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Devoção Pura

tvayi me ’nanya-viṣayā
matir madhu-pate ’sakṛt
ratim udvahatād addhā
gaṅgevaugham udanvati

Ó senhor de Madhu! Assim como o Ganges flui perenemente rumo ao mar, sem nenhum obstáculo, permite que minha atração se dirija constantemente a Ti, sem divergir para ninguém mais.

A perfeição do serviço devocional puro é alcançada quando toda a atenção é voltada para o transcendental serviço amoroso ao Senhor. Cortar os laços de todas as outras afeições não significa a negação completa dos elementos mais refinados, como a afeição por outrem. Isto não é possível. Um ser vivo, quem quer que seja, deve ter esse sentimento de afeição pelos outros, porque isso é um sintoma de vida. Os sintomas de vida, tais como desejo, ira, ansiedade, sentimentos de atração, etc., não podem ser aniquilados. Somente o objetivo tem que ser mudado. O desejo não pode ser negado, mas, no serviço devocional, o desejo é dirigido apenas para o serviço ao Senhor, em lugar de dirigi-lo para o gozo dos sentidos. A dita afeição pela família, sociedade, nação, etc., consiste em diferentes fases de gozo dos sentidos. Quando se converte em dar satisfação ao Senhor, esse desejo chama-se serviço devocional.

Na Bhagavad-gītā, podemos ver que Arjuna não desejava lutar com seus primos e parentes apenas para satisfazer seus próprios desejos pessoais. Porém, quando ouviu a mensagem do Senhor, a Śrīmad-Bhagavad-gītā, ele mudou sua decisão e serviu ao Senhor. E, por fazê-lo, tornou-se um devoto famoso do Senhor, pois se declara em todas as escrituras que Arjuna alcançou a perfeição espiritual através do serviço devocional ao Senhor, em forma de amizade. A luta, a amizade, Arjuna, a presença de Kṛṣṇa, nada mudou, mas Arjuna tornou-se uma pessoa diferente mediante o serviço devocional. Portanto, as orações de Kuntī também indicam as mesmas mudanças categóricas nas atividades. Śrīmatī Kuntī queria servir o Senhor sem desvios, e essa era sua prece. Essa devoção imaculada é a meta derradeira da vida. Nossa atenção é normalmente desviada para o serviço a algo que não é divino, ou que não está no programa do Senhor. Quando o programa se converte em serviço ao Senhor, isto é, quando os sentidos se purificam, em relação com o serviço ao Senhor, isso se chama serviço devocional imaculado. Śrīmatī Kuntīdevī queria essa perfeição, e orou por isso ao Senhor.

Sua afeição pelos Pāṇḍavas e os Vṛṣṇis não foge aos limites do serviço devocional, porque o serviço ao Senhor e o serviço aos devotos são idênticos. Às vezes, o serviço ao devoto é mais valioso que o serviço ao Senhor. Mas aqui, a afeição de Kuntīdevī pelos Pāṇḍavas e os Vṛṣṇis devia-se à relação familiar. Este laço de afeição, em termos de relação material, é relação de māyā, porque as relações do corpo ou da mente devem-se à influência da energia externa. As relações da alma, estabelecidas em relação com a Alma Suprema, são relações verdadeiras. Quando quis cortar a relação familiar, Kuntīdevī quis dizer cortar a relação da pele. A relação da pele é a causa do cativeiro material, mas a relação da alma é a causa da liberdade. Esta relação de alma para alma pode ser estabelecida através da relação com a Superalma. Ver na escuridão não é ver, mas ver à luz do Sol significa ver o Sol e tudo o mais que era invisível na escuridão. Este é o caminho do serviço devocional.

No verso anterior do Śrīmad-Bhāgavatam, a rainha Kuntī orou para que o Senhor fizesse o obséquio de cortar-lhe a atração por seus parentes, as famílias Pāṇḍava e Vṛṣṇi. Entretanto, abandonar a atração por coisas materiais não é suficiente. Os filósofos māyāvādīs dizem, brahma satyaṁ jagan mithyā: “Este mundo é falso, e Brahman (espírito) é real”. Nós admitimos isto, mas o qualificamos. Como entidades vivas, desejamos prazer. Prazer significa variedade. Não é possível desfrutar nada sem variedade. Por que Deus criou tantas cores e tantas formas? Para criar prazer através da variedade, porque a variedade é a mãe do prazer.

Os filósofos māyāvādīs, impersonalistas, querem negar esta variedade, mas qual é o resultado? Como não se ocupam em serviço devocional, eles simplesmente se submetem ao árduo trabalho de austeridades e penitências, sem alcançar nenhum resultado permanente. Isto se explica numa prece do Śrīmad-Bhāgavatam (10.2.32):

ye ’nye ’ravindākṣa vimukta-māninas
tvayy asta-bhāvād aviśuddha-buddhayaḥ
āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ
patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ

“Ó Senhor de olhos de lótus, aqueles que pensam que estão liberados nesta vida, mas não Lhe prestam serviço devocional, têm inteligência impura. Embora aceitem severas austeridades e penitências, e se elevem à posição espiritual, alcançando a compreensão do Brahman impessoal, eles voltam a cair por terem negligenciado a adoração a Seus pés de lótus”.

A forma humana de vida existe para restabelecermos nosso relacionamento com Deus e agirmos de acordo com esse relacionamento. Mesmo em assuntos comuns, um comerciante que deseje fazer um negócio com outro tem de, primeiro, estabelecer alguma relação com ele, e aí, então, começam as transações. Analogamente, o esposo e a esposa estabelecem um relacionamento através do casamento, e depois começam a viver juntos. De forma semelhante, a vida humana destina-se a restabelecermos nosso relacionamento com Deus. Mundo material significa esquecimento desse relacionamento. Não existe consciência de Kṛṣṇa neste mundo material, porque tão logo haja consciência de Kṛṣṇa, tão logo haja ação baseada em Kṛṣṇa, ele não é mais mundo material, e sim mundo espiritual.

Como uma mulher, Kuntīdevī tinha um relacionamento com duas famílias. Este era o seu apego. Por isso, ela orou a Kṛṣṇa, para que cortasse esses relacionamentos e a libertasse. Mas, depois de liberada, o que deveria ela fazer? Esta é a questão. Alguém que sinta inconveniências em seu emprego pode demitir-se. Tal demissão pode ser correta. Mas, se, através da demissão, a pessoa fica desempregada e sem ocupação, de que adianta demitir-se?

Aqueles que estão frustrados e confusos desejam negar este mundo material. Eles sabem o que não querem, mas não sabem o que querem. Eles vivem dizendo “Eu não quero isto”, mas o que querem eles? Isto eles não sabem.

O que se deveria querer realmente é explicado por Kuntīdevī. Ela diz: “Deixe que meus relacionamentos familiares cessem, mas que minha relação com Você seja solidificada”. Em outras palavras, ela não deseja ser atraída por nada além de Kṛṣṇa. Isto é perfeição, e isto é realmente desejável.

A palavra ananya-viṣayā significa ananya-bhakti, serviço devocional indesviável. Basta nos apegarmos a Kṛṣṇa, vinte e quatro horas por dia, sem desvios. Dessa maneira, nossa renúncia será perfeita. Se pensamos que podemos estar apegados a Kṛṣṇa e às coisas materiais, ao mesmo tempo, estamos enganados. Não podemos acender um fogo enquanto lhe jogamos água. Se fizermos assim, o fogo não pegará.

Os sannyāsīs māyāvādīs renunciam a este mundo (brahma satyaṁ jagan mithyā). É muito bom pregar a renúncia ao mundo; mas, paralelamente, temos de sentir atração por algo; de outra forma, nossa renúncia não perdurará. Vemos muitos sannyāsīs māyāvādīs que dizem brahma satyaṁ jagan mithyā, mas, após aceitarem sannyāsa, voltam ao mundo material, para abrir hospitais e realizar trabalho filantrópico. Por quê? Se eles abandonaram este mundo, considerando-o mithyā, falso, por que voltam à política, filantropia e sociologia? Na verdade, isto está destinado a acontecer, porque somos entidades vivas e somos ativos. Se, por frustração, tentarmos nos tornar inativos, fracassaremos em nossa tentativa. Temos de nos dedicar a atividades.

A atividade suprema, a atividade brahman (espiritual), é o serviço devocional. Infelizmente, os māyāvādīs não sabem disto. Eles pensam que o mundo espiritual seja vazio. Entretanto, o mundo espiritual é exatamente como o mundo material, no que diz respeito a variedades. No mundo espiritual também existem casas, árvores, ruas, carruagens – tudo – mas sem os inebriamentos materiais. Como se descreve na Brahma-saṁhitā (5.29):

cintāmaṇi-prakara-sadmasu kalpa-vṛkṣa-
lakṣāvṛteṣu surabhīr abhipālayantam
lakṣmī-sahasra-śata-sambhrama-sevyamānaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Eu adoro Govinda, o Senhor Primordial, o primeiro progenitor, que cuida das vacas e satisfaz todos os desejos, em moradas feitas de joias espirituais, rodeado por milhões de árvores dos desejos e sempre servido com grande reverência e afeição por centenas de milhares de deusas da fortuna, ou gopīs”.

No mundo espiritual, existem árvores kalpa-vṛkṣa, que produzem qualquer tipo de fruta que desejemos. No mundo material, uma mangueira não pode produzir uvas, nem uma videira pode produzir manga. No mundo espiritual, entretanto, se pegarmos uma manga de determinada árvore e ao mesmo tempo desejarmos uvas, a árvore também as fornecerá. Esta é a chamada “árvore dos desejos”. Estas são algumas das realidades do mundo espiritual.

Neste mundo material precisamos da luz do Sol e da Lua, mas no mundo espiritual não há essa necessidade, porque lá tudo é refulgente. Em kṛṣṇa-līlā, Kṛṣṇa roubou manteiga, e as vizinhas, amigas de mãe Yaśodā, reclamaram. Na verdade, elas não estavam reclamando, mas estavam, isso sim, desfrutando as formas corpóreas e a brincadeira de Kṛṣṇa. Elas contaram à Mãe Yaśodā: “Seu filho vem à nossa casa e rouba manteiga. Nós tentamos escondê-la, no escuro, para que Ele não veja, mas, de alguma forma, Ele a encontra. É melhor que você tire Seus ornamentos, porque nós achamos que o brilho de Suas joias O ajuda a encontrar a manteigueira”. Mãe Yaśodā respondeu: “Sim, vou tirar todos os Seus ornamentos”. Mas suas vizinhas falavam: “Não, não. É inútil! Não sabemos como, mas esse menino tem um brilho que provém dEle mesmo. Ele pode encontrar a manteiga mesmo sem os ornamentos “. Compreendemos, assim, que o corpo transcendental é refulgente.

É devido à refulgência do corpo transcendental de Kṛṣṇa que existe a luz. Qualquer luz que vejamos é simplesmente emprestada da refulgência de Kṛṣṇa. Como se declara na Brahma-saṁhitā (5.40):

yasya prabhā prabhavato jagad-aṇḍa-koṭi-
koṭiṣv aśeṣa-vasudhādi vibhūti-bhinnam
tad brahma niṣkalam anantam aśeṣa-bhūtaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Nos milhões e milhões de universos, existem planetas inumeráveis, cada um dos quais é diferente dos outros, por sua constituição cósmica. Todos esses planetas estão situados dentro da refulgência espiritual chamada brahmajyoti. Esse brahmajyoti é a refulgência corpórea da Suprema Personalidade de Deus, a quem eu adoro”.

A refulgência corpórea de Kṛṣṇa gera milhões de universos. No Sistema Solar, o Sol produz muitos planetas, e devido ao seu brilho os planetas são mornos e as estações mudam. Devido ao Sol existem árvores, folhagem verde, frutas e flores. Analogamente, tudo que vemos na criação é devido à refulgência corpórea de Kṛṣṇa.

Os māyāvādīs veem simplesmente a refulgência, que é impessoal. Eles não podem ver nada mais. Podemos ver um avião subir aos céus, mas, passado algum tempo, ele desaparece de nossa vista por causa do brilho do Sol. O avião está lá, mas não podemos vê-lo. Da mesma forma, se tentarmos perceber apenas a refulgência brahmajyoti, seremos incapazes de enxergar algo dentro dela. Um dos mantras do Īśopaniṣad, portanto, pede ao Senhor que remova Sua refulgência, para que possamos vê-lO apropriadamente.

Os filósofos māyāvādīs não podem ver as atividades pessoais de Kṛṣṇa, nem o planeta onde Kṛṣṇa está ativo pessoalmente. O Bhāgavatam diz, āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ: porque eles não veem os pés de lótus de Kṛṣṇa, são forçados a retornar a este mundo material apesar de terem realizado sérias penitências e austeridades. Assim, a renúncia em si não nos ajudará. Podemos renunciar artificialmente, mas novamente nos tornaremos ditos desfrutadores. Tal renúncia e desfrute são como um pêndulo, que vai e vem. De um lado nos tornamos falsos renunciantes e de outro, falsos desfrutadores. O remédio, entretanto, está aqui. Se realmente desejamos nos desapegar deste mundo material, temos de incrementar nosso apego à consciência de Kṛṣṇa. Só a renúncia não nos ajudará. Portanto, Kuntīdevī ora: tvayi me ’nanya-viṣayā. Ela ora para que sua atração esteja sempre voltada para Kṛṣṇa, sem se desviar para nada mais. Isto é bhakti, serviço devocional puro, porque, como menciona Rūpa Gosvāmī, o serviço devocional deve ser indesviável (anyābhilāṣitā-śūnyaṁ jñāna-karmādy-anāvṛtam).

Neste mundo material, há os jñānīs e os karmīs. Os karmīs são tolos que trabalham árdua e desnecessariamente, e os jñānīs são aqueles que, sendo um pouco mais elevados, pensam: “Para que trabalhar tão arduamente? Não são necessárias tantas coisas. Para que acumular tanto dinheiro e comida e tanto falso prestígio?” O jñānī pensa dessa maneira. O bhakta, entretanto, está além do karmī e do jñānī. O karmī tem muitos desejos, e o jñānī tenta se livrar de todos os desejos, mas isso só é possível quando desejamos servir Kṛṣṇa. De outra forma, não é possível livrar-se dos desejos. Jñāna-karmādy-anāvṛtam. Como bhaktas, não devemos ter desejos de jñāna ou karma. Temos de largar os desejos pelas coisas materiais, e nos apegarmos a Kṛṣṇa. Dessa maneira, nosso desapego será fixo.

É preciso cultivar consciência de Kṛṣṇa favoravelmente (anukūlyena kṛṣṇānuśīlanam). Isto significa pensar em como Kṛṣṇa ficará satisfeito. Devemos pensar sempre em Kṛṣṇa, exatamente como as gopīs. A consciência de Kṛṣṇa das gopīs era perfeita, porque elas não tinham nenhum desejo além de tentar agradar Kṛṣṇa. Isso é a perfeição. Portanto, Caitanya Mahāprabhu recomenda, ramyā kācid upāsanā vraja-vadhū-vargena yā kalpitā: não há melhor processo para se adorar a Suprema Personalidade de Deus do que aquele adotado pelas gopīs.

As gopīs não têm outro desejo além de satisfazer Kṛṣṇa. Todas as gopīs tentavam satisfazê-lo, inclusive as gopīs mais idosas, como Yaśodā e suas amigas, bem como os gopas mais velhos, como Nanda Mahārāja e seus amigos. Os meninos e meninas de Vṛndāvana que tinham a mesma idade que Kṛṣṇa, também tentavam satisfazê-lO. Todos tentavam satisfazer Kṛṣṇa – mesmo as vacas, as flores, as frutas e a água de Vṛndāvana. Isto porque tudo em Vṛndāvana é espiritual, e nada é material.

Devemos compreender a diferença entre espiritual e material. O que é material não tem sintomas vitais, mas o espiritual tem todos esses sintomas. Tanto as árvores do mundo espiritual, quanto as do mundo material são entidades vivas, porém, nas árvores daqui, faltam os verdadeiros sintomas vitais. O ser humano é uma entidade viva, e os devotos no mundo espiritual também são entidades vivas, mas nos seres humanos que não são conscientes de Kṛṣṇa faltam os verdadeiros sintomas de vida.

Na verdade, não há outra consciência além da consciência de Kṛṣṇa. E essa consciência é espiritual. Então, mesmo enquanto estamos neste mundo material, se simplesmente incrementamos nossa consciência de Kṛṣṇa, estamos no mundo espiritual. Se vivemos no templo, vivemos no mundo espiritual, pois, no templo, o único interesse é a consciência de Kṛṣṇa. Há muitas atividades que podem ser feitas para Kṛṣṇa. Aqueles que seguem estritamente as regulações da consciência de Kṛṣṇa, vivem realmente no mundo espiritual, e não no mundo material. Outros podem pensar que vivemos em Nova Iorque ou em qualquer outro lugar, mas, na verdade, vivemos em Vaikuṇṭha.

É uma questão de consciência. O besouro pode sentar-se no mesmo assento que o mestre espiritual, mas, como o mestre espiritual desenvolveu sua consciência e o besouro não, eles são diferentes. Eles podem estar sentados no mesmo lugar, mas o besouro permanece besouro e o mestre espiritual permanece o mestre espiritual. A posição no espaço permanece a mesma, da mesma maneira que permanecemos no mundo material ou no mundo espiritual, mas, se nossa consciência de Kṛṣṇa é forte, não estamos no mundo material.

Assim, a renúncia em si, o simples abandonar das coisas mundanas, não é suficiente. A renúncia pode ser um processo útil, mas não vai ajudar completamente. Quando aumentarmos nosso apego a Kṛṣṇa, nossa renúncia será perfeita. À medida que incrementarmos nosso apego a Kṛṣṇa, o apego ao mundo material diminuirá, automaticamente. Apego a Kṛṣṇa e ao mundo material não podem existir paralelamente. Uma mulher que esteja apegada a dois homens – seu esposo e seu amante – não pode manter seu apego a ambos. Seu apego ao amante aumentará. Embora possa realizar os serviços domésticos de seu marido perfeitamente, sua mente estará apegada a seu amante, e ela pensará: “A que horas me encontrarei com ele esta noite?” Da mesma forma, se aumentarmos nosso apego a Kṛṣṇa, o resultado automático disso será desapego ou renúncia a este mundo material (bhaktiḥ pareśānubhavo viraktir anyatra ca, Śrīmad-Bhāgavatam 11.2.42).

Assim Kuntīdevī ora a Kṛṣṇa para que Ele a favoreça com Sua misericórdia, de maneira que ela se apegue a Ele. Não podemos aumentar nosso apego a Kṛṣṇa sem a misericórdia de Kṛṣṇa. Não podemos nos tornar devotos sem a misericórdia de Kṛṣṇa; por conseguinte, precisamos apenas servir Kṛṣṇa, porque, mediante tal serviço, Kṛṣṇa ficará satisfeito.

Kṛṣṇa não precisa do serviço de ninguém, porque Ele é perfeito em Si mesmo. Entretanto, se Lhe prestarmos serviço de todo o coração e com sinceridade, então, por Sua misericórdia, avançaremos. Sevonmukhe hi jihvādau svayam eva sphuraty adaḥ. Deus revelar-Se-á a nós. Não podemos ver Deus com nossos olhos grosseiros. Como, então, podemos vê-lO? Premāñjana-cchurita-bhakti-vilocanena/ santaḥ sadaiva hṛdayeṣu vilokayanti (Brahma-saṁhitā 5.38). É preciso untar os olhos com o unguento do amor; assim Kṛṣṇa Se revelará. Kṛṣṇa aparecerá realmente perante nós.

Quando Dhruva Mahārāja estava executando penitências e meditando na forma de Viṣṇu em seu coração, a forma de Viṣṇu desapareceu repentinamente, e sua meditação foi interrompida. Ao abrir seus olhos, Dhruva Mahārāja enxergou Viṣṇu diante dele. Assim como Dhruva Mahārāja, devemos sempre pensar em Kṛṣṇa, e, ao atingirmos a perfeição, veremos Kṛṣṇa diante de nós. Este é o processo. Não devemos ser apressados. Devemos esperar que o momento amadureça. Evidentemente é bom ansiar por ver Kṛṣṇa, mas não devemos nos desanimar se não O vemos imediatamente. A mulher que se casar e desejar um filho logo, ficará desapontada. Não é possível ter um filho imediatamente. Ela precisará esperar. De forma semelhante, não devemos pensar que, só por estarmos ocupados em consciência de Kṛṣṇa, poderemos ver Kṛṣṇa imediatamente. Porém, temos de ter fé que chegaremos a vê-lO. Precisamos ter fé firme de que, por estarmos ocupados na consciência de Kṛṣṇa, seremos capazes de ver Kṛṣṇa diretamente. Não devemos ficar desapontados. Devemos continuar com nossas atividades conscientes de Kṛṣṇa e chegará o momento em que veremos Kṛṣṇa, da mesma forma que Kuntīdevī O vê diretamente. Não há dúvida quanto a isso.

Na Bhagavad-gītā, declara-se que, mesmo que alguém se comporte um pouco mal, deve ser considerado santo caso esteja ocupado firmemente a serviço de Kṛṣṇa. Às vezes, os devotos americanos e europeus são criticados, porque cometem enganos e se desviam um pouco do sistema de adoração que é realizado na Índia, mas, apesar disso, segundo a Bhagavad-gītā, eles devem ser considerados santos. Basta fixarmos nossa mente em servir Kṛṣṇa sincera e seriamente, e então, mesmo que haja algum engano, Kṛṣṇa perdoará.

Rupa Gosvāmī diz, tasmāt kenāpy upāyena manaḥ kṛṣṇe niveśayet: antes de mais nada, devemos fixar a mente em Kṛṣṇa, após o que surgirá de forma automática a capacidade de seguir as outras regras e regulações. No início devemos tentar, da melhor forma possível, fixar a mente nos pés de lótus de Kṛṣṇa, e daí tudo o mais ficará perfeito automaticamente.

Kuntīdevī chama Kṛṣṇa de Madhupati. Kṛṣṇa tem milhares de nomes, e o nome Madhupati indica que Ele matou um demônio chamado Madhu. A consciência de Kṛṣṇa é comparada a um rio, mas não a um rio comum. É como o rio Ganges, que é muito puro e está diretamente ligado a Kṛṣṇa. Kuntīdevī ora para que, assim como o Ganges flui em direção ao mar, a atração dela flua incessantemente em direção aos pés de lótus de Kṛṣṇa. Isto chama-se ananya-bhakti, devoção pura. Assim, Kuntīdevī ora para que sua atração por Kṛṣṇa flua sem obstáculos.