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Capítulo 32

Kṛṣṇa Volta para as Gopīs

Quando o Senhor Kṛṣṇa finalmente reapareceu e se reuniu com as gopīs, Ele parecia muito belo, como é próprio de uma pessoa que tem toda a opulência. Afirma-se na Brahma-saṁhitā, ānanda-cin-maya-rasa-pratibhāvitābhiḥ: Kṛṣṇa sozinho não é especialmente belo, mas, quando Sua energia – especialmente Sua energia de prazer, representada por Rādhārāṇī – Se expande, Ele parece muito magnífico. A concepção māyāvāda da perfeição da Verdade Absoluta sem potência deve-se a um conhecimento insuficiente. De fato, fora da exibição de Suas diferentes potências, a Verdade Absoluta não é completa. Ānanda-cin-maya-rasa quer dizer que Seu corpo é uma forma transcendental de eterna bem-aventurança e conhecimento. Kṛṣṇa está sempre rodeado de diferentes potências, razão pela qual Ele é perfeito e belo. Através da Brahma-saṁhitā e do Skanda Purāṇa, entendemos que Kṛṣṇa está sempre rodeado por muitos milhares de deusas da fortuna. As gopīs são todas deusas da fortuna, e Kṛṣṇa andava de mãos dadas com elas pela margem do Yamunā.

É dito no Skanda Purāṇa que, de muitos milhares de gopīs, 16 mil são predominantes; daquelas 16 mil gopīs, 108 são especialmente importantes; das 108 gopīs, oito gopīs se destacam ainda mais; das oito gopīs, sobressaem Rādhārāṇī e Candrāvalī, e, dessas duas gopīs, Rādhārāṇī é a mais importante.

Quando Kṛṣṇa entrou na floresta na margem do Yamunā, o luar dissipou a escuridão circundante. Devido à estação, flores como a kunda e a kadamba estavam desabrochando, e uma brisa suave transportava seu aroma. Devido ao aroma, as abelhas também voavam na brisa, pensando que o aroma era mel. As gopīs prepararam um assento para Kṛṣṇa, nivelando a areia macia e pondo panos sobre ela.

As gopīs que estavam reunidas ali eram em sua maioria seguidores dos Vedas. Em seu nascimento anterior, durante o advento do Senhor Rāmacandra, elas foram eruditos védicos que desejaram a associação com o Senhor Rāmacandra em amor conjugal. Rāmacandra deu-lhes a bênção de estarem presentes no advento do Senhor Kṛṣṇa, quando satisfaria seus desejos. Durante o advento de Kṛṣṇa, os eruditos védicos nasceram sob a forma de gopīs em Vṛndāvana; como jovens gopīs, conseguiram a associação com Kṛṣṇa em cumprimento de seu desejo no nascimento precedente. A meta final de seu desejo perfeito foi atingida, e ficaram tão felizes que nada mais tinham a desejar. Isso se confirma no Bhagavad-gītā: se alguém alcança a Suprema Personalidade de Deus, ele não tem mais nenhum desejo. Não só todo o seu pesar, mas também sua lamentação causada pela ausência de Kṛṣṇa se aliviou quando as gopīs obtiveram Kṛṣṇa novamente em sua companhia. Elas sentiram que não tinham mais nenhum desejo a satisfazer. Plenamente satisfeitas na companhia de Kṛṣṇa, elas estenderam seus panos no chão, que eram de linho fino e estavam marcados com o kuṅkuma vermelho que enfeitava seus seios. Com grande cuidado, elas prepararam um lugar para Kṛṣṇa Se sentar. Kṛṣṇa era a vida e alma delas, e elas criaram um assento muito confortável para Ele.

Sentado entre as gopīs, Kṛṣṇa ficou ainda mais belo. Grandes yogīs como o senhor Śiva, o senhor Brahmā ou mesmo o Senhor Śeṣa e outros sempre tentam fixar sua atenção em Kṛṣṇa em seus corações, mas aqui as gopīs viam de fato Kṛṣṇa sentado diante delas em seus panos. Em companhia das gopīs, Kṛṣṇa parecia muito belo. Elas eram as moças mais belas nos três mundos e estavam reunidas ao redor de Kṛṣṇa.

Pode-se perguntar aqui como Kṛṣṇa Se sentou ao lado de tantas gopīs e, mesmo assim, sentou-Se sozinho. Neste verso, há uma palavra significativa: īśvara. Como se diz no Bhagavad-gītā: īśvaraḥ sarva bhūtānām. Īśvara se refere ao Senhor Supremo como a Superalma situada no coração de todos. Kṛṣṇa também manifestou esta potência de expansão como Paramātmā nesta reunião com as gopīs. Kṛṣṇa estava sentado ao lado de cada gopī sem ser visto pelas outras. Kṛṣṇa era tão bom com as gopīs que, em vez de sentar-Se em seus corações para ser apreciado em meditação ióguica, Ele Se sentou ao lado delas. Sentando-Se do lado de fora, Ele demonstrou especial favor às gopīs, que eram as beldades escolhidas de toda a criação. Tendo conseguido seu amadíssimo Senhor, as gopīs começaram a agradá-lO piscando seus olhos, sorrindo e também reprimindo sua ira. Algumas delas pegaram no colo os pés de lótus dEle e começaram a massageá-lO. E enquanto sorriam, elas confidencialmente expressavam sua ira abafada e diziam: “Querido Kṛṣṇa, somos mulheres comuns de Vṛndāvana, e não sabemos muito de conhecimento védico – sobre o que está certo e o que está errado. Nós, portanto, apresentamos-Lhe uma questão, e, já que é muito erudito, Você pode responder de modo apropriado a ela. Nas relações entre amantes, achamos que há três classes de homens. Uma classe simplesmente recebe, outra classe responde favoravelmente, mesmo que o amante seja muito contrário, e a terceira classe nem age contra nem responde a favor nas relações de amor. Então, dessas três classes, qual Você prefere, ou qual considera honesta?”

Em resposta, Kṛṣṇa disse: “Minhas queridas amigas, as pessoas que apenas correspondem às relações amorosas da outra parte são assim como mercadores. Elas dão em aventuras amorosas tanto quanto recebem da outra parte. Na prática, não se trata de amor. É apenas uma transação comercial, e é interesseira ou egocêntrica. É melhor a segunda classe de homens, que amam a despeito da contrariedade da parte oposta; mesmo aqueles que não têm nem um pouco de amor em seu relacionamento são melhores que os comerciantes. Pode-se ver o amor sincero quando o pai e a mãe amam os filhos apesar do desprezo destes. A terceira classe nem reciproca nem despreza. Eles ainda podem se dividir em duas classes. Uma é a dos autossatisfeitos, que não precisam do amor de ninguém. Eles se chamam ātmārāma, que quer dizer que estão absortos em pensar na Suprema Personalidade de Deus e, assim, não se importam se alguém os ama ou não. A outra classe, porém, é a dos homens ingratos – chamam-se insensíveis. Os homens deste grupo se revoltam contra os superiores. Por exemplo, um filho, apesar de receber todo tipo de coisas de pais amorosos, pode ficar insensível e não corresponder. Aqueles nesta classe são, em geral, conhecidos como guru-druha, que quer dizer que eles recebem favores dos pais ou do mestre espiritual e, ainda assim, os desprezam”.

Kṛṣṇa respondeu indiretamente às perguntas das gopīs, mesmo àquelas perguntas que implicavam indiretamente que Kṛṣṇa não reciprocava apropriadamente as relações delas. Em resposta, Kṛṣṇa disse que Ele, como a Suprema Personalidade de Deus, é autossatisfeito. Ele não precisa do amor de ninguém, mas, ao mesmo tempo, Ele disse que não é ingrato.

“Minhas queridas amigas”, Kṛṣṇa continuou, “vocês devem estar desgostosas com Minhas palavras e atos, mas devem saber que, às vezes, não correspondo às relações de Meus devotos coMigo. Meus devotos estão muito apegados a Mim, mas, às vezes, não respondo propriamente a seus sentimentos a fim de que seu amor por Mim aumente cada vez mais. Se pudessem se aproximar de Mim com muita facilidade, poderiam pensar que é muito fácil alcançar Kṛṣṇa! Por isso, às vezes, Eu não respondo. Se uma pessoa não tem dinheiro e, depois de algum tempo, acumula uma riqueza e, em seguida, a perde, ela pensará vinte e quatro horas por dia no bem que perdeu. Igualmente, para aumentar o amor de Meus devotos, Eu, por vezes, pareço estar perdido para eles, e, ao invés de Me esquecerem, eles sentem aumentar seu sentimento por Mim. Minhas queridas amigas, não pensem nem por um momento que tenho tratado vocês como se fossem devotos comuns. Sei o que vocês são. Vocês renunciaram todo tipo de obrigações sociais e religiosas e abandonaram toda relação com seus pais. Sem se importarem para a convenção social e para as obrigações religiosas, vocês vieram até Mim e Me amaram, e lhes sou tão grato que não posso tratá-las como devotos comuns. Não pensem que Eu estava longe de vocês. Na verdade, estava muito perto. Estava apenas vendo quanta ansiedade vocês sentiam em Minha ausência. Então, por favor, não tentem achar defeitos em Mim. Visto que vocês Me consideram tão querido, por favor, perdoem-Me se fiz algo errado. Não posso recompensar seu amor contínuo por Mim, nem mesmo valendo-Me do tempo de vida dos semideuses nos planetas celestes. É impossível retribuir-lhes ou mostrar gratidão por seu amor; portanto, por favor, fiquem satisfeitas com suas próprias atividades piedosas. Vocês já mostraram possuir atração exemplar por Mim, superando as maiores dificuldades surgidas das relações familiares. Por favor, estejam satisfeitas com seu caráter altamente exemplar, pois não Me é possível pagar a dívida que tenho com vocês”.

O caráter exemplar do serviço devocional manifestado pelos devotos de Vṛndāvana é o tipo mais puro de devoção. No śāstra autorizado, se prescreve que o serviço devocional deve ser ahaitukī e apratihatā. Isso significa que o serviço devocional a Kṛṣṇa não pode ser controlado por convenção política ou religiosa. O nível do serviço devocional é sempre transcendental. As gopīs, de modo especial, mostraram serviço devocional puro a Kṛṣṇa de tal forma que o próprio Kṛṣṇa ficou em dívida com elas. O Senhor Caitanya, então, disse que o serviço devocional manifestado pelas gopīs de Vṛndāvana superou todos os outros métodos de se aproximar da Suprema Personalidade de Deus.

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo trinta e dois de Kṛṣṇa, intitulado “Kṛṣṇa Volta para as Gopīs”.