deve exigir respeito para si mesmo. Um sannyāsī deve sempre andar descalço e, portanto, ao entrar num templo ou numa sociedade de devotos, deve primeiro lavar os pés e, então, sentar-se num local apropriado. Na Índia, prevalece ainda o costume de deixar os sapatos num local especificado para, então, entrar no templo, descalço, após lavar os pés. Śrī Caitanya Mahāprabhu é um ācārya ideal, e aqueles que seguem Seus passos devem praticar os métodos de vida devocional que Ele nos ensina.

Texto

vasiyā karilā kichu aiśvarya prakāśa
mahātejomaya vapu koṭi-sūryābhāsa

Sinônimos

vasiyā após sentar-Se; karilā demonstrou; kichu certo; aiśvarya poder místico; prakāśa manifestou; mahātejomaya muito brilhantemente; vapu corpo; koṭi milhões; sūrya de sóis; abhāsa reflexo.

Tradução

Após sentar-Se no chão, Caitanya Mahāprabhu demonstrou Seu poder místico, manifestando uma refulgência brilhante como o brilho de milhões de sóis.

Comentário

SIGNIFICADO—Sendo a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, Śrī Caitanya Mahāprabhu é pleno de todas as potências. Portanto, não é extraordinário que Ele manifeste o brilho de milhões de sóis. O Senhor Śrī Kṛṣṇa é conhecido como Yogeśvara, o senhor de todos os poderes místicos. Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu é o próprio Senhor Kṛṣṇa, em virtude do que Ele pode manifestar qualquer poder místico.

Texto

prabhāve ākarṣila saba sannyāsīra mana
uṭhila sannyāsī saba chāḍiyā āsana

Sinônimos

prabhāve com tal brilho; ākarṣila — Ele atraiu; sabā todos; sannyāsīra os sannyāsīs māyāvādīs; mana mente; uṭhila ficaram de pé; sannyāsī todos os sannyāsīs māyāvādīs; saba todos; chāḍiyā deixando; āsana assentos.

Tradução

Quando os sannyāsīs viram a refulgência brilhante do corpo de Śrī Caitanya Mahāprabhu, suas mentes ficaram atraídas, e todos eles deixaram seus assentos imediatamente e ficaram de pé em sinal de respeito.

Comentário

SIGNIFICADO—Às vezes, pessoas santas, ācāryas e mestres exibem opulências extraordinárias para atrair a atenção de homens comuns. Isso é necessário para atrair a atenção dos tolos, mas uma pessoa santa não deve abusar de tal poder para gozo pessoal dos sentidos, como fazem falsos santos que se declaram Deus. Mesmo um mágico pode exibir proezas extraordinárias, incompreensíveis aos homens comuns, mas isso não significa que o mágico seja Deus. É uma atividade por demais pecaminosa atrair a atenção, exibindo poderes místicos, e utilizar-se dessa oportunidade para declarar-se Deus. Uma verdadeira pessoa santa jamais se declara Deus, senão que sempre se coloca na posição de servo de Deus. Para um servo de Deus, não há necessidade de exibir poderes místicos, e ele não gosta de fazê-lo, mas, em nome da Suprema Personalidade de Deus, um servo humilde de Deus executa suas atividades de maneira tão maravilhosa que nenhum homem comum pode atrever-se a agir como ele. Ainda assim, uma pessoa santa jamais atribui-se o mérito de tais ações, pois sabe muito bem que, quando se fazem coisas maravilhosas através dele pela graça do Senhor Supremo, todo o mérito é atribuído ao amo, e não ao servo.

Texto

prakāśānanda-nāme sarva sannyāsi-pradhāna
prabhuke kahila kichu kariyā sammāna

Sinônimos

prakāśānanda Prakāśānanda; nāme chamado; sarva todos; sannyāsi-pradhāna — líder dos sannyāsīs māyāvādīs; prabhuke ao Senhor; kahila disse; kichu algo; kariyā mostrando-Lhe; sammāna respeito.

Tradução

O líder de todos os sannyāsīs māyāvādīs presentes chamava-se Prakāśānanda Sarasvatī, e, após levantar-se, dirigiu a palavra ao Senhor Caitanya Mahāprabhu, com grande respeito, da seguinte maneira.

Comentário

SIGNIFICADO—Assim como o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu prestou respeitos a todos os sannyāsīs māyāvādīs, da mesma forma, o líder dos sannyāsīs māyāvādīs, Prakāśānanda, também prestou seus respeitos ao Senhor.

Texto

ihāṅ āisa, ihāṅ āisa, śunaha śrīpāda
apavitra sthāne vaisa, kibā avasāda

Sinônimos

ihāṅ āisa vem cá; ihāṅ āisa vem cá; śunaha por favor, ouve; śrīpāda Vossa Santidade; apavitra profano; sthāne local; vaisa estás sentado; kibā o que é essa; avasāda lamentação.

Tradução

“Por favor, vem cá. Por favor, vem cá, Santidade. Por que Te sentas nesse local sujo? Qual é o motivo de Tua lamentação?”

Comentário

SIGNIFICADO—Eis aqui a distinção entre o Senhor Caitanya Mahāprabhu e Prakāśānanda Sarasvatī. No mundo material, todos querem apresentar-se como muito importantes e grandiosos, mas Caitanya Mahāprabhu apresentou-Se muito humilde e mansamente. Os māyāvādīs estavam sentados em posição elevada, e Caitanya Mahāprabhu sentou-Se num local que nem limpo era. Portanto, os sannyāsīs māyāvādīs acharam que Ele devia ter-Se aborrecido por algum motivo, e Prakāśānanda Sarasvatī perguntou-Lhe sobre o motivo de Sua lamentação.

Texto

prabhu kahe, — āmi ha-i hīna-sampradāya
tomā-sabāra sabhāya vasite nā yuyāya

Sinônimos

prabhu kahe o Senhor respondeu; āmi Eu; ha-i sou; hīna-sampradāya — pertencendo a uma escola espiritual inferior; tomā-sabāra de todos vós; sabhāya na assembleia; vasite sentar-Me; jamais; yuyāya posso ousar.

Tradução

O Senhor respondeu: “Pertenço a uma ordem inferior de sannyāsīs. Portanto, não mereço sentar-Me convosco.”

Comentário

SIGNIFICADO—Os sannyāsīs māyāvādīs são sempre muito arrogantes devido a seu conhecimento de sânscrito e por pertencerem ao Śaṅkara-sampradāya. Eles sempre têm a impressão de que, a menos que alguém seja brāhmaṇa e ótimo sanscritista, especialmente bom gramático, não pode aceitar a ordem de vida renunciada, nem se tornar um pregador. Os sannyāsī māyāvādīs sempre interpretam mal todos os śāstras com seus malabarismos de palavras e composições gramaticais. Contudo, o próprio Śrīpāda Śaṅkarācārya condenou semelhante malabarismo de palavras no verso prāpte sannihite kāle na hi na hi rakṣati ḍukṛñ karaṇe. Ḍukṛñ refere-se a sufixos e prefixos na gramática sânscrita. Śaṅkarācārya advertiu seus discípulos de que, se eles se preocupassem apenas com os princípios de gramática, não adorando Govinda, fariam papel de tolos e jamais se salvariam. Não obstante, a despeito das instruções de Śrīpāda Śaṅkarācārya, os tolos sannyāsīs māyāvādīs vivem atarefados com malabarismos de palavras com base em estrita gramática sânscrita.

Sannyāsīs māyāvādīs são muito orgulhosos caso ostentem títulos de sannyāsī elevados, tais como tīrtha, āśrama e sarasvatī. Mesmo entre os māyāvādīs, aqueles que pertencem a outros sampradāyas e ostentam outros títulos, tais como vana, āraṇya ou bhāratī, são considerados sannyāsīs de classe inferior. Śrī Caitanya Mahāprabhu recebeu sannyāsa no Bhāratī-sampradāya, e assim considerava-Se um sannyāsī inferior a Prakāśānanda Sarasvatī. Para manter-se distintos de sannyāsīs vaiṣṇavas, os sannyāsīs do Māyāvāda-sampradāya sempre se julgam situados numa ordem espiritual muito elevada; porém, o Senhor Caitanya Mahāprabhu, a fim de ensinar-lhes como tornarem-se humildes e mansos, admitiu pertencer a um sampradāya inferior de sannyāsīs. Assim, Ele desejou frisar claramente que sannyāsī é aquele que é avançado em conhecimento espiritual. Deve-se aceitar que quem é avançado em conhecimento espiritual ocupa uma posição melhor do que quem carece de tal conhecimento.

Os sannyāsīs da Māyāvādī-sampradāya geralmente são conhecidos como vedāntīs, como se o vedānta fosse monopólio deles. Na verdade, contudo, vedāntī refere-se a alguém que conhece Kṛṣṇa perfeitamente. Como confirma a Bhagavad-gītā (15.15), vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ: “O objetivo de todos os Vedas é conhecer Kṛṣṇa.” Os vedāntīs māyāvādīs, ditos vedāntīs, não sabem quem é Kṛṣṇa, de modo que eles terem o título vedāntī, ou seja, “conhecedor da filosofia vedānta”, é mera pretensão. Os sannyāsīs māyāvādīs sempre se julgam verdadeiros sannyāsīs, e consideram sannyāsīs da ordem vaiṣṇava como brahmacārīs. Supõe-se que o brahmacārī se ocupe a serviço de um sannyāsī e o aceite como seu guru. Portanto, os sannyāsīs māyāvādīs declaram ser, não somente gurus, mas também jagad-gurus, ou seja, os mestres espirituais do mundo inteiro, embora, naturalmente, não possam visitar o mundo inteiro. Às vezes, vestem-se pomposamente e viajam montados em elefantes em procissões, e assim são sempre arrogantes, aceitando-se como jagad-gurus. No entanto, Śrīla Rūpa Gosvāmī explica que, na verdade, jagad-guru refere-se àquele que tem controle sobre a língua, a mente, as palavras, o estômago, os órgãos genitais e a ira. Pṛthivīṁ sa śiṣyāt: um jagad-guru assim é inteiramente digno de fazer discípulos em todo o mundo. Devido ao falso prestígio, os sannyāsīs māyāvādīs que não têm essas qualificações às vezes hostilizam e blasfemam um sannyāsī vaiṣṇava que se ocupa humildemente a serviço do Senhor.

Texto

āpane prakāśānanda hātete dhariyā
vasāilā sabhā-madhye sammāna kariyā

Sinônimos

āpane pessoalmente; prakāśānanda Prakāśānanda; hātete pela mão; dhariyā tomando; vasāilā fê-lO sentar-Se; sabhā-madhye na assembleia de; sammāna com grande respeito; kariyā oferecendo-Lhe.

Tradução

Entretanto, Prakāśānanda Sarasvatī tomou Śrī Caitanya Mahāprabhu pela mão e fê-lO sentar-Se com grande respeito no meio da assembleia.

Comentário

SIGNIFICADO—O comportamento respeitoso de Prakāśānanda Sarasvatī para com Śrī Caitanya Mahāprabhu deve ser muito apreciado. Calcula-se que tal comportamento seja ajñāta-sukṛti (ou seja, atividades piedosas que executamos sem nosso conhecimento). Assim, Śrī Caitanya Mahāprabhu, com muito tato, deu a Prakāśānanda Sarasvatī uma oportunidade de avançar em ajñāta-sukṛti para que, no futuro, ele pudesse realmente tornar-se um sannyāsī vaiṣṇava.

Texto

puchila, tomāra nāma ‘śrī-kṛṣṇa-caitanya’
keśava-bhāratīra śiṣya, tāte tumi dhanya

Sinônimos

puchila indaguei; tomāra Teu; nāma nome; śrī-kṛṣṇa-caitanya o nome Śrī Kṛṣṇa Caitanya; keśava- bhāratīra śiṣya és discípulo de Keśava Bhāratī; tāte a esse respeito; tumi és; dhanya glorioso.

Tradução

Então, Prakāśānanda Sarasvatī disse: “Segundo me consta, Teu nome é Śrī Kṛṣṇa Caitanya. És discípulo de Śrī Keśava Bhāratī, logo és glorioso.”

Texto

sāmpradāyika sannyāsī tumi, raha ei grāme
ki kāraṇe āmā-sabāra nā kara darśane

Sinônimos

sāmpradāyika da comunidade; sannyāsī sannyāsī māyāvādī; tumi és; raha vives; ei esta; grāme em Vārāṇasī; ki kārane por que razão; āmā-sabāra conosco; não; kara Te esforças; darśane misturar-Te.

Tradução

“Pertences ao nosso Śaṅkara-sampradāya e vives em nossa vila, Vārānasī. Por que, então, não Te associas conosco? Por que evitas até mesmo nos ver?”

Comentário

SIGNIFICADO—O sannyāsī vaiṣṇava, ou um vaiṣṇava na segunda fase de avanço em conhecimento espiritual, pode depreender quatro princípios – a saber, a Suprema Personalidade de Deus, os devotos, os inocentes e os invejosos – e comporta-se distintamente com cada um deles. Ele procura aumentar seu amor por Deus, fazer amizade com os devotos e pregar a consciência de Kṛṣṇa aos inocentes. Porém, evita os despeitados que têm inveja do movimento para a consciência de Kṛṣṇa. O próprio Senhor Caitanya Mahāprabhu exemplificou esse comportamento, e é por isso que Prakāśānanda Sarasvatī perguntou por que Ele não Se associava ou mesmo falava com eles. Caitanya Mahāprabhu confirmou, por Seu exemplo, que, de um modo geral, um pregador do movimento para a consciência de Kṛṣṇa não deve perder seu tempo conversando com sannyāsīs māyāvādīs, mas, se eles apresentarem argumentos com base nos śāstras, um vaiṣṇava deverá adiantar-se para falar e derrotá-los com filosofia.

Segundo os sannyāsīs māyāvādīs, somente aquele que aceita sannyāsa na sucessão discipular de Śaṅkarācārya é um sannyāsī védico. Às vezes, reclamam que os sannsāsīs pregadores do movimento para a consciência de Kṛṣṇa não são genuínos por não pertencerem a famílias de brāhmaṇas, pois os māyāvādīs não oferecem sannyāsa a quem não pertença a uma família de brāhmaṇas por nascimento. Infelizmente, contudo, eles ignoram que atualmente todos nascem śūdras (kalau śūdra sambhava). Deve-se compreender que não existem brāhmaṇas nesta era, pois aqueles que afirmam ser brāhmaṇas, baseados apenas em direito de nascimento, não têm qualificações bramânicas. Entretanto, mesmo que alguém não tenha nascido em família de brāhmaṇas, se tiver qualificações bramânicas, deverá ser aceito como brāhmaṇa, como o confirmam Śrīla Nārada Muni e o grande santo Śrīdhara Svāmī. Afirma-se isso também no Śrīmad-Bhāgavatam. Tanto Nārada como Śrīdhara Svāmī concordam plenamente que não se pode ser brāhmaṇa apenas por direito de nascimento, senão que é preciso possuir as qualidades de um brāhmaṇa. Assim, em nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa, jamais concedemos a ordem de sannyāsa a uma pessoa que achamos que não seja qualificada nos termos dos princípios bramânicos prescritos. Embora seja verdade que, a menos que alguém seja brāhmaṇa, não pode tornar-se sannyāsī, não é um princípio válido que um homem desqualificado nascido em família de brāhmaṇas seja um brāhmaṇa, ao passo que não se possa aceitar como brāhmaṇa uma pessoa dotada de qualidades bramânicas porém nascida em família de não-brāhmaṇas. O movimento para a consciência de Kṛṣṇa segue estritamente os preceitos do Śrīmad-Bhāgavatam, evitando heresias desencaminhadoras e conclusões forjadas.

Texto

sannyāsī ha-iyā kara nartana-gāyana
bhāvuka saba saṅge lañā kara saṅkīrtana

Sinônimos

sannyāsī a ordem de vida renunciada; ha-iyā aceitando; kara Tu fazes; nartana-gāyana dançando e cantando; bhāvuka fanáticos; sabā todos; saṅge em Tua companhia; lañā aceitando-os; kara Tu fazes; saṅkīrtana cantar do santo nome do Senhor.

Tradução

“Tu és um sannyāsī. Por que, então, Te entregas a cantar e a dançar, ocupando-Te em Teu movimento de saṅkīrtana na companhia de fanáticos?”

Comentário

SIGNIFICADO—Este é um desafio de Prakāśānanda Sarasvatī a Śrī Caitanya Mahāprabhu. Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura escreve em seu Anubhāṣya que Śrī Caitanya Mahāprabhu, que é o objeto da pesquisa filosófica do vedānta, determinou muito generosamente quem é um candidato apropriado para o estudo da filosofia vedānta. Em Seu Śikṣāṣṭaka, Śrī Caitanya Mahāprabhu expressa a primeira qualificação de tal candidato:

tṛṇād api su-nīcenataror iva sahiṣṇunā
amāninā māna-dena
kīrtanīyaḥ sadā hariḥ

Esta afirmação indica que alguém pode ouvir ou falar sobre a filosofia vedānta através da sucessão discipular. É preciso ser muito humilde e manso, mais tolerante que uma árvore e mais humilde que uma palha. Não se deve exigir respeito para si mesmo, mas deve-se estar pronto a prestar todo respeito aos outros. É preciso ter essas qualificações para estar apto a compreender o conhecimento védico.

Texto

vedānta-paṭhana, dhyāna, — sannyāsīra dharma
tāhā chāḍi’ kara kene bhāvukera karma

Sinônimos

vedānta-paṭhana estudo da filosofia vedānta; dhyāna meditação; sannyāsīra de um sannyāsī; dharma — deveres; tāhā chāḍi’ deixando-os; kara fazes; kene por que; bhāvukera dos fanáticos; karma atividades.

Tradução

“A meditação e o estudo do Vedānta são os únicos deveres de um sannyāsī. Por que deixas essas coisas de lado e danças com fanáticos?”

Comentário

SIGNIFICADO—Como se explicou com relação ao verso 41, os sannyāsīs māyāvādīs não aprovam o processo de cantar e dançar. Prakāśānanda Sarasvatī, tanto quanto Sārvabhauma Bhaṭṭācārya, confundiu Śrī Caitanya Mahāprabhu com um jovem sannyāsī desorientado, e por isso perguntou-Lhe por que Se permitia associar-Se com fanáticos em vez de executar o dever de um sannyāsī.

Texto

prabhāve dekhiye tomā sākṣāt nārāyaṇa
hīnācāra kara kene, ithe ki kāraṇa

Sinônimos

prabhāve em Tua opulência; dekhiye vejo; tomā Tu; sākṣāt diretamente; nārāyaṇa a Suprema Personalidade de Deus; hīna-ācāra comportamento de classe inferior; kara fazes; kene por que; ithe nisto; ki qual é; kāraṇa a razão.

Tradução

“És tão brilhante que pareces ser o próprio Nārāyaṇa. Por favor, explica a razão pela qual tens Te comportado como uma pessoa de classe inferior.”

Comentário

SIGNIFICADO—Devido à renúncia, ao estudo do Vedānta, à meditação e aos estritos princípios reguladores de sua rotina diária, os sannyāsīs māyāvādīs estão decerto em posição propícia para executar atividades piedosas. Assim, Prakāśānanda Sarasvatī, devido à sua piedade, pôde compreender que Caitanya Mahāprabhu não era uma pessoa comum, mas, sim, a Suprema Personalidade de Deus. Śākṣāt nārāyaṇa: ele julgou que Ele (Caitanya) era o próprio Nārāyaṇa. Os sannyāsīs māyāvādīs dirigem-se um ao outro como Nārāyaṇa, pois acham que todos eles chegarão a ser Nārāyaṇa ou fundir-se-ão em Nārāyaṇa na próxima vida. Prakāśānanda Sarasvatī apreciou o fato de Caitanya Mahāprabhu já ter-Se tornado diretamente Nārāyaṇa sem ter de esperar até Sua próxima vida. Uma das diferenças entre a filosofia vaiṣṇava e a filosofia māyāvādī é que os filósofos māyāvādīs acham que, após abandonar seus corpos, tornar-se-ão Nārāyaṇa, fundindo-se em Seu corpo, ao passo que os filósofos vaiṣṇavas compreendem que, após a morte do corpo, eles terão um corpo espiritual, transcendental, propício para se associarem com Nārāyaṇa.

Texto

prabhu kahe — śuna, śrīpāda, ihāra kāraṇa
guru more mūrkha dekhi’ karila śāsana

Sinônimos

prabhu kahe o Senhor respondeu; śuna por obséquio, ouve; śrīpāda Vossa Santidade; ihāra disto; kāraṇa razão; guru Meu mestre espiritual; more a Mim; mūrkha tolo; dekhi’ — entendendo; karila fez; śāsana repreensão.

Tradução

Śrī Caitanya Mahāprabhu respondeu o seguinte a Prakāśānanda Sarasvatī: “Meu caro senhor, por obséquio, ouve a razão. Meu mestre espiritual considerou-Me um tolo, e por isso repreendeu-Me.”

Comentário

SIGNIFICADO—Quando Prakāśānanda Sarasvatī perguntou ao Senhor Caitanya Mahāprabhu o motivo pelo qual Ele não estudava o Vedānta nem praticava meditação, o Senhor Caitanya declarou ser o tolo número um, a fim de indicar que a era atual, Kali-yuga, é uma era de tolos e patifes, na qual não é possível obter a perfeição simplesmente lendo a filosofia vedānta e meditando. Os śāstras recomendam energicamente:

harer nāma harer nāmaharer nāmaiva kevalam
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā

“Nesta era de desavenças e hipocrisia, o único meio de liberação é o cantar dos santos nomes do Senhor. Não há outra maneira. Não há outra maneira. Não há outra maneira.” As pessoas em geral, em Kali-yuga, são tão caídas que não lhes é possível obter a perfeição simplesmente estudando o Vedānta-sūtra. Portanto, deve-se adotar seriamente o cantar constante do santo nome do Senhor.

Texto

mūrkha tumi, tomāra nāhika vedāntādhikāra
‘kṛṣṇa-mantra’ japa sadā, — ei mantra-sāra

Sinônimos

mūrkha tumi és um tolo; tomāra Teu; nāhika não há; vedānta filosofia vedānta; adhikāra qualificação para estudar; kṛṣṇa-mantra o hino de Kṛṣṇa (Hare Kṛṣṇa); japa canta; sadā sempre; ei este; mantra hino; sāra essência de todo o conhecimento védico.

Tradução

“‘Tu és um tolo’, disse ele. ‘Não és qualificado para estudar a filosofia vedānta, motivo pelo qual deves sempre cantar o santo nome de Kṛṣṇa, que é a essência de todos os mantras ou hinos védicos.’”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī Mahārāja comenta o seguinte a este respeito: “Podemos tornar-nos perfeitamente exitosos na missão de nossa vida caso atuemos exatamente segundo as palavras que ouvimos da boca de nosso mestre espiritual.” Este aceitar das palavras do mestre espiritual chama-se śrauta-vākya, indicando que o discípulo deve levar a cabo as instruções do mestre espiritual, sem desvios. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura frisa a esse respeito que o discípulo deve aceitar as palavras de seu mestre espiritual como se fossem sua vida e alma. Śrī Caitanya Mahāprabhu confirma isso aqui, dizendo que, como Seu mestre espiritual mandou-O apenas cantar o santo nome de Kṛṣṇa, Ele sempre cantava o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa segundo esta orientação (‘kṛṣṇa-mantra’ japa sadā, ei mantra-sāra).

Kṛṣṇa é a origem de tudo. Portanto, quando alguém está plenamente consciente de Kṛṣṇa, deve-se entender que sua relação com Kṛṣṇa foi plenamente confirmada. Quem carece de consciência de Kṛṣṇa só está parcialmente relacionado com Kṛṣṇa, motivo pelo qual não está em sua posição constitucional. Embora Śrī Caitanya Mahāprabhu seja a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, o mestre espiritual de todo o universo, não obstante, Ele assumiu a posição de um discípulo a fim de ensinar, pelo exemplo, como um devoto deve seguir estritamente as ordens do mestre espiritual, sempre cumprindo o dever de cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Quem se sente muito atraído pelo estudo da filosofia vedānta deve aprender uma lição com Śrī Caitanya Mahāprabhu. Na realidade, nesta era, ninguém é competente para estudar o Vedānta, em razão do que é melhor que se cante o santo nome do Senhor, que é a essência de todo o conhecimento védico, como o próprio Kṛṣṇa confirma na Bhagavad-gītā (15.15):

vedaiś ca sarvair aham eva vedyo
vedānta-kṛd veda-vid eva cāham

“Através de todos os Vedas, Eu devo ser conhecido. Na verdade, sou o compilador do Vedānta e o conhecedor dos Vedas.”

Somente os tolos abandonam o serviço ao mestre espiritual ao julgarem-se avançados em conhecimento espiritual. A fim de refrear semelhantes tolos, o próprio Caitanya Mahāprabhu mostrou o exemplo perfeito de como ser um discípulo. O mestre espiritual sabe muito bem como ocupar cada discípulo num dever específico, mas, se o discípulo, julgando-se mais avançado do que seu mestre espiritual, abandona suas ordens e age independentemente, ele estanca seu próprio progresso espiritual. Todo discípulo deve considerar-se inteiramente ignorante da ciência de Kṛṣṇa e deve estar sempre pronto a levar a cabo as ordens do mestre espiritual para tornar-se competente em consciência de Kṛṣṇa. O discípulo deve sempre sentir-se um tolo perante o mestre espiritual. Portanto, às vezes ditos espiritualistas aceitam um mestre espiritual que nem mesmo é qualificado para ser discípulo, pois desejam mantê-lo sob o controle deles. Isto é inútil para a compreensão espiritual.

Quem conhece imperfeitamente a consciência de Kṛṣṇa não pode conhecer a filosofia vedānta. Uma demonstração exibicionista de estudo do Vedānta, sem consciência de Kṛṣṇa, é um aspecto da energia externa, māyā, e, enquanto alguém se sentir atraído pelos inebriamentos desta sempre mutável energia material, manter-se-á desviado da devoção à Suprema Personalidade de Deus. O verdadeiro seguidor da filosofia vedānta é o devoto do Senhor Viṣṇu, que é o maior entre os maiores e o mantenedor de todo o universo. A menos que superemos o campo de atividades a serviço do limitado, não poderemos alcançar o ilimitado. Conhecimento do ilimitado é real brahma-jñāna, ou conhecimento do Supremo. Quem é viciado em atividades fruitivas e conhecimento especulativo não pode compreender o valor do santo nome do Senhor, Kṛṣṇa, que é sempre inteiramente puro, eternamente liberado e pleno de bem-aventurança espiritual. Aquele que se refugia no santo nome do Senhor, que é idêntico ao Senhor, não precisa estudar a filosofia vedānta, pois já realizou todo esse estudo.

Quem não é digno de cantar o santo nome de Kṛṣṇa, mas acha que o santo nome é diferente de Kṛṣṇa e assim se refugia no estudo do Vedānta a fim de compreendê-lO – alguém assim deve ser considerado o tolo número um, como confirmou Caitanya Mahāprabhu através de Seu comportamento pessoal, e os especuladores filosóficos que desejam fazer da filosofia vedānta uma carreira acadêmica, também se considera que estão dentro da energia material. Contudo, quem sempre canta o santo nome do Senhor já está além do oceano de ignorância, e assim, mesmo alguém nascido em família baixa, caso se dedique a cantar os santos nomes do Senhor, é considerado como estando além do estudo da filosofia vedānta. A esse respeito, o Śrīmad-Bhāgavatam (3.33.7) afirma:

aho bata śva-paco ’to garīyān
yaj-jihvāgre vartate nāma tubhyam
tepus tapas te juhuvuḥ sasnur āryā
brahmānūcur nāma gṛṇanti ye te

“Se uma pessoa nascida em família de comedores de cães adota o cantar do santo nome de Kṛṣṇa, deve-se compreender que, em sua vida anterior, ela deve ter executado todas as espécies de austeridades e penitências e executado todos os yajñas védicos.” Outra citação afirma:

ṛg-vedo ’tha yajur-vedaḥsāma-vedo ’py atharvaṇaḥ
adhītās tena yenoktaṁ
harir ity akṣara-dvayam

“Quem canta as duas sílabas Ha-ri já estudou os quatro Vedas Sāma, Ṛk, Yajuḥ e Atharva.”

Aproveitando-se destes versos, há certos sahajiyās que, tomando tudo de forma muito barata, consideram-se vaiṣṇavas elevados, mas não se importam sequer em tocar os Vedānta-sūtras ou a filosofia vedānta. No entanto, um verdadeiro vaiṣṇava deve estudar a filosofia vedānta, porém, se após estudar o Vedānta não adotar o cantar do santo nome do Senhor, não passa de um māyāvādī. Portanto, não se deve ser um māyāvādī, embora não se deva ignorar o tema da filosofia vedānta. Na verdade, Caitanya Mahāprabhu demonstrou Seu conhecimento do Vedānta em Seus discursos com Prakāśānanda Sarasvatī. Assim, deve-se compreender que o vaiṣṇava deve estar muito bem versado na filosofia vedānta, embora não deva achar que o estudo do Vedānta é o todo de tudo e, por isso, desapegar-se do cantar do santo nome. Um devoto deve saber da importância de simultaneamente entender a filosofia Vedānta e cantar os santos nomes. Se, ao estudar o Vedānta, alguém se torna um impersonalista, ele não foi capaz de compreender o Vedānta. Confirma-se isso na Bhagavad-gītā (15.15). Vedānta significa “o fim do conhecimento.” O fim derradeiro do conhecimento é o conhecimento de Kṛṣṇa, que é idêntico a Seu santo nome. Aos vaiṣṇavas baratos (sahajiyās) não importa o estudo da filosofia vedānta conforme a comentam os quatro ācāryas. Na gauḍīya-sampradāya, existe um comentário ao Vedānta chamado Govinda-bhāṣya, mas os sahajiyās consideram tais comentários uma especulação filosófica intocável, e consideram os ācāryas como devotos mistos. Assim, eles abrem seu caminho para o inferno.

Texto

kṛṣṇa-mantra haite habe saṁsāra-mocana
kṛṣṇa-nāma haite pābe kṛṣṇera caraṇa

Sinônimos

kṛṣṇa-mantra o cantar do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa; haite de; habe isto será; saṁsāra existência material; mocana liberação; kṛṣṇa-nāma o santo nome do Senhor Kṛṣṇa; haite de; pābe obterá; kṛṣṇera do Senhor Kṛṣṇa; caraṇa pés de lótus.

Tradução

“‘Pelo simples cantar do santo nome de Kṛṣṇa, é possível libertar-se da existência material. De fato, todo aquele que simplesmente cantar o mantra Hare Kṛṣṇa será capaz de ver os pés de lótus do Senhor.’”

Comentário

SIGNIFICADO—No Anubhāṣya, Śrī Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī diz que o verdadeiro efeito que será visível assim que alguém obtiver conhecimento transcendental é que imediatamente livrar-se-á das garras de māyā e ocupar-se-á plenamente a serviço do Senhor. Quem não servir à Suprema Personalidade de Deus, Mukunda, não poderá livrar-se das atividades fruitivas sob a influência da energia externa. Contudo, quando alguém canta o santo nome do Senhor sem ofensas, pode perceber uma posição transcendental que fica completamente à parte da concepção material de vida. Prestando serviço ao Senhor, há cinco maneiras de o devoto relacionar-se com a Suprema Personalidade de Deus – śānta, dāsya, sakhya, vātsalya e mādhurya –, e assim ele saboreia bem-aventurança transcendental em sua relação específica, que decerto transcende o corpo e a mente. Quem compreende que o santo nome do Senhor é idêntico à Pessoa Suprema torna-se totalmente apto para cantar o santo nome do Senhor. Deve-se considerar que tal cantor e dançarino extático tem uma relação direta com o Senhor.

Segundo os princípios védicos, há três fases de avanço espiritual, a saber, sambandha-jñāna, abhidheya e prayojana. Sambandha-jñāna refere-se ao fato de estabelecermos nossa relação original com a Suprema Personalidade de Deus, abhidheya refere-se ao fato de agirmos segundo essa relação constitucional, e prayojana é a meta última da vida, que consiste em desenvolver amor por Deus (premā pumartho mahān). Se alguém se mantém fiel aos princípios reguladores sob a ordem do mestre espiritual, alcança com muita facilidade a meta última de sua vida. Uma pessoa apegada a cantar o mantra Hare Kṛṣṇa obtém com muita facilidade a oportunidade de servir à Suprema Personalidade de Deus diretamente. Não é necessário que tal pessoa entenda o malabarismo gramatical de que tanto gostam os sannyāsīs māyāvādīs. Śrī Śaṅkarācārya também enfatizou esse ponto. Nahi nahi rakṣati ḍukṛṅ-karaṇe: “O mero malabarismo de sufixos e prefixos gramaticais não pode salvar-nos das garras da morte.” Os malabaristas de palavras gramaticais não podem confundir um devoto que se dedica a cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. O simples ato de invocar a energia do Senhor Supremo como Hare e o próprio Senhor como Kṛṣṇa de pronto situa o Senhor dentro do coração do devoto. Dirigindo-nos assim a Rādhā e Kṛṣṇa, ocupamo-nos diretamente a serviço de Sua Onipotência. A essência de todas as escrituras reveladas e de todo o conhecimento está presente quando alguém se dirige ao Senhor e à Sua energia através do mantra Hare Kṛṣṇa, pois essa vibração transcendental pode liberar totalmente uma alma condicionada e ocupá-la diretamente a serviço do Senhor.

Śrī Caitanya Mahāprabhu apresentou-Se como um grande tolo, mas afirmou que todas as palavras que ouvira de Seu mestre espiritual obedeciam estritamente aos princípios declarados por Vyāsadeva no Śrīmad-Bhāgavatam (1.7.6).

anarthopaśamaṁ sākṣād
bhakti-yogam adhokṣaje
lokasyājānato vidvāṁś
cakre sātvata-saṁhitām

“As misérias materiais de uma entidade viva, que são supérfluas para ela, podem mitigar diretamente o processo vinculativo do serviço devocional. Porém, a massa popular ignora isso, em virtude do que o erudito Vyāsadeva compilou esta literatura védica, que se relaciona com a Verdade Suprema.” Pode-se superar todos os equívocos e enredamentos no mundo material, praticando bhakti-yoga, e, por isso, Vyāsadeva, agindo sob a instrução de Śrī Nārada, muito bondosamente introduziu o Śrīmad-Bhāgavatam para libertar as almas condicionadas das garras de māyā. Portanto, o mestre espiritual do Senhor Caitanya ensinou-lhe que é preciso ler o Śrīmad-Bhāgavatam regular e minuciosamente de modo a apegar-se, pouco a pouco, ao cantar do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa.

O santo nome e o Senhor são idênticos. Quem é inteiramente livre das garras de māyā pode compreender esse fato. Este conhecimento, que se obtém pela misericórdia do mestre espiritual, situa-nos na plataforma transcendental suprema. Śrī Caitanya Mahāprabhu apresentou-Se como um tolo, pois, antes de aceitar o refúgio do mestre espiritual, Ele não podia entender que, simplesmente por cantar, é possível libertar-se de todas as condições materiais. Todavia, assim que Ele Se tornou um servo fiel de Seu mestre espiritual e seguiu-lhe as instruções, trilhou o caminho da liberação com muita facilidade. É preciso entender que o cantar do mantra Hare Kṛṣṇa de Śrī Caitanya Mahāprabhu é desprovido de todas as ofensas. As dez ofensas contra o santo nome são as seguintes: (1) blasfemar um devoto do Senhor, (2) considerar que o Senhor e os semideuses estão em nível de igualdade ou achar que existem muitos deuses, (3) negligenciar as ordens do mestre espiritual, (4) minimizar a autoridade das escrituras (Vedas), (5) interpretar o santo nome de Deus, (6) cometer pecados apoiando-se no canto, (7) instruir as glórias do nome do Senhor àqueles sem fé, (8) comparar o cantar do santo nome com práticas piedosas materiais, (9) estar desatento ao cantar o santo nome e (10) ser apegado a coisas materiais apesar de cantar o santo nome.

Texto

nāma vinu kali-kāle nāhi āra dharma
sarva-mantra-sāra nāma, ei śāstra-marma

Sinônimos

nāma o santo nome; vinu — sem; kali-kāle — nesta era de Kali; nāhi — não há nenhuma; āra ou qualquer alternativa; dharma — princípio religioso; sarva todos; mantra hinos; sāra essência; nāma o santo nome; ei este é; śāstra escrituras reveladas; marma significado.

Tradução

“‘Nesta era de Kali, não há outro princípio religioso a não ser o cantar do santo nome, que é a essência de todos os hinos védicos. Esse é o significado de todas as escrituras.’”

Comentário

SIGNIFICADO—Os princípios do sistema paramparā eram rigorosamente honrados nas eras de Satya, Tretā e Dvāpara, porém, na era atual, Kali-yuga, as pessoas menosprezam a importância desse sistema de śrauta-paramparā, ou seja, aquisição de conhecimento através da sucessão discipular. Nesta era, as pessoas estão prontas a argumentar que podem compreender aquilo que está além de seu conhecimento e percepção limitados por meio de ditas observações e experimentos científicos, ignorando que a verdade real desce até o homem, oriunda das autoridades. Essa atitude argumentativa é contrária aos princípios védicos e, para quem a adota, é muito difícil compreender que o santo nome de Kṛṣṇa é idêntico ao próprio Kṛṣṇa. Uma vez que Kṛṣṇa e Seu santo nome são idênticos, o santo nome é eternamente puro e está além da contaminação material. É a Suprema Personalidade de Deus como vibração transcendental. O santo nome é inteiramente diferente do som material, como confirma Narottama Dāsa Ṭhākura. Golokera prema-dhana, hari-nāma-saṅkīrtana: a vibração transcendental de hari-nāma-saṅkīrtana é importada do mundo espiritual. Assim, embora os materialistas adeptos do conhecimento experimental e do dito “método científico” não possam depositar sua fé no cantar do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, é verdade que, simplesmente cantando o mantra Hare Kṛṣṇa sem cometer ofensas, é possível libertar-se de todas as condições materiais sutis e grosseiras. O mundo espiritual chama-se Vaikuṇṭha, que significa “sem ansiedade”. No mundo material, tudo é cheio de ansiedade (kuṇṭha), ao passo que, no mundo espiritual (Vaikuṇṭha), tudo é livre de ansiedade. Portanto, aqueles que são atormentados por uma combinação de ansiedades não podem compreender o mantra Hare Kṛṣṇa, que é livre de toda ansiedade. Na era atual, a vibração do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa é o único processo que está em posição transcendental à contaminação material. Uma vez que o santo nome pode salvar a alma condicionada, explica-se aqui que ele é sarva-mantra-sāra, a essência de todos os hinos védicos.

Um nome que representa um objeto deste mundo material pode estar sujeito a argumentos e ao conhecimento experimental, mas, no mundo absoluto, o nome e o denominado, a fama e o famoso são idênticos, e, de modo semelhante, as qualidades, passatempos e tudo o mais relativo ao Absoluto também é absoluto. Embora os māyāvādīs professem o monismo, eles veem diferença entre o santo nome do Senhor Supremo e o próprio Senhor. Devido a essa ofensa de nāmāparādha, eles gradualmente deslizam de sua elevada posição de brahma-jñāna, como se confirma no Śrīmad-Bhāgavatam (10.2.32):

āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ
patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ

Embora se elevem à posição elevada de brahma-jñāna mediante rigorosas austeridades, caem devido a seu conhecimento imperfeito da Verdade Absoluta. Embora professem entender o mantra védico sarvaṁ khalv idaṁ brahma (“tudo é brahman”), são incapazes de compreender que o santo nome também é brahman. Contudo, se cantarem regularmente o mahā-mantra, poderão livrar-se dessa concepção falsa. A menos que nos refugiemos adequadamente no santo nome, não poderemos livrar-nos da fase ofensiva ao cantar o santo nome.

Texto

eta bali’ eka śloka śikhāila more
kaṇṭhe kari’ ei śloka kariha vicāre

Sinônimos

eta bali’ dizendo isto; eka śloka um verso; śikhāila ensinou; more — a Mim; kaṇṭhe na garganta; kari mantendo; ei este; śloka verso; kariha deves fazer; vicāre em consideração.

Tradução

“Após descrever a potência do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, Meu mestre espiritual ensinou-Me outro verso, aconselhando-Me a sempre manter o santo nome dentro de Minha garganta.”

Texto

harer nāma harer nāma
harer nāmaiva kevalam
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā

Sinônimos

hareḥ nāma o santo nome do Senhor; hareḥ nāma o santo nome do Senhor; hareḥ nāma o santo nome do Senhor; eva decerto; kevalam único; kalau nesta era de Kali; na asti não há nenhum; eva decerto; na asti não há nenhum; eva decerto; na asti não há nenhum; eva decerto; gatiḥ progresso; anyathā outrossim.

Tradução

“‘Nesta era de Kali, não há alternativa, não há alternativa, não há alternativa para o progresso espiritual a não ser o santo nome, o santo nome, o santo nome do Senhor.’”

Comentário

Para o avanço na vida espiritual, os śāstras recomendam meditação em Satya-yuga, sacrifício para a satisfação do Senhor Viṣṇu em Tretā-yuga e adoração pomposa ao Senhor no templo em Dvāpara-yuga, mas, na era de Kali, só é possível avançar espiritualmente cantando o santo nome do Senhor. Confirma-se isso em diversas escrituras. No Śrīmad-Bhāgavatarn, há muitas referências a esse fato. No décimo segundo canto, se diz:

kaler doṣa-nidhe rājannasti hy eko mahān guṇaḥ
kīrtanād eva kṛṣṇasya
mukta-saṅgaḥ paraṁ vrajet

Na era de Kali, há muitos defeitos, pois as pessoas estão sujeitas a muitas condições miseráveis, mas, nesta era, há uma grande bênção – simplesmente cantando o mantra Hare Kṛṣṇa, podemos livrar-nos de toda a contaminação material e, assim, elevar-nos ao mundo espiritual. O Nārada-pañcarātra também louva o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa da seguinte maneira:

trayo vedāḥ ṣaḍ-aṅgāni
chandāṁsi vividhāḥ surāḥ
sarvam aṣṭākṣarāntaḥ-sthaṁ
yac cānyad api vāṅ-mayam
sarva-vedānta-sārārthaḥ
saṁsārārṇava-tāraṇaḥ

“A essência de todo o conhecimento védico – compreendendo as três espécies de atividades védicas [karma-kāṇḍa, jñāna-kāṇḍa e upāsanā-kāṇḍa], os chandas, ou hinos védicos, e os processos para satisfazer os semideuses – está incluída nas oito sílabas Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa. Essa é a realidade de todo o Vedānta. O cantar do santo nome é o único meio para atravessar o oceano da ignorância.” De forma semelhante, o Kali-santaraṇa Upaniṣad afirma: “Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare – esses dezesseis nomes compostos de trinta e duas sílabas são o único meio de neutralizar os efeitos malignos de Kali-yuga. Em todos os Vedas, afirma-se que, para atravessar o oceano da ignorância, não há outra alternativa além de cantar o santo nome.” De forma semelhante, Śrī Madhvācārya, ao comentar sobre o Muṇḍaka Upaniṣad, diz:

dvāparīyair janair viṣṇuḥ
pañcarātrais tu kevalaiḥ
kalau tu nāma-mātreṇa
pūjyate bhagavān hariḥ

“Em Dvāpara-yuga, só era possível satisfazer Kṛṣṇa, ou Viṣṇu, adorando-O pomposamente segundo o sistema pañcarātrikī, mas, na era de Kali, pode-se satisfazer e adorar a Suprema Personalidade de Deus, Hari, simplesmente cantando o santo nome.” Em seu Bhakti-sandarbha (verso 284), Śrīla Jīva Gosvāmī enfatiza fortemente o cantar do santo nome do Senhor da seguinte maneira:

nanu bhagavan-nāmātmakā eva mantrāḥ, tatra viśeṣeṇa namaḥ-śabdādy-alaṅkṛtāḥ śrī-bhagavatā śrīmad-ṛṣibhiś cāhita-śakti-viśeṣāḥ, śrī-bhagavatā samam ātma-sambandha-viśeṣa-pratipādakāś ca tatra kevalāni śrī-bhagavan-nāmāny api nirapekṣāṇy eva parama-puruṣārtha-phala-paryanta-dāna-samarthāni tato mantreṣu nāmato ’py adhika-sāmarthye labdhe kathaṁ dīkṣādy-apekṣā. ucyate — yady api svarūpato nāsti, tathāpi prāyaḥ svabhāvato dehādi-sambandhena kadarya-śīlānāṁ vikṣipta-cittānāṁ janānāṁ tat-saṅkocī-karaṇāya śrīmad-ṛṣi-prabhṛtibhir atrārcana-mārge kvacit kvacit kācit kācin maryādā sthāpitāsti.

Śrīla Jīva Gosvāmī afirma que a essência de todos os mantras védicos é o cantar do santo nome do Senhor. Todo mantra começa com o prefixo nama oṁ e, por fim, dirige-se ao nome da Suprema Personalidade de Deus. Pela vontade suprema do Senhor, há uma potência específica em todo e cada um dos mantras cantados por grandes sábios como Nārada Muni e outros ṛṣis. O ato de cantar o santo nome do Senhor renova imediatamente a relação transcendental do ser vivo com o Senhor Supremo.

Para cantar o santo nome do Senhor, não é necessário depender de qualquer outra parafernália, pois pode-se obter imediatamente todos os resultados desejados de vincular-se ou ligar-se à Suprema Personalidade de Deus. Portanto, alguém poderá perguntar por que há necessidade de iniciação ou atividades espirituais adicionais em serviço devocional para quem se dedica a cantar o santo nome do Senhor. A resposta é que, embora seja correto que quem se dedica plenamente a cantar o santo nome não precisa depender do processo de iniciação, de um modo geral um devoto é inclinado a muitos hábitos materiais abomináveis devido à contaminação material de sua vida anterior. A fim de aliviar-se rapidamente de todas essas contaminações, é necessário ocupar-se na adoração ao Senhor no templo. A adoração à Deidade no templo é essencial para reduzirmos nossa inquietude devido às contaminações da vida condicionada. Assim, Nārada, em seu Pañcarātrikī-vidhi, e outros grandes sábios, às vezes enfatizam que, como toda alma condicionada tem um conceito corpóreo de vida voltado para o gozo sensorial, para restringir esse gozo sensorial, são essenciais as regras e regulações para adoração à Deidade no templo. Śrīla Rūpa Gosvāmī descreveu que as almas liberadas podem cantar o santo nome do Senhor, mas quase todas as almas que temos que iniciar são condicionadas. Aconselha-se que todos cantem o santo nome do Senhor sem cometer ofensas e segundo os princípios reguladores, mas, devido a seus maus hábitos passados, eles violam essas regras e regulações. Assim, os princípios reguladores para a adoração à Deidade também são simultaneamente essenciais.

Texto

ei ājñā pāñā nāma la-i anukṣaṇa
nāma laite laite mora bhrānta haila mana

Sinônimos

ei esta; ājñā — ordem; pāñā recebendo; nāma o santo nome; la-i canto; anukṣaṇa sempre; nāma o santo nome; laite aceitando; laite aceitando; mora Minha; bhrānta confusão; haila ocorrendo; mana na mente.

Tradução

“Já que recebi esta ordem de Meu mestre espiritual, sempre canto o santo nome, mas acho que, de tanto cantar o santo nome, fiquei confuso.”

Texto

dhairya dharite nāri, hailāma unmatta
hāsi, kāndi, nāci, gāi, yaiche madamatta

Sinônimos

dhairya — paciência; dharite — cativando; nāri incapaz de aceitar; hailāma fico; unmatta louco por isso; hāsi dou gargalhada; kāndi choro; nāci danço; gāi canto; yaiche tanto quanto; madamatta louco.

Tradução

“Enquanto canto o santo nome do Senhor em puro êxtase, Eu Me perco, e assim dou gargalhada, choro, danço e canto, tal qual um louco.”

Texto

tabe dhairya dhari’ mane kariluṅ vicāra
kṛṣṇa-nāme jñānācchanna ha-ila āmāra

Sinônimos

tabe depois disso; dhairya — paciência; dhari’ — aceitando; mane na mente; kariluṅ fiz; vicāra consideração; kṛṣṇa-name no santo nome de Kṛṣṇa; jñānācchana cobertura de Meu conhecimento; ha-ila tem ficado; āmāra de Mim.

Tradução

“Portanto, ao recobrar Minha paciência, passei a achar que o cantar do santo nome de Kṛṣṇa encobrira todo o Meu conhecimento espiritual.”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Caitanya Mahāprabhu dá a entender neste verso que, para cantar o santo nome de Kṛṣṇa, não é necessário especular sobre os aspectos filosóficos da ciência de Deus, pois ficamos imediatamente extáticos e, sem tecer nenhuma consideração, imediatamente cantamos, dançamos, rimos e choramos como loucos.

Texto

pāgala ha-ilāṅ āmi, dhairya nāhi mane
eta cinti’ nivediluṅ gurura caraṇe

Sinônimos

pāgala louco; ha-ilāṅ fiquei; āmi Eu; dhairya — paciência; nāhi não; mane na mente; eta assim; cinti’ considerando; nivediluṅ submeti; gurura do mestre espiritual; caraṇe a seus pés de lótus.

Tradução

“Vi que havia enlouquecido por cantar o santo nome, e logo submeti isso aos pés de lótus de Meu mestre espiritual.”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Caitanya Mahāprabhu, como um mestre ideal, mostra-nos como o discípulo deve relacionar-se com seu mestre espiritual. Sempre que houver dúvidas a respeito de algum ponto, ele deverá levar o assunto a seu mestre espiritual para esclarecimento. Śrī Caitanya Mahāprabhu disse que, cantando e dançando, Ele desenvolvera uma espécie de êxtase louco que só é possível para uma alma liberada. Não obstante, mesmo em Sua posição liberada, Ele relatava tudo a Seu mestre espiritual sempre que havia dúvidas. Assim, em qualquer posição, mesmo quando liberados, não devemos jamais julgar-nos independentes do mestre espiritual, senão que devemos recorrer a ele sempre que houver alguma dúvida a respeito de nossa vida espiritual progressiva.

Texto

kibā mantra dilā, gosāñi, kibā tāra bala
japite japite mantra karila pāgala

Sinônimos

kibā que espécie de; mantra hino; dilā destes; gosāñi Meu senhor; kibā qual é; tāra sua; bala força; japite cantando; japite cantando; mantra o hino; karila Me fez; pāgala — louco.

Tradução

“‘Meu querido senhor, que espécie de mantra é este que Me destes? Tenho enlouquecido simplesmente por cantar este mahā-mantra!’”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Caitanya Mahāprabhu ora em seu Śikṣāṣṭaka:

yugāyitaṁ nimeṣeṇa
cakṣuṣā prāvṛṣāyitam
śūnyāyitaṁ jagat sarvaṁ
govinda viraheṇa me

“Ó Govinda! Sentindo saudade de Ti, um instante Me parece durar doze anos ou mais. Lágrimas fluem de Meus olhos como torrentes de chuva, e, em Tua ausência, sinto o mundo inteiro vazio.” O devoto deseja que, enquanto cante o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, seus olhos se encham de lágrimas, sua voz se abafe e seu coração palpite. Esses são bons sinais ao se cantar o santo nome do Senhor. Em êxtase, deve-se sentir que o mundo inteiro está vazio, sem a presença de Govinda. Esse é um sinal de saudade de Govinda. Na vida material, estamos todos separados de Govinda e absortos em gozo material dos sentidos. Portanto, quando voltamos à razão na plataforma espiritual, ficamos tão ansiosos de encontrar Govinda que, sem Govinda, o mundo inteiro fica desértico.

Texto

hāsāya, nācāya, more karāya krandana
eta śuni’ guru hāsi balilā vacana

Sinônimos

hāsāya faz-me rir; nācāya faz-me dançar; more a Mim; karāya faz com que; krandana chorando; eta assim; śuni’ ouvindo; guru Meu mestre espiritual; hāsi sorrindo; balilā disse; vacana palavras.

Tradução

“‘O cantar do santo nome em êxtase faz com que dancemos, gargalhemos e choremos.’ Ao ouvir tudo isso, Meu mestre espiritual sorriu e, então, pôs-se a falar.”

Comentário

SIGNIFICADO—Quando um discípulo avança muito perfeitamente na vida espiritual, isso alegra o mestre espiritual, que, então, também sorri em êxtase, pensando: “Quão exitoso se tornou meu discípulo!” Ele se sente tão alegre que sorri enquanto desfruta do progresso do discípulo, assim como um pai sorridente se diverte com as atividades do filho que está tentando ficar de pé ou engatinhar.

Texto

kṛṣṇa-nāma-mahā-mantrera ei ta’ svabhāva
yei jape, tāra kṛṣṇe upajaye bhāva

Sinônimos

kṛṣṇa-nāma o santo nome de Kṛṣṇa; mahā-mantrera do hino supremo; ei la’ — esta é sua; svabhāva natureza; yei qualquer pessoa; jape canta; tāra seu; kṛṣṇe por Kṛṣṇa; upajaye desenvolve; bhāva êxtase.

Tradução

“‘A natureza do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa é tal que quem o canta imediatamente desenvolve seu êxtase amoroso por Kṛṣṇa.’”

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (10.8), se diz:

ahaṁ sarvasya prabhavo
mattaḥ sarvaṁ pravartate
iti matvā bhajante māṁ
budhā bhāva-samanvitāḥ

“Eu sou a fonte de todos os mundos espirituais e materiais. Tudo emana de Mim. Os sábios que sabem disso perfeitamente, dedicam-se a Meu serviço devocional e adoram-Me de todo o coração.” Neste verso, explica-se que quem canta o mantra Hare Kṛṣṇa desenvolve bhāva, êxtase, que é o ponto em que começa a revelação. Essa é a fase preliminar no desenvolvimento de nosso amor original por Deus. Um discípulo neófito começa ouvindo e cantando, associando-se com os devotos e praticando os princípios reguladores, e, assim, elimina todos os seus maus hábitos indesejáveis. Dessa maneira, desenvolve apego a Kṛṣṇa e não pode esquecer-se de Kṛṣṇa nem mesmo por um momento. Bhāva é quase a fase exitosa de vida espiritual.

Um estudante sincero recebe auditivamente o santo nome do mestre espiritual e, após ser iniciado, segue os princípios reguladores dados pelo mestre espiritual. Quando o santo nome é adequadamente servido dessa maneira, a natureza espiritual do santo nome se espalha de forma automática; em outras palavras, o devoto torna-se qualificado em cantar o santo nome sem cometer ofensas. Quem está inteiramente apto a cantar o santo nome dessa maneira, é apto para fazer discípulos em todo o mundo, e torna-se realmente jagad-guru. Então, o mundo inteiro começa a cantar os santos nomes do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa sob sua influência. Assim, todos os discípulos de semelhante mestre espiritual aumentam seu apego a Kṛṣṇa, em decorrência do que, às vezes ele chora, às vezes ri, às vezes dança e às vezes canta. Esses sintomas manifestam-se proeminentemente no corpo de um devoto puro. Às vezes, quando nossos estudantes do movimento para a consciência de Kṛṣṇa cantam e dançam, mesmo na Índia as pessoas se espantam de ver como esses estrangeiros aprenderam a cantar e dançar de maneira tão extática. No entanto, como explicou Caitanya Mahāprabhu, na verdade isso não se deve à prática, pois, sem esforços extraordinários, esses sintomas manifestam-se em qualquer pessoa que cante o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa sinceramente.

Muitos tolos, desconhecendo a natureza transcendental do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, às vezes impedem-nos de cantar alto este mantra, mas quem é realmente avançado em cantar satisfatoriamente o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa induz a que outros cantem também. Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī explica que kṛṣṇa-śakti vinā nahe tāra pravartana: a não ser que alguém receba procuração especial da Suprema Personalidade de Deus, não pode pregar as glórias do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Enquanto os devotos propagam o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, a população em geral do mundo inteiro tem oportunidade de entender as glórias do santo nome. Quem canta e dança ou ouve o santo nome do Senhor lembra-se automaticamente da Suprema Personalidade de Deus, e, por não haver diferença entre o santo nome e Kṛṣṇa, quem o canta vincula-se imediatamente a Kṛṣṇa. Assim vinculado, o devoto desenvolve sua atitude original de serviço ao Senhor. Com essa atitude de servir constantemente a Kṛṣṇa, chamada bhāva, sempre se pensa em Kṛṣṇa de muitas maneiras diferentes. Alguém que tenha alcançado essa fase de bhāva não está mais sob as garras da energia ilusória. Quando outros ingredientes espirituais, tais como tremor, transpiração, lágrimas, etc., são acrescentados a essa fase de bhāva, o devoto gradualmente atinge amor por Kṛṣṇa.

O santo nome de Kṛṣṇa chama-se mahā-mantra. Outros mantras mencionados no Nārada-pañcarātra são conhecidos simplesmente como mantras, mas o cantar do santo nome do Senhor chama-se mahā-mantra.

Texto

kṛṣṇa-viṣayaka premā — parama puruṣārtha
yāra āge tṛṇa-tulya cāri puruṣārtha

Sinônimos

kṛṣṇa-viṣayaka no tema de Kṛṣṇa; premā amor; parama — a máxima; puruṣārtha alcance da meta da vida; yāra cuja; āge perante; tṛṇa-tulya como a palha na rua; cari quatro; puruṣa-hīna obtenções.

Tradução

“‘Religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e liberação são conhecidos como as quatro metas da vida, mas, perante o amor a Deus, a quinta e máxima meta, eles parecem insignificantes como uma palha na rua.’”

Comentário

SIGNIFICADO—Ao cantarmos o santo nome do Senhor, não devemos desejar os avanços materiais representados por desenvolvimento econômico, religiosidade, gozo dos sentidos e, finalmente, liberação do mundo material. Como afirma Caitanya Mahāprabhu, a perfeição máxima da vida é desenvolver amor por Kṛṣṇa (premā pumartho mahān śrī-caitanya-mahāprabhor matam idam). Ao compararmos o amor a Deus com religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e liberação, podemos entender que esses sucessos podem ser objetivos desejáveis para bubhukṣus, ou seja, aqueles que desejam desfrutar deste mundo material, e mumukṣus, ou seja, aqueles que desejam libertar-se dele. Porém, são metas muito insignificantes aos olhos de um devoto puro que tenha desenvolvido bhāva, a fase preliminar de amor por Deus.

Dharma (religiosidade), artha (desenvolvimento econômico), kāma (gozo dos sentidos) e mokṣa (liberação) são os quatro princípios de religião pertinentes ao mundo material. Portanto, no começo do Śrīmad-Bhāgavatam, declara-se que dharmaḥ projjhita-kaitavo ’tra: os sistemas religiosos enganosos em termos desses quatro princípios materiais são inteiramente rejeitados no Śrīmad-Bhāgavatam, pois o Śrīmad-Bhāgavatam só ensina como desenvolvermos nosso amor por Deus que está agora adormecido. A Bhagavad-gītā é o estudo preliminar do Śrīmad-Bhāgavatam, razão pela qual termina com as palavras sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja: “Abandona todas as variedades de religião e simplesmente rende-te a Mim.” (Bhagavad-gītā 18.66) Para adotar esse método, devemos rejeitar todas as ideias de religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e liberação e ocuparmo-nos plenamente a serviço do Senhor, que é transcendental a esses quatro princípios. O amor a Deus é a função original da alma espiritual, sendo tão eterno quanto a alma e a Suprema Personalidade de Deus. Essa eternidade chama-se sanātana. Quando alguém revive seu serviço amoroso à Suprema Personalidade de Deus, deve-se compreender que ele obteve sucesso em atingir a meta desejada de sua vida. Nessa altura, tudo é feito automaticamente pela misericórdia do santo nome, e o devoto naturalmente avança em seu progresso espiritual.

Texto

pañcama puruṣārtha — premānandāmṛta-sindhu
mokṣādi ānanda yāra nahe eka bindu

Sinônimos

pañcama — quinta; puruṣa-artha meta da vida; prema-ānanda a bem-aventurança espiritual do amor a Deus; amṛta eterna; sindhu oceano; mokṣa-ādi liberação e outros princípios de religiosidade; ānanda prazeres obtidos deles; yāra cujos; nahe jamais comparáveis; eka uma; bindu gota.

Tradução

“‘Para um devoto que tenha realmente desenvolvido bhāva, o prazer obtido de dharma, artha, kāma e mokṣa parece uma gota na presença do mar.’”

Texto

kṛṣṇa-nāmera phala — ‘premā’, sarva-śāstre kaya
bhāgye sei premā tomāya karila udaya

Sinônimos

kṛṣṇa-nāmera do santo nome do Senhor; phala resultado; premā amor a Deus; sarva em todas; śāstre escrituras reveladas; kaya descrevem; bhāgye felizmente; sei esse; premā amor a Deus; tomāya Teu; karila tem feito; udaya surgido.

Tradução

“‘A conclusão de todas as escrituras reveladas é que devemos despertar nosso amor adormecido por Deus. És muito afortunado por já teres feito isso.’”

Texto

premāra svabhāve kare citta-tanu kṣobha
kṛṣṇera caraṇa-prāptye upajāya lobha

Sinônimos

premāra por amor a Deus; sva-bhāve por natureza; kare induz; citta a consciência; tanu — o corpo; kṣobha agitado; kṛṣṇera do Senhor Kṛṣṇa; caraṇa pés de lótus; prāptye tendo obtido; upajāya assim se torna; lobha aspiração.

Tradução

“‘A característica do amor a Deus é que, por natureza, ele induz sintomas transcendentais em nosso corpo e faz-nos mais e mais cobiçosos de ter abrigo aos pés de lótus do Senhor.’”

Texto

premāra svabhāve bhakta hāse, kānde, gāya
unmatta ha-iyā nāce, iti-uti dhāya

Sinônimos

premāra devido a esse amor por Deus; sva-bhāve por natureza; bhakta — o devoto; hāse ri; kānde chora; gāya canta; unmatta louco; ha-iyā ficando; nāce dança; iti aqui; uti ali; dhāya move-se.

Tradução

“‘O devoto que de fato desenvolve amor por Deus naturalmente às vezes chora, às vezes ri, outras vezes canta e outras corre de um lado para outro, tal qual um louco.’”

Comentário

SIGNIFICADO—A esse respeito, Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī diz que, às vezes, as pessoas não sentem absolutamente nenhum amor por Deus, mas manifestam sintomas corpóreos de êxtase. Ora riem artificialmente, ora choram e dançam tal qual loucos, mas isso não pode ajudar ninguém a avançar em consciência de Kṛṣṇa. Ao invés disso, deve-se abandonar tal agitação artificial do corpo ao desenvolver-se naturalmente os sintomas corpóreos necessários. Verdadeira vida bem-aventurada, manifesta em risos, choros e danças espirituais genuínas, é o sintoma de verdadeiro avanço em consciência de Kṛṣṇa, possível de alcançar para uma pessoa sempre ocupada voluntariamente no transcendental serviço amoroso ao Senhor. Se alguém que ainda não é evoluído imita tais sintomas artificialmente, cria caos na vida espiritual da sociedade humana.

Texto

sveda, kampa, romāñcāśru, gadgada, vaivarṇya
unmāda, viṣāda, dhairya, garva, harṣa, dainya
eta bhāve premā bhaktagaṇere nācāya
kṛṣṇera ānandāmṛta-sāgare bhāsāya

Sinônimos

sveda transpiração; kampa — tremor; romāñca arrepio dos pelos do corpo; aśru lágrimas; gadgada — balbucios; vaivarṇya — alteração da cor do corpo; unmāda — loucura; viṣāda melancolia; dhairya — paciência; garva orgulho; harṣa alegria; dainya — humildade; eta de muitas maneiras; bhāve em êxtase; prema amor a Deus; bhakta-gaṇere aos devotos; nācāya faz dançar; kṛṣṇera do Senhor Kṛṣṇa; ānanda bem-aventurança transcendental; amṛta néctar; sāgare no oceano; bhāsāya flutua.

Tradução

“‘Transpiração, tremor, arrepio dos pelos do corpo, lágrimas, balbucios, esmorecimento, loucura, melancolia, paciência, orgulho, alegria e humildade – tais são os diversos sintomas naturais de amor extático por Deus, o qual faz com que o devoto dance e flutue num oceano de bem-aventurança transcendental enquanto canta o mantra Hare Kṛṣṇa.’”

Comentário

SIGNIFICADO—Em seu Prīti-sandarbha (66), Śrīla Jīva Gosvāmī explica essa fase de amor a Deus: bhagavat-prīti-rūpā vṛttir māyādi-mayī na bhavati. kiṁ tarhi, svarūpa-śakty-ānanda-rūpā, yad-ānanda-parādhīnaḥ śrī-bhagavān apīti. De forma semelhante, no texto 69, ele continua a explicar o assunto: tad evaṁ prīter lakṣaṇaṁ citta-dravas tasya ca roma-harṣādikam. kathañcij jāte ’pi citta-drave roma-harṣādike vā na ced āśaya-śuddhis tadāpi na bhakteḥ samyag-āvirbhāva iti jñāpitam. āśaya-śuddhir nāma cānya-tātparya-parityāgaḥ prīti-tātparyaṁ ca. ata evānimittā svābhāvikī ceti tad viśeṣaṇam. O transcendental amor a Deus não está sob a jurisdição da energia material, pois é a bem-aventurança transcendental e a potência de prazer da Suprema Personalidade de Deus. Uma vez que o Senhor Supremo também está sob a influência da bem-aventurança transcendental, ao entrarmos em contato com tal bem-aventurança de amor a Deus, nosso coração se derrete, e os sintomas disso são arrepio etc. Às vezes, uma pessoa assim se derrete e manifesta esses sintomas transcendentais, porém, ao mesmo tempo, não tem bom comportamento em seus tratos pessoais. Isso indica que ela ainda não atingiu a perfeição plena na vida devocional. Em outras palavras, o devoto que dança em êxtase, mas, após dançar e chorar, parece sentir-se atraído por afazeres materiais, ainda não atingiu a perfeição do serviço devocional, chamada āśaya-śuddhi, ou seja, a perfeição da existência. Quem alcança a perfeição da existência tem total aversão ao gozo material e se absorve em transcendental amor a Deus. Portanto, deve-se concluir que os sintomas extáticos de āśaya-śuddhi são visíveis quando o serviço de um devoto não tem causa material e é de natureza puramente espiritual. São essas as características do transcendental amor a Deus, como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.6):

sa vai puṁsāṁ paro dharmoyato bhaktir adhokṣaje
ahaituky apratihatā
yayātmā suprasīdati

“A melhor religião é aquela que faz com que seus seguidores fiquem extáticos em amor por Deus, e isso tem que ser imotivado e livre de impedimentos materiais, pois somente assim pode-se satisfazer plenamente o eu.”

Texto

bhāla haila, pāile tumi parama-puruṣārtha
tomāra premete āmi hailāṅ kṛtārtha

Sinônimos

bhāla haila tudo de bom; pāile obtiveste; tumi Tu; parama-puruṣārtha a sobre-excelente meta da vida; tomāra Teu; premete — pelo desenvolvimento de amor a Deus; āmi eu; hailāṅ fico; kṛta-artha muito agradecido.

Tradução

“‘É muito bom, meu querido filho, que tenhas alcançado a meta suprema da vida, desenvolvendo amor por Deus. Assim, satisfizeste-me muitíssimo, e fico-Te muito agradecido.’”

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo as escrituras reveladas, se um mestre espiritual puder converter mesmo uma só alma em devoto perfeitamente puro, terá cumprido sua missão na vida. Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura costumava dizer: “Mesmo às custas de todas as propriedades, templos e maṭhas que tenho, se eu pudesse converter ao menos uma pessoa em devoto puro, cumpriria minha missão.” No entanto, é muito difícil entender a ciência de Kṛṣṇa, isso para não falar de desenvolver amor por Deus. Portanto, se, pela graça do Senhor Caitanya e do mestre espiritual, um discípulo alcança o nível de serviço devocional puro, o mestre espiritual fica muito feliz. O mestre espiritual não fica realmente feliz se o discípulo lhe traz dinheiro, mas, ao ver que o discípulo está seguindo os princípios reguladores e avançando na vida espiritual, ele fica muito contente e sente-se agradecido por ter um discípulo avançado.

Texto

nāca, gāo, bhakta-saṅge kara saṅkīrtana
kṛṣṇa-nāma upadeśi’ tāra’ sarva-jana

Sinônimos

nāca continua dançando; gāo canta; bhakta-saṅge na sociedade dos devotos; kara continua; saṅkīrtana cantar do santo nome em assembleia; kṛṣṇa-nāma o santo nome de Kṛṣṇa; upadeśi’ — ensinando; tāra’ salva; sarva-jana todas as almas caídas.

Tradução

“‘Meu querido filho, continua dançando, cantando e executando saṅkīrtana na companhia dos devotos. Além disso, sai e prega o valor de cantar kṛṣṇa-nāma, pois, através desse processo, serás capaz de salvar todas as almas caídas.’”

Comentário

SIGNIFICADO—Outra ambição do mestre espiritual é ver seus discípulos, não somente cantando, dançando e seguindo os princípios reguladores, mas também pregando o movimento de saṅkīrtana aos outros a fim de salvá-los, pois o movimento para a consciência de Kṛṣṇa baseia-se no princípio de que, pessoalmente, devemos aperfeiçoar-nos tanto quanto possível em serviço devocional e, além disso, pregar o culto para o benefício de outros. Há duas classes de devotos imaculados, a saber, os goṣṭhy-ānandīs e os bhajanānandīs. Bhajanīnandī refere-se àquele que se contenta em cultivar serviço devocional para si mesmo, e goṣṭhy-ānandī é aquele que não se contenta simplesmente em tornar-se perfeito, mas deseja ver que outros também tirem proveito do santo nome do Senhor e avancem na vida espiritual. Exemplo marcante disso é Prahlāda Mahārāja. Quando o Senhor Nṛsiṁhadeva lhe ofereceu uma bênção, Prahlāda Mahārāja disse:

naivodvije para duratyaya-vaitaraṇyās
tvad-vīrya-gāyana-mahāmṛta-magna-cittaḥ
śoce tato vimukha-cetasa indriyārtha-
māyā-sukhāya bharam udvahato vimūḍhān

“Meu querido Senhor, não tenho problemas nem desejo bênçãos de Vós, pois estou muito satisfeito em cantar Vosso santo nome. Isso é suficiente para mim porque, sempre que canto, imediatamente mergulho num oceano de bem-aventurança transcendental. Só lamento de ver outros desprovidos de Vosso amor. Eles estão apodrecendo em atividades materiais em troca de prazer material transitório e arruinando suas vidas a labutar dia e noite simplesmente para o gozo dos sentidos, sem qualquer apego ao amor por Deus. Fico simplesmente a lamentar-me por eles e idealizo diversos planos para libertá-los das garras de māya.” (Śrīmad-Bhāgavatam 7.9.43)

Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura explica em seu Anubhāṣya: “Uma pessoa que tenha atraído a atenção do mestre espiritual mediante seu serviço sincero gosta de cantar e dançar com devotos conscientes de Kṛṣṇa igualmente evoluídos. O mestre espiritual autoriza semelhante devoto a salvar as almas caídas em todas as partes do mundo. Aqueles que não são avançados preferem cantar o mantra Hare Kṛṣṇa em um local solitário.” Tais atividades constituem, na linguagem de Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura, uma espécie de processo enganador no sentido de que eles imitam as atividades de personalidades elevadas como Haridāsa Ṭhākura. Não se deve tentar imitar esses devotos elevados. Pelo contrário, todos devem esforçar-se para pregar o culto de Śrī Caitanya Mahāprabhu em todas as partes do mundo e, assim, obter êxito na vida espiritual. Quem não é muito perito em pregar pode cantar em um local isolado, evitando más companhias, mas, para quem é realmente avançado, pregar e encontrar-se com pessoas que não estão ocupadas em serviço devocional não são desvantagens. O devoto dá sua associação aos não-devotos, mas não se deixa afetar pelo mau comportamento deles. Assim, pelas atividades de um devoto puro, mesmo aqueles que são destituídos de amor por Deus têm a oportunidade de tornar-se devotos do Senhor algum dia. A esse respeito, Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura aconselha que se estude o seguinte verso do Śrīmad-Bhāgavatam (10.33.31): samācarej jātu manasāpi hy anīśvaraḥ, e o seguinte verso do Bhakti-rasāmṛta-sindhu (1.2.255):

anāsaktasya viṣayān
yathārham upayuñjataḥ
nirbandhaḥ kṛṣṇa-sambandhe
yuktaṁ vairāgyam ucyate

Não devemos imitar as atividades de grandes personalidades. Devemos desapegar-nos do gozo material e aceitar tudo que tenha relação com o serviço a Kṛṣṇa.

Texto

eta bali’ eka śloka śikhāila more
bhāgavatera sāra ei — bale vāre vāre

Sinônimos

eta bali’ dizendo isso; eka um; śloka verso; śikhāila ensinou; more a Mim; bhāgavatera do Śrīmad-Bhāgavatam; sāra essência; ei esta é; bale — ele disse; vāre vāre repetidamente.

Tradução

“Dizendo isto, Meu mestre espiritual ensinou-Me um verso do Śrīmad-Bhāgavatam, que é a essência de todas as instruções do Bhāgavatam; portanto, ele recitou esse verso repetidamente.”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Nārada Muni falou este verso do Śrīmad-Bhāgavatam (11.2.40) a Vasudeva para ensinar-lhe Bhāgavata-dharma. Vasudeva já atingira o resultado de Bhāgavata-dharma, pois o Senhor Kṛṣṇa aparecera em sua casa como seu filho, mas, a fim de ensinar aos outros, desejou ouvir Śrī Nārada Muni iluminá-lo sobre o processo de Bhāgavata-dharma. Essa é a humildade de um grande devoto.

Texto

evaṁ-vrataḥ sva-priya-nāma-kīrtyā
jātānurāgo druta-citta uccaiḥ
hasaty atho roditi rauti gāyaty
unmāda-van nṛtyati loka-bāhyaḥ

Sinônimos

evam-vratah quando alguém se dedica assim ao voto de cantar e dançar; sva própria; priya muito querido; nāma santo nome; kīrtyā cantando; jātā dessa maneira desenvolve; anurāgaḥ apego; druta-cittaḥ muito avidamente; uccaiḥ em voz alta; hasati ri; atho também; roditi chora; rauti se exalta; gāyati canta; unmāda-van como um louco; nṛtyati dançando; loka-bāhyaḥ sem se importar com estranhos.

Tradução

“‘Quando alguém é realmente avançado e sente prazer em cantar o santo nome do Senhor, que lhe é muito querido, ele fica emocionado e canta o santo nome em voz alta. Além disso, ri, chora, se exalta e canta tal qual um louco, sem se importar com estranhos.’”

Texto

ei tāṅra vākye āmi dṛḍha viśvāsa dhari’
nirantara kṛṣṇa-nāma saṅkīrtana kari
sei kṛṣṇa-nāma kabhu gāoyāya, nācāya
gāhi, nāci nāhi āmi āpana-icchāya

Sinônimos

ei isto; tāṅra seu (de Meu mestre espiritual); vākye nas palavras de; āmi Eu; dṛḍha firme; viśvāsa — fé; dhāri’ dependo; nirantara sempre; kṛṣṇa-nāma o santo nome do Senhor Kṛṣṇa; saṅkīrtana cantando; kari —continuo; sei este; kṛṣṇa-nāma o santo nome do Senhor Kṛṣṇa; kabhu às vezes; gāoyāya faz-Me cantar; nācāya faz-Me dançar; gāhi cantando; nāci dançando; nāhi não; āmi Eu mesmo; āpana própria; icchāya vontade.

Tradução

“Acredito firmemente nessas palavras de Meu mestre espiritual e, por isso, sempre canto o santo nome do Senhor, sozinho e na companhia dos devotos. Esse santo nome do Senhor Kṛṣṇa às vezes Me faz cantar e dançar, de modo que canto e danço. Por favor, não penses que faço isso com intencionalidade. Faço-o automaticamente.”

Comentário

SIGNIFICADO—Quem não pode manter sua fé nas palavras de seu mestre espiritual, mas age independentemente, nunca recebe autoridade para cantar o santo nome do Senhor. Afirma-se nos Vedas:

yasya deve parā bhaktir
yathā deve tathā gurau
tasyaite kathitā hy arthāḥ
prakāśante mahātmanaḥ

“Somente às grandes almas que têm fé implícita, tanto no Senhor, quanto no mestre espiritual, é que todo o significado do conhecimento védico se revela automaticamente.” Esse preceito védico é muito importante, e Śrī Caitanya Mahāprabhu apoiou-o mediante Seu comportamento pessoal. Acreditando nas palavras de Seu mestre espiritual, Ele introduziu o movimento de saṅkīrtana, assim como o atual movimento para a consciência de Kṛṣṇa foi inaugurado com fé nas palavras de nosso mestre espiritual. Portanto, fé nas palavras do mestre espiritual e na Suprema Personalidade de Deus é o segredo do sucesso. Śrī Caitanya Mahāprabhu nunca desobedeceu às ordens de Seu mestre espiritual nem parou de propagar o movimento de saṅkīrtana. Śrī Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī, antes de deixar este mundo, ordenou que todos os seus discípulos trabalhassem conjuntamente para pregar a missão de Caitanya Mahāprabhu em todo o mundo. Mais tarde, contudo, certos discípulos tolos e egoístas desobedeceram às suas ordens. Cada um deles desejou tornar-se o líder da missão, e passaram a litigar nos tribunais, negligenciando a ordem do mestre espiritual. Assim, toda a missão fracassou. Não nos regozijamos com isto; no entanto, é preciso explicar a verdade. Acreditamos nas palavras de nosso mestre espiritual e começamos tudo de maneira humilde – sem nenhum amparo –, mas, devido à força espiritual da ordem da autoridade suprema, este movimento tem tido muito sucesso.

Deve-se compreender que, quando Śrī Caitanya Mahāprabhu cantava e dançava, Ele o fazia pela influência da potência de prazer do mundo espiritual. Śrī Caitanya Mahāprabhu jamais pensou que o santo nome do Senhor fosse uma vibração material, nem qualquer devoto puro confunde o cantar do mantra Hare Kṛṣṇa com alguma manifestação musical material. O Senhor Caitanya jamais tentou ser o dono do santo nome; pelo contrário, ensinou-nos a como servir o santo nome. Se alguém cantar o santo nome do Senhor só para fazer exibição, desconhecendo o segredo do sucesso, poderá aumentar sua secreção de bílis, mas jamais alcançará a perfeição do cantar do santo nome. Śrī Caitanya Mahāprabhu apresentou-Se da seguinte maneira: “Sou um grande tolo e não tenho conhecimento de certo e errado. Para entender o significado verdadeiro do Vedānta-sūtra, jamais segui a explicação da Śaṅkara-sampradāya ou dos sannyāsīs māyāvādīs. Tenho muito medo dos argumentos ilógicos dos filósofos māyāvādīs. Portanto, acho que não tenho autoridade com relação às explicações que eles dão sobre o Vedānta-sūtra. Acredito firmemente que, pelo simples processo de cantar o santo nome do Senhor, pode-se eliminar todos os equívocos do mundo material. Acredito que, pelo simples processo de cantar o santo nome do Senhor, pode-se alcançar o abrigo dos pés de lótus do Senhor. Nesta era de desavenças e discórdias, o cantar dos santos nomes é a única maneira de nos libertarmos das garras materiais.”

“Cantando o santo nome”, prosseguiu o Senhor Caitanya, “quase enlouqueci. No entanto, após indagar de Meu mestre espiritual, cheguei à conclusão de que, em vez de esforçar-nos por alcançar os quatro princípios de religiosidade (dharma), desenvolvimento econômico (artha), gozo dos sentidos (kāma) e liberação (mokṣa), é melhor que, de alguma forma, desenvolvamos transcendental amor por Deus. Este é o maior sucesso na vida. Quem alcançou amor por Deus canta e dança naturalmente, sem se importar com o público.” Essa fase de vida é conhecida como Bhāgavata-jīvana, ou a vida de um devoto.

Śrī Caitanya Mahāprabhu continuou: “Jamais cantei e dancei para fazer um espetáculo artificial. Danço e canto porque creio firmemente nas palavras de Meu mestre espiritual. Embora os filósofos māyāvādīs não gostem deste processo de cantar e dançar, de qualquer maneira, pratico-o, apoiando-Me nas palavras dele. Portanto, deve-se concluir que mereço pouquíssimo crédito por estas atividades de cantar e dançar, pois elas se desempenham automaticamente pela graça da Suprema Personalidade de Deus.”

Texto

kṛṣṇa-nāme ye ānanda-sindhu-āsvādana
brahmānanda tāra āge khātodaka-sama

Sinônimos

kṛṣṇa-nāme no santo nome do Senhor; ye que; ānanda bem-aventurança transcendental; sindhu oceano; āsvādana saboreando; brahmānanda — a bem-aventurança transcendental da compreensão impessoal; tāra seu; āge perante; khāta-udaka água rasa dos canais; sama como.

Tradução

“Comparado ao oceano de bem-aventurança transcendental que é saboreado ao se cantar o mantra Hare Kṛṣṇa, o prazer obtido da percepção do Brahman impessoal [brahmānanda] é como a água rasa de um canal.”

Comentário

SIGNIFICADO—O Bhakti-rasāmṛta-sindhu (1.1.38) afirma o seguinte:

brahmānando bhaved eṣa
cet parārdha-guṇī-kṛtaḥ
naiti bhakti-sukhāmbhodheḥ
paramāṇu-tulām api

“Se brahmānanda, a bem-aventurança transcendental que se experimenta ao se compreender o Brahman impessoal, fosse multiplicada um milhão de vezes, essa quantidade de brahmānanda não poderia comparar-se nem mesmo a uma porção atômica do prazer saboreado no serviço devocional puro.”

Texto

tvat-sākṣāt-karaṇāhlāda-
viśuddhābdhi-sthitasya me
sukhāni goṣpadāyante
brāhmāṇy api jagad-guro

Sinônimos

tvat — Teu; sākṣāt encontro; karaṇa tal ação; āhlāda prazer; viśuddha espiritualmente purificado; abdhi — oceano; sthitasya — estando imerso; me — por mim; sukhāni — felicidade; goṣpadāyante pequena cova criada pelo casco de um bezerro; brāhmāṇi o prazer obtido da compreensão do Brahman impessoal; api também; jagat-guro ó mestre do universo.

Tradução

“‘Meu querido Senhor, ó mestre do universo, desde que Te vi diretamente, minha bem-aventurança transcendental tomou a forma de um grande oceano. Estando imerso nesse oceano, percebo agora que todas as outras supostas felicidades são como a água contida na pegada de um bezerro.’”

Comentário

SIGNIFICADO—A bem-aventurança transcendental desfrutada no serviço devocional puro é como um oceano, ao passo que a felicidade material, e mesmo a felicidade que se pode experimentar com a percepção do Brahman impessoal, é assim como a água contida na pegada de um bezerro. Esse verso é do Hari-bhakti-sudhodaya (14.36).

Texto

prabhura miṣṭa-vākya śuni’ sannyāsīra gaṇa
citta phiri’ gela, kahe madhura vacana

Sinônimos

prabhura do Senhor; miṣṭa-vākya doces palavras; śuni’ após ouvir; sannyāsīra gaṇa todos os grupos de sannyāsīs; citta consciência; phiri’ — comovidos; gela — ficaram; kahe — disseram; madhura — agradáveis; vacana palavras.

Tradução

Após ouvir o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu, todos os sannyāsīs māyāvādīs ficaram comovidos. Suas mentes se transformaram, e assim eles falaram com palavras agradáveis.

Comentário

SIGNIFICADO—Os sannyāsīs māyāvādīs encontraram-se com Caitanya Mahāprabhu em Vārāṇasī para criticar o Senhor em relação à Sua participação no movimento de saṅkīrtana, do qual eles não gostavam. Essa natureza demoníaca de oposição ao movimento de saṅkīrtana existe perpetuamente. Assim como existiu na época de Śrī Caitanya Mahāprabhu, existia muito tempo atrás, mesmo na época de Prahlāda Mahārāja. Prahlāda costumava cantar em saṅkīrtana embora seu pai não gostasse disso, e foi este o motivo do desentendimento entre o pai e o filho. Na Bhagavad-gītā (7.15), o Senhor diz:

na māṁ duṣkṛtino mūḍhāḥ
prapadyante narādhamāḥ
māyayāpahṛta-jñānā
āsuraṁ bhāvam āśritāḥ

“Os canalhas que são grosseiramente tolos, os mais baixos da humanidade, cujo conhecimento é roubado pela ilusão e que participam da natureza ateísta dos demônios, não se rendem a Mim.” Os sannyāsīs māyāvādīs são āsuraṁ bhāvam āśritāḥ, e isso significa que eles adotam o caminho dos asuras (demônios), que não creem na existência da forma do Senhor. Os māyāvādīs dizem que a fonte última de tudo é impessoal, e, dessa maneira, negam a existência de Deus. Dizer que Deus não existe é negar Deus diretamente, e dizer que Deus existe, mas não tem cabeça, pernas e mãos e não pode falar, ouvir ou comer é uma forma indireta de negar Sua existência. Quem não pode ver dizem que é cego, quem não pode andar dizem que é aleijado, quem não tem mãos dizem que é incapacitado, quem não pode falar dizem que é mudo e quem não pode ouvir dizem que é surdo. A proposição dos māyāvādīs de que Deus não tem pernas, nem olhos, nem ouvidos nem mãos é uma maneira indireta de insultá-lO, definindo-O como cego, surdo, mudo, aleijado, incapacitado, etc. Portanto, embora se façam passar por grandes vedantistas, na verdade, eles são māyayāpahṛta-jñāna; em outras palavras, parecem ser muito eruditos, mas foram privados da essência do conhecimento.

Os māyāvādīs impersonalistas sempre tentam desafiar os vaiṣṇavas porque os vaiṣṇavas aceitam a Personalidade Suprema como a causa suprema e querem servi-lO, conversar com Ele e vê-lO, assim como o Senhor também anseia por ver Seus devotos e conversar, comer e dançar com eles. Essas trocas pessoais de amor não atraem os sannyāsīs māyāvādīs. Portanto, o objetivo original dos sannyāsīs māyāvādīs de Benares ao se encontrarem com Caitanya Mahāprabhu era derrotar Seu conceito pessoal de Deus. Contudo, Śrī Caitanya Mahāprabhu, sendo um pregador, transformou a mente dos sannyāsīs māyāvādīs. Eles derreteram-se com as doces palavras de Śrī Caitanya Mahāprabhu e, assim, tornaram-se amigáveis e falaram-Lhe palavras doces também. De modo semelhante, todos os pregadores acabarão deparando-se com oponentes, mas não deverão torná-los ainda mais hostis. Eles já são inimigos, e, se falarmos com eles de forma áspera ou sem polidez, a inimizade deles só fará aumentar. Portanto, devemos seguir os passos do Senhor Caitanya Mahāprabhu tanto quanto possível e procurar convencer a oposição, citando os śāstras e apresentando a conclusão dos ācāryas. É dessa maneira que devemos tentar derrotar todos os inimigos do Senhor.

Texto

ye kichu kahile tumi, saba satya haya
kṛṣṇa-premā sei pāya, yāra bhāgyodaya

Sinônimos

ye tudo; kichu isso; kahile falaste; tumi Tu; sabā tudo; satya verdade; haya — torna-se; kṛṣṇa-premā amor a Deus; sei qualquer pessoa; pāya alcança; yāra cuja; bhāgya-udaya fortuna é agora desperta.

Tradução

“Querido Śrī Caitanya Mahāprabhu, tudo o que disseste é verdade. Somente aquele que é favorecido por boa fortuna alcança amor a Deus.”

Comentário

SIGNIFICADO—Quem é realmente muito afortunado pode entrar em consciência de Kṛṣṇa, como afirma Caitanya Mahāprabhu a Śrīla Rūpa Gosvāmī:

brahmāṇḍa bhramite kona bhāgyavān jīva
guru-kṛṣṇa-prasāde pāya bhakti-latā-bīja

(Śrī Caitanya-caritāmṛta, Madhya 19.151)

Existem milhões de entidades vivas que se condicionaram sob as leis da natureza material e que vagam pelos sistemas planetários deste universo sob diferentes formas corpóreas. Entre elas, alguém que seja afortunado encontra-se com um mestre espiritual fidedigno pela graça de Kṛṣṇa e chega a entender o significado de serviço devocional. Praticando serviço devocional sob a orientação do mestre espiritual fidedigno, ou ācārya, desenvolve amor por Deus. Quem desperta seu amor por Deus (kṛṣṇa-prema) e assim se torna devoto da inconcebível Suprema Personalidade de Deus deve ser considerado extremamente afortunado. Os sannyāsīs māyāvādīs admitiram este fato diante de Śrī Caitanya Mahāprabhu. Não é fácil alguém tornar-se uma pessoa consciente de Kṛṣṇa, mas, pela misericórdia de Śrī Caitanya Mahāprabhu, isso pode acontecer, como ficará provado no transcurso desta narração.

Texto

kṛṣṇe bhakti kara — ihāya sabāra santoṣa
vedānta nā śuna kene, tāra kibā doṣa

Sinônimos

kṛṣṇe a Kṛṣṇa; bhakti serviço devocional; kara fazes; ihāya quanto a isto; sabāra de todos; santoṣa — há satisfação; vedānta a filosofia do Vedānta-sūtra; não; śuna ouves; kene por que; tāra da filosofia; kibā qual é; doṣa defeito.

Tradução

“Querido senhor, não fazemos objeção a que sejas um grande devoto do Senhor Kṛṣṇa. Ficamos todos satisfeitos com isto. No entanto, por que evitas discutir sobre o Vedānta-sūtra? Que há de errado nisso?”

Comentário

SIGNIFICADO—A este respeito, Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura comenta o seguinte: “Os sannyāsīs māyāvādīs aceitam que o comentário de Śrī Śaṅkarācārya, conhecido como Śārīraka-bhāṣya, dá o verdadeiro significado do Vedānta-sūtra. Em outras palavras, os sannyāsīs māyāvādīs aceitam os significados expressos nas explanações de Śaṅkarācārya do Vedānta-sūtra, que se baseiam no monismo. Assim, explicam o Vedānta-sūtra, os Upaniṣads e todos esses textos védicos à própria maneira impessoal deles.” O grande sannyāsī māyāvādī Sadānanda Yogīndra escreveu um livro conhecido como Vedānta-sāra, onde ele diz: vedānto nāma upaniṣat-pramāṇam. tad-upakārīṇi śārīraka-sūtrādīni ca. Segundo Sadānanda Yogīndra, o Vedānta e as Upaniṣads, conforme são apresentados por Śrī Śaṅkarācārya em seu comentário Śārīraka-bhāṣya, constituem as únicas fontes da evidência védica. Na realidade, contudo, vedānta refere-se à essência do conhecimento védico, e não é verdade que não haja nada além do Śārīraka-bhāṣya de Śaṅkarācārya. Há outros comentários do Vedānta escritos por ācāryas vaiṣṇavas, nenhum dos quais segue Śrī Śaṅkarācārya nem aceita o comentário imaginativo de sua escola. Os comentários deles baseiam-se na filosofia da dualidade. Filósofos monistas como Śaṅkarācārya e seus seguidores desejam estabelecer que Deus e a entidade viva são iguais e, em vez de adorarem a Suprema Personalidade de Deus, fazem-se passar por Deus. Eles querem que outros os adorem como se eles fossem Deus. Pessoas assim não aceitam a filosofia dos ācāryas vaiṣṇavas, que são conhecidas como śuddhādvaita  (monismo purificado), śuddha-dvaita (dualismo purificado), viśiṣṭādvaita  (monismo específico), dvaitādvaita (monismo e dualismo) e acintya-bhedābheda (unidade e diferença inconcebíveis). Os māyāvādīs não discutem estas filosofias, pois estão firmemente convencidos de sua própria filosofia de kevalādvaita, monismo exclusivo. Aceitando esse sistema de filosofia como o entendimento puro do Vedānta-sūtra, creem que Kṛṣṇa tem um corpo feito de elementos materiais e que as atividades do serviço amoroso a Kṛṣṇa são sentimentalismo. São conhecidos como māyāvādīs porque, segundo a opinião deles, o corpo de Kṛṣṇa é feito de māyā, e o serviço amoroso ao Senhor, executado pelos devotos, também é māyā. Acham que tal serviço devocional é um aspecto das atividades fruitivas (karma-kāṇḍa). Segundo a visão deles, bhakti consta de especulação mental ou, às vezes, de meditação. Essa é a diferença entre as filosofias māyāvādī e vaiṣṇava.

Texto

eta śuni’ hāsi’ prabhu balilā vacana
duḥkha nā mānaha yadi, kari nivedana

Sinônimos

eta assim; śuni’ ouvindo; hāsi’ sorrindo; prabhu o Senhor Caitanya Mahāprabhu; balilā disse; vacana Suas palavras; duḥkha — infelizes; não; mānaha — aceitais isso; yadi se; kari Eu disser; nivedana — algo a vós.

Tradução

Após ouvir os sannyāsīs māyāvādīs falarem daquela maneira, o Senhor Caitanya Mahāprabhu sorriu levemente e disse: “Meus queridos senhores, se não vos importardes, posso dizer-vos algo a respeito da filosofia vedānta.”

Comentário

SIGNIFICADO—Os sannyāsīs māyāvādīs, apreciando o Senhor Caitanya Mahāprabhu, perguntaram-Lhe por que Ele não discutia a filosofia vedānta. Na realidade, contudo, todo o sistema de atividades vaiṣṇavas baseia-se na filosofia vedānta. Os vaiṣṇavas não negligenciam o Vedānta, mas não aceitam a compreensão do Vedānta com base no comentário Śārīraka-bhāṣya. Portanto, para esclarecer a situação, o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu, com a permissão dos sannyāsīs māyāvādīs, desejou falar a respeito da filosofia vedānta.

Os vaiṣṇavas são indiscutivelmente os maiores filósofos do mundo, e, dentre eles, o maior foi Śrīla Jīva Gosvāmī Prabhu, cuja filosofia foi novamente apresentada, cerca de quatrocentos anos mais tarde, por Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura Mahārāja. Portanto, é preciso entender muito bem que os filósofos vaiṣṇavas não são sentimentalistas ou devotos baratos como os sahajiyās. Todos os ācāryas vaiṣṇavas eram acadêmicos vastamente eruditos que compreendiam a filosofia vedānta plenamente, pois, a menos que se conheça a filosofia vedānta, não se pode ser um ācārya. Para ser aceito como ācārya entre transcendentalistas indianos que seguem os princípios védicos, é preciso tornar-se um estudioso vastamente erudito na filosofia vedānta, quer por estudá-la, quer por ouvi-la.

Bhakti desenvolve-se de acordo com a filosofia vedānta. Afirma-se isto no Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.12):

tac chraddadhāna munayo
jñāna-vairāgya-yuktayā
paśyanty ātmani cātmānaṁ
bhaktyā śruta-gṛhītayā

As palavras bhaktyā śruta-gṛhītayā neste verso são muito importantes, pois indicam que bhakti deve basear-se na filosofia das Upaniṣads e do Vedānta-sūtra. Śrīla Rūpa Gosvāmī disse:

śruti-smṛti-purāṇādi-
pañcarātra-vidhiṁ vinā
aikāntikī harer bhaktir
utpātāyaiva kalpate

“Deve-se considerar o serviço devocional executado sem referência aos Vedas, Purāṇas, Pañcarātras, etc., como sentimentalismo, que só faz perturbar a sociedade.” Há diferentes classes de vaiṣṇavas (kaniṣṭha-adhikārī, madhyama-adhikārī, uttama-adhikārī), mas, para ser um pregador madhyama-adhikārī, é preciso ser um estudioso erudito do Vedānta-sūtra e de outros textos védicos, pois o bhakti-yoga que se desenvolve com base na filosofia vedānta é concreto e firme. A esse respeito, podemos citar a tradução e o significado do verso supramencionado (Śrīmad-Bhāgavatam, 1.2.12):

TRADUÇÃO

O estudante ou sábio seriamente inquisitivo, bem equipado de conhecimento e desapego, compreende esta Verdade Absoluta prestando serviço devocional, de acordo com o que ouviu do Vedānta-śruti.

SIGNIFICADO

A Verdade Absoluta é compreendida completamente através do processo de serviço devocional ao Senhor, Vāsudeva, ou a Personalidade de Deus, que é a Verdade Absoluta completa. Brahman é Sua refulgência corpórea transcendental, e Paramātmā é Sua representação parcial. Assim, as compreensões Brahman e Paramātmā da Verdade Absoluta são apenas compreensões parciais. Há quatro diferentes tipos de seres humanos – os karmīs, os jñānīs, os yogīs e os devotos. Os karmīs são materialistas, ao passo que os outros três são transcendentais. Os transcendentalistas de primeira classe são os devotos que compreendem a Pessoa Suprema. Transcendentalistas de segunda classe são aqueles que compreendem parcialmente a porção plenária da pessoa absoluta. E transcendentalistas de terceira classe são os que compreendem mal o foco espiritual da pessoa absoluta. Como se afirma na Bhagavad-gītā e em outras obras védicas, a Pessoa Suprema é compreendida através do serviço devocional, que é seguido de conhecimento pleno e desapego do contato com a matéria. Assim como as compreensões Brahman e Paramātmā são percepções imperfeitas da Verdade Absoluta, da mesma forma, os meios de compreender Brahman e Paramātmā, isto é, os caminhos de jñāna e yoga, são também meios imperfeitos de compreender a Verdade Absoluta. O serviço devocional, que se baseia no plano do conhecimento pleno, combinado com o desapego do contato com a matéria, e que se fixa através da recepção auditiva do Vedānta-śruti, é o único método perfeito pelo qual o estudante seriamente inquisitivo pode compreender a Verdade Absoluta. O serviço devocional não se destina, portanto, à classe menos inteligente de transcendentalistas.

Há três classes de devotos, a saber, os de primeira, segunda e terceira classes. Os devotos de terceira classe, ou os neófitos, que não têm conhecimento e não são desapegados do contato com a matéria, mas que estão simplesmente atraídos pelo processo preliminar de adorar a Deidade no templo, são chamados devotos materiais. Os devotos materiais são mais apegados ao benefício material do que ao proveito transcendental. Portanto, tem-se que progredir definitivamente da posição de serviço devocional material à posição devocional de segunda classe. Na posição de segunda classe, o devoto pode discriminar quatro princípios na linha devocional, a saber, a Personalidade de Deus, Seus devotos, o ignorante e o invejoso. Temos que nos elevar pelo menos à fase de devoto de segunda classe e tornarmo-nos, assim, aptos para conhecer a Verdade Absoluta.

Um devoto de terceira classe, portanto, tem de receber as instruções sobre o serviço devocional a partir das fontes autorizadas do Bhāgavatam. O Bhāgavatam número um é a personalidade estabelecida do devoto, e o outro Bhāgavatam é a mensagem do Supremo. O devoto de terceira classe, portanto, tem que se dirigir à personalidade do devoto a fim de aprender as instruções sobre o serviço devocional. Essa personalidade do devoto não é um profissional que ganha a vida recitando o Bhāgavatam. Tal devoto tem que ser um representante de Śukadeva Gosvāmī, como Sūta Gosvāmī, e tem que pregar o culto do serviço devocional para o completo benefício de todos. Um devoto neófito tem pouquíssimo gosto por ouvir das autoridades. Esse devoto neófito faz ostentação de ouvir de um profissional para satisfazer seus sentidos. Essa espécie de ouvir e cantar estraga tudo, de modo que devemos ter muito cuidado com este processo defeituoso. As mensagens sagradas do Supremo, como são transmitidas na Bhagavad-gītā ou no Śrīmad-Bhāgavatam, são indubitavelmente temas transcendentais, mas, mesmo que o sejam, tais assuntos transcendentais não devem ser recebidos de um profissional, que os estrague assim como a serpente estraga o leite com o simples toque de sua língua.

Um devoto sincero deve, portanto, estar preparado para ouvir a literatura védica, como as Upaniṣads, o Vedānta e outras obras, legadas pelos Gosvāmīs ou autoridades anteriores, para o benefício de seu progresso. E, sem ouvir e seguir as instruções, o espetáculo de serviço devocional torna-se inútil e, por conseguinte, um tipo de perturbação no caminho do serviço devocional. Portanto, a menos que o serviço devocional seja estabelecido com base nos princípios das autoridades de śruti, smṛti, purāṇa ou pañcarātra, a exibição de serviço devocional deve ser imediatamente rejeitada. Um devoto não autorizado não deve de forma alguma ser reconhecido como devoto puro. Pela assimilação de tais mensagens das obras védicas, podemos ver constantemente o aspecto localizado e onipenetrante da Personalidade de Deus dentro de nós mesmos. Isso se chama samādhi.

Texto

ihā śuni’ bale sarva sannyāsīra gaṇa
tomāke dekhiye yaiche sākṣāt nārāyaṇa

Sinônimos

ihā isto; śuni’ ouvindo; bale — falaram; sarva todos; sannyāsīra dos sannyāsīs māyāvādīs; gaṇa — grupo; tomāke a Ti; dekhiye vemos; yaiche exatamente como; sākṣāt diretamente; nārāyaṇa a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Ouvindo isso, os sannyāsīs māyāvādīs ficaram bem mais humildes e chamaram Caitanya Mahāprabhu de o próprio Nārāyaṇa, o que todos eles concordaram que Ele era.

Comentário

SIGNIFICADO—Os sannyāsīs māyāvādīs chamam-se uns aos outros de Nārāyaṇa. Sempre que veem outro sannyāsī, prestam-lhe respeitos, dizendo namo nārāyaṇa (“Presto meus respeitos a ti, Nārāyaṇa”), embora saibam perfeitamente bem que espécie de Nārāyaṇa ele é. Nārāyaṇa tem quatro braços, mas, embora eles sejam arrogantes com a ideia de serem Nārāyaṇa, não podem mostrar mais do que dois. Como a filosofia deles declara que Nārāyaṇa e o ser humano comum estão ambos no mesmo nível, às vezes usam o termo daridra-nārāyaṇa (“Nārāyaṇa pobre”), inventado por um dito svāmī que nada sabia a respeito da filosofia vedānta. Portanto, embora todos esses sannyāsīs māyāvādīs que se chamavam de Nārāyaṇa não tivessem realmente noção da posição de Nārāyaṇa, devido às suas austeridades, o Senhor Caitanya Mahāprabhu tornou-os capazes de entender que Ele é o próprio Nārāyaṇa. O Senhor Caitanya é decerto a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, que aparece como devoto de Nārāyaṇa, e, assim, os sannyāsīs māyāvādīs, compreendendo que Ele era diretamente o próprio Nārāyaṇa, ao passo que eles eram Nārāyaṇas falsos e arrogantes, falaram-Lhe o seguinte.

Texto

tomāra vacana śuni’ juḍāya śravaṇa
tomāra mādhurī dekhi’ juḍāya nayana

Sinônimos

tomāra Tuas; vacana palavras; śuni’ ouvindo; juḍāya muito satisfeitos; śravaṇa recepção auditiva; tomāra Teu; mādhurī néctar; dekhi’ ver; juḍāya satisfaz; nayana nossos olhos.

Tradução

“Querido Caitanya Mahāprabhu”, disseram eles, “para dizer-Te a verdade, estamos muito satisfeitos em ouvir Tuas palavras, e, além disso, as características de Teu corpo são tão agradáveis que sentimos satisfação extraordinária em ver-Te.”

Comentário

SIGNIFICADO—Nos śāstras, se diz:

ataḥ śrī-kṛṣṇa-nāmādi
na bhaved grāhyam indriyaiḥ
sevonmukhe hi jihvādau
svayam eva sphuraty adaḥ

“Não é possível compreender a Suprema Personalidade de Deus, nem Seu nome, forma, qualidades ou parafernália, mas, se alguém presta serviço ao Senhor, Ele Se revela.” (Bhakti-rasāmṛta-sindhu 1.2.234) Pode-se ver aqui o efeito do serviço prestado a Nārāyaṇa pelos sannyāsīs māyāvādīs. Por terem prestado um pouco de respeito a Śrī Caitanya Mahāprabhu e por serem piedosos e realmente seguirem as austeras regras e regulações de sannyāsa, eles tinham certo entendimento da filosofia vedānta, e, pela graça do Senhor Caitanya Mahāprabhu, puderam apreciar que Ele não era outro senão a Suprema Personalidade de Deus, que é dotada de todas as seis opulências. Uma dessas opulências é Sua beleza. Devido a Seus aspectos corpóreos extraordinariamente belos, os sannyāsīs māyāvādīs reconheceram Śrī Caitanya Mahāprabhu como o próprio Nārāyaṇa. Ele não era um Nārāyaṇa farsante como os daridrā-nārāyaṇas inventados por ditos sannyāsīs.

Texto

tomāra prabhāve sabāra ānandita mana
kabhu asaṅgata nahe tomāra vacana

Sinônimos

tomāra Tua; prabhāve por influência; sabāra de todos; ānandita — alegre; mana mente; kabhu a qualquer momento; asaṅgata — desarrazoadas; nahe não; tomāra Tuas; vacana palavras.

Tradução

“Querido senhor, por Tua influência, nossas mentes estão bastante satisfeitas, e acreditamos que Tuas palavras não serão jamais desarrazoadas. Portanto, podes falar sobre o Vedānta-sūtra.”

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, as palavras tomāra prabhāve (“Tua influência”) são muito importantes. A menos que alguém seja espiritualmente avançado, não poderá influenciar uma audiência. Bhaktivinoda Ṭhākura canta: śuddha-bhakata-caraṇa-reṇu, bhajana-anukūla: “A não ser que nos associemos com um devoto puro, não podemos ser levados a compreender o serviço devocional.” Esses sannyāsīs māyāvādīs tiveram a fortuna de se encontrar com a Suprema Personalidade de Deus sob a forma de um devoto, e decerto foram bastante influenciados pelo Senhor. Eles sabiam que um espiritualista perfeitamente avançado nunca diz nada falso, logo, todas as palavras dele são razoáveis e de acordo com a versão védica. Uma pessoa altamente realizada nunca diz algo que não tenha sentido. Os filósofos māyāvādīs afirmam ser a Suprema Personalidade de Deus, o que não faz sentido, mas Śrī Caitanya Mahāprabhu nunca pronunciou semelhante disparate. Os sannyāsīs māyāvādīs estavam convencidos de Sua personalidade, em virtude do que desejaram ouvi-lO falar o significado da filosofia vedānta.

Texto

prabhu kahe, vedānta-sūtra īśvara-vacana
vyāsa-rūpe kaila yāhā śrī-nārāyaṇa

Sinônimos

prabhu kahe o Senhor começou a falar; vedānta-sūtra a filosofia do Vedānta-sūtra; īśvara-vacana falada pela Suprema Personalidade de Deus; vyāsa-rūpe sob a forma de Vyāsadeva; kaila Ele fez; yāhā tudo o que; śrī-nārāyaṇa a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

O Senhor disse: “A filosofia vedānta consiste em palavras faladas pela Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, sob a forma de Vyāsadeva.”

Comentário

SIGNIFICADO—O Vedānta-sūtra, que consiste em códigos reveladores do método de compreensão do conhecimento védico, é a forma concisa de todo o conhecimento védico. Ele começa com as palavras athāto brahma-jijñāsā (“este é o momento de indagar acerca da Verdade Absoluta”). A forma humana de vida destina-se especialmente a este objetivo, em razão do que o Vedānta-sūtra explica muito concisamente a missão humana. As palavras do Vāyu e Skanda Purāṇas confirmam isso, e definem um sūtra da seguinte maneira:

alpākṣaram asandigdhaṁ
sāra-vat viśvato-mukham
astobham anavadyaṁ ca
sūtraṁ sūtra-vido viduḥ

Sūtra é um código que expressa a essência de todo o conhecimento com um mínimo de palavras. Precisa ser de aplicação universal e impecável em sua apresentação linguística.” Qualquer pessoa familiarizada com tais sūtras tem decerto noção do Vedānta-sūtra, que é bem conhecido entre os eruditos pelos seguintes nomes: (1) Brahma-sūtra, (2) Śārīraka, (3) Vyāsa-sūtra, (4) Bādarāyaṇa-sūtra, (5) Uttara-mīmāṁsā e (6) Vedānta-darśana.

Vedānta-sūtra tem quatro capítulos (adhyāyas), cada um dos quais se divide em quatro seções (pādas). Portanto, pode-se referir-se ao Vedānta-sūtra como ṣoḍaśa-pāda, ou seja, dezesseis divisões de códigos. O tema de cada divisão é plenamente descrito em função de cinco diferentes assuntos (adhikaraṇas), tecnicamente chamados pratijña, hetu, udāharaṇa, upanaya e nigamana. Cada tema deve necessariamente ser explicado com referência a pratijña, ou seja, uma declaração solene do objetivo do tratado. A declaração solene feita no início do Vedānta-sūtra é athato brahma-jijñāsā, indicando que esse livro foi escrito com o propósito solene de indagar acerca da Verdade Absoluta. Semelhantemente, é preciso expressar as razões (hetu), é preciso dar exemplos em termos de diversos fatos (udāharaṇa), o tema deve ser gradualmente revelado para efeitos de compreensão (upanaya), e, finalmente, deve-se apoiá-lo com citações autorizadas dos śāstras védicos (nigamana).

Segundo o grande dicionarista Hemacandra, também conhecido como Koṣakāra, vedānta refere-se ao significado das Upaniṣads e da porção Brāhmaṇa dos Vedas. O professor Apte, em seu dicionário, descreve a porção Brāhmaṇa dos Vedas como aquela porção que estabelece as regras para o emprego de hinos em diversos sacrifícios e dá explicações detalhadas da origem deles, às vezes com prolongadas ilustrações sob a forma de lendas e histórias. Distingue-se da porção mantra dos Vedas. Hemacandra diz que o suplemento dos Vedas chama-se Vedānta-sūtra. Veda significa “conhecimento”, e anta significa “fim”. Em outras palavras, a compreensão adequada do objetivo último dos Vedas chama-se conhecimento vedānta. Tal conhecimento, conforme é exposto nos códigos do Vedānta-sūtra, precisa ser apoiado pelas Upaniṣads.

Segundo estudiosos eruditos, há três diferentes fontes de conhecimento, chamados prasthāna-traya. Segundo esses eruditos, Vedānta é uma de tais fontes, pois apresenta o conhecimento védico com base em lógica e argumentos sólidos. Na Bhagavad-gītā (3.5), o Senhor disse que brahma-sūtra-padaiś caiva hetumadbhir viniścitaiḥ: “No Brahma-sūtra, se estabelece a compreensão da meta última da vida por lógica e argumentos genuínos com relação a causa e efeito.” Portanto, o Vedānta-sūtra é conhecido como nyāya-prasthāna, as Upaniṣads são conhecidos como śruti-prasthāna, e a Gītā, o Mahābhārata e os Purāṇas são conhecidos como smṛti-prasthāna. Todo o conhecimento científico da transcendência deve ser apoiado por śruti, smṛti e por uma base lógica e sólida.

Afirma-se que tanto o conhecimento védico quanto o suplemento dos Vedas chamado Sātvata-pañcarātra emanaram da respiração de Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Os códigos do Vedānta-sūtra foram compilados por Śrīla Vyāsadeva, a poderosa encarnação de Śrī Nārāyaṇa, embora às vezes se diga que foram compilados por um grande sábio chamado Apāntaratamā. Tanto o Pañcarātra quanto o Vedānta-sūtra, contudo, expressam as mesmas opiniões. Portanto, Śrī Caitanya Mahāprabhu confirma que não há diferença de opinião entre os dois, e declara que, como o Vedānta-sūtra foi compilado por Śrīla Vyāsadeva, pode-se compreender que ele emanou da respiração de Śrī Nārāyaṇa. Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura comenta que, enquanto Vyāsadeva compilava o Vedānta-sūtra, sete grandes santos contemporâneos dele também se dedicavam a trabalho semelhante. Esses santos foram Ātreya Ṛṣi, Āśmarathya, Auḍulomi, Kārṣṇājini, Kāśakṛtsna, Jaimini e Bādarī. Além disso, afirma-se que Pārāśarī e Karmandī-bhikṣu também discutiram os códigos do Vedānta-sūtra antes de Vyāsadeva.

O Vedānta-sūtra consiste em quatro capítulos. Os primeiros dois capítulos tratam da relação da entidade viva com a Suprema Personalidade de Deus. Isso é conhecido como sambandha-jñāna, ou conhecimento da relação. O terceiro capítulo descreve como podemos agir em nossa relação com a Suprema Personalidade de Deus. Isso se chama abhidheya- jñāna. Śrī Caitanya Mahāprabhu descreve a relação da entidade viva com o Senhor Supremo. Jīvera svarūpa haya kṛṣṇera ‘nitya-dāsa’: a entidade viva é serva eterna do Deus Supremo. (Śrī Caitanya-caritāmṛta, Madhya 20.108) Portanto, para agir segundo tal relação, é preciso executar sādhana-bhakti, ou seja, os deveres prescritos de serviço à Suprema Personalidade de Deus. Isso se chama abhidheya-jñāna. O quarto capítulo descreve o resultado desse serviço devocional (prayojana-jñāna). Essa meta última da vida é voltar ao lar, voltar ao Supremo. As palavras anāvṛttiḥ śabdāt no Vedānta-sūtra indicam essa meta última.

Śrīla Vyāsadeva, a poderosa encarnação de Nārāyaṇa, compilou o Vedānta-sūtra e, a fim de protegê-lo de comentários desautorizados, pessoalmente compôs o Śrīmad-Bhāgavatam, sob a instrução de seu mestre espiritual, Nārada Muni, como o comentário original ao Vedānta-sūtra. Além do Śrīmad-Bhāgavatam, há comentários sobre o Vedānta-sūtra compostos por todos os principais ācāryas vaiṣṇavas, e cada um deles descreve o serviço devocional ao Senhor muito explicitamente. Apenas aqueles que seguem o comentário de Śaṅkara descrevem o Vedānta-sūtra de maneira impessoal, sem referência a viṣṇu-bhakti, ou seja, serviço devocional ao Senhor Viṣṇu. De um modo geral, as pessoas apreciam muito esse Śārīraka-bhāṣya, ou descrição impessoal do Vedānta-sūtra, mas deve-se considerar que todos os comentários desprovidos de serviço devocional ao Senhor Viṣṇu diferem em propósito do Vedānta-sūtra original. Em outras palavras, o Senhor Caitanya confirmou definitivamente que os comentários ou bhāṣyas escritos pelos ācāryas vaiṣṇavas, com base no serviço devocional ao Senhor Viṣṇu, e não o Śārīraka-bhāṣya de Śaṅkarācārya, dão a verdadeira explicação do Vedānta-sūtra.

Texto

bhrama, pramāda, vipralipsā, karaṇāpāṭava
īśvarera vākye nāhi doṣa ei saba

Sinônimos

bhrama equívocos; pramāda ilusão; vipralipsā — propósitos enganosos; karaṇāpāṭava — ineficiência dos sentidos materiais; īśvarera — do Senhor; vākye nas palavras; nāhi — não há; doṣa defeito; ei saba tudo isso.

Tradução

“Os defeitos materiais de equívocos, ilusões, trapaça e ineficiência sensória não existem nas palavras da Suprema Personalidade de Deus.”

Comentário

SIGNIFICADO—Equívoco é a aceitação de um objeto como sendo diferente daquilo que ele é, ou aceitação de conhecimento falso. Por exemplo, alguém poderá ver uma corda no escuro e pensar que é uma serpente, ou poderá ver o brilho de uma concha de ostra e pensar que é ouro. Isso são equívocos. Da mesma forma, ilusão é um mal-entendido que surge da falta de atenção ao ouvir, e trapaça é a transmissão desse conhecimento defeituoso aos outros. Os cientistas e filósofos materialistas geralmente usam termos tais como “talvez” e “pode ser” por não terem conhecimento real dos fatos completos. Portanto, o ato de eles ensinarem algo aos outros é um exemplo de trapaça. O último defeito da pessoa materialista são seus sentidos ineficientes. Por exemplo: embora nossos olhos tenham o poder da visão, eles não podem ver algo que se encontra a uma certa distância, nem podem ver a pálpebra, que é o objeto mais próximo do olho. Para nossos olhos destreinados, o sol parece ser um simples prato, e, aos olhos de quem sofre de icterícia, tudo parece ser amarelo. Portanto, não podemos confiar no conhecimento adquirido por meio de tais olhos imperfeitos. Os ouvidos são igualmente imperfeitos. Não podemos ouvir um som vibrado a longa distância a menos que coloquemos um telefone em nosso ouvido. De modo semelhante, se analisarmos todos os nossos sentidos dessa maneira, descobriremos que todos eles são imperfeitos. Portanto, é inútil adquirir conhecimento por meio dos sentidos. O processo védico consiste em ouvir da autoridade. Na Bhagavad-gītā (4.2), o Senhor diz, evaṁ paramparā-prāptam imaṁ rājarṣayo viduḥ: “A ciência suprema foi assim recebida por meio da corrente de sucessão discipular, e os reis santos entenderam-na dessa maneira.” Temos que ouvir, não de um telefone, mas de uma pessoa autorizada, pois é ela que tem conhecimento verdadeiro.

Texto

upaniṣat-sahita sūtra kahe yei tattva
mukhya-vṛttye sei artha parama mahattva

Sinônimos

upaniṣat — a versão védica autorizada; sahita — juntamente com; sūtra — o Vedānta-sūtra; kahe — afirma-se; yei o assunto; tattva na verdade; mukhya-vṛttye pela compreensão direta; sei essa verdade; hīna significado; parama — final; mahattva— glória.

Tradução

“As Upaniṣads e o Brahma-sūtra descrevem a Verdade Absoluta, mas é preciso compreender seus versos como eles são. Essa é a glória suprema em compreensão.”

Comentário

SIGNIFICADO—A partir da época de Śaṅkarācārya, tornou-se moda explicar tudo relacionado aos śāstras de maneira indireta. Eruditos orgulham-se de explicar tudo à sua própria maneira e declaram que se pode compreender as escrituras védicas de qualquer maneira que se quiser. Esse método de “qualquer maneira que se quiser” é uma tolice, e tem causado grandes estragos na cultura védica. Não podemos aceitar conhecimento científico à nossa própria maneira caprichosa. Por exemplo, na ciência da Matemática, dois mais dois são quatro, e não podemos fazer com que passem a ser três ou cinco. Todavia, embora não seja possível alterar o conhecimento verdadeiro, as pessoas têm aderido à moda de compreender o conhecimento védico de qualquer maneira que lhes aprouver. É por essa razão que apresentamos o Bhagavad-gītā Como Ele É. Não criamos significados imaginativos. Às vezes, certos comentadores dizem que a palavra kurukṣetra do primeiro verso da Bhagavad-gītā refere-se ao corpo, mas nós não aceitamos isso. Nós sabemos que Kurukṣetra é um local ainda existente que, segundo a versão védica, é dharma-kṣetra, ou seja, local de peregrinação. As pessoas ainda vão lá para executar sacrifícios védicos. Entretanto, comentadores tolos dizem que kurukṣetra significa o corpo, e que pañca-pāṇḍavas refere-se aos cinco sentidos. Dessa maneira, distorcem o significado e desorientam as pessoas. Nesta passagem, Śrī Caitanya Mahāprabhu confirma que se deve compreender todos os textos védicos, incluindo as Upaniṣads, Brahma-sūtras e outros, sejam eles śruti, smṛti ou nyāya, segundo suas afirmações originais. Descrever o significado direto dos textos védicos é glorioso, mas descrevê-los à nossa própria maneira, usando sentidos imperfeitos e conhecimento imperfeito, é uma estupidez desastrosa. Śrī Caitanya Mahāprabhu desaprovou totalmente a tentativa de descrever os Vedas dessa maneira.

Quanto às Upaniṣads, as seguintes onze Upaniṣads são consideradas os principais: Īśa, Kena, Kaṭha, Praśna, Muṇḍaka, Māṇḍūkya, Taittirīya, Aitareya, Chāndogya, Bṛhad-āraṇyaka e Śvetāśvatara. No entanto, na Muktikopaniṣad, versos 30-39, há uma descrição de 108 Upaniṣads. Eles são os seguintes: (1) Īśopaniṣad, (2) Kenopaniṣad, (3) Kaṭhopaniṣad, (4) Praśnopaniṣad, (5) Muṇḍako-paniṣad, (6) Māṇḍūkyopaniṣad, (7) Taittirīyopaniṣad, (8) Aitareyo-paniṣad, (9) Chāndogyopaniṣad, (10) Bṛhad-āraṇyakopaniṣad, (11) Brahmopaniṣad, (12) Kaivalyopaniṣad, (13) Jābālopaniṣad, (14) Śvetāś-vataropaniṣad, (15) Haṁsopaniṣad, (16) Āruṇeyopaniṣad, (17) Garbho-paniṣad, (18)  Nārāyaṇopaniṣad, (19) Paramahaṁsopaniṣad, (20) Amṛta-bindūpaniṣad, (21) Nāda-bindūpaniṣad, (22) Śiropaniṣad, (23) Atharva-śikhopaniṣad, (24) Maitrāyaṇy-upaniṣad, (25) Kauṣītaky-upaniṣad, (26) Bṛhaj-jābālopaniṣad, (27) Nṛsiṁha-tāpanīyopaniṣad, (28) Kālāgni-rudropaniṣad, (29) Maitreyy-upaniṣad, (30) Subālopaniṣad, (31) Kṣuri-kopaniṣad, (32) Mantrikopaniṣad, (33) Sarva-sāropaniṣad, (34) Nirā-lambopaniṣad, (35) Śuka-rahasyopaniṣad, (36) Vajra-sūcikopaniṣad, (37) Tejo-bindūpaniṣad, (38) Nāda-bindūpaniṣad, (39) Dhyānabindū-paniṣad, (40) Brahma-vidyopaniṣad, (41)Yoga-tattvopaniṣad, (42) Ātma-bodhopaniṣad, (43) Nārada-parivrājakopaniṣad, (44) Triśikhy-upaniṣad, (45) Sītopaniṣad, (46) Yoga-cūḍāmaṇy-upaniṣad, (47) Nirvāṇopaniṣad, (48) Maṇḍala-brāhmaṇopaniṣad, (49) Dakṣiṇā-mūrty-upaniṣad, (50) Śarabhopaniṣad, (51) Skandopaniṣad, (52) Mahānārāyaṇopaniṣad, (53) Advaya-tārakopaniṣad, (54) Rāma-rahasyopaniṣad, (55) Rāma-tāpaṇy-upaniṣad, (56) Vāsudevopaniṣad, (57) Mudgalopaniṣad, (58) Śāṇḍilyopaniṣad, (59) Paiṅgalopaniṣad, (60) Bhikṣūpaniṣad, (61) Mahad-upaniṣad, (62) Śārīrakopaniṣad, (63) Yoga-śikhopaniṣad, (64) Turīyātītopaniṣad, (65) Sannyāsopaniṣad, (66) Paramahaṁsa-parivrājakopaniṣad, (67) Mālikopaniṣad, (68) Avyaktopaniṣad, (69) Ekākṣaropaniṣad, (70) Pūrṇopaniṣad, (71) Sūryopaniṣad, (72) Akṣy-upaniṣad, (73) Adhyātmopaniṣad, (74)  Kuṇḍikopaniṣad, (75) Sāvitry-upaniṣad, (76) Ātmopaniṣad, (77) Pāśupatopaniṣad, (78) Param-brahmopaniṣad, (79)  Avadhūtopaniṣad, (80) Tripurā-tapanopaniṣad, (81) Devy-upaniṣad, (82) Tripuropaniṣad, (83) Kaṭha-rudropaniṣad, (84) Bhāvanopaniṣad, (85) Hṛdayopaniṣad, (86) Yoga-kuṇḍaliny-upaniṣad, (87) Bhasmopaniṣad, (88) Rudrākṣo-paniṣad, (89) Gaṇopaniṣad, (90) Darśanopaniṣad, (91) Tāra-sāropaniṣad, (92) Mahā-vākyopaniṣad, (93) Pañca-brahmopaniṣad, (94) Prāṇāgni-hotropaniṣad, (95) Gopāla-tāpany-upaniṣad, (96) Kṛṣṇopaniṣad, (97) Yājñavalkyopaniṣad, (98) Varāhopaniṣad, (99) Śāṭyāyany-upaniṣad, (100) Hayagrīvopaniṣad, (101) Dattātreyopaniṣad, (102) Gāruḍopaniṣad, (103) Kaly-upaniṣad, (104) Jābāly-upaniṣad, (105) Saubhāgyopaniṣad, (106) Sarasvatī-rahasyopaniṣad, (107) Bahvṛcopaniṣad e (108) Mukti-kopaniṣad. Assim, existem 108 Upaniṣads geralmente aceitas, das quais onze são as mais importantes, como se afirmou anteriormente.

Texto

gauṇa-vṛttye yebā bhāṣya karila ācārya
tāhāra śravaṇe nāśa haya sarva kārya

Sinônimos

gauṇa-vṛttye — com significados indiretos; yeba — que; bhāṣya — comentário; karila preparou; ācārya — Śaṅkarācārya; tāhāra seu; śravaṇe — ouvindo; nāśa destruição; haya — fica; sarva toda; kārya — função.

Tradução

“Śrīpāda Śaṅkarācārya descreve todos os textos védicos em termos de significados indiretos. Aquele que ouve tais explicações está arruinado.”

Texto

tāṅhāra nāhika doṣa, īśvara-ājñā pāñā
gauṇārtha karila mukhya artha ācchādiyā

Sinônimos

tāṅhāra de Śrī Śaṅkarācārya; nāhika não há nenhuma; doṣa falta; īśvara o Senhor Supremo; ājñā — ordem; pāñā recebendo; gauṇa-artha significado indireto; karila faze; mukhya — direto; hīna significado; ācchādiyā encobrindo.

Tradução

“Śaṅkarācārya não é culpado, pois ele encobriu assim o verdadeiro objetivo dos Vedas por ordem da Suprema Personalidade de Deus.”

Comentário

SIGNIFICADO—Deve-se considerar a literatura védica como fonte de conhecimento verdadeiro. Porém, quem não a aceitar como ela é ficará desorientado. Por exemplo, a Bhagavad-gītā é uma obra védica importante, que tem sido ensinada há muitos anos, mas, por ter sido comentada por patifes inescrupulosos, as pessoas não obtiveram nenhum benefício dela, e ninguém chegou à conclusão da consciência de Kṛṣṇa. Contudo, como o propósito da Bhagavad-gītā está sendo apresentado agora como ele é, num breve período de quatro ou cinco anos, milhares de pessoas em todo o mundo têm se tornado conscientes de Kṛṣṇa. Essa é a diferença entre explicações diretas e indiretas da literatura védica. Portanto, Śrī Caitanya Mahāprabhu disse que mukhya-vṛttye sei artha parama mahattva: ensinar a literatura védica segundo seu significado direto, sem falsos comentários, é glorioso. Infelizmente, Śrī Śaṅkarācārya, por ordem da Suprema Personalidade de Deus, fazia um meio-termo entre o ateísmo e o teísmo a fim de enganar os ateístas e trazê-los ao teísmo, e, para fazer isso, abandonou o método direto de conhecimento védico e tentou apresentar um significado que é indireto. Foi com esse objetivo que ele escreveu seu comentário Śārīraka-bhāṣya sobre o Vedānta-sūtra.

Portanto, não se deve atribuir muita importância ao Śārīraka-bhāṣya. A fim de compreender a filosofia vedānta, deve-se estudar o Śrīmad-Bhāgavatam, o qual começa com as palavras: oṁ namo bhagavate vāsudevāya, janmādy asya yato’nvayād itarataś cārtheṣv abhijñaḥ sva-rāṭ: “Ofereço minhas reverências ao Senhor Śrī Kṛṣṇa, filho de Vasudeva, que é a Suprema Personalidade de Deus Onipenetrante. Medito nEle, a realidade transcendental, que é a causa primordial de todas as causas, de quem surgem todos os universos manifestos, em quem eles são mantidos e por quem eles são destruídos. Medito nesse Senhor eternamente refulgente, que é direta e indiretamente consciente de todas as manifestações e, mesmo assim, é plenamente independente.” (Śrīmad-Bhāgavatam 1.1.1) O Śrīmad-Bhāgavatam é o verdadeiro comentário sobre o Vedānta-sūtra. Infelizmente, se alguém fica atraído pelo comentário de Śrī Śaṅkarācārya, Śārīraka-bhāṣya, sua vida espiritual está arruinada.

Alguém poderá argumentar que, já que Śaṅkarācārya é uma encarnação do senhor Śiva, como é que ele enganou as pessoas dessa maneira? A resposta é que ele agiu assim por ordem de seu mestre, a Suprema Personalidade de Deus. No Padma Purāṇa, as palavras do próprio senhor Śiva confirmam isso:

māyāvādam asac chāstraṁ
pracchannaṁ bauddham ucyate
mayaiva kalpitaṁ devi

kalau brāhmaṇa-rūpiṇā
brahmaṇaś cāparaṁ rūpaṁ
nirguṇaṁ vakṣyate mayā
sarva-svaṁ jagato ’py asya

mohanārthaṁ kalau yuge
vedānte tu mahā-śāstre
māyāvādam avaidikam
mayaiva vakṣyate devi

jagatāṁ nāśa-kāraṇāt

“A filosofia māyāvāda”, informou o senhor Śiva à sua esposa Pārvatī, “é impiedosa [asac-chāstra]. É budismo encoberto. Minha querida Pārvatī, sob a forma de um brāhmaṇa em Kali-yuga, eu ensino essa filosofia māyāvāda fictícia. A fim de enganar os ateístas, digo que a Suprema Personalidade de Deus não tem forma nem qualidades. Semelhantemente, ao explicar o Vedānta, descrevo a mesma filosofia māyāvāda a fim de desencaminhar toda a população para o ateísmo, negando a forma pessoal do Senhor.” No Śiva Purāṇa, a Suprema Personalidade de Deus diz ao senhor Śiva:

dvāparādau yuge bhūtvā
kalayā mānuṣādiṣu
svāgamaiḥ kalpitais tvaṁ ca
janān mad-vimukhān kuru

“Em Kali-yuga, desorienta as pessoas em geral, propondo significados imaginários para os Vedas de modo a confundi-las.” Essas são descrições dos Purāṇas.

Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura comenta que mukhya-vṛtti (“o significado direto”) é abhidhā-vṛtti, ou seja, o significado que se pode depreender imediatamente pelas afirmações de dicionários, ao passo que gauṇa-vṛtti (“o significado indireto”) é algo que se imagina sem consultar o dicionário. Por exemplo, certo político diz que kurukṣetra refere-se ao corpo, mas, no dicionário, tal definição não existe. Portanto, esse significado imaginário é gauṇa-vṛtti, ao passo que o significado direto, encontrado no dicionário, é mukhya-vṛtti ou abhidhā-vṛtti. Essa é a distinção entre os dois. Śrī Caitanya Mahāprabhu recomenda que se compreenda a literatura védica em termos de abhidhā-vṛtti, e rejeita gauṇa-vṛtti. No entanto, às vezes, por uma questão de necessidade, descreve-se a literatura védica em termos de lakṣaṇā-vṛtti, ou gauṇa-vṛtti, mas não se deve aceitar tais explicações como verdades permanentes.

O objetivo das discussões nas Upaniṣads e no Vedānta-sūtra é estabelecer filosoficamente o aspecto pessoal da Verdade Absoluta. Entretanto, os impersonalistas, a fim de estabelecer a filosofia deles, aceitam essas discussões em termos de lakṣaṇā-vṛtti, ou significados indiretos. Assim, em vez de serem tattva-vāda, ou seja, buscadores da Verdade Absoluta, eles tornam-se māyāvādas, ou seja, iludidos pela energia material. Quando Śrī Viṣṇusvāmī, um dos quatro ācāryas do culto vaiṣṇava, apresentou sua tese sobre o tema śuddhādvaita-vāda, imediatamente os māyāvādīs aproveitaram-se dessa filosofia e tentaram estabelecer seu advaita-vāda, ou kevalādvaita-vāda. Para derrotar esse kevalādvaita-vāda, Śrī Rāmānujācārya apresentou sua filosofia como viśiṣṭādvaita-vāda, e Śrī Madhvācārya apresentou sua filosofia de tattva-vāda, ambas as quais são obstáculos para os māyāvādīs, pois derrotam a filosofia deles com minuciosos pormenores. Os estudantes da filosofia védica sabem muito bem quão fortemente a viśiṣṭādvaita-vāda de Śrī Rāmānujācārya e o tattva-vāda de Śrī Madhvācārya contestam a filosofia impessoal māyāvāda. No entanto, Śrī Caitanya Mahāprabhu aceitou o significado direto da filosofia vedānta e, assim, derrotou a filosofia māyāvāda imediatamente. A esse respeito, Ele opinou que qualquer pessoa que siga os princípios do Śārīraka-bhāṣya está arruinada. O Padma Purāṇa confirma isso na passagem em que o senhor Śiva diz a Pārvatī:

śṛṇu devi pravakṣyāmi
tāmasāni yathā-kramam
yeṣāṁ śravaṇa-mātreṇa

pātityaṁ jñāninām api
apārthaṁ śruti-vākyānāṁ
darśayaḻ loka-garhitam
karma-svarūpa-tyājyatvam

atra ca pratipādyate
sarva-karma-paribhraṁśān
naiṣkarmyaṁ tatra cocyate
parātma-jīvayor aikyaṁ

mayātra pratipadyate

“Minha querida esposa, ouve minhas explicações de como promovo a ignorância por meio da filosofia māyāvāda. Simplesmente por ouvi-la, mesmo um erudito avançado cairá. Nessa filosofia, que é decerto muito inauspiciosa para as pessoas em geral, desvirtuo o verdadeiro significado dos Vedas e recomendo que todos abandonem suas atividades a fim de se libertarem do karma. Nessa filosofia māyāvāda, digo que jīvātmā e Paramātmā são a mesma coisa.” Descreve-se no Śrī Caitanya-caritāmṛta, Antya-līlā, segundo capítulo, dos versos 94 a 99 (onde Svarūpa Dāmodara Gosvāmī diz que deve ser considerada louca qualquer pessoa que esteja ansiosa por compreender a filosofia māyāvāda), como Śrī Caitanya Mahāprabhu e Seus seguidores condenaram a filosofia māyāvāda. Isso se aplica especialmente a um vaiṣṇava que leia o Śārīraka-bhāṣya e se considere igual a Deus. Os filósofos māyāvādīs apresentam seus argumentos em linguagem tão atrativa e florida que o fato de ouvir a filosofia māyāvāda pode às vezes transformar inclusive a mente de um mahā-bhāgavata, ou seja, um devoto muito avançado. O verdadeiro vaiṣṇava não pode tolerar nenhuma filosofia que declare que Deus e o ser vivo são a mesma coisa.

Texto

‘brahma’-śabde mukhya arthe kahe — ‘bhagavān’
cid-aiśvarya-paripūrṇa, anūrdhva-samāna

Sinônimos

brahma — a Verdade Absoluta; śabde por esta palavra; mukhya — direto; arthe — significado; kahe — diz; bhagavān a Suprema Personalidade de Deus; cit-aiśvarya — opulência espiritual; paripūrṇa plena de; anūrdhva — não superado por ninguém; samāna — não equiparado a ninguém.

Tradução

“Segundo a compreensão direta, a Verdade Absoluta é a Suprema Personalidade de Deus, que tem todas as opulências espirituais. Ninguém pode ser igual ou superior a Ele.”

Comentário

SIGNIFICADO—O Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.11) confirma essa declaração de Śrī Caitanya Mahāprabhu da seguinte maneira:

vadanti tat tattva-vidas
tattvaṁ yaj jñānam advayam
brahmeti paramātmeti
bhagavān iti śabdyate

“Transcendentalistas eruditos que conhecem a Verdade Absoluta chamam essa substância não-dual de Brahman, Paramātmā ou Bhagavān.” Compreende-se a Verdade Absoluta em última análise como Bhagavān, parcialmente como Paramātmā e vagamente como o Brahman impessoal. Bhagavān, ou a Suprema Personalidade de Deus, é opulento em todas as excelências; ninguém pode ser igual ou superior a Ele. Isso também se confirma na Bhagavad-gītā (7.7), onde o Senhor diz que mattaḥ parataraṁ nānyat kiñcid asti dhanañjaya: “Ó conquistador de riquezas [Arjuna], não há verdade superior a Mim.” Muitos outros versos provam que, em última análise, compreende-se a Verdade Absoluta como a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa.

Texto

tāṅhāra vibhūti, deha, — saba cid-ākāra
cid-vibhūti ācchādi’ tāṅre kahe ‘nirākāra’

Sinônimos

tāṅhāra Seu (da Suprema Personalidade de Deus); vibhūti — poder espiritual; deha corpo; saba tudo; cit-akara forma espiritual; cit-vibhūti — opulência espiritual; ācchādi’ — encobrindo; tāṅre a Ele; kahe — dito; nirākāra sem forma.

Tradução

“Tudo na Suprema Personalidade de Deus é espiritual, incluindo Seu corpo, Sua opulência e Sua parafernália. Contudo, a filosofia māyāvāda, encobrindo Sua opulência espiritual, advoga a teoria do impersonalismo.”

Comentário

SIGNIFICADO—A Brahma-saṁhitā afirma que īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ sac-cid-ānanda-vigrahaḥ: “A Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, tem um corpo espiritual que é pleno de conhecimento, eternidade e bem-aventurança.” Neste mundo material, nosso corpo é justamente o oposto – temporário, cheio de ignorância e de miséria. Portanto, ao se descrever às vezes a Suprema Personalidade de Deus como nirākāra, isso é para indicar que Ele não tem um corpo material como nós.

Os filósofos māyāvādīs não sabem como é que a Suprema Personalidade de Deus é sem forma. O Senhor Supremo não tem uma forma como a nossa, mas tem uma forma espiritual. Ignorando isso, os filósofos māyāvādīs simplesmente defendem a visão unilateral de que a Divindade Suprema, ou Brahman, é sem forma (nirākāra). A esse respeito, Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura apresenta muitas citações da literatura védica. Se alguém aceita o significado verdadeiro ou direto dessas afirmações védicas, pode compreender que a Suprema Personalidade de Deus tem um corpo espiritual (sac-cid-ānanda-vigraha).

Na Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad, se diz que pūrṇam adaḥ pūrṇam idaṁ pūrṇāt pūrṇam udacyate. Isso quer dizer que o corpo da Suprema Personalidade de Deus é espiritual, pois, muito embora Ele Se expanda de muitas maneiras, Ele permanece o mesmo. Na Bhagavad-gītā (10.8), o Senhor diz que ahaṁ sarvasya prabhavo mattaḥ sarvaṁ pravartate: “Eu sou a origem de tudo. Tudo emana de Mim.” Os filósofos māyāvādīs pensam de maneira materialista que, se a Verdade Suprema Se expande em tudo, com certeza perde Sua forma original. Assim, eles acham que não pode existir nenhuma outra forma senão o corpo gigantesco e expansivo do Senhor. Porém, o mantra da Bṛhad-āraṇiyaka Upaniṣad confirma que pūrṇam idaṁ pūrṇāt pūrṇam udacyate: “Embora Se expanda de muitas maneiras, Ele mantém Sua personalidade original. Seu corpo espiritual original permanece como ele é.” Do mesmo modo, na Śvetāśvatara Upaniṣad, afirma-se que vicitra-śaktiḥ puruṣaḥ purāṇaḥ: “A Suprema Personalidade de Deus, a pessoa original [puruṣa], tem energias múltiplas.” Sa vṛkṣa-kālākṛtibhiḥ paro ’nyo yasmāt prapañcaḥ parivartate ’yaṁ dharmāvahaṁ pāpanudaṁ bhageśam: “Ele é a origem da criação material, e é apenas devido a Ele que tudo se transforma. Ele é o protetor da religião e o aniquilador de todas as atividades pecaminosas. Ele é o senhor de todas as opulências.” (6.6) Vedāham etaṁ puruṣaṁ mahāntam āditya-varṇaṁ tamasaḥ parastāt: “Agora compreendo que a Suprema Personalidade de Deus é o maior entre os maiores. Ele é refulgente como o Sol e está além deste mundo material.” (3.8) Patiṁ patīnāṁ paramaṁ parastāt: “Ele é o senhor de todos os senhores, o superior de todos os superiores. (6.7) Mahān prabhur vai puruṣaḥ: “Ele é o mestre supremo e a pessoa suprema.” (3.12) Parāsya śaktir vividhaiva śrūyate: “Podemos entender Suas opulências de diferentes maneiras.” (6.8) Essas são afirmações da Śvetāśvatara Upaniṣad. De forma semelhante, no Ṛg Veda, afirma-se que tad viṣṇoḥ paramaṁ padaṁ sadā paśyanti sūrayaḥ: “Viṣṇu é o Supremo, e aqueles que são realmente eruditos pensam apenas em Seus pés de lótus.” Na Praśna Upaniṣad (6.3) se diz que sa īkṣāṁ cakre: “Ele lançou Seu olhar sobre a criação material.” (6.3) No Aitareya Upaniṣad (1.1.1-2) se diz que sa aikṣata, “Ele lançou Seu olhar sobre a criação material”, e sa imāḻ lokān asṛjata, “Ele criou todo este mundo material.”

Assim, podem-se citar muitos versos das Upaniṣads e dos Vedas para provar que a Divindade Suprema não é impessoal. Na Kaṭha Upaniṣad (2.2.13), também se diz que nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām eko bahūnāṁ yo vidadhāti kāmān: “Ele é a pessoa eternamente consciente e suprema que mantém todas as demais entidades vivas.” Todas essas referências védicas dão-nos a entender que a Verdade Absoluta é uma pessoa, embora ninguém possa igualar-se a Ele ou excedê-lO. Embora haja muitos filósofos māyāvādīs tolos que julgam serem maiores inclusive do que Kṛṣṇa, Kṛṣṇa é asamaurdhva: ninguém é igual ou superior a Ele.

Afirma-se na Śvetāśvatara Upaniṣad (3.19) que apāṇi-pādo javano grahītā. Esse verso descreve que a Verdade Absoluta não tem pernas nem mãos. Contudo, embora essa seja uma descrição impessoal, isso não quer dizer que a Personalidade Absoluta de Deus não tem forma. Ele tem uma forma espiritual, que é distinta das formas da matéria. Neste verso, Caitanya Mahāprabhu esclarece tal distinção.

Texto

cid-ānanda — teṅho, tāṅra sthāna, parivāra
tāṅre kahe — prākṛta-sattvera vikāra

Sinônimos

cit-ānanda bem-aventurança espiritual; teṅho — Ele é pessoalmente; tāṅra Sua; sthāna — morada; parivāra séquito; tāṅre a Ele; kahe — alguém diz; prākṛta material; sattvera — bondade; vikāra transformação.

Tradução

“A Suprema Personalidade de Deus é plena de potências espirituais. Portanto, Seu corpo, Seu nome, Sua fama e Seu séquito são todos espirituais. O filósofo māyāvādī, devido à ignorância, diz que tudo isso são meramente transformações do modo material da bondade.”

Comentário

SIGNIFICADO—No sétimo capítulo da Bhagavad-gītā, a Suprema Personalidade de Deus classifica Suas energias em duas categorias distintas – a saber, prakṛta e aprākṛta, ou parā-prakṛti e aparā-prakṛti. O Viṣṇu Purāṇa faz a mesma distinção. Os filósofos māyāvādīs não podem compreender essas duas prakṛtis, ou naturezas – material e espiritual –, mas quem é realmente inteligente pode compreendê-las. Considerando as muitas atividades e variedades na natureza material, por que deveriam os filósofos māyāvādīs negar as variedades espirituais do mundo espiritual? O Bhāgavatam (10.2.32) diz:

ye ’nye ’ravindākṣa vimukta-māninas
tvayy asta-bhāvād aviśuddha-buddhayaḥ

A inteligência daqueles que se julgam libertos, mas não têm informação do mundo espiritual, ainda não está pura. Neste verso, o termo aviśuddha-buddhayaḥ refere-se à inteligência impura. Devido à inteligência impura, ou a um pobre fundo de conhecimento, os filósofos māyāvādīs não podem entender a distinção entre variedade espiritual e variedade material. Portanto, eles não podem sequer pensar em variedade espiritual porque aceitam como fato irrevogável que toda a variedade é material.

Portanto, Śrī Caitanya Mahāprabhu explica neste verso que Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, ou a Verdade Absoluta, tem um corpo espiritual que é distinto dos corpos materiais, e, assim, Seu nome, morada, séquito e qualidades são todos espirituais. O modo material da bondade nada tem a ver com a variedade espiritual. No entanto, os filósofos māyāvādīs não podem entender claramente a variedade espiritual, motivo pelo qual eles imaginam o mundo espiritual como sendo a negação do mundo material. As qualidades materiais de bondade, paixão e ignorância não podem atuar no mundo espiritual, que, portanto, chama-se nirguṇa, como se indica com clareza na Bhagavad-gītā (trai-guṇya-viṣayā vedā nistrai-guṇyo bhavārjuna). O mundo material é uma manifestação dos três modos da natureza material, mas é preciso livrar-se desses modos para alcançar o mundo espiritual, onde a influência deles é totalmente ausente. Agora, o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu desassociará o senhor Śiva da filosofia māyāvāda no verso seguinte.

Texto

tāṅra doṣa nāhi, teṅho ājñā-kārī dāsa
āra yei śune tāra haya sarva-nāśa

Sinônimos

tāṅra sua (do senhor Śiva); doṣa falta; nāhi — não há nenhuma; teṅho — ele; ājñā-kārī — obediente cumpridor de ordens; dāsa — servo; āra outros; yei qualquer pessoa; śune — ouça (a filosofia māyāvāda); tāra dele; haya — fica; sarva-nāśa — tudo perdido.

Tradução

“Śaṅkarācārya, que é uma encarnação do senhor Śiva, é impecável por ser um servo cumpridor das ordens do Senhor. Todavia, aqueles que seguem sua filosofia māyāvādī estão condenados. Perderão todo o seu avanço em conhecimento espiritual.”

Comentário

SIGNIFICADO—Os filósofos māyāvādīs orgulham-se muito em exibir seu conhecimento do Vedānta por meio de malabarismos gramaticais, mas o Senhor Śrī Kṛṣṇa, na Bhagavad-gītā, frisa que eles são māyayāpahṛta-jñānāḥ, “desprovidos de verdadeiro conhecimento devido a māyā. Māyā tem duas potências com as quais executa suas duas funções – prakṣepātmikā-śakti, o poder de atirar a entidade viva no oceano da existência material, e āvaraṇātmikā-śakti, o poder de encobrir o conhecimento da entidade viva. A Bhagavad-gītā explica com a palavra māyayāpahṛta-jñānāḥ a função da āvaraṇātmikā-śakti.

Além disso, o motivo pelo qual a daivī-māyā, ou energia ilusória, de Kṛṣṇa retira o conhecimento dos filósofos māyāvādīs é explicado na Bhagavad-gītā com o uso das palavras āsuraṁ bhāvam āśritāḥ, que se referem a uma pessoa que não concorda com a existência do Senhor. Podem-se classificar os māyāvādīs que não estão de acordo com a existência do Senhor em dois grupos, identificados como os śaṅkaristas impersonalistas de Vārāṇasī e os budistas de Saranātha. Ambos os grupos são de māyāvādīs, e Kṛṣṇa tira-lhes o conhecimento devido a suas filosofias ateístas. Nenhum deles concorda em aceitar a existência de um Deus pessoal. Os filósofos budistas negam claramente tanto a alma quanto Deus e, embora os śaṅkaristas não neguem Deus abertamente, dizem que o Absoluto é nirākāra, ou amorfo. Assim, ambos são aviśuddha-buddhayaḥ, ou seja, de conhecimento e inteligência imperfeitos e impuros.

O erudito māyāvādī mais proeminente, Sadānanda Yogīndra, escreveu um livro chamado Vedānta-sāra, no qual expõe a filosofia de Śaṅkarācārya, e todos os seguidores da filosofia de Śaṅkara atribuem grande importância a suas afirmações. Nesse Vedānta-sāra, Sadānanda Yogīndra define Brahman como sac-cid-ānanda combinado com conhecimento e sem dualidade, e define ignorância (jaḍa) como conhecimento distinto daquele de sat e asat. Isso é quase inconcebível, mas é um produto das três qualidades materiais. Assim, ele considera qualquer coisa que não seja conhecimento puro como sendo material. Ele considera o centro da ignorância como ora onipenetrante, ora individual. Deste modo, segundo sua opinião, tanto o Viṣṇu onipenetrante quanto as entidades vivas individuais são produtos da ignorância.

Em termos simples, segundo a opinião de Sadānanda Yogīndra, já que tudo é nirākāra (amorfo), tanto a concepção de Viṣṇu quanto a concepção da alma individual são produtos da ignorância. Ele também explica que a concepção dos vaiṣṇavas de viśuddha-sattva nada mais é do que prādhāna, ou o princípio fundamental da criação. Ele afirma que, quando o conhecimento onipenetrante é contaminado pelo viśuddha-sattva, que consiste numa transformação da qualidade da bondade, aí surge a concepção da Suprema Personalidade de Deus, que é o supremo líder onisciente, onipotente, a Superalma, a causa de todas as causas, o īśvara supremo, etc. Segundo Sadānanda Yogīndra, como īśvara, o Senhor Supremo, é o reservatório de toda a ignorância, pode-se-Lhe chamar de sarva-jñā, ou onisciente, mas aquele que nega a existência da Suprema Personalidade de Deus onipotente é superior a īśvara, ou o Senhor. Portanto, sua conclusão é que a Suprema Personalidade de Deus (īśvara) é uma transformação da ignorância material e que a entidade viva (jīva) está coberta pela ignorância. Assim, ele coloca tanto a existência coletiva quanto a individual na ignorância. Segundo os filósofos māyāvādīs, a concepção vaiṣṇava do Senhor como a Suprema Personalidade de Deus e da jīva, ou da alma individual, como Sua serva eterna é uma manifestação da ignorância. Contudo, caso aceitemos o julgamento do Senhor Kṛṣṇa na Bhagavad-gītā, passamos a considerar os māyāvādīs como māyayāpahṛta-jñāna, ou seja, desprovidos de todo o conhecimento, porque não reconhecem a existência da Suprema Personalidade de Deus, ou afirmam que a existência dEle é produto da concepção material (māyā). São essas as características dos asuras, ou demônios.

O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu, em Suas conversas com Sārvabhauma Bhaṭṭācārya, disse:

jīvera nistāra lāgi’ sūtra kaila vyāsa
māyāvādi-bhāṣya śunile haya sarva-nāśa

(Śrī Caitanya-caritāmṛta, Madhya 6.169)

Vyāsadeva compôs o Vedānta-sūtra para libertar as almas condicionadas deste mundo material, mas Śaṅkarācārya, ao apresentar o Vedānta-sūtra à sua própria maneira, claramente prestou um grande desserviço à sociedade humana, pois quem segue sua filosofia māyāvāda está arruinado. Indica-se claramente o serviço devocional no Vedānta-sūtra, mas os filósofos māyāvādīs recusam-se a aceitar o corpo espiritual da Suprema Pessoa Absoluta e recusam-se a aceitar que a entidade viva tenha existência individual separada daquela do Senhor Supremo. Assim, eles têm criado um estrago ateísta em todo o mundo, pois tal conclusão é contrária à própria natureza do processo transcendental de serviço devocional puro. A ambição impossível dos filósofos māyāvādīs de se tornarem unos com o Supremo, negando a existência da Personalidade de Deus, resulta na mais calamitosa deturpação de conhecimento espiritual, e aquele que segue esta filosofia está condenado a permanecer perpetuamente neste mundo material. Portanto, chama-se-lhes aviśuddha-buddhayaḥ, ou seja, indivíduos de conhecimento impuro. Devido a seu conhecimento impuro, todas as austeridades e penitências que eles praticam terminam em frustração. Assim, mesmo que a princípio sejam honrados como estudiosos muito eruditos, eles, por fim, caem nas atividades físicas de política, trabalhos sociais etc. Em vez de se tornarem unos com o Senhor Supremo, novamente tornam-se unos com essas atividades materiais. O Śrīmad-Bhāgavatam (10.2.32) explica isso da seguinte maneira:

āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ
patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ

Na realidade, os filósofos māyāvādīs observam muito estritamente as austeridades e penitências da vida espiritual e, dessa maneira, elevam-se à plataforma do Brahman impessoal, mas, como menosprezam os pés de lótus do Senhor, caem novamente na existência material.

Texto

prākṛta kariyā māne viṣṇu-kalevara
viṣṇu-nindā āra nāhi ihāra upara

Sinônimos

prākṛta material; kariyā aceitando dessa maneira; māne aceita; viṣṇu do Senhor Viṣṇu; kalevara corpo; viṣṇu-nindā — difamando ou blasfemando o Senhor Viṣṇu; āra além desta; nāhi nenhuma; ihāra desta; upara — acima.

Tradução

“Quem acha que o corpo transcendental do Senhor Viṣṇu é feito de natureza material é o maior ofensor aos pés de lótus do Senhor. Não há maior blasfêmia contra a Suprema Personalidade de Deus.”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī explica que o aspecto pessoal variado da Verdade Absoluta é o viṣṇu-tattva, e a energia material que cria esta manifestação cósmica é energia do Senhor Viṣṇu. A força criativa é mera energia do Senhor, mas os tolos concluem que o Senhor não tem existência separada porque Ele Se distribuiu em uma forma impessoal. No entanto, o Brahman impessoal não pode possuir energias, nem os textos védicos afirmam que māyā (a energia ilusória) esteja coberta por outra māyā. Entretanto, existem centenas e milhares de referências a viṣṇu-māyā (parāsya śaktiḥ), ou a energia do Senhor Viṣṇu. Na Bhagavad-gītā (7.14), Kṛṣṇa refere-Se a mama māyā (“Minha energia”). Māyā é controlada pela Suprema Personalidade de Deus; não é possível que Ele seja coberto por māyā. Portanto, o Senhor Viṣṇu não pode ser produto da energia material. No início do Vedānta-sūtra, se diz: janmādy asya yataḥ, indicando que a energia material também emana do Brahman Supremo. Como, então, poderia a energia material encobri-lO? Caso isso fosse possível, a energia material seria maior do que o Brahman Supremo. Contudo, os filósofos māyāvādīs não podem compreender nem mesmo esses argumentos simples, em virtude do que o termo māyayāpahṛta-jñāna, aplicado a eles na Bhagavad-gītā, é extremamente apropriado. Deve-se imediatamente considerar insano todo aquele que pensa que o Senhor Viṣṇu é produto da energia material, como tenta explicar Sadānanda Yogīndra, pois a energia ilusória roubou seu conhecimento.

Não se pode classificar o Senhor Viṣṇu dentro da categoria dos semideuses. Aqueles a quem a filosofia māyāvāda realmente confundiu e ainda estão na escuridão da ignorância acham que o Senhor Viṣṇu é um semideus, em oposição ao mantra do Ṛg Veda oṁ tad viṣṇoḥ paramaṁ padam: “Viṣṇu está sempre numa posição superior.” Confirma-se também esse mantra na Bhagavad-gītā. Mattaḥ parataraṁ nānyat: não há verdade superior ao Senhor Kṛṣṇa, ou Viṣṇu. Dessa maneira, somente aqueles cujo conhecimento foi desvirtuado é que acham que o Senhor Viṣṇu é um semideus e, portanto, sugerem que se pode adorar tanto o Senhor Viṣṇu, quanto a deusa Kali, ou Durgā, quanto quem quer que se queira, e ainda assim alcançar o mesmo resultado. Essa é uma conclusão ignorante que não é aceita na Bhagavad-gītā (9.25), que claramente diz:  yānti deva-vratā devān ... yānti mad-yājino ’pi mām: “Os adoradores dos semideuses serão promovidos aos respectivos planetas dos semideuses, mas os devotos do Senhor Supremo voltarão ao lar, voltarão ao Supremo.” O Senhor Kṛṣṇa explica com muita clareza na Bhagavad-gītā que é muito difícil superar Sua energia material (daivī hy eṣā guṇa-mayī mama māyā duratyayā). A influência de māyā é tão forte que mesmo acadêmicos eruditos e espiritualistas estão também cobertos por māyā e consideram-se iguais à Suprema Personalidade de Deus. No entanto, para livrar-nos realmente da influência de māyā, devemos render-nos à Suprema Personalidade de Deus, como Kṛṣṇa também afirma na Bhagavad-gītā (7.14): mām eva ye prapadyante māyām etāṁ taranti te. Deve-se concluir, portanto, que o Senhor Viṣṇu não pertence a esta criação material, mas, sim, ao mundo espiritual. Ter a ideia errada de que o corpo do Senhor Viṣṇu é material ou equipará-lO com os semideuses é a blasfêmia mais ofensiva contra o Senhor Viṣṇu, e os ofensores aos pés de lótus do Senhor Viṣṇu não podem avançar em conhecimento espiritual. Eles são chamados māyayāpahṛta-jñāna, ou seja, aqueles cujo conhecimento foi roubado por influência da ilusão.

Quem pensa que há alguma diferença entre o corpo do Senhor Viṣṇu e Sua alma habita na região mais escura da ignorância. Não há diferença entre o corpo do Senhor Viṣṇu e a alma de Viṣṇu, pois eles são advaya-jñāna, um conhecimento só. Neste mundo, há uma diferença entre o corpo material e a alma espiritual, mas, no mundo espiritual, tudo é espiritual, e não existem tais diferenças. A maior ofensa dos filósofos māyāvādīs é considerar que o Senhor Viṣṇu e as entidades vivas são a mesma coisa. A esse respeito, o Padma Purāṇa afirma, arcye viṣṇau śilā-dhīr guruṣu nara-matir vaiṣṇave jāti-buddhiḥ...yasya vā nārakī saḥ: “Quem acha que a arcā-mūrti, ou Deidade adorável do Senhor Viṣṇu, é uma pedra, que o mestre espiritual é um ser humano comum e que o vaiṣṇava pertence a uma casta ou credo em particular é dotado de inteligência infernal.” Aquele que segue semelhantes conclusões está arruinado.

Texto

īśvarera tattva — yena jvalita jvalana
jīvera svarūpa — yaiche sphuliṅgera kaṇa

Sinônimos

īśvarera tattva a verdade da Suprema Personalidade de Deus; yena — é como; jvalita — abrasante; jvalana — fogo; jīvera das entidades vivas; svarūpa — identidade; yaiche é como; sphuliṅgera — da centelha; kaṇa — partícula.

Tradução

“O Senhor é como um grande fogo abrasante, e as entidades vivas são como pequenas centelhas desse fogo.”

Comentário

SIGNIFICADO—Embora as centelhas e um grande fogo sejam ambos fogo e tenham ambos o poder de queimar, o poder abrasador do fogo e o da centelha não são os mesmos. Por que deveria alguém artificialmente tentar tornar-se um grande fogo, apesar de constitucionalmente ser uma pequena centelha? Isso se deve à ignorância. Portanto, deve-se entender que nem a Suprema Personalidade de Deus nem as pequenas entidades vivas semelhantes a centelhas têm algo a ver com a matéria, mas, ao entrar em contato com o mundo material, a qualidade ígnea da centelha espiritual extingue-se. Essa é a posição das almas condicionadas. Por estarem em contato com o mundo material, a qualidade espiritual delas está quase morta, mas, como essas centelhas espirituais são todas partes integrantes de Kṛṣṇa, como o Senhor afirma na Bhagavad-gītā (mamaivāṁśaḥ), elas podem recuperar sua posição original, livrando-se do contato com a matéria. Essa é a compreensão filosófica pura. A Bhagavad-gītā declara que as centelhas espirituais são sanātana (eternas), em razão do que a energia material, māyā, não pode afetar a posição constitucional delas.

Alguém poderá argumentar: “Por que é necessário criar as centelhas espirituais?” Pode-se dar a resposta da seguinte maneira. Uma vez que a Absoluta Personalidade de Deus é onipotente, tem potências tanto ilimitadas quanto limitadas. Esse é o significado de onipotente. Para ser onipotente, Ele deve ter, não somente potências ilimitadas, mas também potências limitadas. Assim, a fim de demonstrar Sua onipotência, Ele manifesta ambas. As entidades vivas são dotadas de potência limitada, embora façam parte do Senhor. O Senhor manifesta o mundo espiritual através de Suas potências ilimitadas, ao passo que manifesta o mundo material mediante Suas potências limitadas. Na Bhagavad-gītā (7.5), o Senhor diz:

apareyam itas tv anyāṁ
prakṛtiṁ viddhi me parām

jīva-bhūtāṁ mahā-bāho
yayedaṁ dhāryate jagat

“Além da natureza inferior, ó poderoso Arjuna, tenho Minha energia superior, que consiste em todas as entidades vivas, as quais lutam com a natureza material e sustêm o universo.” As entidades vivas, jīva-bhūta, controlam este mundo material com suas potências limitadas. De um modo geral, as atividades de cientistas e tecnólogos confundem as pessoas. Devido a māyā, elas acham que Deus não é necessário e que elas podem fazer qualquer coisa, mas, na verdade, não podem. Uma vez que esta manifestação cósmica é limitada, a existência delas também é limitada. Tudo neste mundo material é limitado, daí existir a criação, a manutenção e a dissolução. No entanto, no mundo da energia ilimitada, o mundo espiritual, não há nem criação nem destruição.

Se a Personalidade de Deus não possuísse tanto energias limitadas quanto ilimitadas, não poderia ser chamado de onipotente. Aṇor aṇīyān mahato mahīyān: Ele é maior do que o maior e menor do que o menor. Ele é menor do que o menor sob a forma das entidades vivas, e é maior do que o maior sob a Sua forma de Kṛṣṇa. Se ninguém controlasse nada, não faria sentido o conceito do controlador supremo (īśvara), assim como não faz sentido um rei sem súditos. Se todos os súditos se tornassem reis, não haveria distinção entre o rei e um cidadão comum. Assim, para o Senhor ser o supremo controlador, é preciso haver uma criação para controlar. O princípio básico para a existência das entidades vivas chama-se cid-vilāsa, ou prazer espiritual. O Senhor onipotente manifesta Sua potência de prazer como as entidades vivas. O Vedānta-sūtra descreve o Senhor como ānandamayo ’bhyāsāt. Por natureza, Ele é o reservatório de todo o prazer, e, por Ele querer gozar de prazer, é preciso haver energias para dar-Lhe prazer ou suprir-Lhe o ímpeto para o prazer. Essa é a compreensão filosófica perfeita da Verdade Absoluta.

Texto

jīva-tattva — śakti, kṛṣṇa-tattva — śaktimān
gītā-viṣṇupurāṇādi tāhāte pramāṇa

Sinônimos

jīva-tattva a verdade das entidades vivas; śakti energia; kṛṣṇa-tattva a verdade da Suprema Personalidade de Deus; śaktimān o possuidor das energias; gītā Bhagavad-gītā; viṣṇu-purāṇa-ādi Viṣṇu Purāṇa e outros Purāṇas; tāhāte neles; pramāṇa há evidências.

Tradução

“As entidades vivas são energias, e não o energético. O energético é Kṛṣṇa. Na Bhagavad-gītā, no Viṣṇu Purāṇa e em outros textos védicos, descreve-se isso muito vividamente.”

Comentário

SIGNIFICADO—Como já se explicou, existem três prasthānas no caminho do avanço em conhecimento espiritual – a saber, nyāya-prasthāna (filosofia vedānta), śruti-prasthāna (as Upaniṣads e os mantras védicos) e smṛti-prasthāna (a Bhagavad-gītā, o Mahābhārata, os Purāṇas, etc.). Infelizmente, os filósofos māyāvādīs não aceitam o smṛti-prasthāna. Smṛti refere-se a conclusões extraídas das evidências védicas. Às vezes, os filósofos māyāvādīs não aceitam a autoridade da Bhagavad-gītā e dos Purāṇas, e isso se chama ardha-kukkuṭī-nyāya. Caso alguém creia nos textos védicos, deve aceitar todos os textos védicos reconhecidos pelos grandes ācāryas. Porém, esses filósofos māyāvādīs só aceitam o nyāya-prasthāna e o śruti-prasthāna, rejeitando o smṛti-prasthāna. Contudo, neste verso, Śrī Caitanya Mahāprabhu cita a evidência da Gītā, do Viṣṇu Purāṇa, etc., que são smṛti-prasthāna. Ninguém pode evitar a Personalidade de Deus nas afirmações da Bhagavad-gītā e de outros textos védicos, tais como o Mahābhārata e os Purāṇas. Portanto, o Senhor Caitanya cita uma passagem da Bhagavad-gītā (7.5).

Texto

apareyam itas tv anyāṁ
prakṛtiṁ viddhi me parām
jīva-bhūtāṁ mahā-bāho
yayedaṁ dhāryate jagat

Sinônimos

aparā — energia inferior; iyam — este mundo material; itaḥ — além desta; tv — mas; anyām — outra; prakṛtiṁ — energia; viddhi — deves saber; me — de Mim; parām — que é energia superior; jīva-bhūtāṁ — elas são as entidades vivas; mahā-bāho — ó poderoso; yayā — através das quais; idam — esse mundo material; dhāryate — está sendo conduzido; jagat a manifestação cósmica.

Tradução

“‘Além da natureza inferior, ó poderoso Arjuna, tenho Minha energia superior, que consiste em todas as entidades vivas, as quais lutam com a natureza material e sustêm o universo.’”

Comentário

SIGNIFICADO—A Bhagavad-gītā explica que os cinco elementos, terra, água, fogo, ar e éter, constituem a energia grosseira da Verdade Absoluta, e que também existem três energias sutis, a saber, a mente, a inteligência e o falso ego, ou seja, a identificação com o mundo fenomenal. Assim, toda a manifestação cósmica divide-se em oito energias, todas as quais são inferiores. Como se explica na Bhagavad-gītā (mama māyā duratyayā), a energia inferior conhecida como māyā é tão forte que, embora a entidade viva não pertença a esta energia, devido à força superior da energia inferior, a entidade viva (jīva-bhūta) se esquece de sua verdadeira posição e se identifica com ela. Kṛṣṇa diz claramente que, além da energia material, há uma energia superior conhecida como jīva-bhūta, ou seja, as entidades vivas. Ao entrar em contato com a energia material, esta energia superior conduz todas as atividades de todo o mundo material fenomenal.

A causa suprema é Kṛṣṇa (janmādy asya yataḥ), que é a origem de todas as energias, as quais trabalham de diversas maneiras. A Suprema Personalidade de Deus tem tanto energia inferior quanto superior, e a diferença entre elas é que a energia superior é real, ao passo que a energia inferior é um reflexo da superior. O reflexo do Sol no espelho ou na água parece ser o Sol, mas não é. Analogamente, o mundo material é apenas um reflexo do mundo espiritual. Embora pareça real, não é; é apenas um reflexo temporário, ao passo que o mundo espiritual é uma realidade concreta. O mundo material, com suas formas grosseiras e sutis, é mero reflexo do mundo espiritual.

A entidade viva não é produto da energia material; ela é energia espiritual. Todavia, em contato com a matéria, esquece sua identidade. Assim, a entidade viva identifica-se com a matéria e entusiasticamente ocupa-se em atividades materiais, disfarçada de tecnólogo, cientista, filósofo, etc. Ela não sabe que não é de forma alguma um produto material, mas, sim, espiritual. Com sua identidade verdadeira assim perdida, ela luta arduamente no mundo material, e o Movimento Hare Kṛṣṇa, ou Movimento para a Consciência de Kṛṣṇa, tenta reviver sua consciência original. Suas atividades ao construir grandes arranha-céus dão prova de sua inteligência, mas essa espécie de inteligência não é nada avançada. Devemos entender que nossa única preocupação verdadeira deve ser no sentido de livrar-nos do contato com a matéria, pois, absorvendo nossa mente em atividades materiais, assumimos corpos materiais repetidamente, e, mesmo que falsamente afirmemos ser muito inteligentes, em consciência material não somos nada inteligentes. Quando falamos sobre o Movimento para a Consciência de Kṛṣṇa, que se destina a tornar as pessoas inteligentes, a entidade viva condicionada o interpreta mal. Ela está tão absorta no conceito material da vida que não pensa que possa haver alguma atividade realmente baseada em inteligência além da construção de arranha-céus e grandes estradas e da indústria automobilística. Essa é a prova de māyayāpahṛta-jñāna, ou perda de toda a inteligência devido à influência de māyā. A entidade viva que se livra de tais equívocos chama-se alma liberada. Quem se liberta realmente não se identifica mais com o mundo material. O sintoma de mukti (liberação) é que nos dedicamos a atividades espirituais, ao invés de nos dedicarmos falsamente a atividades materiais.

O transcendental serviço devocional amoroso é a atividade espiritual da alma espiritual. Os filósofos māyāvādīs confundem tal atividade espiritual com atividade material, mas a Bhagavad-gītā (14.26) confirma:

māṁ ca yo ’vyabhicāreṇa
bhakti-yogena sevate

sa guṇān samatītyaitān
brahma-bhūyāya kalpate

Aquele que se dedica às atividades espirituais de serviço devocional imaculado (avyabhicāriṇī-bhakti) eleva-se imediatamente à plataforma transcendental, e deve-se considerá-lo brahma-bhūta, o que indica que ele não está mais no mundo material, mas, sim, no mundo espiritual. Serviço devocional é iluminação, ou despertar. Ao executar perfeitamente atividades espirituais sob a orientação do mestre espiritual, a entidade viva aperfeiçoa-se em conhecimento e compreende que não é Deus, mas serva de Deus. Como explicou Caitanya Mahāprabhu, jīvera ‘svarūpa’ haya — kṛṣṇera ‘nitya-dāsa’: “A verdadeira identidade da entidade viva é que ela é serva eterna do Supremo”. (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 20.108) Enquanto alguém não chegue a essa conclusão, estará decerto na ignorância. O Senhor também confirma isso na Bhagavad-gītā (7.19), bahūnāṁ janmanām ante jñānavān māṁ prapadyate...sa mahātmā su-durlabhaḥ: “Após muitos nascimentos de luta pela vida e cultivo de conhecimento, quando alguém chega ao ponto de verdadeiro conhecimento, rende-se a Mim.” É muito raro encontrar um mahātmā, ou grande alma, avançado assim. De tal modo, embora os filósofos māyāvādīs pareçam muito avançados em conhecimento, eles ainda não são perfeitos. Para chegarem ao ponto da perfeição, terão de render-se voluntariamente a Kṛṣṇa.

Texto

viṣṇu-śaktiḥ parā proktā
kṣetra-jñākhyā tathā parā
avidyā-karma-saṁjñānyā
tṛtīyā śaktir iṣyate

Sinônimos

viṣṇu-śaktiḥ — a potência do Senhor Viṣṇu; parā — espiritual; proktā — diz-se; kṣetra-jñā-akhyā — a potência conhecida como kṣetrajñā; tathā — bem como; parā — espiritual; avidyā ignorância; karma atividades fruitivas; saṁjñā — conhecida como; anyā — outra; tṛtīyā — terceira; śaktiḥ — potência; iṣyate — assim conhecida.

Tradução

“‘Resume-se a potência do Senhor Viṣṇu em três categorias – a saber, a potência espiritual, as entidades vivas e a ignorância. A potência espiritual é plena de conhecimento; as entidades vivas, embora pertencentes à potência espiritual, estão sujeitas a confundir-se; e a terceira energia, que é plena de ignorância, é sempre visível nas atividades fruitivas.’”

Comentário

SIGNIFICADO—Isto é uma citação do Viṣṇu Purāṇa (6.7.61).

No verso anterior, citado da Bhagavad-gītā, ficou estabelecido que as entidades vivas devem ser categorizadas entre as potências do Senhor. O Senhor é potente, e existem variedades de potências (parāsya śaktir vividhaiva śrūyate). Agora, este verso, citado do Viṣṇu Purāṇa, reconfirma isso. Há variedades de potências, as quais dividem-se em três categorias – a saber, espiritual, marginal e externa.

A potência espiritual manifesta-se no mundo espiritual. A forma, as qualidades, as atividades e o séquito de Kṛṣṇa são todos espirituais. Confirma-se isso também na Bhagavad-gītā (4.6):

ajo ’pi sann avyayātmā
bhūtānām īśvaro ’pi san
prakṛtiṁ svām adhiṣṭhāya
sambhavāmy ātma-māyayā

“Embora Eu seja não-nascido e Meu corpo transcendental nunca se deteriore, e embora Eu seja o Senhor de todos os seres conscientes, ainda assim, apareço em cada milênio sob Minha forma transcendental original.” Ātma-māyā refere-se à potência espiritual. Ao vir a este ou a qualquer outro universo, Kṛṣṇa o faz com Sua potência espiritual. Nascemos forçados pela potência material, mas, como se afirma aqui com referência ao Viṣṇu Purāṇa, o kṣetra-jña, ou entidade viva, pertence à potência espiritual; assim, ao livrarmo-nos das garras da potência material, também podemos entrar no mundo espiritual.

A potência material é energia de escuridão, ou de total ignorância das atividades espirituais. Na potência material, a entidade viva dedica-se a atividades fruitivas, pensando que pode ser feliz por meio da expansão em termos de energia material. Esse fato manifesta-se proeminentemente nesta era de Kali, pois a sociedade humana, não entendendo a natureza espiritual, expande-se vertiginosamente em atividades materiais. Os homens de hoje em dia mal fazem ideia de sua identidade espiritual. Pensam que são produtos dos elementos do mundo material e que tudo acabará com a aniquilação do corpo. Portanto, concluem que, enquanto alguém tenha um corpo material formado de sentidos materiais, deve desfrutar dos sentidos tanto quanto possível. Como são ateístas, não lhes importa saber se existe uma próxima vida. Descrevem-se tais atividades neste verso como avidyā-karma-saṁjānyā.

A energia material é separada da energia espiritual da Suprema Personalidade de Deus. Assim, embora tenha sido originalmente criada pelo Senhor Supremo, Ele, na verdade, não está presente nela. O Senhor também confirma na Bhagavadgītā (9.4) que mat-sthāni sarva-bhūtāni: “Tudo descansa em Mim.” Isso quer dizer que tudo descansa em Sua própria energia. Por exemplo, os planetas descansam dentro do espaço exterior, que é a energia separada de Kṛṣṇa. O Senhor explica na Bhagavad-gītā (7.4):

bhūmir āpo ’nalo vāyuḥ
khaṁ mano buddhir eva ca
ahaṅkāra itīyaṁ me
bhinnā prakṛtir aṣṭadhā

“Terra, água, fogo, ar, éter, mente, inteligência e falso ego – todos estes juntos compreendem Minhas oito energias separadas.” A energia separada age como se fosse independente, mas aqui se diz que, embora tais energias sejam decerto reais, elas não são independentes, mas meramente separadas.

Pode-se compreender a energia separada através do seguinte exemplo prático. Eu componho livros falando em um ditafone, e, ao repassar o ditafone, parece que estou falando pessoalmente, embora, na realidade, não esteja. Fui eu que falei originalmente, mas, então, a fita do ditafone, que é separada de mim, age exatamente como eu. Analogamente, a energia material emana originalmente da Suprema Personalidade de Deus, mas age separadamente, embora a energia seja fornecida pelo Senhor. Explica-se isso também na Bhagavad-gītā (9.10), mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ sūyate sa-carācaram: “Esta natureza material funciona sob Minha orientação, ó filho de Kuntī, e produz todos os seres móveis e imóveis.” Sob a orientação ou superintendência da Suprema Personalidade de Deus, a energia material funciona como se fosse independente, embora, na realidade, não seja independente.

Neste verso do Viṣṇu Purāṇa, classifica-se a totalidade da energia da Suprema Personalidade de Deus em três divisões – a saber, a potência espiritual ou interna do Senhor, a potência marginal ou kṣetra-jña (a entidade viva) e a potência material, que é separada da Suprema Personalidade de Deus e parece agir independentemente. Ao ver, através de sua meditação e autorrealização, a Suprema Personalidade de Deus, Śrīla Vyāsadeva também viu a energia separada do Senhor, parada atrás dEle (apaśyat puruṣaṁ pūrṇaṁ māyāṁ ca tad-apāśrayam). Vyāsadeva também percebeu que é essa energia separada do Senhor, a energia material, que encobre o conhecimento das entidades vivas (yayā sammohito jīva ātmānaṁ tri-guṇātmakam). A energia material separada confunde as entidades vivas (jīvas), e assim elas trabalham arduamente sob sua influência, sem saber que não estão cumprindo a missão de suas vidas. Infelizmente, a maioria delas, pensando ser o corpo, acham que por isso devem desfrutar dos sentidos materiais irresponsavelmente, já que, à hora da morte, tudo estará terminado. Essa filosofia ateísta também floresceu na Índia, onde era às vezes propagada por Cārvāka Muni, que disse:

ṛṇaṁ kṛtvā ghṛtaṁ pibet
yāvaj jīvet sukhaṁ jīvet
bhasmī-bhūtasya dehasya
kutaḥ punar āgamano bhavet

Sua teoria era que, durante a vida, deve-se comer tanto ghī quanto possível. Na Índia, o ghī (manteiga clarificada) é ingrediente básico na preparação de muitas variedades de alimentos. Já que todos desejam desfrutar de boa comida, Cārvāka Muni aconselhou que se comesse tanto ghī quanto possível. Mas alguém poderá dizer: “Não tenho dinheiro. Como faço para conseguir ghī?” Entretanto, Cārvāka Muni diz: “Se não tens dinheiro, então esmola, toma emprestado ou rouba, mas, de qualquer maneira, consegue teu ghī e goza da vida.” A quem ainda objete, dizendo que será responsabilizado por tais atividades desautorizadas de esmolar, tomar emprestado e roubar, Cārvāka Muni respondeu: “Não serás responsável. Assim que teu corpo se reduzir a cinzas após a morte, tudo estará terminado.”

Isso se chama ignorância. A Bhagavad-gītā dá a entender que não se morre com a aniquilação do corpo (na hanyate hanyamāne śarīre). A aniquilação de um corpo acarreta a mudança para outro corpo (tathā dehāntara-prāptiḥ). Portanto, executar atividades irresponsáveis no mundo material é muito perigoso. Sem noção da alma espiritual e de sua transmigração, as pessoas são seduzidas pela energia material, que as ocupa em muitas de tais atividades, como se alguém pudesse ser feliz simplesmente por intermédio de conhecimento material, sem referência à existência espiritual. Portanto, faz-se referência ao mundo material inteiro e a suas atividades como avidyā-karma-saṁjñānyā.

A fim de dissipar a ignorância dos seres humanos que trabalham sob o encanto da energia material, que é separada da Suprema Personalidade de Deus, o Senhor desce para reviver a natureza original de suas atividades espirituais (yadā yadā hi dharmasya glānir bhavati bhārata). Assim que se desviam de sua natureza original, o Senhor vem para ensinar-lhes que sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja: “Minhas queridas entidades vivas, abandonai todas as atividades materiais e simplesmente rendei-vos a Mim, que vos protegerei.” (Bhagavad-gītā 18.66)

Cārvāka Muni afirma que devemos esmolar, tomar emprestado ou roubar dinheiro para conseguir ghī e gozar da vida (ṛṇaṁ kṛtvā ghṛtaṁ pibet). Assim, mesmo o maior ateísta da Índia recomenda que se coma ghī, e não carne. Ninguém jamais imaginaria que algum ser humano acabasse comendo carne como tigres e cães, mas os homens têm se tornado tão degradados que são exatamente como animais e já não podem afirmar pertencer a uma civilização humana.

Texto

hena jīva-tattva lañā likhi’ para-tattva
ācchanna karila śreṣṭha īśvara-mahattva

Sinônimos

hena — tão degradada; jīva-tattva as entidades vivas; lañā considerando-as; likhi — tendo escrito; para-tattva — como o Supremo; āchanna — encobrindo; karila fez; śreṣṭha — a Suprema Personalidade de Deus; īśvara do Senhor; mahattva — glórias.

Tradução

“A filosofia māyāvāda é tão degradada que considera que as entidades vivas insignificantes sejam o Senhor, a Verdade Suprema, encobrindo, assim, a glória e a supremacia da Verdade Absoluta com o monismo.”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura comenta, a este respeito, que todas as escrituras védicas mencionam que jīva-tattva, a verdade das entidades vivas, é uma das energias do Senhor. Se alguém não aceita a entidade viva como sendo uma centelha infinitesimal e diminuta do Supremo, mas equipara jīva-tattva com o Brahman Supremo, ou a Suprema Personalidade de Deus, deve-se compreender que toda a sua filosofia baseia-se num equívoco. Infelizmente, Śrīpāda Śaṅkarācārya afirmou propositadamente que jīva-tattva, ou seja, as entidades vivas, são iguais ao Deus Supremo. Portanto, toda a sua filosofia baseia-se num equívoco e desorienta as pessoas, fazendo-as tornarem-se ateístas, que deixam de cumprir a missão da vida. A missão da vida humana, como se descreve na Bhagavad-gītā, é render-se ao Senhor Supremo e tornar-se Seu devoto, mas a filosofia māyāvāda desorienta-nos, levando-nos a negar a existência da Suprema Personalidade de Deus e a fazermo-nos passar pelo Senhor Supremo. Assim, ela tem desencaminhado centenas e milhares de pessoas inocentes.

No Vedānta-sūtra, Vyāsadeva explica que a Suprema Personalidade de Deus é potente e que tudo, material ou espiritual, é apenas uma emanação de Sua energia. O Senhor, o Brahman Supremo, é a origem ou fonte de tudo (janmādy asya yataḥ), e todas as demais manifestações são emanações de diferentes energias do Senhor. Confirma-se isso também no Viṣṇu Purāṇa:

eka-deśa-sthitasyāgner
jyotsnā vistāriṇī yathā
parasya brahmaṇaḥ śaktis
tathedam akhilaṁ jagat

“Tudo o que vemos neste mundo é apenas uma expansão de diferentes energias da Suprema Personalidade de Deus, que é exatamente como um fogo cuja iluminação se espalha a uma longa distância embora se encontre num só local.” Esse é um exemplo muito vívido. Analogamente, afirma-se que, assim como tudo no mundo material existe sob o brilho do Sol, que é a energia do Sol, da mesma forma, tudo existe com base nas energias espiritual e material da Suprema Personalidade de Deus. Assim, embora Kṛṣṇa Se encontre em Sua própria morada (goloka eva nivasaty akhilātma-bhūtaḥ), onde Ele goza de Seus passatempos transcendentais com os vaqueirinhos e as gopīs, não obstante, Ele está presente em toda parte, mesmo dentro dos átomos deste universo (aṇḍāntara-stha-paramāṇu-cayāntara-stham). Esse é o veredito da literatura védica.

Infelizmente, a filosofia māyāvāda, desorientando as pessoas ao afirmar que a entidade viva é o Senhor, tem causado estragos no mundo inteiro e levado quase todos ao ateísmo. Encobrindo assim as glórias do Senhor Supremo, os filósofos māyāvādīs têm prestado o maior desserviço à sociedade humana. Foi para neutralizar essas atividades muito abomináveis dos filósofos māyāvādīs que o Senhor Caitanya introduziu o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa.

harer nāma harer nāma
harer nāmaiva kevalam
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā

“Nesta era de desavenças e hipocrisia, o único meio de liberação é o cantar do nome do Senhor. Não há outra maneira. Não há outra maneira. Não há outra maneira.” Todos devem simplesmente dedicar-se a cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, pois, assim, gradualmente chegarão a compreender que não são a Suprema Personalidade de Deus, como lhes ensinaram os filósofos māyāvādīs, mas, sim, servos eternos do Senhor. Quem se ocupa no transcendental serviço ao Senhor logo se liberta.

māṁ ca yo ’vyabhicāreṇa
bhakti-yogena sevate
sa guṇān samatītyaitān
brahma-bhūyāya kalpate

“Aquele que se ocupa em serviço devocional pleno, que não cai em nenhuma circunstância, logo transcende os modos da natureza material e assim chega ao nível de Brahman.” (Bhagavad-gītā 14.26) Portanto, o Movimento Hare Kṛṣṇa, ou o Movimento para a Consciência de Kṛṣṇa, é a única luz para as tolas entidades vivas que pensam ou que Deus não existe, ou que, se Deus existe, Ele não tem forma, ou que elas mesmas também são Deus. Esses conceitos errôneos são muito perigosos, e a única maneira de neutralizá-los é propagar o Movimento Hare Kṛṣṇa.

Texto

vyāsera sūtrete kahe ‘pariṇāma’-vāda
‘vyāsa bhrānta’ — bali’ tāra uṭhāila vivāda

Sinônimos

vyāsera — de Śrīla Vyāsadeva; sūtrete — nos códigos; kahe — descreve; pariṇāma — transformação; vāda — filosofia; vyāsa — Śrīla Vyāsadeva; bhrānta errado; bali’ — acusando-o; tāra sua; uṭhāila — levantou; vivāda — oposição.

Tradução

“Em seu Vedānta-sūtra, Śrīla Vyāsadeva descreve que tudo é apenas uma transformação da energia do Senhor. No entanto, Śaṅkarācārya desencaminhou o mundo, comentando que Vyāsadeva estava errado. Assim, ele levantou grande oposição ao teísmo pelo mundo inteiro.”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura explica: “No Vedānta-sūtra, de Śrīla Vyāsadeva, afirma-se definitivamente que todas as manifestações cósmicas resultam de transformações de diversas energias do Senhor. Śaṅkarācārya, contudo, rejeitando a energia do Senhor, acha que é o Senhor que Se transforma. Extraiu muitas afirmações claras da literatura védica e desvirtuou-as para provar que, se o Senhor, ou a Verdade Absoluta, Se transformasse, Sua unidade seria abalada. Assim, ele acusou Śrīla Vyāsadeva de estar equivocado. Portanto, ao desenvolver sua filosofia de monismo, ele estabeleceu vivarta-vāda, a teoria māyāvāda da ilusão.”

No Brahma-sūtra, segundo capítulo, a primeira citação é: tad-ananyatvam ārambhaṇa-śabdādibhyaḥ. Ao comentar sobre este sūtra em seu Śārīraka-bhāṣya, Śaṅkarācārya introduz a afirmação vācārambhaṇaṁ vikāro nāmadheyam da Chāndogya Upaniṣad para tentar provar que está errado aceitar a transformação da energia do Senhor Supremo. Ele procura opor-se a essa transformação de energia de maneira desencaminhadora, que será explicada adiante. Como seu conceito de Deus é impessoal, ele não acredita que toda a manifestação cósmica seja uma transformação das energias do Senhor, pois, tão logo alguém aceite as diversas energias da Verdade Absoluta, é obrigado a admitir que a Verdade Absoluta é pessoal, e não impessoal. Uma pessoa pode criar muitas coisas pela transformação de sua energia. Por exemplo, um homem de negócios transforma sua energia ao estabelecer muitas indústrias ou organizações comerciais. Todavia, ele permanece sendo uma pessoa, embora sua energia tenha se transformado nessas muitas indústrias ou organizações comerciais. Os filósofos māyāvādīs não compreendem esse fato simples. Seus minúsculos cérebros e pobre fundo de conhecimento não lhes fornecem iluminação suficiente para perceber que, ao transformar-se a energia do homem, o próprio homem não se transforma, mas permanece sendo a mesma pessoa.

Não crendo no fato de que a energia da Verdade Absoluta se transforma, Śaṅkarācārya propõe sua teoria da ilusão. Essa teoria afirma que, embora a Verdade Absoluta jamais Se transforme, pensamos que ela se transforma, o que é uma ilusão. Śaṅkarācārya não acredita na transformação da energia da Verdade Absoluta, pois afirma que tudo é um e que, portanto, a entidade viva é também una com o Supremo. Essa é a teoria māyāvāda.

Śrīla Vyāsadeva explica que a Verdade Absoluta é uma pessoa dotada de diferentes potências. Simplesmente por Seu desejo de que houvesse a criação e por meio de Seu olhar (sa aikṣata), Ele criou este mundo material (sa asṛjata). Após a criação, Ele permanece a mesma pessoa; Ele não Se transforma no todo. Devemos aceitar que o Senhor tem energias inconcebíveis e que é por Sua ordem e vontade que surgem variedades de manifestações. No Vedānta-sūtra, se diz: sa-tattvato ’nyathā-buddhir vikāra ity udāhṛtaḥ. Esse mantra indica que de um fato surge outro fato. Por exemplo, o pai é um fato, e o filho produzido pelo pai é o segundo fato. Assim, ambos são verdadeiros, embora um seja produto do outro. Essa produção de uma segunda verdade independente por parte de uma primeira verdade chama-se vikāra, ou seja, transformação que resulta num subproduto. O Brahman Supremo é a Verdade Absoluta, e as demais energias que emanam dEle e existem separadamente, tais como as entidades vivas e a manifestação cósmica, são também verdades. Esse é um exemplo de transformação, que se chama vikāra, ou pariṇāma. Para dar outro exemplo de vikāra, o leite é uma verdade, mas pode-se transformar o mesmo leite em iogurte. Assim, o iogurte é uma transformação do leite, embora os ingredientes do iogurte e do leite sejam os mesmos.

Na Chāndogya Upaniṣad, há o seguinte mantra: aitad-ātmyam idaṁ sarvam. Este mantra indica, sem dúvida, que o mundo inteiro é Brahman. A Verdade Absoluta tem energias inconcebíveis, como se confirma na Śvetāśvatara Upaniṣad (parāsya śaktir vividhaiva śrūyate), e toda a manifestação cósmica é prova dessas diferentes energias do Senhor Supremo. O Senhor Supremo é um fato, e, por isso, qualquer coisa que seja criada pelo Senhor Supremo também é real. Tudo é verdadeiro e completo (pūrṇam), mas o pūrṇam original, a Verdade Absoluta completa, sempre permanece o mesmo. Pūrṇāt pūrṇam udacyate pūrṇasya pūrṇam ādāya. A Verdade Absoluta é tão perfeita que, embora inúmeras energias emanem dEle e manifestem criações que parecem ser diferentes dEle, não obstante, Ele mantém Sua personalidade. Ele nunca Se deteriora sob nenhuma circunstância.

Deve-se concluir que toda a manifestação cósmica é uma transformação da energia do Senhor Supremo, e não do próprio Senhor Supremo, ou Verdade Absoluta, que sempre permanece o mesmo. O mundo material e as entidades vivas são transformações da energia do Senhor, a Verdade Absoluta, ou Brahman, que é a fonte original. Em outras palavras, a Verdade Absoluta, Brahman, é o ingrediente original, e as outras manifestações são transformações desse ingrediente. Confirma-se isso também na Taittirīya Upaniṣad (3.1), yato vā imāni bhūtāni jāyante: “Toda esta manifestação cósmica torna-se possível graças à Verdade Absoluta, a Suprema Personalidade de Deus.” Esse verso indica que Brahman, a Verdade Absoluta, é a causa original, e as entidades vivas (jīvas) e a manifestação cósmica são efeitos dessa causa. Sendo a causa um fato, os efeitos também são reais. Eles não são ilusão. Śaṅkarācārya inconsistentemente procura provar que é uma ilusão aceitar que o mundo material e as jīvas são subprodutos do Senhor Supremo, pois, segundo esse conceito, a existência do mundo material e das jīvas é diferente e separada da existência da Verdade Absoluta. Com esse malabarismo silogístico, os filósofos māyāvādīs propagam o slogan brahma satyaṁ jagan-mithyā, o qual declara que a Verdade Absoluta é real, mas que a manifestação cósmica e as entidades vivas são meras ilusões, ou que todas elas são de fato a Verdade Absoluta e que o mundo material e as entidades vivas não existem separadamente.

Portanto, deve-se concluir que Śaṅkarācārya, a fim de apresentar o Senhor Supremo, as entidades vivas e a natureza material como indivisíveis e ignorantes, tenta encobrir as glórias da Suprema Personalidade de Deus. Ele afirma que a manifestação cósmica material é mithyā, ou falsa, mas isso é um grande disparate. Se a Suprema Personalidade de Deus é real, como pode Sua criação ser falsa? Mesmo na convivência ordinária, não se pode pensar que a manifestação cósmica material seja falsa. Portanto, os filósofos vaiṣṇavas dizem que a criação cósmica não é falsa, mas, sim, temporária. Ela é separada da Suprema Personalidade de Deus, mas, uma vez que a energia do Senhor a criou maravilhosamente, dizer que ela é falsa é uma blasfêmia.

Na realidade, os não-devotos apreciam a maravilhosa criação da natureza material, mas não podem apreciar a inteligência e energia da Suprema Personalidade de Deus, que está por trás desta criação material. Śrīpāda Rāmānujācārya, contudo, refere-se a um sūtra védico, ātmā vā idam agra āsīt, o qual frisa que o ātmā supremo, a Verdade Absoluta, existia antes da criação. Pode ser que alguém argumente: “Se a Suprema Personalidade de Deus é inteiramente espiritual, como é possível que Ele seja a origem da criação e tenha dentro dEle tanto a energia material quanto a espiritual?” Para responder a esse desafio, Śrīpāda Rāmānujācārya cita um mantra da Taittirīya Upaniṣad (3.1), que afirma:

yato vā imāni bhūtāni jāyante
yena jātāni jīvanti
yat prayanty abhisaṁviśanti

Este mantra confirma que toda a manifestação cósmica emana da Verdade Absoluta, descansa na Verdade Absoluta e, após a aniquilação, reentra no corpo da Verdade Absoluta, a Suprema Personalidade de Deus. A entidade viva é originalmente espiritual e, ao entrar no mundo espiritual ou no corpo do Senhor Supremo, ainda retém sua identidade como alma individual. A esse respeito, Śrīpāda Rāmānujācārya dá o exemplo de que, ao entrar numa árvore verde, o pássaro verde não se torna uno com a árvore; ele mantém sua identidade como pássaro, embora pareça fundir-se no verde da árvore. Para dar outro exemplo, um animal que entra numa floresta mantém sua individualidade, embora aparentemente desapareça floresta adentro. Analogamente, na existência material, tanto a energia material quanto as entidades vivas da potência marginal mantêm a individualidade delas. Assim, embora as energias da Suprema Personalidade de Deus interajam dentro da manifestação cósmica, cada uma delas mantém sua existência individual separada. Portanto, o fundir-se nas energias material ou espiritual não implica na perda de individualidade. Segundo a teoria viśiṣṭādvaita de Śrīpāda Rāmānujācārya, embora todas as energias do Senhor sejam uma coisa só, cada uma delas mantém sua individualidade (vaiśiṣṭya).

Śrīpāda Śaṅkarācārya procura desencaminhar os leitores do Vedānta-sūtra, interpretando incorretamente as palavras ānanda-mayo ’bhyāsāt, e inclusive tenta criticar Vyāsadeva. Entretanto, não é preciso examinar aqui todos os códigos do Vedānta-sūtra, já que pretendemos apresentar o Vedānta-sūtra num volume separado.

Texto

pariṇāma-vāde īśvara hayena vikārī
eta kahi’ ‘vivarta’-vāda sthāpanā ye kari

Sinônimos

pariṇāma-vāde — aceitando a teoria da transformação de energia; īśvara o Senhor Supremo; hayena — torna-se; vikārī — transformado; eta kahi’ — dizendo isto; vivarta — ilusão; vāda — teoria; sthāpanā estabelecendo; ye o que; kari faz.

Tradução

“Segundo Śaṅkarācārya, quem aceita a teoria da transformação de energia do Senhor cria uma ilusão, aceitando indiretamente que a Verdade Absoluta Se transforma.”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura comenta que quem não compreende claramente o significado de pariṇāma-vāda, ou transformação da energia, com certeza entenderá mal a verdade relativa a essa manifestação cósmica material e às entidades vivas. Afirma-se na Chāndogya Upaniṣad (6.8.4): san-mūlāḥ saumyemāḥ prajāḥ sad-āyatanāḥ sat-pratiṣṭhāḥ. O mundo material e as entidades vivas são seres distintos, sendo eternamente verdadeiros, e não falsos. Śaṅkarācārya, contudo, temendo desnecessariamente que por pariṇāma-vāda (transformação da energia) Brahman se transformasse (vikārī), imaginou que tanto o mundo material quanto as entidades vivas são falsos e sem individualidade. Com malabarismo de palavras, ele tentou provar que as identidades individuais das entidades vivas e do mundo material são ilusórias, e citou os exemplos de confundir uma corda com uma cobra ou uma concha de ostra com ouro. Assim, enganou as pessoas em geral de modo muito abominável.

O exemplo de confundir uma corda com uma cobra menciona-se na Māṇḍūkya Upaniṣad, mas destina-se a explicar o erro de identificar o carpo com a alma. Já que a alma é realmente uma partícula espiritual, como se confirma na Bhagavad-gītā (mamaivāṁśo jīva-loke), é por ilusão (vivarta-vāda) que um ser humano, tal qual um animal, identifica o corpo com o eu. Esse é um exemplo apropriado de vivarta, ou ilusão. O verso atattvato ’nyathā-buddhir vivarta ity udāhṛtaḥ descreve tal ilusão. Desconhecer fatos reais e assim confundir uma coisa com outra (como, por exemplo, aceitar o corpo como o próprio eu) chama-se vivarta-vāda. Toda entidade viva condicionada que considera o corpo como sendo a alma está iludida por esse vivarta-vāda. Essa filosofia de vivarta-vāda pode atacar alguém que se esquece do poder inconcebível da Personalidade de Deus onipotente.

A Īśopaniṣad explica como a Suprema Personalidade de Deus permanece como Ele é, sem jamais Se alterar: pūrṇasya pūrṇam ādāya pūrṇam evāvaśiṣyate. Deus é completo. Mesmo que uma manifestação completa seja tirada dEle, Ele continua sendo completo. A criação material manifesta-se através da energia do Senhor, mas, de qualquer modo, Ele permanece a mesma pessoa. Sua forma, séquito, qualidades e assim por diante nunca se deterioram. Em seu Paramātmā-sandarbha, Jīva Gosvāmī comenta a respeito de vivarta-vāda da seguinte maneira: “Sob o encanto de vivarta-vāda, imagina-se que as entidades separadas, a saber, a manifestação cósmica e as entidades vivas, sejam unas com Brahman. Isso se deve à total ignorância do fato real. A Verdade Absoluta, ou Parabrahman, é sempre uma só e sempre a mesma. Ele é inteiramente livre de todos os conceitos de existência. Ele é inteiramente livre do falso ego, pois é identidade espiritual plena. É absolutamente impossível que Ele Se sujeite à ignorância e caia sob o encanto de uma concepção errônea (vivarta-vāda). A Verdade Absoluta está além de nossos conceitos. Deve-se admitir que Ele tem qualidades imaculadas, as quais Ele não compartilha com qualquer entidade viva. As imperfeições de seres vivos comuns não O afetam de modo algum. Portanto, todos devem compreender que a Verdade Absoluta possui potências inconcebíveis.”

Texto

vastutaḥ pariṇāma-vāda — sei se pramāṇa
dehe ātma-buddhi — ei vivartera sthāna

Sinônimos

vastutaḥ — de fato; pariṇāma-vāda — transformação da energia; sei isto; se — apenas; pramāṇa prova; dehe — no corpo; ātma-buddhi — conceito do eu; ei este; vivartera — de ilusão; sthāna — local.

Tradução

“A transformação da energia é um fato provado. É a falsa concepção corpórea do eu que é uma ilusão.”

Comentário

SIGNIFICADO—O jīva, ou entidade viva, é uma centelha espiritual, parte integrante da Suprema Personalidade de Deus. Infelizmente, pensa que o corpo é o eu, e essa compreensão errada chama-se vivarta, ou seja, aceitar o falso como sendo real. O corpo não é o eu, embora animais e pessoas tolas pensem que seja. No entanto, vivarta (ilusão) não denota uma mudança na identidade da alma espiritual; é o equívoco de que o corpo é o eu que é uma ilusão. De forma semelhante, a Suprema Personalidade de Deus não Se altera quando Sua energia externa – que consiste nos oito elementos materiais grosseiros e sutis registrados na Bhagavad-gītā (bhūmir āpo ’nalo vāyuḥ, etc.) – age e reage em diferentes fases.

Texto

avicintya-śakti-yukta śrī-bhagavān
icchāya jagad-rūpe pāya pariṇāma

Sinônimos

avicintya — inconcebível; śakti potência; yukta — dotada de; śrī — a afluente; bhagavān Personalidade de Deus; icchāya por Sua vontade; jagat-rūpe — sob a forma da manifestação cósmica; pāya torna-se; pariṇāma — transformada por Sua energia.

Tradução

“A Suprema Personalidade de Deus é opulenta sob todos os aspectos. Portanto, mediante Suas energias inconcebíveis, transforma a manifestação cósmica material.”

Texto

tathāpi acintya-śaktye haya avikārī
prākṛta cintāmaṇi tāhe dṛṣṭānta ye dhari

Sinônimos

tathāpi mesmo assim; acintya-śaktye pela potência inconcebível; haya — permanece; avikārī — imutáve1; prākṛta material; cintāmaṇi — pedra filosofal; tahe — a respeito disto; dṛṣṭānta — exemplo; ye que; dhari — aceitamos.

Tradução

“Usando o exemplo da pedra filosofal [cintāmaṇi], que, mediante sua energia, transforma ferro em ouro e mesmo assim permanece a mesma, podemos compreender que, embora a Suprema Personalidade de Deus transforme Suas inúmeras energias, Ele permanece imutável.”

Texto

nānā ratna-rāśi haya cintāmaṇi haite
tathāpiha maṇi rahe svarūpe avikṛte

Sinônimos

nānā variedades; ratna-rāśi — joias preciosas; haya — tornam-se possíveis; cintāmaṇi — a pedra filosofal; haite — de; tathāpiha ainda assim, com certeza; maṇi — a pedra filosofal; rahe permanece; svarūpe — em sua forma original; avikṛte — sem mudança.

Tradução

“Embora a pedra filosofal produza muitas variedades de joias preciosas, não obstante, ela permanece a mesma. Ela não altera sua forma original.”

Texto

prākṛta-vastute yadi acintya-śakti haya
īśvarera acintya-śakti, — ithe ki vismaya

Sinônimos

prākṛta-vastute — em coisas materiais; yadi se; acintya — inconcebível; śakti potência; haya — torna-se possível; īśvarera — do Senhor Supremo; acintya — inconcebível; śakti potência; ithe nisto; ki que; vismaya — maravilhoso.

Tradução

“Se existe semelhante potência inconcebível em objetos materiais, por que não deveríamos crer na potência inconcebível da Suprema Personalidade de Deus?”

Comentário

SIGNIFICADO—O argumento que Śrī Caitanya Mahāprabhu apresenta neste verso pode ser facilmente entendido, mesmo por um homem comum – basta ele meditar sobre as atividades do Sol, que tem fornecido quantidade ilimitada de calor e luz desde tempos imemoriais e, mesmo assim, não sofreu nenhuma diminuição de poder. A ciência moderna crê que toda a manifestação cósmica é mantida pelo brilho do Sol, e realmente pode-se ver como as ações e reações do brilho do Sol mantêm em ordem todo o universo. O crescimento dos legumes e mesmo a órbita dos planetas ocorrem devido ao calor e à luz do Sol. Portanto, às vezes, os cientistas modernos julgam que o Sol seja a causa original da criação, desconhecendo que o Sol é apenas um meio, pois também é criado pela energia suprema da Suprema Personalidade de Deus. À parte do Sol e da pedra filosofal, há muitas outras coisas materiais que transformam suas energias de diferentes maneiras e, mesmo assim, permanecem como são. Portanto, não é necessário que a causa original, a Suprema Personalidade de Deus, Se altere devido às mudanças ou transformações de Suas diferentes energias.

A falsidade da explicação de vivarta-vāda e pariṇāma-vāda de Śrīpāda Śaṅkarācārya foi descoberta pelos ācāryas vaiṣṇavas, especialmente por Jīva Gosvāmī, cuja opinião é que, na verdade, Śaṅkara não compreendeu o Vedānta-sūtra. Na explicação que Śaṅkara dá de um sūtra, ānanda-mayo ’bhyāsāt, ele interpreta o afixo mayaṭ com um malabarismo de palavras tal que a própria explicação prova que ele tinha pouco conhecimento do Vedānta-sūtra, embora, por outro lado, quisesse apoiar seu impersonalismo por meio dos códigos da filosofia vedānta. Na verdade, contudo, ele não conseguiu fazer isso, pois não pôde apresentar argumentos fortes. A esse respeito, Śrīla Jīva Gosvāmī cita o código brahma-pucchaṁ pratiṣṭhā, o qual prova vedicamente que o Brahman é a origem de tudo. Ao explicar esse verso, Śrīpāda Śaṅkarācārya interpretou diversas palavras sânscritas de tal maneira que, segundo Jīva Gosvāmī, insinuou que Vyāsadeva tinha pouquíssimo conhecimento de lógica superior. Tal desvio inescrupuloso do significado verdadeiro do Vedānta-sūtra tem criado uma classe de homens que, através de malabarismo de palavras, procuram extrair diversos sentidos indiretos dos textos védicos, especialmente da Bhagavad-gītā. Um deles chegou a dizer que a palavra kurukṣetra refere-se ao corpo. Entretanto, semelhantes interpretações insinuam que nem o Senhor Kṛṣṇa nem Vyāsadeva tinham um senso adequado de uso de palavras ou de ajustes etimológicos. Elas nos levam a presumir que, uma vez que o Senhor Kṛṣṇa não podia descobrir pessoalmente o significado daquilo que Ele próprio falava e Vyāsadeva não sabia o sentido do que escrevia, o Senhor Kṛṣṇa deixou que Seu livro fosse explicado mais tarde pelos māyāvādīs. No entanto, semelhantes interpretações provam apenas que seus proponentes têm pouquíssimo senso filosófico.

Em vez de perder tempo falsamente extraindo tais significados indiretos do Vedānta-sūtra e de outros textos védicos, devem-se aceitar as palavras desses livros como elas são. Portanto, ao apresentar o Bhagavad-gītā Como Ele É, não alteramos o sentido das palavras originais. De modo semelhante, quem estudar o Vedānta-sūtra como ele é, sem adulterações caprichosas e extravagantes, poderá compreender o Vedānta-sūtra com muita facilidade. Portanto, Śrīla Vyāsadeva explica o Vedānta-sūtra a partir do primeiro sūtra, janmādy asya yataḥ, em seu Śrīmad-Bhāgavatam (1.1.1):

janmādy asya yato ’nvayād itarataś cārtheṣv abhijñaḥ sva-rāṭ

“Eu medito nEle [o Senhor Śrī Kṛṣṇa], a realidade transcendente, que é a causa primordial de todas as causas, de quem surgem todos os universos manifestos, em quem eles são mantidos e por quem são destruídos. Medito nesse Senhor eternamente refulgente, que é direta e indiretamente consciente de todas as manifestações e, mesmo assim, é plenamente independente.” A Suprema Personalidade de Deus sabe muito bem como fazer tudo perfeitamente. Ele é abhijñaḥ, sempre plenamente consciente. Portanto, o Senhor diz na Bhagavad-gītā (7.26) que sabe de tudo – no passado, no presente e no futuro –, mas ninguém, exceto o devoto, O conhece como Ele é. Portanto, os devotos do Senhor entendem, pelo menos parcialmente, a Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, mas os filósofos māyāvādīs, que especulam desnecessariamente para entender a Verdade Absoluta, simplesmente perdem seu tempo.

Texto

‘praṇava’ se mahāvākya — vedera nidāna
īśvara-svarūpa praṇava sarva-viśva-dhāma

Sinônimos

praṇava — o oṁkāra; se — esta; mahā-vākya — vibração sonora transcendental; vedera — dos Vedas; nidāna — princípio básico; īśvara-svarūpa — representação direta da Suprema Personalidade de Deus; praṇava oṁkāra; sarva-viśva — de todos os universos; dhāma — é o reservatório.

Tradução

“A vibração sonora védica oṁkāra, a principal palavra nos textos védicos, é a base de todas as vibrações védicas. Portanto, deve-se aceitar o oṁkāra como a representação sonora da Suprema Personalidade de Deus e o reservatório da manifestação cósmica.”

Comentário

SIGNIFICADO—A Bhagavad-gītā (8.13) descreve as glórias do oṁkāra da seguinte maneira:

oṁ ity ekākṣaraṁ brahma
vyāharan mām anusmaran
yaḥ prayāti tyajan dehaṁ
sa yāti paramāṁ gatim

Este verso indica que oṁkāra, ou praṇava, é uma representação direta da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, se, à hora da morte, alguém simplesmente se lembra de oṁkāra, ele se lembra da Suprema Personalidade de Deus e é, portanto, transferido imediatamente ao mundo espiritual. Oṁkāra é o princípio básico de todos os mantras védicos, pois é uma representação do Senhor Kṛṣṇa, sendo que entender Kṛṣṇa é a meta última dos Vedas, como se afirma na Bhagavad-gītā (vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ). Os filósofos māyāvādīs não podem entender esses fatos simples explicados na Bhagavad-gītā e, mesmo assim, têm muito orgulho de ser vedāntīs. Portanto, às vezes referimo-nos aos filósofos vedāntīs como aqueles que não têm dentes (danta significa “dentes”, e vi significa “sem”). As afirmações da filosofia Śaṅkara, que são os dentes do filósofo māyāvādī, são sempre quebrados pelos fortes argumentos de filósofos vaiṣṇavas, tais como os grandes ācāryas, especialmente Rāmānujācārya. Śrīpāda Rāmānujācārya e Madhvācārya quebram os dentes dos filósofos māyāvādīs, que, portanto, podem ser chamados de vedāntīs no sentido de que “não têm dentes.”

Na Bhagavad-gītā, oitavo capítulo, verso 13, explica-se a vibração transcendental oṁkāra:

oṁ ity ekākṣaraṁ brahma
vyāharan mām anusmaran
yaḥ prayāti tyajan dehaṁ
sa yāti paramāṁ gatim

“Após firmar-se na prática de yoga e vibrar a sagrada sílaba oṁ, a suprema combinação de letras, todo aquele que pensar na Suprema Personalidade de Deus e abandonar seu corpo decerto alcançará os planetas espirituais.” Para quem realmente entender que o oṁkāra é a representação sonora da Suprema Personalidade de Deus, quer cante oṁkāra, quer o mantra Hare Kṛṣṇa, o resultado com certeza será o mesmo.

A vibração transcendental oṁkāra também é explicada na Bhagavad-gītā, nono capítulo, verso 17:

pitāham asya jagato
mātā dhātā pitāmahaḥ
vedyaṁ pavitram oṁkāra
ṛk sāma yajur eva ca

“Eu sou o pai deste universo, a mãe, o apoio e o avô. Eu sou o objeto de conhecimento, o purificador e a sílaba oṁ. Sou também o Ṛg-veda, o Sāma-veda e o Yajur-veda.”

De modo semelhante, o som transcendental oṁ é explicado ainda na Bhagavad-gītā, décimo sétimo capítulo, verso 23:

ooṁ tat sad iti nirdeśo
brahmaṇas tri-vidhaḥ smṛtaḥ
brāhmaṇās tena vedāś ca
yajñāś ca vihitāḥ purā

“Desde o início da criação, as três sílabas oṁ tat sat têm sido usadas para indicar a Suprema Verdade Absoluta [Brahman]. Os brāhmaṇas as pronunciavam enquanto cantavam hinos védicos e durante sacrifícios para a satisfação do Supremo.”

Em todos os textos védicos, mencionam-se especificamente as glórias do oṁkāra. Śrīla Jīva Gosvāmī, em sua tese Bhagavat-sandarbha, diz que, na literatura védica, considera-se o oṁkāra a vibração sonora do santo nome da Suprema Personalidade de Deus. Apenas essa vibração de som transcendental pode libertar a alma condicionada das garras de māyā. Às vezes, o oṁkāra também é chamado de o libertador (tāra). O Śrīmad-Bhāgavatam começa com a vibração oṁkāra: oṁ namo bhagavate vāsudevāya. Portanto, o grande comentador Śrīdhāra Svāmī descreve o oṁkāra como tārāṅkura, a semente de libertação do mundo material. Uma vez que a Divindade Suprema é absoluta, Seu santo nome e Sua vibração sonora oṁkāra são iguais a Ele próprio. Caitanya Mahāprabhu diz que o santo nome, ou oṁkāra, a representação transcendental da Suprema Personalidade de Deus, tem todas as potências da Personalidade de Deus.

nāmnām akāri bahudhā nija-sarva-śaktis
tatrārpitā niyamitaḥ smaraṇe na kālaḥ

Todas as potências estão incluídas na vibração sagrada do santo nome do Senhor. Não há dúvida de que o santo nome do Senhor, ou oṁkāra, seja a própria Suprema Personalidade de Deus. Em outras palavras, qualquer pessoa que cante o oṁkāra e o santo nome do Senhor, Hare Kṛṣṇa, logo se encontra com o Senhor Supremo diretamente sob Sua forma de som. O Nārada-pañcarātra diz claramente que a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, aparece pessoalmente perante quem se dedica a cantar o aṣṭākṣara, ou o mantra de oito sílabas, oṁ namo nārāyaṇāya. Uma afirmação semelhante na Māṇḍūkya Upaniṣad declara que o que quer que se veja no mundo espiritual é expansão da potência espiritual do oṁkāra.

Baseado em todas as Upaniṣads, Śrīla Jīva Gosvāmī diz que o oṁkāra é a Suprema Verdade Absoluta e é aceito como tal por todos os ācāryas e autoridades. O oṁkāra é inato, imutável, supremo e livre de deterioração e contaminação externa. O oṁkāra é a origem, o meio e o fim de tudo, e qualquer entidade viva que assim compreenda o oṁkāra alcança a perfeição da identidade espiritual no oṁkāra. Estando situado no coração de todos, o oṁkāra é īśvara, a Suprema Personalidade de Deus, como se confirma na Bhagavad-gītā (īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati). O oṁkāra é como Viṣṇu porque o oṁkāra é onipenetrante como Viṣṇu. Quem sabe que o oṁkāra e o Senhor Viṣṇu são idênticos não tem mais por que se lamentar ou ansiar. Quem entoa o oṁkāra deixa de ser śūdra, galgando imediatamente a posição de brāhmaṇa. Simplesmente por entoar o oṁkāra, pode-se compreender que toda a criação é uma unidade, ou seja, uma expansão da energia do Senhor Supremo. Idaṁ hi viśvaṁ bhagavān ivetaro yato jagat-sthāna-nirodha-sambhavāḥ: “O próprio Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, é este cosmo e, não obstante, está à parte dele. É dEle apenas que esta manifestação cósmica emana, nEle ela descansa, e nEle entra após a aniquilação.” (Śrīmad-Bhāgavatam 1.5.20) Embora quem não compreende isso conclua de outra maneira, o Śrīmad-Bhāgavatam afirma que a manifestação cósmica inteira não é mais que uma expansão da energia do Senhor Supremo. É possível compreender isso cantando o santo nome do Senhor, oṁkāra.

No entanto, não se deve concluir tolamente que, como a Suprema Personalidade de Deus é onipotente, inventamos uma combinação de letras – a, u e m para representá-lO. De fato, o som transcendental oṁkāra, embora seja uma combinação das três letras a, u e m, tem potência transcendental, e quem cantar oṁkāra muito em breve compreenderá que oṁkāra não é diferente do Senhor Viṣṇu. Kṛṣṇa declara que praṇavaḥ sarva-vedeṣu: “Sou a sílaba oṁ nos mantras védicos.” (Bhagavad-gītā 7.8) Portanto, deve-se concluir que, dentre as muitas encarnações da Suprema Personalidade de Deus, o oṁkāra é a encarnação sonora. Todos os Vedas aceitam essa tese. Devemos sempre lembrar que o santo nome do Senhor e o próprio Senhor são sempre idênticos (abhinnatvān nāma-nāminoḥ). Uma vez que o oṁkāra é o princípio básico de todo o conhecimento védico, ele é pronunciado antes que se comece a cantar qualquer hino védico. Sem o oṁkāra, nenhum mantra védico é exitoso. Portanto, os Gosvāmīs declaram que o praṇava (oṁkāra) é a representação completa da Suprema Personalidade de Deus, e eles analisaram o oṁkāra em termos de seus constituintes alfabéticos da seguinte maneira:

a-kāreṇocyate kṛṣṇaḥ
sarva-lokaika-nāyakaḥ
u-kāreṇocyate rādhā
ma-kāro jīva-vācakaḥ

Oṁkāra é a combinação das letras a, u e m. A-kāreṇocyate kṛṣṇaḥ: a letra a (a-kāra) refere-se a Kṛṣṇa, que é sarva-lokaika-nāyakaḥ, o senhor de todas as entidades vivas e de todos os planetas, materiais e espirituais. Nāyaka significa “líder”. Ele é o líder supremo (nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām). A letra a (u-kāra) indica Śrīmatī Rādhārānī, a potência de prazer de Kṛṣṇa, e m (ma-kāra) indica as entidades vivas (jīvas). Assim, o oṁ é a combinação completa de Kṛṣṇa, Sua potência e Seus servos eternos. Em outras palavras, o oṁkāra representa Kṛṣṇa, Seu nome, fama, passatempos, séquito, expansões, devotos, potências e tudo mais relativo a Ele. Sarva-viśva-dhāma: o oṁkāra é o lugar de descanso de tudo, assim como Kṛṣṇa é o lugar de descanso de tudo (brahmaṇo hi pratiṣṭhāham).

Os filósofos māyāvādīs consideram que muitos mantras védicos são o mahā-vākya, ou o mantra védico principal, tais como tat tvam asi (Chāndogya Upaniṣad 6.8.7), idaṁ sarvaṁ yad ayam ātmā e brahmedaṁ sarvam (Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad 2.5.1), ātmaivedaṁ sarvam (Chāndogya Upaniṣad 7.25.2) e neha nānāsti kiñcana (Kaṭha Upaniṣad 2.1.11). Esse é um grande erro. Somente o oṁkāra é o mahā-vākya. Todos esses outros mantras que os māyāvādīs aceitam como o mahā-vākya são apenas incidentais. Não se pode aceitá-los como o mahā-vākya, ou mahā-mantra. O mantra tat tvam asi indica apenas uma compreensão parcial dos Vedas, ao contrário do oṁkāra, que representa a compreensão plena dos Vedas. Portanto, o som transcendental que inclui todo o conhecimento védico é o oṁkāra (praṇava).

Afora o oṁkāra, não se pode considerar como mahā-vākya nenhuma das palavras pronunciadas pelos seguidores de Śaṅkarācārya. Elas não passam de observações passageiras. Entretanto, Śaṅkarācārya jamais enfatizou o cantar do mahā-vākya oṁkāra; ele aceitava apenas tat tvam asi como o mahā-vākya. Imaginando que a entidade viva fosse Deus, ele desvirtuou todos os mantras do Vedānta-sūtra, motivado a provar que as entidades vivas não têm existência separada daquela da Suprema Verdade Absoluta. Isso se assemelha à tentativa de certo político de provar que a Bhagavad-gītā prega a não-violência. Kṛṣṇa é violento com os demônios, e tentar provar que Kṛṣṇa não é violento é, em última análise, negar Kṛṣṇa. Essas explicações da Bhagavad-gītā são tão absurdas como o é a explicação de Śaṅkarācārya do Vedānta-sūtra, e nenhum homem são e razoável aceitá-la-á. No entanto, hoje em dia, o Vedānta-sūtra é desvirtuado, não somente pelos ditos vedāntīs, mas também por outras pessoas inescrupulosas, as quais são tão degradadas que recomendam inclusive a sannyāsīs o comer de carne, peixe e ovos. Dessa maneira, os ditos seguidores de Śaṅkara, os māyāvādīs impersonalistas, se afundam cada vez mais. Como podem esses homens degradados explicar o Vedānta-sūtra, que é a essência de toda a literatura védica?

O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu declara que māyāvādī-bhāṣya śunile haya sarva-nāśa: qualquer pessoa que ouça comentários sobre o Vedānta-sūtra da escola māyāvāda está completamente arruinada. Como se explica na Bhagavad-gītā (15.15), vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ: toda a literatura védica visa a compreender Kṛṣṇa. No entanto, a filosofia māyāvāda afasta todos de Kṛṣṇa. Portanto, o movimento para a consciência de Kṛṣṇa é uma grande necessidade em todo o mundo para salvar a todos da degradação. Todo homem sensato e inteligente deve abandonar a explicação filosófica dos māyāvādīs e aceitar a explicação dos ācāryas vaiṣṇavas. Todos devem ler o Bhagavad-gītā Como Ele É e procurar entender o verdadeiro objetivo dos Vedas.

Texto

sarvāśraya īśvarera praṇava uddeśa
‘tat tvam asi’ — vākya haya vedera ekadeśa

Sinônimos

sarva-āśraya — o reservatório de tudo; īśvarera — da Suprema Personalidade de Deus; praṇava oṁkāra; uddeśa — intenção; tat tvam asi — o mantra védico tat tvam asi (“tu és o mesmo”); vākya — afirmação; haya — torna-se; vedera — da literatura védica; eka-deśa — compreensão parcial.

Tradução

“É intenção da Suprema Personalidade de Deus apresentar o praṇava [oṁkāra] como o reservatório de todo o conhecimento védico. As palavras tat tvam asi são apenas uma explicação parcial do conhecimento védico.”

Comentário

SIGNIFICADO—Tat tvam asi significa “tu és a mesma identidade espiritual.”

Texto

‘praṇava’, mahā-vākya — tāhā kari’ ācchādana
mahāvākye kari ‘tat tvam asi’ra sthāpana

Sinônimos

praṇava oṁkāra; mahā-vākya mantra principal; tāhā isto; kari’ fazendo; ācchādana — encoberto; mahā-vākye em vez do mantra principal; kari faço; tat-tvam-asi’ra sthāpanā estabelecimento da afirmação tat tvam asi.

Tradução

“O praṇava [oṁkāra] é o mahā-vākya [mahā-mantra] nos Vedas. Os seguidores de Śaṅkarācārya encobrem isso para enfatizar, sem autoridade, o mantra tat tvam asi.”

Comentário

SIGNIFICADO—Os filósofos māyāvādīs enfatizam as afirmações tat tvam asi, so’ham, etc., mas não enfatizam o verdadeiro mahā-mantra, praṇava (oṁkāra). Portanto, por deturparem o conhecimento védico, eles são os maiores ofensores aos pés de lótus do Senhor. Caitanya Mahāprabhu diz claramente que māyāvādī kṛṣṇe aparādhī: “Os filósofos māyāvādīs são os maiores ofensores ao Senhor Kṛṣṇa.” O Senhor Kṛṣṇa declara:

tān ahaṁ dviṣataḥ krūrān
saṁsāreṣu narādhamān
kṣipāmy ajasram aśubhān
āsurīṣv eva yoniṣu

“Aqueles que são invejosos e malévolos, que são os mais baixos da humanidade, Eu os precipito no oceano da existência material, em diversas espécies de vida demoníacas.” (Bhagavad-gītā 16.19) A vida sob formas demoníacas aguarda os filósofos māyāvādīs após a morte, pois eles têm inveja de Kṛṣṇa. Quando Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (9.34) que man-manā bhava mad-bhakto mad-yājī māṁ namaskuru (“Ocupa tua mente sempre em pensar em Mim, oferece-Me reverências e adora-Me”), um estudioso demoníaco diz que não é a Kṛṣṇa que devemos nos render. Semelhante estudioso já sofre nesta vida, e terá que sofrer novamente na próxima, caso nesta vida não complete o sofrimento a ele prescrito. Devemos ser muito cautelosos para não invejar a Suprema Personalidade de Deus. Portanto, no próximo verso, Śrī Caitanya Mahāprabhu afirma claramente o objetivo dos Vedas.

Texto

sarva-veda-sūtre kare kṛṣṇera abhidhāna
mukhya-vṛtti chāḍi’ kaila lakṣaṇā-vyākhyāna

Sinônimos

sarva-veda-sūtre — em todos os códigos do Vedānta-sūtra; kare estabelece; kṛṣṇera do Senhor Kṛṣṇa; abhidhāna — explicação; mukhya-vṛtti — interpretação direta; chāḍi’ — abandonando; kaila fizeram; lakṣaṇā — indireta; vyākhyāna — explicação.

Tradução

“Todos os sūtras e textos védicos destinam-se a compreender o Senhor Kṛṣṇa, mas os seguidores de Śaṅkarācārya encobriram o significado verdadeiro dos Vedas com explicações indiretas.”

Comentário

SIGNIFICADO—Nos Vedas, se diz:

vede rāmāyaṇe caiva purāṇe bhārate tathā
ādāv ante ca madhye ca hariḥ sarvatra gīyate

“Na literatura védica, incluindo o Rāmāyaṇa, os Purāṇas e o Mahābhārata, desde o início (ādau) até o fim (ante ca), bem como no meio (madhye ca), só se explica Hari, a Suprema Personalidade de Deus.”

Texto

svataḥ-pramāṇa veda — pramāṇa-śiromaṇi
lakṣaṇā karile svataḥ-pramāṇatā-hāni

Sinônimos

svataḥ-pramāṇa autoevidente; veda — a literatura védica; pramāṇa prova; śiromaṇi — máxima; lakṣaṇā — interpretação; karile — fazendo; svataḥ-pramāṇatā — autoevidência; hāni — perdida.

Tradução

“Os textos védicos autoevidentes são a prova máxima de tudo, mas, se esses textos são interpretados, sua natureza autoevidente se perde.”

Comentário

SIGNIFICADO—Citamos a evidência védica para apoiar nossas afirmações, mas, se a interpretamos segundo nosso próprio julgamento, a autoridade da literatura védica torna-se imperfeita ou inútil. Em outras palavras, interpretando a versão védica, minimizamos o valor da evidência védica. Quando alguém cita a literatura védica, subentende-se que as citações sejam autorizadas. Como pode alguém querer impor seu controle sobre a autoridade? Esse é um caso de principiis obsta.

Texto

ei mata pratisūtre sahajārtha chāḍiyā
gauṇārtha vyākhyā kare kalpanā kariyā

Sinônimos

ei mata assim; pratisūtre — em cada sūtra ou código do Vedānta; sahaja-artha o sentido claro e simples; chāḍiyā — abandonando; gauṇa-artha significado indireto; vyākhyā — explicação; kare faz; kalpanā kariyā por imaginação.

Tradução

“A escola māyāvāda, abandonando o sentido verdadeiro e facilmente compreensível da literatura védica, introduz significados indiretos, baseada em seus poderes imaginativos, para provar sua própria filosofia.”

Comentário

SIGNIFICADO—Infelizmente, a interpretação śaṅkarista atingiu quase o mundo inteiro. Portanto, há uma grande necessidade de apresentar o significado natural, original e facilmente compreensível da literatura védica. Portanto, começamos nossa missão, apresentando o Bhagavad-gītā Como Ele É, e propomo-nos a apresentar toda a literatura védica em termos do sentido direto de suas palavras.

Texto

ei mate pratisūtre karena dūṣaṇa
śuni’ camatkāra haila sannyāsīra gaṇa

Sinônimos

ei mate — dessa maneira; prati-sūtre — em cada código; karena mostra; dūṣaṇa — defeitos; śuniyā ouvindo; camatkāra maravilhados; haila ficaram; sannyāsīra de todos os māyāvādīs; gaṇa — o grupo.

Tradução

Quando Śrī Caitanya Mahāprabhu mostrou assim, para cada sūtra, os defeitos nas explicações de Śaṅkarācārya, todos os sannyāsīs māyāvādīs reunidos ficaram maravilhados.

Texto

sakala sannyāsī kahe, — ‘śunaha śrīpāda
tumi ye khaṇḍile artha, e nahe vivāda

Sinônimos

sakala todos; sannyāsī os sannyāsīs māyāvādīs; kahe — dizem; śunaha por favor, ouve; śrīpāda — Vossa Santidade; tumi Tu; ye isto; khaṇḍile — refutaste; hīna significado; e — este; nāhe — não; vivāda — discórdia.

Tradução

Os sannyāsīs māyāvādīs disseram: “Santidade, por favor, queremos que saibas que realmente não discordamos de Tua refutação desses significados, pois apresentaste uma compreensão clara dos sūtras.”

Texto

ācārya-kalpita artha, — ihā sabhe jāni
sampradāya-anurodhe tabu tāhā māni

Sinônimos

ācārya — Śaṅkarācārya; kalpita — imaginativo; hīna significado; ihā este; sabhe — todos nós; jāni sabemos; sampradāya-anurodhe — mas, por causa de nosso grupo; tabu — não obstante; tāhā isto; māni — aceitamos.

Tradução

“Sabemos que todo esse malabarismo de palavras brota da imaginação de Śaṅkarācārya, e, não obstante, por pertencermos à seita dele, aceitamo-lo, embora isso não nos satisfaça.”

Texto

mukhyārtha vyākhyā kara, dekhi tomāra bala’
mukhyārthe lāgāla prabhu sūtra-sakala

Sinônimos

mukhya-artha sentido direto; vyākhyā — explicação; kara faze; dekhi — vejamos; tomāra Tua; bala força; mukhya-arthe — sentido direto; lāgāla — começou; prabhu o Senhor; sūtra-sakala todos os sūtras do Vedānta.

Tradução

“Agora, vejamos”, continuaram os sannyāsīs māyāvādīs, “quão bem podes descrever os sūtras em termos de seu significado direto.” Ao ouvir isso, o Senhor Caitanya Mahāprabhu começou a dar Sua explicação direta do Vedānta-sūtra.

Texto

bṛhad-vastu ‘brahma’ kahi — ‘śrī-bhagavān’
ṣaḍ-vidhaiśvarya-pūrṇa, para-tattva-dhāma

Sinônimos

bṛhat-vastu a substância, que é maior que o maior; brahma — cujo nome é Brahman; kahi — chamamos; śrī-bhagavān a Suprema Personalidade de Deus; ṣaḍ — seis; vidha — variedades; aiśvarya — opulências; āisa pleno; para-tattva — Verdade Absoluta; dhāma — reservatório.

Tradução

“Brahman, que é maior que o maior, é a Suprema Personalidade de Deus. Ele é pleno de seis opulências, e por isso é o reservatório da verdade última e do conhecimento absoluto.”

Comentário

SIGNIFICADO—No Śrīmad-Bhāgavatam, se diz que a Verdade Absoluta é compreendida em três fases de percepção: o Brahman impessoal, o Paramātmā localizado e, enfim, a Suprema Personalidade de Deus. O Brahman impessoal e o Paramātmā localizado são expansões da potência da Suprema Personalidade de Deus, que é plena de seis opulências, a saber, riqueza, fama, força, beleza, conhecimento e renúncia. Já que possui Suas seis opulências, a Suprema Personalidade de Deus é a verdade última em conhecimento absoluto.

Texto

svarūpa-aiśvarye tāṅra nāhi māyā-gandha
sakala vedera haya bhagavān se ‘sambandha’

Sinônimos

svarūpa — sob Sua forma original; aiśvarye opulência; tāṅra Sua; nāhi — não há nenhuma; māyā-gandha — contaminação do mundo material; sakala em todos; vederaVedas; haya — é assim; bhagavān a Suprema Personalidade de Deus; se — esta; sambandha — relação.

Tradução

“Sob Sua forma original, a Suprema Personalidade de Deus é plena de opulências transcendentais que são livres da contaminação do mundo material. Deve-se entender que, em toda a literatura védica, a Suprema Personalidade de Deus é a meta última.”

Texto

tāṅre ‘nirviśeṣa’ kahi, cic-chakti nā māni
ardha-svarūpa nā mānile pūrṇatā haya hāni

Sinônimos

tāṅre a Ele; nirviśeṣa — impessoal; kahi — dizemos; cit-śakti energia espiritual; não; māni — aceitamos; ardha — metade; svarūpa — forma; não; mānile — aceitando; pūrṇatā — plenitude; haya — fica; hāni — defeituosa.

Tradução

“Ao falarmos do Supremo como impessoal, negamos Suas potências espirituais. Logicamente, aceitando metade da verdade, não podeis compreender o todo.”

Comentário

SIGNIFICADO—Nas Upaniṣads, se diz:

oṁ pūrṇam adaḥ pūrṇam idaṁ
pūrṇāt pūrṇam udacyate
pūrṇasya pūrṇam ādāya
pūrṇam evāvaśiṣyate

Este verso, que é mencionado na Īśopaniṣad, Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad e em muitas outras Upaniṣads, indica que a Suprema Personalidade de Deus tem seis opulências em plenitude. Sua posição é singular, pois Ele possui todas as riquezas, força, influência, beleza, conhecimento e renúncia. Brahman significa o maior, mas a Suprema Personalidade de Deus é maior que o maior, assim como o globo solar é maior que o brilho solar, que é onipenetrante no universo. Embora o brilho solar que se espalha por todos os universos pareça muito grande aos menos informados, maior que o brilho solar é o próprio Sol, e maior que o Sol é o deus do Sol. Analogamente, o Brahman impessoal não é o maior, embora pareça sê-lo. O Brahman impessoal é apenas a refulgência do corpo da Suprema Personalidade de Deus, mas a forma transcendental do Senhor é maior não só que o Brahman impessoal, mas também que o Paramātmā localizado. Portanto, sempre que se usa a palavra Brahman na literatura védica, subentende-se que ela se refere à Suprema Personalidade de Deus.

Na Bhagavad-gītā, o Senhor também é chamado de Parabrahman. Os māyāvādīs e outros às vezes interpretam mal o Brahman porque toda entidade viva também é Brahman. Portanto, Kṛṣṇa chama-Se Parabrahman (o Brahman Supremo). Na literatura védica, sempre que se usa as palavras Brahman ou Parabrahman, subentende-se que se referem à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Esse é o significado verdadeiro dessas duas palavras. Uma vez que toda a literatura védica trata do tema Brahman, Kṛṣṇa é, portanto, a meta última da compreensão védica. O brahmajyoti impessoal apoia-se na forma pessoal do Senhor. Portanto, embora a refulgência impessoal, o brahmajyoti, seja a primeira percepção, deve-se transpô-lo, como se menciona na Īśopaniṣad, para encontrar a Pessoa Suprema. Assim se alcança a perfeição do conhecimento. A Bhagavad-gītā (7.19) também confirma isso. Bahūnāṁ janmanām ante jñānavān māṁ prapadyate: a busca da Verdade Absoluta por meio do conhecimento especulativo acaba quando se chega a compreender Kṛṣṇa e render-se a Ele. Esse é o verdadeiro ponto de conhecimento perfectivo.

A percepção parcial da Verdade Absoluta como o Brahman impessoal nega as opulências plenas do Senhor. Esse é um entendimento arriscado da Verdade Absoluta. Quem não aceita todos os aspectos da Verdade Absoluta – a saber, Brahman impessoal, Paramātmā localizado e, enfim, a Suprema Personalidade de Deus – tem conhecimento imperfeito. Śrīpāda Rāmānujācārya, em seu Vedārtha-saṅgraha, diz: jñānena dharmeṇa svarūpam api nirūpitam, na tu jñāna-mātraṁ brahmeti katham idam avagamyate. Assim, ele indica que é preciso entender a identidade absoluta verdadeira em função tanto de Seu conhecimento quanto de Suas características. Simplesmente entender que a Verdade Absoluta é plena de conhecimento não é suficiente. Na literatura védica, encontramos a afirmação yaḥ sarva-jñaḥ sarva-vit, querendo dizer que a Verdade Absoluta sabe de tudo perfeitamente, mas a descrição védica parāsya śaktir vividhaiva śrūyate também nos ensina que Ele não somente sabe de tudo, mas também age de acordo, utilizando Suas diferentes energias. Assim, entender que Brahman, o Supremo, é consciente não é suficiente. É preciso saber como Ele age conscientemente por meio de Suas diferentes energias. A filosofia māyāvāda simplesmente nos informa a respeito da consciência da Verdade Absoluta, mas não nos dá informação de como Ele age com Sua consciência. Este é o defeito de tal filosofia.

Texto

bhagavān-prāpti-hetu ye kari upāya
śravaṇādi bhakti — kṛṣṇa-prāptira sahāya

Sinônimos

bhagavān a Suprema Personalidade de Deus; prāpti-hetu — o meio pelo qual alguém pode aproximar-se dEle; ye o que; kari faço; upāya meio; śravaṇa-ādi serviço devocional, começando com ouvir; bhakti serviço devocional; kṛṣṇa o Senhor Supremo; prāptira — aproximar-se dEle; sahāya — meio.

Tradução

“É apenas através do serviço devocional, começando com ouvir, que alguém pode aproximar-se da Suprema Personalidade de Deus. Esse é o único meio de aproximar-se dEle.”

Comentário

SIGNIFICADO—Os filósofos māyāvādīs estão satisfeitos simplesmente em entender que Brahman é o somatório de conhecimento, mas os filósofos vaiṣṇavas não somente têm conhecimento pormenorizado sobre a Suprema Personalidade de Deus, mas também sabem como aproximar-se dEle diretamente. O método para isso é descrito por Śrī Caitanya Mahāprabhu como nove formas de serviço devocional, começando com ouvir.

śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ
smaraṇaṁ pāda-sevanam
arcanaṁ vandanaṁ dāsyaṁ
sakhyam ātma-nivedanam

Podemos aproximar-nos diretamente da Suprema Personalidade de Deus executando as nove formas de serviço devocional, das quais ouvir sobre o Senhor é a mais importante (śravaṇādi). Śrī Caitanya Mahāprabhu enfatiza muito favoravelmente a importância desse processo de ouvir. Segundo Seu método, se apenas as pessoas tiverem oportunidade de ouvir sobre Kṛṣṇa, com certeza desenvolverão gradualmente a sua consciência adormecida, ou seu amor por Deus. Śravaṇādi-śuddha-citte karaye udaya (Śrī Caitanya-caritāmṛta, Madhya 22.107). O amor a Deus está adormecido em todos, mas, se alguém tem oportunidade de ouvir sobre o Senhor, decerto desperta tal amor. Nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa age com base neste princípio. Damos às pessoas a oportunidade de ouvir sobre a Suprema Personalidade de Deus e damos-lhes prasāda para comer, e o resultado concreto disto é que, em todo o mundo, as pessoas estão reagindo favoravelmente e tornando-se devotos puros do Senhor Kṛṣṇa. Abrimos centenas de centros em todo o mundo só para dar às pessoas em geral a oportunidade de ouvir sobre Kṛṣṇa e aceitar prasāda de Kṛṣṇa. Qualquer pessoa pode aceitar esses dois processos; até mesmo uma criança. Não importa se alguém é pobre ou rico, erudito ou tolo, negro ou branco, velho ou ainda criança – qualquer pessoa que simplesmente ouça sobre a Suprema Personalidade de Deus e aceite prasāda com certeza eleva-se à posição transcendental de serviço devocional.

Texto

sei sarva-vedera ‘abhidheya’ nāma
sādhana-bhakti haite haya premera udgama

Sinônimos

sei sarva-vedera — esta é a essência de toda a literatura védica; abhidheya nāma o processo chamado abhidheya, ou seja, atividades devocionais; sādhana-bhakti — outro nome deste processo, “serviço devocional na prática”; haite — disto; haya — há; premera — do amor por Deus; udgama — o despertar.

Tradução

“Quem pratica este serviço devocional regulado sob a orientação do mestre espiritual com certeza desperta seu amor adormecido por Deus. Esse processo se chama abhidheya.”

Comentário

SIGNIFICADO—Pela prática de serviço devocional, começando com ouvir e cantar, o coração impuro da alma condicionada purifica-se, e assim ela pode compreender sua relação eterna com a Suprema Personalidade de Deus. Śrī Caitanya Mahāprabhu descreve essa relação eterna. Jīvera ‘svarūpa’ haya kṛṣṇera nitya-dāsa: a entidade viva é serva eterna da Suprema Personalidade de Deus. Quando alguém se convence dessa relação, que se chama sambandha, então age de acordo. Isso chama-se abhidheya. O próximo passo é prayojana-siddhi, ou realização da meta última da vida. Quem pode entender sua relação com a Suprema Personalidade de Deus e agir de acordo cumpre sua missão na vida como consequência natural. Os filósofos māyāvādīs nem chegam a atingir a primeira fase na autorrealização porque não fazem ideia de que Deus é pessoal. Ele é o senhor de todos, e é a única pessoa que pode aceitar o serviço de todas as entidades vivas. Porém, já que a filosofia māyāvāda carece desse conhecimento, os māyāvādīs nem mesmo têm conhecimento de sua relação com Deus. Erroneamente pensam que todos são Deus ou que todos são iguais a Deus. Portanto, uma vez que a verdadeira posição da entidade viva não é distinta para eles, como podem avançar mais? Embora tenham muito orgulho de serem liberados, os filósofos māyāvādīs muito rapidamente caem de novo em atividades materiais por menosprezarem os pés de lótus do Senhor. Isso se chama patanty adhaḥ.

ye ’nye ’ravindākṣa vimukta-māninas
tvayy asta-bhāvād aviśuddha-buddhayaḥ
āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ

patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ

Prahlāda Mahārāja afirma que as pessoas que se julgam liberadas, mas não executam serviço devocional, desconhecendo sua relação com o Senhor, estão certamente desorientadas. É preciso que conheçamos nossa relação com o Senhor e atuemos de acordo. Então, será possível cumprirmos a missão de nossa vida.

Texto

kṛṣṇera caraṇe haya yadi anurāga
kṛṣṇa vinu anyatra tāra nāhi rahe rāga

Sinônimos

kṛṣṇera de Kṛṣṇa; caraṇe aos pés de lótus; haya — fica; yadi se; anurāga — apego; kṛṣṇa a Suprema Personalidade de Deus; vinu — sem; anyatra — qualquer outro lugar; tāra seu; nāhi lá não; rahe permanece; rāga — apego.

Tradução

“Se alguém desenvolve seu amor por Deus e se apega aos pés de lótus de Kṛṣṇa, gradualmente perde seu apego por todo o resto.”

Comentário

SIGNIFICADO—Esta é uma forma de testar o avanço em serviço devocional. Como declarado no Śrīmad-Bhāgavatam (11.2.42), bhaktiḥ pareśānubhavo viraktir anyatra ca: em bhakti, o único apego do devoto é Kṛṣṇa. Ele não deseja mais manter seus apegos a quaisquer outras coisas. Embora os filósofos māyāvādīs sejam supostamente muito avançados no caminho da liberação, vemos que, após algum tempo, eles descem a atividades políticas e filantrópicas. Muitos grandes sannyāsīs que eram supostamente liberados e muito avançados têm caído novamente em atividades materialistas, embora abandonassem este mundo por julgá-lo mithyā (falso). Contudo, ao desenvolver-se em serviço devocional, o devoto não tem mais apegos a semelhantes atividades filantrópicas. Sua única inspiração é para servir ao Senhor, e ele dedica toda a sua vida a tal serviço. Essa é a diferença entre filósofos vaiṣṇavas e māyāvādīs. Portanto, o serviço devocional é prático, ao passo que a filosofia māyāvāda não passa de especulação mental.

Texto

pañcama puruṣārtha sei prema-mahādhana
kṛṣṇera mādhurya-rasa karāya āsvādana

Sinônimos

pañcama — quinta; puruṣa-artha meta da vida; sei esta; prema amor a Deus; mahādhana — a mais notável riqueza; kṛṣṇera do Senhor Kṛṣṇa; mādhurya — amor conjugal; rasa — doçura; karāya faz com que; āsvādana saboreie.

Tradução

“O amor a Deus é tão elevado que é considerado a quinta meta da vida humana. Quem desperta seu amor por Deus pode alcançar a plataforma de amor conjugal, saboreando-o mesmo no decorrer da presente vida.”

Comentário

SIGNIFICADO—Os filósofos māyāvādīs consideram que a meta máxima de perfeição é a liberação (mukti), que é a quarta plataforma de perfeição. De um modo geral, as pessoas têm noção de quatro metas principais da vida – religiosidade (dharma), desenvolvimento econômico (artha), gozo dos sentidos (kāma) e, por fim, liberação (mokṣa) –, mas o serviço devocional encontra-se na plataforma superior à liberação. Em outras palavras, quem é realmente liberado (mukta) pode entender o significado de amor a Deus (kṛṣṇa-prema). Enquanto ensinava a Rūpa Gosvāmī, Śrī Caitanya Mahāprabhu afirmou que koṭi-mukta-madhye ‘durlabha’ eka kṛṣṇa-bhakta: “De milhões de pessoas liberadas, talvez uma torne-se devota do Senhor Kṛṣṇa.”

O filósofo māyāvādī mais elevado pode ascender à plataforma da liberação, mas kṛṣṇa-bhakti, serviço devocional a Kṛṣṇa, é transcendental a tal liberação. Śrīla Vyāsadeva explica esse fato no Śrīmad-Bhāgavatam (1.1.2):

dharmaḥ projjhita-kaitavo ’tra paramo nirmatsarāṇāṁ satāṁ
vedyaṁ vāstavam atra vastu śiva-daṁ tāpa-trayonmūlanam

“Rejeitando por completo todas as religiões que sejam materialmente motivadas, o Bhāgavta Purāṇa propõe a verdade máxima, que é compreensível pelos devotos que são puros de coração. A verdade máxima é a realidade, distinta da ilusão, para o benefício de todos. Essa verdade elimina as três misérias.” O Śrīmad-Bhāgavatam, a explicação do Vedānta-sūtra, destina-se aos paramo nirmat-sarāṇām, ou seja, aqueles que são inteiramente livres da inveja. Os filósofos māyāvādīs invejam a existência da Personalidade de Deus. Portanto, na realidade, o Vedānta-sūtra não se destina a eles. Eles desnecessariamente metem seus narizes no Vedānta-sūtra, mas não têm capacidade de compreendê-lo porque o autor do Vedānta-sūtra escreve em seu comentário, o Śrīmad-Bhāgavatam, que esta obra é para aqueles que são puros de coração (paramo nirmat-sarāṇām). Se alguém tem inveja de Kṛṣṇa, como poderá compreender o Vedānta-sūtra ou o Śrīmad-Bhāgavatam? A ocupação básica dos māyāvādīs é ofender a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Por exemplo, embora Kṛṣṇa exija nossa rendição na Bhagavad-gītā, o maior estudioso e suposto filósofo na Índia protesta que “não é a Kṛṣṇa” que devemos nos render. Portanto, ele é invejoso. Como os māyāvādīs de todas as diferentes espécies têm inveja de Kṛṣṇa, eles não têm competência para entender o significado do Vedānta-sūtra. Mesmo que estivessem na plataforma liberada, como afirmam falsamente, aqui Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī repete a afirmação de Śrī Caitanya Mahāprabhu, de que o amor a Kṛṣṇa está além do estado da liberação.

Texto

premā haite kṛṣṇa haya nija bhakta-vaśa
premā haite pāya kṛṣṇera sevā-sukha-rasa

Sinônimos

premā amor a Kṛṣṇa; haite — de; kṛṣṇa a Suprema Personalidade de Deus; haya — torna-Se; nija Seus próprios; bhakta-vaśa — submisso aos devotos; premā amor a Deus; haite — de; pāya obtém; kṛṣṇera do Senhor Kṛṣṇa; sevā-sukha-rasa a doçura do serviço devocional.

Tradução

“O Senhor Supremo, que é maior do que o maior, torna-Se submisso mesmo a um devoto muito insignificante por causa do serviço devocional deste. A natureza bela e elevada do serviço devocional faz com que o Senhor infinito Se submeta à entidade viva infinitesimal. Em atividades devocionais recíprocas com o Senhor, o devoto realmente goza da doce qualidade transcendental do serviço devocional.”

Comentário

SIGNIFICADO—Tornar-se uno com a Suprema Personalidade de Deus não é muito importante para o devoto. Muktiḥ svayaṁ mukulitāñjali sevate ’smān (Kṛṣṇa-karṇāmṛta 107). Falando de sua própria experiência, Śrīla Bilvamaṅgala Ṭhākura diz que, se alguém desenvolve amor por Deus, mukti (liberação) torna-se subserviente e sem importância para ele. Mukti se apresenta perante o devoto e dispõe-se a prestar-lhe qualquer espécie de serviço. O padrão de mukti dos filósofos māyāvādīs é muito insignificante para o devoto, pois, mediante o serviço devocional, mesmo a Suprema Personalidade de Deus Se subordina a ele. Exemplo concreto disso é que o Supremo Senhor Kṛṣṇa tornou-Se o quadrigário de Arjuna, e, quando Arjuna mandou-O conduzir sua quadriga até entre os dois exércitos (senayor ubhayor madhye rathaṁ sthāpaya me ’cyuta), Kṛṣṇa obedeceu à sua ordem. A relação entre o Senhor Supremo e o devoto é tal que, embora o Senhor seja maior do que o maior, Ele está disposto a prestar serviço a um devoto insignificante devido a seu serviço devocional sincero e imaculado.

Texto

sambandha, abhidheya, prayojana nāma
ei tina artha sarva-sūtre paryavasāna

Sinônimos

sambandha — relação; abhidheya — deveres funcionais; prayojana a meta da vida; nāma nome; ei lá; tina três; artha significado; sarva todos; sūtre — nos códigos do Vedānta; paryavasāna — auge.

Tradução

“Nossa relação com a Suprema Personalidade de Deus, nossas atividades em função desta relação e a meta última da vida [desenvolver amor por Deus] – esses três assuntos são explicados em cada código do Vedānta-sūtra, pois eles formam o auge de toda a filosofia vedānta.”

Comentário

SIGNIFICADO—No Śrīmad-Bhāgavatam (5.5.5), se diz:

parābhavas tāvad abodha-jāto
yāvan na jijñāsata ātma-tattvam

Um ser humano se vê frustrado em todas as suas atividades enquanto não conheça a meta da vida, que pode ser compreendida quando se é inquisitivo sobre Brahman. É tal indagação que inicia o Vedānta-sūtra: athato brahma-jijñāsā. O ser humano deve investigar para saber quem ele é, o que é o universo, o que é Deus e qual é a relação entre ele próprio, Deus e o mundo material. Cães e gatos não podem fazer tais perguntas, mas elas surgem com certeza no coração de um ser humano autêntico. Conhecimento desses quatro itens – a saber, de si próprio, do universo, de Deus e da relação interna deles –  chama-se sambandha-jñāna, ou seja, conhecimento da relação de cada um com os outros itens. Ao estabelecer-se a relação de alguém com o Senhor Supremo, o próximo programa é agir segundo essa relação. Isso se chama abhidheya, ou atividade relacionada com o Senhor. Após executar esses deveres prescritos, quando alguém alcança a meta máxima da vida, amor a Deus, atinge prayojana-siddhi, ou a realização de sua missão humana. No Brahma-sūtra, ou Vedānta-sūtra, esses assuntos são explicados com muito cuidado. Portanto, aquele que não compreende o Vedānta-sūtra em termos desses princípios só faz perder seu tempo. Esta é a versão do Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.8):

dharmaḥ sv-anuṣṭhitaḥ puṁsāṁ
viṣvaksena-kathāsu yaḥ
notpādayed yadi ratiṁ
śrama eva hi kevalam

Talvez alguém seja muito erudito e execute seu dever prescrito muito bem, mas, se não indaga acerca da Suprema Personalidade de Deus e é indiferente a śravaṇaṁ kīrtanam (ouvir e cantar), tudo o que ele faz não passa de mera perda de tempo. Os filósofos māyāvādīs, que não entendem a relação entre eles próprios, a manifestação cósmica e a Suprema Personalidade de Deus, simplesmente perdem seu tempo, e a especulação filosófica deles não tem valor algum.

Texto

ei-mata sarva-sūtrera vyākhyāna śuniyā
sakala sannyāsī kahe vinaya kariyā

Sinônimos

ei-mata dessa maneira; sarva-sūtrera — de todos os códigos do Vedānta-sūtra; vyākhyāna — explicação; śuniyā ouvindo; sakala todos; sannyāsī os grupos de sannyāsīs māyāvādīs; kahe — disseram; vinaya — humildemente; kariyā fazendo assim.

Tradução

Ao ouvirem assim a explicação de Caitanya Mahāprabhu baseada em sambandha, abhidheya e prayojana, todos os sannyāsīs māyāvādīs falaram muito humildemente.

Comentário

SIGNIFICADO—Todo aquele que deseje realmente compreender a filosofia vedānta precisa aceitar a explicação do Senhor Caitanya Mahāprabhu ou dos ācāryas vaiṣṇavas, que também comentaram sobre o Vedānta-sūtra segundo os princípios de bhakti-yoga. Após ouvirem a explicação do Vedānta-sūtra da parte de Śrī Caitanya Mahāprabhu, todos os sannyāsīs, encabeçados por Prakāśānanda Sarasvatī, ficaram muito humildes e obedientes perante o Senhor, e falaram o seguinte.

Texto

vedamaya-mūrti tumi, — sākṣāt nārāyaṇa
kṣama aparādha, — pūrve ye kailuṅ nindana

Sinônimos

veda-maya — transformação do conhecimento védico; mūrti — forma; tumi Tu; sākṣāt diretamente; nārāyaṇa a Suprema Personalidade de Deus; kṣama — perdoa; aparādhā — ofensa; pūrve antes; ye esta; kailuṅ — fizemos; nindana — crítica.

Tradução

“Querido senhor, és o conhecimento védico personificado e és diretamente o próprio Nārāyaṇa. Por favor, perdoa-nos as ofensas que cometemos anteriormente ao criticar-Te.”

Comentário

SIGNIFICADO—Todo o caminho de bhakti-yoga baseia-se no processo de tornar-se humilde e submisso. Pela graça do Senhor Caitanya Mahāprabhu, todos os sannyāsīs māyāvādīs ficaram muito humildes e submissos após ouvirem Sua explicação do Vedānta-sūtra e pediram perdão pelas ofensas que haviam cometido ao criticar o Senhor por apenas cantar e dançar, não participando do estudo do Vedānta-sūtra. Estamos propagando o movimento para a consciência de Kṛṣṇa, simplesmente seguindo os passos do Senhor Caitanya Mahāprabhu. Talvez não sejamos muito bem versados nos códigos do Vedānta-sūtra e talvez não entendamos o significado deles, mas seguimos os passos dos ācāryas, e, como seguimos estrita e obedientemente os passos do Senhor Caitanya Mahāprabhu, deve-se compreender que sabemos tudo a respeito do Vedānta-sūtra.

Texto

sei haite sannyāsīra phiri gela mana
‘kṛṣṇa’ ‘kṛṣṇa’ nāma sadā karaye grahaṇa

Sinônimos

sei haite — a partir daquele momento; sannyāsīra todos os sannyāsīs māyāvādīs; phiri — mudança; gela — ficou; mana mente; kṛṣṇa, kṛṣṇa o santo nome da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa; nāma nome; sadā sempre; karaye fazem; grahaṇa — aceitam.

Tradução

A partir do momento em que ouviram o Senhor explicar o Vedānta-sūtra, a mente dos sannyāsīs māyāvādīs transformou-se, e, sob a instrução de Caitanya Mahāprabhu, eles também cantavam sempre “Kṛṣṇa! Kṛṣṇa!”

Comentário

SIGNIFICADO—A esse respeito, podemos mencionar que, às vezes, a classe de devotos sahajiyās opinam que Prakāśānanda Sarasvatī e Prabodhānanda Sarasvatī são a mesma pessoa. Prabodhānanda Sarasvatī foi um grande devoto vaiṣṇava do Senhor Caitanya Mahāprabhu, mas Prakāśānanda Sarasvatī, o líder dos sannyāsīs māyāvādīs em Benares, era uma pessoa diferente. Prabodhānanda Sarasvatī pertencia ao Rāmānuja-sampradāya, ao passo que Prakāśānanda Sarasvatī pertencia ao Śaṅkarācārya-sampradāya. Prabodhānanda Sarasvatī escreveu inúmeros livros, entre os quais estão o Caitanya-candrāmṛta, Rādhā-rasa-sudhā-nidhi, Saṅgīta-mādhava, Vṛndāvana-śataka e Navadvīpa-śataka. Ao viajar pelo sul da Índia, Caitanya Mahāprabhu encontrou-Se com Prabodhānanda Sarasvatī, que tinha dois irmãos, Vyeṅkaṭa Bhaṭṭa e Tirumalaya Bhaṭṭa, que eram vaiṣṇavas do Rāmānuja-sampradāya. Gopāla Bhaṭṭa Gosvāmī era sobrinho de Prabodhānanda Sarasvatī. Registros históricos revelam que Śrī Caitanya Mahāprabhu viajou pelo sul da Índia no ano de 1433 śakābda durante o período de Caturmasya, e foi naquela época que Se encontrou com Prabodhānanda, que pertencia ao Rāmānuja-sampradāya. Como, então, poderia a mesma pessoa encontrar-se com Ele como membro do Śaṅkara-sampradāya em 1435 śakābda, dois anos mais tarde? Deve-se concluir que a conjetura do sahajiyā-sampradāya, de que Prabodhānanda Sarasvatī e Prakāśānanda Sarasvatī eram a mesma pessoa, é uma ideia errada.

Texto

ei-mate tāṅ-sabāra kṣami’ aparādha
sabākāre kṛṣṇa-nāma karilā prasāda

Sinônimos

ei-mate — dessa maneira; tāṅ-sabāra de todos os sannyāsīs; kṣami’ — perdoando; aparādha ofensa; sabākāre — todos eles; kṛṣṇa-nāma o santo nome de Kṛṣṇa; karilā deu; prasāda — como misericórdia.

Tradução

Assim, o Senhor Caitanya perdoou todas as ofensas dos sannyāsīs māyāvādīs e abençoou-os muito misericordiosamente com o kṛṣṇa-nāma.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Caitanya Mahāprabhu é a encarnação da misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Śrīla Rūpa Gosvāmī chama-O de mahā-vadānyāvatāra, ou seja, a encarnação mais magnânima. Śrīla Rūpa Gosvāmī também diz que karuṇayāvatīrṇaḥ kalau: Ele desceu nesta era de Kali apenas por Sua misericórdia. Aqui, exemplifica-se isso. Śrī Caitanya Mahāprabhu não gostava de ver os sannyāsīs māyāvādīs por julgá-los ofensores aos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa, mas aqui Ele os perdoa (tāṇ-sabāra kṣami’ aparādha). Este é um exemplo para quem prega. Āpani ācari’ bhakti śikhāimu sabāre. Śrī Caitanya Mahāprabhu nos ensina que quase todos aqueles com quem os pregadores se encontram são ofensores e opositores à consciência de Kṛṣṇa, mas é dever do pregador convencê-los do movimento para a consciência de Kṛṣṇa e, então, induzi-los a cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Nossa propagação do movimento de saṅkīrtana continua, a despeito de muitos oponentes, e as pessoas estão adotando este processo de cantar mesmo em partes remotas do mundo, como a África. Ao induzir os ofensores a cantar o mantra Hare Kṛṣṇa, o Senhor Caitanya Mahāprabhu exemplificou o sucesso do movimento para a consciência de Kṛṣṇa. Devemos seguir muito respeitosamente os passos do Senhor Caitanya, e não há dúvidas de que seremos bem-sucedidos em nossas tentativas.

Texto

tabe saba sannyāsī mahāprabhuke laiyā
bhikṣā karilena sabhe, madhye vasāiyā

Sinônimos

tabe depois disso; saba todos; sannyāsī os sannyāsīs māyāvādīs; mahāprabhuke Caitanya Mahāprabhu; laiyā — levando-O; bhikṣā karilena — tomaram prasāda, ou almoçaram; sabhe — todos juntos; madhye no meio; vasāiyā — fazendo-O sentar-Se.

Tradução

Depois disso, todos os sannyāsīs fizeram o Senhor sentar-Se entre eles, e assim todos tomaram sua refeição juntos.

Comentário

SIGNIFICADO—Anteriormente, Śrī Caitanya Mahāprabhu não Se misturava nem conversava com os sannyāsīs māyāvādīs, mas, agora, está almoçando com eles. Deve-se concluir que, quando o Senhor Caitanya os induziu a cantar Hare Kṛṣṇa e perdoou-lhes as ofensas, eles se purificaram, e por isso não havia objeção contra almoçar, ou tomar bhagavat-prasāda, com eles, embora Śrī Caitanya Mahāprabhu soubesse que os alimentos não eram oferecidos à Deidade. Os sannyāsīs māyāvādīs não adoram a Deidade, ou, se o fazem, normalmente adoram a deidade do senhor Śiva ou o pañcopāsanā (o Senhor Viṣṇu, o senhor Śiva, Durgādevī, Gaṇeśa e Sūrya). Nesta passagem, não se faz menção aos semideuses ou a Viṣṇu, e, mesmo assim, Caitanya Mahāprabhu aceitou comer no meio dos sannyāsīs, baseado em que eles haviam cantado o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa e Ele lhes perdoara as ofensas.

Texto

bhikṣā kari’ mahāprabhu āilā vāsāghara
hena citra-līlā kare gaurāṅga-sundara

Sinônimos

bhikṣā — aceitando comida dos outros; kari’ aceitando; mahāprabhu o Senhor Caitanya; āilā — regressou; vāsāghara — à Sua residência; hena — assim; citra-līlā passatempos maravilhosos; kare faz; gaurāṅga — o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu; sundara — belíssimo.

Tradução

Após almoçar entre os sannyāsīs māyāvādīs, Śrī Caitanya Mahāprabhu, que é conhecido como Gaurasundara, regressou à Sua residência. Assim, o Senhor executa Seus passatempos maravilhosos.

Texto

candraśekhara, tapana miśra, āra sanātana
śuni’ dekhi’ ānandita sabākāra mana

Sinônimos

candraśekhara — chamado Candraśekhara; tapana miśra — chamado Tapana Miśra; āra e; sanātana chamado Sanātana; śuni’ ouvindo; dekhi’ — presenciando; ānandita — muito satisfeitos; sabākāra todos eles; mana — mente.

Tradução

Ouvindo os argumentos de Śrī Caitanya Mahāprabhu e presenciando Sua vitória, Candraśekhara, Tapana Miśra e Sanātana ficaram todos extremamente satisfeitos.

Comentário

SIGNIFICADO—Eis aqui um exemplo de como um sannyāsī deve pregar. Ao ir a Vārāṇasī, Śrī Caitanya Mahāprabhu foi lá sozinho, e não com um grande grupo. Contudo, localmente, Ele fez amizade com Candraśekhara e Tapana Miśra, e Sanātana Gosvāmī também foi visitá-lO. Portanto, embora não tivesse muitos amigos ali, devido à Sua pregação sólida e à Sua vitória ao argumentar com os sannyāsīs locais sobre a filosofia vedānta, Ele Se tornou muito famoso naquela parte do país, como se explica no próximo verso.

Texto

prabhuke dekhite āise sakala sannyāsī
prabhura praśaṁsā kare saba vārāṇasī

Sinônimos

prabhuke ao Senhor Caitanya Mahāprabhu; dekhite — visitar; āise — vieram; sakala todos; sannyāsī os sannyāsīs māyāvādīs; prabhura do Senhor Caitanya Mahāprabhu; praśaṁsā — elogio; kare fazem; saba toda; vārāṇasī — a cidade de Vārāṇasī.

Tradução

Muitos sannyāsīs māyāvādīs de Vārāṇasī vieram visitar o Senhor após este incidente, e a cidade inteira O elogiava.

Texto

vārāṇasī-purī āilā śrī-kṛṣṇa-caitanya
purī-saha sarva-loka haila mahā-dhanya

Sinônimos

vārāṇasī — chamada Vārāṇasī; purī — cidade; āilā — veio; śrī-kṛṣṇa-caitanya o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu; purī — cidade; saha — com; sarva-loka todo o povo; haila ficou; mahā-dhanya — agradecido.

Tradução

Todo o povo de Vārāṇasī ficou muito agradecido por Śrī Caitanya Mahāprabhu ter visitado a cidade.

Texto

lakṣa lakṣa loka āise prabhuke dekhite
mahā-bhiḍa haila dvāre, nāre praveśite

Sinônimos

lakṣa lakṣa — centenas e milhares; loka pessoas; āise — vieram; prabhuke ao Senhor; dekhite — para visitar; mahā-bhiḍa — uma grande multidão; haila ocorreu; dvāre — à porta; nāre — não pode; praveśite — entrar.

Tradução

A multidão à porta de Sua residência era tão grande que constava de centenas e milhares.

Texto

prabhu yabe yā’na viśveśvara-daraśane
lakṣa lakṣa loka āsi’ mile sei sthāne

Sinônimos

prabhu — o Senhor Caitanya Mahāprabhu; yabe — quando; ya’na — vai; viśveśvara — a deidade de Vārāṇasī; daraśane — para visitar; lakṣa lakṣa — centenas e milhares; loka pessoas; āsi’ vêm; mile — encontrar; sei este; sthāne no local.

Tradução

Quando O Senhor foi visitar o templo de Viśveśvara, centenas e milhares de pessoas reuniram-se para vê-lO.

Comentário

SIGNIFICADO—O ponto importante neste verso é que Śrī Caitanya Mahāprabhu regularmente visitava o templo de Viśveśvara (senhor Śiva) em Vārāṇasī. De modo geral, os vaiṣṇavas não visitam templos de semideuses, mas, nesta passagem, vemos que Śrī Caitanya Mahāprabhu regularmente visitava o templo de Viśveśvara, que era a deidade predominante de Vārāṇasī. De modo geral, os sannyāsīs māyāvādīs e os adoradores do senhor Śiva vivem em Vārāṇasī, mas, como é que Caitanya Mahāprabhu, que representava o papel de sannyāsī vaiṣṇava, também visitou o templo de Viśveśvara? A resposta é que o vaiṣṇava não se comporta de maneira irreverente para com os semideuses. O vaiṣṇava presta o devido respeito a todos, embora não aceite jamais que um semideus seja igual à Suprema Personalidade de Deus.

Na Brahma-saṁhitā, mantras que prestam reverências ao senhor Śiva, ao senhor Brahmā, ao deus do Sol e ao senhor Gaṇeśa, bem como ao Senhor Viṣṇu, todos os quais são adorados pelos impersonalistas como pañcopāsanā. Em seus templos, os impersonalistas também instalam deidades do Senhor Viṣṇu, do senhor Śiva, do deus do Sol, da deusa Durgā e, às vezes, também do senhor Brahmā, e esse sistema continua atualmente na Índia sob o disfarce de “religião hindu”. Os vaiṣṇavas também podem adorar todos esses semideuses, mas apenas com base nos princípios da Brahma-saṁhitā, a qual é recomendada por Śrī Caitanya Mahāprabhu. Observemos, a esse respeito, os mantras para adoração ao senhor Śiva, ao senhor Brahmā, à deusa Durgā, ao deus do Sol e a Gaṇeśa, como se descreve na Brahma-saṁhitā:

sṛṣṭi-sthiti-pralaya-sādhana-śaktir ekā
chāyeva yasya bhuvanāni bibharti durgā
icchānurūpam api yasya ca ceṣṭate sā
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“A potência externa, māyā, que é da natureza da sombra da potência cit [espiritual], é adorada por todas as pessoas como Durgā, a agente criadora, preservadora e destruidora deste mundo mortal. Eu adoro Govinda, o Senhor primordial, segundo cuja vontade Durgā se orienta.” (Brahma-saṁhitā 5.44)

kṣīraṁ yathā dadhi vikāra-viśeṣa-yogāt
sañjāyate na hi tataḥ pṛthag asti hetoḥ
yaḥ śambhutām api tathā samupaiti kāryād
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“O leite torna-se coalhada pela influência de ácidos, mas o efeito ‘coalhada’ não é nem igual nem diferente de sua causa, isto é, o leite. Eu adoro Govinda, o Senhor primordial, de quem o estado de Śambhu é uma transformação semelhante para a execução da tarefa de destruição.” (Brahma-saṁhitā 5.45)

bhāsvān yathāśma-śakaleṣu nijeṣu tejaḥ
svīyaṁ kiyat prakaṭayaty api tadvad atra
brahmā ya eṣa jagad-aṇḍa-vidhāna-kartā
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Eu adoro Govinda, o Senhor primordial, de quem a porção subjetiva separada, Brahmā, recebe poder para a regulação do mundo mortal, assim como o Sol manifesta uma porção de sua própria luz em todas as joias refulgentes, que recebem nomes tais como sūrya-kānta.” (Brahma-saṁhitā 5.49)

yat-pāda-pallava-yugaṁ vinidhāya kumbha-
dvandve praṇāma-samaye sa gaṇādhirājaḥ
vighnān vihantum alam asya jagat-trayasya
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Eu adoro Govinda, o Senhor primordial. Ganeṣa sempre mantém Seus pés de lótus sobre o par de tumuli que sobressaem em sua cabeça de elefante a fim de obter poder para sua função de destruir todos os obstáculos no caminho do progresso nos três mundos.” (Brahma-saṁhitā 5.50)

yac cakṣur eṣa savitā sakala-grahāṇāṁ
rājā samasta-sura-mūrtir aśeṣa-tejāḥ
yasyājñayā bhramati sambhṛta-kāla-cakro
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“O Sol, pleno de infinita refulgência, que é o rei de todos os planetas e a imagem da boa alma, é como o olho deste mundo. Adoro Govinda, o Senhor primordial, em obediência a cuja ordem o Sol realiza sua jornada, montado na roda do tempo.” (Brahma-saṁhitā 5.52)

Todos os semideuses são servos de Kṛṣṇa; eles não são iguais a Kṛṣṇa. Portanto, mesmo que alguém visite um templo do pañcopāsanā, como se menciona acima, não deve aceitar as deidades da maneira como são aceitas pelos impersonalistas. Aceita-se a todas elas como semideuses pessoais, mas todos servem à ordem da Suprema Personalidade de Deus. Por exemplo, é sabido que Śaṅkarācārya é uma encarnação do senhor Śiva, como se descreve no Padma Purāṇa. Ele propagou a filosofia māyāvāda sob a ordem do Senhor Supremo. Esse ponto já foi discutido no verso 114 deste capítulo, tāṅra doṣa nāhi, teṅho ājñā-kārī dāsa: “Śaṅkarācārya não é culpado, pois encobriu assim o verdadeiro objetivo dos Vedas por ordem da Suprema Personalidade de Deus.” Embora o senhor Śiva, sob a forma de um brāhmaṇa (Śaṅkarācārya), pregasse a falsa filosofia de nome māyāvāda, Śrī Caitanya Mahāprabhu, mesmo assim, disse que, como ele o fez por ordem da Suprema Personalidade de Deus, ele não tinha culpa de nada (tāṅra doṣa nāhi).

Devemos prestar os devidos respeitos a todos os semideuses. Se podemos prestar respeitos inclusive a uma formiga, por que não aos semideuses? No entanto, é preciso lembrar sempre que nenhum semideus é igual ou superior ao Senhor Supremo. Ekale īśvara kṛṣṇa, āra saba bhṛtya: “Somente Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, e todos os demais, incluindo os semideuses, tais como o senhor Śiva, o senhor Brahmā, a deusa Durgā e Gaṇeśa, são Seus servos. Todos cumprem o propósito da Divindade Suprema. Isto para não falar de entidades vivas tão pequenas e insignificantes como nós. Certamente somos servos eternos do Senhor. A filosofia māyāvāda afirma que os semideuses, as entidades vivas e a Suprema Personalidade de Deus são todos iguais, e por isso é uma deturpação muito tola do conhecimento védico.

Texto

snāna karite yabe yā’na gaṅgā-tīre
tāhāñi sakala loka haya mahā-bhiḍe

Sinônimos

snāna — banho; karite — tomando; yabe — quando; ya’na — vai; gaṅgā — Ganges; tīre — margem; tāhāñi — quando quer que; sakala todas; loka pessoas; haya — reunidas; mahā-bhiḍe — em grandes multidões.

Tradução

Sempre que o Senhor Caitanya ia banhar-Se às margens do Ganges, grandes multidões de muitas centenas e milhares de pessoas também se reuniam ali.

Texto

bāhu tuli’ prabhu bale, — bala hari hari
hari-dhvani kare loka svarga-martya bhari’

Sinônimos

bāhu tuli’ — erguendo os braços; prabhu o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu; bale — fala; bala cantai todos; hari hari — o santo nome do Senhor Kṛṣṇa (Hari); hari-dhvani — o som da vibração de Hari; kare faz; loka todas as pessoas; svarga-martya — no paraíso, no céu e na terra; bhari’ — enchendo totalmente.

Tradução

Sempre que as multidões se tornavam numerosas, Śrī Caitanya Mahāprabhu levantava-Se, erguia os braços e cantava: “Hari! Hari!”, ao que todas as pessoas respondiam, enchendo tanto a terra quanto o céu com esta vibração.

Texto

loka nistāriyā prabhura calite haila mana
vṛndāvane pāṭhāilā śrī-sanātana

Sinônimos

loka pessoas; nistāriyā — libertando; prabhura do Senhor; calite — partir; haila ficou; mana mente; vṛndāvane — a Vṛndāvana; pāṭhāilā — enviou; śrī-sanātana Sanātana Gosvāmī.

Tradução

Após assim libertar as pessoas em geral, o Senhor desejou partir de Vārāṇasī. Após dar instruções a Śrī Sanātana Gosvāmī, Ele o enviou para Vṛndāvana.

Comentário

SIGNIFICADO—O verdadeiro objetivo da permanência do Senhor Caitanya em Vārāṇasī, após voltar de Vṛndāvana, foi de encontrar-Se com Sanātana Gosvāmī e dar-lhe instruções. Sanātana Gosvāmī encontrou-se com Śrī Caitanya Mahāprabhu após o regresso do Senhor a Vārāṇasī, onde o Senhor ensinou-lhe por dois meses sobre as implicações da filosofia vaiṣṇava e das atividades vaiṣṇavas. Após ensinar-lhe tudo o que queria, Ele enviou Sanātana a Vṛndāvana para este cumprir Suas ordens. Naquela época, não havia templos em Vṛndāvana. A cidade estava vazia como um campo aberto. Sanātana Gosvāmī permaneceu às margens do Yamunā e, após algum tempo, gradualmente construiu o primeiro templo. Então, outros templos foram construídos, e agora a cidade é repleta de templos, somando cerca de cinco mil.

Texto

rātri-divase lokera śuni’ kolāhala
vārāṇasī chāḍi’ prabhu āilā nīlācala

Sinônimos

rātri — noite; divase — dia; lokera — das pessoas em geral; śuni’ ouvindo; kolāhala — tumulto; vārāṇasī — a cidade de Benares; chāḍi’ — partindo; prabhu o Senhor; āilā — regressou; nīlācala — a Purī.

Tradução

Como a cidade de Vārāṇasī era sempre cheia de multidões tumultuosas, Śrī Caitanya Mahāprabhu, após enviar Sanātana a Vṛndāvana, regressou a Jagannātha Purī.

Texto

ei līlā kahiba āge vistāra kariyā
saṅkṣepe kahilāṅ ihāṅ prasaṅga pāiyā

Sinônimos

ei estes; līlā passatempos; kahiba — falarei; āge mais tarde; vistāra descrição vívida; kariyā fazendo; saṅkṣepe — em resumo; kahilāṅ — acabo de falar; ihāṅ — neste local; prasaṅga — tópicos; pāiyā — tirando proveito de.

Tradução

Acabo de fazer uma breve narrativa destes passatempos do Senhor Caitanya, porém, mais adiante, irei descrevê-los mais pormenorizadamente.

Texto

ei pañca-tattva-rūpe śrī-kṛṣṇa-caitanya
kṛṣṇa-nāma-prema diyā viśva kailā dhanya

Sinônimos

ei este; pañca-tattva-rūpe o Senhor sob Suas cinco formas; śrī-kṛṣṇa-caitanya o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu; kṛṣṇa-nāma o santo nome do Senhor Kṛṣṇa; prema amor a Kṛṣṇa; diyā salvando; viśva — o mundo todo; kailā fez; dhanya agradecido.

Tradução

Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu e Seus associados do Pañca-tattva distribuíram o santo nome do Senhor para despertar o amor a Deus em todo o universo, e assim o universo inteiro ficou agradecido.

Comentário

SIGNIFICADO—Afirma-se aqui como o Senhor Caitanya fez o mundo inteiro agradecido a Ele por propagar o movimento de saṅkīrtana com Seus associados. O Senhor Caitanya Mahāprabhu já santificou o universo inteiro por Sua presença quinhentos anos atrás, em virtude do que qualquer pessoa que tente servir a Śrī Caitanya Mahāprabhu sinceramente, seguindo Seus passos e seguindo as instruções dos ācāryas, será capaz de pregar, com êxito, os santos nomes do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa em todo o universo. Certos críticos tolos dizem que não se pode dar sannyāsa a europeus e americanos, mas vemos aqui que Śrī Caitanya Mahāprabhu desejava pregar o movimento de saṅkīrtana em todo o universo. Os sannyāsīs são essenciais para o trabalho de pregação. Esses críticos acham que só a indianos ou hindus é que se deve dar sannyāsa para fins de pregação, mas eles praticamente não têm conhecimento. Sem sannyāsīs, impedir-se-á o trabalho de pregação. Portanto, sob as instruções do Senhor Caitanya e com as bênçãos de Seus associados, não se deve fazer discriminações neste assunto, mas se deve treinar para a pregação e dar sannyāsa a pessoas em todas as partes do mundo, de modo que o culto do movimento de saṅkīrtana de Śrī Caitanya Mahāprabhu se expanda ilimitadamente. Não nos importamos com a crítica dos tolos. Continuaremos com nosso trabalho e simplesmente dependeremos das bênçãos de Śrī Caitanya Mahāprabhu e de Seus associados, o Pañca-tattva.

Texto

mathurāte pāṭhāila rūpa-sanātana
dui senā-pati kaila bhakti pracāraṇa

Sinônimos

mathūrate — a Mathurā; pāṭhāila — enviou; rūpa-sanātana — os dois irmãos Rūpa Gosvāmī e Sanātana Gosvāmī; dui — ambos; senā-pati — como comandantes-em-chefe; kailā Ele os fez; bhakti serviço devocional; pracāraṇa — para difundir.

Tradução

O Senhor Caitanya enviou os dois generais Rūpa Gosvāmī e Sanātana Gosvāmī a Vṛndāvana para pregarem o culto de bhakti.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando Rūpa Gosvāmī e Sanātana Gosvāmī foram a Vṛndāvana, não havia um templo sequer, mas, pela pregação deles, aos poucos conseguiram construir diversos templos. Sanātana Gosvāmī construiu o templo de Madana-mohana, e Rūpa Gosvāmī construiu o templo de Govindajī. De modo semelhante, o sobrinho deles, Jīva Gosvāmī, construiu o templo de Rādhā-Dāmodara, Śrī Gopala Bhaṭṭa Gosvāmī construiu o templo Rādhā-ramaṇa, Śrī Lokanātha Gosvāmī construiu o templo de Gokulānanda, e Śyāmānanda Gosvāmī construiu o templo de Śyāmasundara. Dessa maneira, muitos templos foram sendo construídos aos poucos. Para fins de pregação, é necessária também a construção de templos. Os Gosvāmīs não somente se dedicaram a escrever livros, mas também construíram templos, porque ambos são necessários para o trabalho de pregação. Śrī Caitanya Mahāprabhu desejou que o culto do Seu movimento de saṅkīrtana fosse propagado em todo o mundo. Agora que a Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna assumiu esta tarefa de pregar o culto do Senhor Caitanya, seus membros devem não apenas construir templos em cada vila e cidade do globo, mas também distribuir os livros que já foram escritos e aumentar ainda mais o número de livros. Tanto a distribuição de livros quanto a construção de templos devem continuar, lado a lado, em linhas paralelas.

Texto

nityānanda-gosāñe pāṭhāilā gauḍa-deśe
teṅho bhakti pracārilā aśeṣa-viśeṣe

Sinônimos

nityānanda o Senhor Nityānanda; gosāñe — o ācārya; pāṭhāilā foi enviado; gauḍa-deśe — na Bengala; teṅho Ele; bhakti culto devocional; pracārilā pregou; aśeṣa-viśeṣe — de maneira muito extensiva.

Tradução

Assim como Rūpa Gosvāmī e Sanātana Gosvāmī foram enviados a Mathurā, da mesma forma, Nityānanda Prabhu foi enviado à Bengala para pregar extensivamente o culto de Caitanya Mahāprabhu.

Comentário

SIGNIFICADO—O nome do Senhor Nityānanda é muito famoso na Bengala. Naturalmente, qualquer pessoa que conheça o Senhor Nityānanda também conhece Śrī Caitanya Mahāprabhu, mas certos devotos desorientados enfatizam a importância do Senhor Nityānanda acima da de Śrī Caitanya Mahāprabhu. Isso não é bom. Tampouco se deve dar mais ênfase a Śrī Caitanya Mahāprabhu do que ao Senhor Nityānanda. O autor do Caitanya-caritāmṛta, Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī, deixou seu lar porque seu irmão enfatizava a importância de Śrī Caitanya Mahāprabhu acima da de Nityānanda Prabhu. Na realidade, devemos prestar respeitos ao Pañca-tattva sem fazer essas discriminações tolas, não considerando nem Nityānanda Prabhu como o maior, nem Caitanya Mahāprabhu, nem Advaita Prabhu. Deve-se prestar o mesmo respeito a todos: śrī-kṛṣṇa-caitanya prabhu-nityānanda śrī-advaita gadādhara śrīvāsādi-gaura-bhakta-vṛnda. Todos os devotos do Senhor Caitanya ou de Nityānanda são pessoas dignas de adoração.

Texto

āpane dakṣiṇa deśa karilā gamana
grāme grāme kailā kṛṣṇa-nāma pracāraṇa

Sinônimos

āpane pessoalmente; dakṣiṇa deśa — sul da Índia; karilā foi; gamana viajando; grāme grāme em todas as vilas e cidades; kailā Ele fez; kṛṣṇa-nāma o santo nome do Senhor Kṛṣṇa; pracāraṇa — difundindo.

Tradução

Śrī Caitanya Mahāprabhu pessoalmente foi para o sul da Índia, onde difundiu o santo nome do Senhor Kṛṣṇa em todas as vilas e cidades.

Texto

setubandha paryanta kailā bhaktira pracāra
kṛṣṇa-prema diyā kailā sabāra nistāra

Sinônimos

setubandha — o local onde o Senhor Rāmacandra construiu Sua ponte; paryanta — até aquele local; kailā fez; bhaktira — do culto de serviço devocional; pracāra difundiu; kṛṣṇa-prema amor a Kṛṣṇa; diyā salvando; kailā fez; sabāra todos; nistāra salvação.

Tradução

Assim, o Senhor foi até o ponto mais meridional da península indiana, conhecido como Setubandha [Cabo Comorin]. Em toda a parte, Ele distribuiu o culto de bhakti e amor a Kṛṣṇa e, dessa maneira, salvou a todos.

Texto

ei ta’ kahila pañca-tattvera vyākhyāna
ihāra śravaṇe haya caitanya-tattva jñāna

Sinônimos

ei ta’ — esta; kahila descrita; pañca-tattvera do Pañca-tattva; vyākhyāna — explicação; ihāra disto; śravaṇe ouvindo; haya torna-se; caitanya-tattva a verdade de Śrī Caitanya Mahāprabhu; jñāna — conhecimento.

Tradução

Acabo de explicar a verdade do Pañca-tattva. Aquele que ouve esta explicação aumenta seu conhecimento sobre Śrī Caitanya Mahāprabhu.

Comentário

SIGNIFICADO—O Pañca-tattva é um fator muito importante para se compreender Śrī Caitanya Mahāprabhu. Há sahajiyās que, desconhecendo a importância do Pañca-tattva, imaginam seus próprios slogans, tais como bhaja nitāi gaura, rādhe śyāma, japa hare kṛṣṇa hare rāma ou śrī-kṛṣṇa-caitanya prabhu-nityānanda hare kṛṣṇa hare rāma śrī-rādhe govinda. Esses cânticos podem ser boa poesia, mas não podem ajudar-nos a avançar no serviço devocional. Em tais cânticos, há também muitas discrepâncias, que não precisam ser discutidas aqui. Estritamente falando, ao cantar os nomes do Pañca-tattva, devemos prestar reverências a todos os seus membros: śrī-kṛṣṇa-caitanya prabhu-nityānanda śrī-advaita gadādhara śrīvāsādi-gaura-bhakta-vṛnda. Cantando assim, seremos abençoados com a competência para cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa sem cometer ofensas. Ao cantarmos o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, devemos também cantá-lo completamente: Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. Não devemos tolamente adotar qualquer um dos slogans inventados por devotos imaginativos. Quem quiser realmente obter os efeitos do canto terá de seguir estritamente os grandes ācāryas. Confirma-se isso no Mahābhārata. Mahā-jano yena gataḥ sa panthāḥ: “O verdadeiro caminho de progresso é aquele que é trilhado por grandes ācāryas e autoridades.”

Texto

śrī-caitanya, nityānanda, advaita, — tina jana
śrīvāsa-gadādhara-ādi yata bhakta-gaṇa

Sinônimos

śrī-caitanya, nityānanda, advaita — Śrī Caitanya Mahāprabhu, Nityānanda Prabhu e Advaita Prabhu; tina estas três; jana personalidades; śrīvāsa-gadādhara Śrīvāsa e Gadādhara; ādi etc.; yata todos; bhakta-gaṇa os devotos.

Tradução

Ao se cantar o Pañca-tattva mahā-mantra, devem-se cantar os nomes de Śrī Caitanya, Nityānanda, Advaita, Gadādhara e Śrīvāsa com seus muitos devotos. Eis o processo.

Texto

sabākāra pādapadme koṭi namaskāra
yaiche taiche kahi kichu caitanya-vihāra

Sinônimos

sabākāra todos eles; pāda-padme — aos pés de lótus; koṭi incontáveis; namaskāra reverências; yaiche taiche — de alguma forma; kahi — eu falo; kichu algo; caitanya-vihāra sobre os passatempos do Senhor Caitanya Mahāprabhu.

Tradução

Presto minhas reverências repetidamente ao Pañca-tattva. Assim, acho que serei capaz de descrever algo sobre os passatempos do Senhor Caitanya Mahāprabhu.

Texto

śrī-rūpa-raghunātha-pade yāra āśa
caitanya-caritāmṛta kahe kṛṣṇadāsa

Sinônimos

śrī-rūpa — Śrīla Rūpa Gosvāmī; raghunātha — Śrīla Raghunātha Dāsa Gosvāmī; pade — aos pés de lótus; yāra cuja; āśa — expectativa; caitanya-caritāmṛta — o livro chamado Caitanya-caritāmṛta; kahe — descreve; kṛṣṇa-dāsa — Śrīla Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī.

Tradução

Orando aos pés de lótus de Śrī Rūpa e Śrī Raghunātha, desejando sempre a misericórdia deles, eu, Kṛṣṇadāsa, narro o Śrī Caitanya-caritāmṛta, seguindo seus passos.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Caitanya Mahāprabhu desejou pregar o movimento de saṅkīrtana de amor a Kṛṣṇa no mundo inteiro e, por isso, enquanto esteve presente, Ele inspirou o movimento de saṅkīrtana. Especificamente, Ele enviou Rūpa Gosvāmī a Vṛndāvana, e Nityānanda Ele enviou à Bengala, e pessoalmente foi para o sul da Índia. Dessa maneira, Ele generosamente deixou a tarefa de pregar o Seu culto no resto do mundo para a Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna. Os membros desta Sociedade devem sempre lembrar-se de que, se eles se mantiverem fiéis aos princípios reguladores e pregarem sinceramente segundo as instruções dos ācāryas, com certeza terão as profundas bênçãos do Senhor Caitanya Mahāprabhu, e o trabalho de pregação deles será exitoso em toda a parte no mundo inteiro.

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedānta do Śrī Caitanya-caritāmṛta, Ādi-līlā, sétimo capítulo, descrevendo o Senhor Caitanya sob cinco aspectos.