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Capítulo 13

Conhecimento Perfeito através da Rendição

Verso 28

devahūtir uvāca
kācit tvayy ucitā bhaktiḥ
kīdṛśī mama gocarā
yayā padaṁ te nirvāṇam
añjasānvāśnavā aham

Ao ouvir esta declaração do Senhor, Devahūti perguntou: Que tipo de serviço devocional é digno de ser desenvolvido e praticado para ajudar-me a alcançar fácil e imediatamente o serviço a Teus pés de lótus?

SIGNIFICADO—A Bhagavad-gītā afirma que ninguém é proibido de prestar serviço ao Senhor. Quer mulher, quer trabalhador, quer comerciante, se alguém se ocupa no serviço devocional ao Senhor, é promovido à fase perfectiva mais elevada e volta ao lar, volta ao Supremo. O serviço devocional mais apropriado para os diferentes tipos de devotos é determinado e fixado pela misericórdia do mestre espiritual.

Portanto, para libertar-se dos sofrimentos da natureza material, todos devem se aproximar do mestre espiritual autêntico com uma atitude inquisitiva e submissa. Ao se render a Kṛṣṇa, Arjuna disse: “Meu querido Kṛṣṇa, já não desejo falar conTigo como amigo, pois conversas amigáveis não me beneficiarão agora.” Em geral, conversamos com um amigo apenas para passar o tempo, mas, quando nos aproximamos do mestre espiritual, devemos ser submissos. Amigos tratam uns aos outros com igualdade, mas essa não é a maneira de se aproximar do mestre espiritual. Quem não é submisso, não pode aceitar instruções sublimes. Arjuna, abandonando sua relação amigável com Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, está nos ensinando a submissão. Ele diz: “Agora me tornei Teu discípulo. Por favor, instrui-me.”

Podemos especular por muitos anos, por muitos nascimentos, apesar do que não conseguiremos compreender a meta última da vida. Por isso, todos os śāstras nos aconselham a buscar um guru. A palavra guru significa “pesado”. Aquele que possui muito conhecimento fica pesado com conhecimento. Deve-se aceitar o guru genuíno dessa maneira e não se deve pensar: “Já sei tudo. Quem pode me ensinar?” Ninguém pode dizer tal coisa, pois todos precisam de instrução.

De acordo com o sistema védico, a criança é mandada ao gurukula para aprender o conhecimento espiritual desde o começo da vida. Quando vai para o gurukula, a criança se torna um brahmacārī e trabalha como um servo humilde. Ela pode ser filho de um grande brāhmaṇa ou de um grande rei; não importa. Quando vai para o gurukula, ela deve agir como um servo humilde do guru. Se o guru ordena que ela preste algum serviço inferior, ela está pronta para cumprir a ordem. Esse é o dever do brahmacārī. Para nos ensinar, até mesmo Kṛṣṇa foi para o gurukula. Não era necessário que Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, fosse para o gurukula, mas Ele foi apenas para nos dar o exemplo. Caitanya Mahāprabhu também aceitou um guru.

Prakāśānanda Sarasvatī era um eminente erudito e sabia que Caitanya Mahāprabhu também o era, ainda assim criticou Caitanya Mahāprabhu porque este vivia a dançar e cantar. Prakāśānanda Sarasvatī achava que um sannyāsī deveria dirigir toda a atenção ao estudo do Vedānta. Ele, portanto, considerava Caitanya Mahāprabhu um sentimentalista, e não um sannyāsī genuíno. Prakāśānanda Sarasvatī perguntou: “Por que não lês o Vedānta-sūtra? Por que vives cantando e dançando?” Caitanya Mahāprabhu respondeu:

prabhu kahe — śuna, śrīpāda, ihāra kāraṇa
guru more mūrkha dekhi’ karila śāsana

“Na verdade, não sou muito erudito, e meu guru disse que sou o tolo número um. Ele disse que, por causa disso, não posso ler o Vedānta-sūtra, pois o Vedānta-sūtra não se destina a qualquer um. Meu guru, então, aconselhou-me a cantar este mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Agora estou seguindo sua ordem e colhendo os resultados.” (Caitanya-caritāmṛta, Ādi 7.71)

Hoje em dia, em Kali-yuga, as pessoas não são devidamente educadas. Preocupam-se apenas em ganhar dinheiro para encher a barriga. A filosofia vedānta não se destina a um homem qualquer, nem a um intelectual qualquer. Ela requer grande conhecimento de sânscrito e filosofia. É claro que Caitanya Mahāprabhu, sendo a Suprema Personalidade de Deus, sabia tudo, mas, naquele momento, Ele assumira o papel de um homem qualquer apenas para instruir uma sociedade ignorante e iletrada. Nesta era, as pessoas nem mesmo se interessam em ler o Vedānta-sūtra. Elas estão tão profundamente influenciadas por māyā que nem se interessam em saber que existe vida após a morte ou que existem 8.400.000 espécies de vida. Às vezes, se ouvem que, por agir de determinada maneira, elas se tornarão árvores, cães, gatos, insetos ou mesmo seres humanos, dizem que não se importam. Chegam até a dizer: “Não me importo em nascer como cão. O que há de errado nisso? Simplesmente me esquecerei de tudo.” Muitos estudantes universitários nos países ocidentais falam assim. Eles se tornaram tão ignorantes que são descritos como manda. Antigamente, na Índia, os brāhmaṇas se interessavam em compreender o Brahman. Athāto brahma-jijñāsā. Entretanto, hoje em dia, todos são śūdras, e ninguém está interessado em compreender o Brahman. Eles pensam somente em ganhar dinheiro e ir ao cinema.

A vida humana se destina a nos fazer compreender nossa situação, e devemos aceitar as instruções da Bhagavad-gītā. Por aceitar Kṛṣṇa como seu guru, Arjuna nos está dando uma lição. Ele pede que Kṛṣṇa seja seu mestre espiritual e o instrua. As lições dadas por Śrī Kṛṣṇa não se destinam apenas a Arjuna, mas a todos. Kṛṣṇa nos diz na Bhagavad-gītā que devemos buscar um guru. O primeiro guru é o próprio Śrī Kṛṣṇa, e quem quer que represente Śrī Kṛṣṇa também é um guru. Se sou um homem de negócios, e alguém sai para anunciar meu negócio e segue minhas ordens, ele é meu representante. Se ele apenas diz que é meu representante, mas usa o dinheiro para outra coisa, ele não é de fato meu representante.

O representante de Kṛṣṇa não diz: “Tornei-me Kṛṣṇa.” Tal pessoa não é nem um representante nem um guru. É apenas um enganador. Representante de Kṛṣṇa é aquele que difunde a mensagem de Kṛṣṇa. Kṛṣṇa diz: “Abandone tudo e renda-se a Mim.” O representante de Kṛṣṇa afirma: “Abandone tudo e simplesmente renda-se a Kṛṣṇa.” Isso não é muito difícil de compreender. Qualquer um pode ser representante de Kṛṣṇa. Todavia, nos últimos duzentos anos, muitos yogīs e svāmīs foram para países estrangeiros, mas nenhum deles falou sobre Kṛṣṇa. Eles só apresentaram uma miscelânea da filosofia indiana. Ninguém apresentou realmente a cultura védica como ela é.

Devemos ler a Bhagavad-gītā como ela é e compreender a filosofia assim como Arjuna a compreendeu. Arjuna era amigo de Kṛṣṇa. Ele se sentava com Kṛṣṇa e falava com Ele de amigo para amigo. No décimo primeiro capítulo, depois de ter visto a forma universal, Arjuna diz a Kṛṣṇa: “No passado, eu me dirigi a Ti desta maneira: ‘Ó Kṛṣṇa! Ó Yādava! Ó meu amigo!’, sem conhecer Tuas glórias. Por favor, perdoa-me qualquer ofensa que eu possa ter cometido por loucura ou por amor.”

Arjuna compreendeu que, embora fosse seu amigo, Kṛṣṇa era a Suprema Personalidade de Deus e, em razão disso, a pessoa correta para ser seu guru. Ele disse no começo da Bhagavad-gītā (2.7), śiṣyas te ’haṁ śādhi māṁ tvāṁ prapannam: “Agora sou Teu discípulo e uma alma rendida a Ti. Por favor, instrui-me.”

Estas são as instruções que recebemos da Bhagavad-gītā, e qualquer um que leia a Bhagavad-gītā tem de aceitar Kṛṣṇa como o guru. Devemos prestar serviço ao guru e nos render. Não se deve aceitar qualquer um como guru. O guru deve ser o representante de Kṛṣṇa; então pode haver rendição. Rendição significa que a pessoa aceitará tudo o que o guru disser. Ela não deve pensar: “Não me importo com a ordem do guru. Ainda assim, sou um discípulo.” Isso não é verdadeira aceitação do guru. Hoje em dia, é moda aceitar um guru dessa maneira, mas isso não ajudará ninguém. Logo que assumiu a posição de guru, Kṛṣṇa repreendeu Arjuna, dizendo:

aśocyān anvaśocas tvaṁ
prajñā-vādāṁś ca bhāṣase
gatāsūn agatāsūṁś ca
nānuśocanti paṇḍitāḥ

“Enquanto falas palavras sábias, estás te lamentando por aquilo com que não precisas te afligir. Os sábios não se lamentam nem pelos vivos nem pelos mortos.” (Bhagavad-gītā 2.11)

Dessa maneira, Kṛṣṇa basicamente disse a Arjuna que ele era o tolo número um por estar se lamentando por coisas que não devem ser motivo de lamentação. Arjuna estava se lamentando pelo corpo, pois considerava que seria horrível ter de matar seus parentes na guerra. Este não deveria ser o problema principal de sua preocupação. O verdadeiro problema com que um homem sábio deve se preocupar é a salvação da alma. Śrī Kṛṣṇa primeiro explicou a diferença entre o corpo e a alma.

Este movimento da consciência de Kṛṣṇa também está preocupado com a alma, daí usarmos a palavra “consciência”, visto que a consciência pertence à alma. A consciência é o sintoma da presença da alma. Porque a alma está no corpo, o corpo sente prazer e dor. Quando a alma deixa o corpo, esse pode ser cortado em pedaços e não protestará. Isso porque a consciência se foi. Sentimos prazer e dor devido à presença da consciência, e Kṛṣṇa nos explica que é essa consciência que é eterna, e não o corpo. Temos de purificar nossa consciência para compreendermos que a consciência é eterna. Se lograrmos esse intento, nossa vida será bem-sucedida. No momento da morte, a inteligência nos transporta para outro corpo. Existem a mente, a inteligência e o ego, que constituem o corpo sutil, e existe também a alma, que é ainda mais sutil. Sabemos que temos uma mente, embora não possamos vê-la. Tampouco podemos ver a inteligência, o ego ou a alma. Só podemos ver o corpo material grosseiro e, quando este corpo material grosseiro acaba, dizemos que tudo acabou. Para compreendermos estes assuntos, temos de nos aproximar de um guru, assim como Arjuna se aproximou de Śrī Kṛṣṇa.

Com palavras muito polidas, Śrī Kṛṣṇa disse a Arjuna que ele não era um homem erudito. Em suma, Ele disse: “Você não é um paṇḍita. Tente apenas compreender que a vida verdadeira é a vida da alma.” Educação védica significa cuidar da alma. No momento, a alma está aprisionada, corporificada, enredada em afazeres mundanos. A alma está sofrendo, e é para o nosso benefício resgatá-la das garras materiais. Essa é a educação verdadeira. Para receber tal educação, é compulsório aproximar-se de um guru genuíno. Kṛṣṇa é o guru. Kapiladeva, a encarnação de Kṛṣṇa, também é o guru. Kṛṣṇa nos informa que Ele é o proprietário do corpo, e Ele explicou esse tópico de diversas maneiras. Ele afirmou que a alma nunca pode ser cortada em pedaços, nem queimada pelo fogo, nem umedecida pela água, nem enxugada pelo vento. A matéria interage com a matéria, mas a alma não pertence ao mundo material. Isso quer dizer que a alma está acima das ações e reações materiais. No mundo material, até o ferro e a pedra podem ser derretidos, mas as leis da natureza não se aplicam à alma espiritual.

Para compreendermos esses assuntos, temos de ser cuidadosos ao nos aproximarmos do representante de Kṛṣṇa. Não devemos nos aproximar de um falso guru, que é como um cego querendo guiar outros cegos. Devemos buscar alguém que enxergue, que tenha visto a Verdade Absoluta. A Verdade Absoluta existe assim como o Sol existe, e todos podem vê-lo. O Sol não se esconde, mas alguém pode tentar esconder-se dele fechando a porta de sua casa. É preciso abrir a porta para ver o Sol. De modo semelhante, Kṛṣṇa existe, Deus existe, e temos de buscar Kṛṣṇa e receber lições da Bhagavad-gītā para aprendermos quem é Deus. Os patifes não farão isso, senão que inventarão alguma filosofia. Na verdade, não há dificuldade alguma, pois as instruções de Kṛṣṇa estão disponíveis, e o próprio Kṛṣṇa está disponível. Kṛṣṇa é tão bondoso que diz: “Tudo bem. Se você não consegue Me compreender desta maneira, veja-Me na água. Se você não consegue Me compreender daquela outra maneira, veja-Me no brilho do Sol.” Isso é muito difícil? Não é nada difícil, mas somos muito obstinados. Māyā também é muito forte, e logo que tentamos aceitar Kṛṣṇa como o Senhor Supremo, māyā sussurrará em nossos ouvidos: “Não, não. Existem muitos deuses. Por que você está aceitando Kṛṣṇa?” Contudo, os śāstras dizem que kṛṣṇas tu bhagavān svayam. Īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ. “Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus.” Devemos receber instruções dos ācāryas e dos śāstras. Ao menos na Índia, há muitos grandes ācāryas: Rāmānujācārya, Madhvācārya, Viṣṇusvāmī e até mesmo Śaṅkarācārya e Guru Nanak. Todos eles aceitaram Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus. Por que, então, devemos rejeitá-lO? Por que devemos aceitar algum competidor? Não devemos nos ocupar em especulação mental, e sim aceitarmos Kṛṣṇa com plena consciência e sermos felizes. Isso se faz possível com a ajuda do guru, daí Devahūti continuar a indagar de seu filho Kapiladeva este assunto.

Verso 29

yo yogo bhagavad-bāṇo
nirvāṇātmaṁs tvayoditaḥ
kīdṛśaḥ kati cāṅgāni
yatas tattvāvabodhanam

O sistema de yoga místico, como explicaste, visa à Suprema Personalidade de Deus e destina-se a acabar completamente com a existência material. Por favor, mostra-me a natureza desse sistema de yoga. Quantas maneiras existem através das quais se pode realmente entender esse sublime yoga?

SIGNIFICADO—Há diferentes espécies de sistemas de yoga místico que visam a diferentes fases da Verdade Absoluta. O sistema de jñāna-yoga visa à refulgência Brahman impessoal, e o sistema de haṭha-yoga visa ao aspecto pessoal localizado, o aspecto Paramātmā da Verdade Absoluta, ao passo que bhakti-yoga, ou serviço devocional, que se executa de nove maneiras diferentes, encabeçadas por ouvir e cantar, visa à completa compreensão do Senhor Supremo. Há diferentes métodos de autorrealização. Neste verso, porém, Devahūti refere-se especialmente ao sistema de bhakti-yoga, cuja essência já foi explicada pelo Senhor. As diferentes partes do sistema de bhakti-yoga são ouvir, cantar, lembrar, oferecer orações, adorar o Senhor no templo, aceitar o serviço a Ele, cumprir Suas ordens, fazer amizade com Ele e, finalmente, entregar tudo a serviço do Senhor.

A palavra nirvāṇātman é muito significativa neste verso. A menos que se aceite o processo de serviço devocional, não se pode dar cabo da continuação da existência material. Quanto aos jñānīs, eles estão interessados em jñāna-yoga, mas, mesmo se algum deles se eleve, após praticar muita austeridade, à refulgência Brahman, existe a possibilidade de recair no mundo material. Portanto, o jñāna-yoga realmente não dá cabo à existência material. Da mesma forma, no que diz respeito ao sistema de haṭha-yoga, que visa ao aspecto localizado do Senhor, Paramātmā, tem-se observado que muitos yogīs, tal qual Viśvāmitra, caem. Mas os bhakti-yogīs, uma vez que tenham se aproximado da Suprema Personalidade de Deus, jamais voltam a este mundo material, como se confirma na Bhagavad-gītā. Yad gatvā na nivartante: tendo ido, não se volta jamais. Tyaktvā dehaṁ punar janma naiti: após abandonar este corpo, nunca mais se regressa para aceitar outro corpo material. Nirvāṇa não acaba com a existência da alma. A alma existe sempre. Portanto, nirvāṇa significa dar cabo à existência material, e acabar com a existência material significa voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Às vezes, pergunta-se como a entidade viva cai do mundo espiritual ao mundo material. Eis aqui a resposta. A menos que nos elevemos aos planetas Vaikuṇṭha, diretamente em contato com a Suprema Personalidade de Deus, tendemos a cair, seja da compreensão do Brahman impessoal, seja de um transe extático de meditação. Outra palavra usada neste verso, bhagavad-bāṇaḥ, é muito significativa. Bāṇaḥ significa “flecha”. O sistema de bhakti-yoga é como uma flecha apontada para a Suprema Personalidade de Deus. O sistema de bhakti-yoga nunca impele alguém rumo à refulgência Brahman impessoal ou à fase de compreensão do Paramātmā. Essa flecha, ou bāṇaḥ, é tão aguda e ligeira que vai diretamente até a Suprema Personalidade de Deus, penetrando as regiões do Brahman impessoal e do Paramātmā localizado.

Devemos compreender a Pessoa Suprema, tattvataḥ, em verdade. De maneira geral, ninguém está interessado em conhecer Deus ou sua relação com Ele. Entretanto, toda a instrução védica visa a esse propósito. Primeiramente, temos de conhecer Deus e, depois, conhecer nossa relação com Deus. O passo seguinte é agir de acordo com essa relação. Kṛṣṇa diz que, dentre muitos milhões de homens, talvez um se interesse em conhecer o propósito da vida. A vida humana se destina a esse fim, e quem não atinge essa compreensão não é melhor do que um animal. Devemos não apenas compreender Deus e nossa relação com Ele, mas também agir conforme essa relação. Desta maneira, podemos aperfeiçoar nossa vida. Quando alguém se torna um siddha, ele compreende a si mesmoisto é, compreende que ahaṁ brahmāsmi: “Eu não sou este corpo.” Essa é a compreensão acerca de Brahman, a plataforma brahma-bhūta. Quem alcança tal fase, fica muito feliz. Todavia, temos de avançar ainda mais e atingir a plataforma de bhakti-yoga. Nessa plataforma, existe variedade e ānanda, bem-aventurança. Como se disse antes, estamos em busca da variedade espiritual e, se não entrarmos no mundo espiritual, cairemos de novo na atmosfera material.

A Brahma-saṁhitā menciona a variedade existente no mundo espiritual:

cintāmaṇi-prakara-sadmasu kalpa-vṛkṣa-
lakṣāvṛteṣu surabhīr abhipālayantam
lakṣmī-sahasra-śata-sambhrama-sevyamānaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi
veṇuṁ kvaṇantam aravinda-dalāyatākṣaṁ
barhāvataṁsam asitāmbuda-sundarāṅgam
kandarpa-koṭi-kamanīya-viśeṣa-śobhaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Adoro a Govinda, o Senhor primordial, o primeiro progenitor, que vive a apascentar as vacas e satisfaz todos os desejos. Ele reside em palácios construídos com pedras preciosas espirituais e cercados por milhões de árvores-dos-desejos. Além disso, é sempre servido com grande respeito e afeição por centenas e milhares de deusas da fortuna.”

“Adoro Govinda, o Senhor primordial, que é perito em tocar Sua flauta, cujos olhos são exuberantes como pétalas de lótus, cuja cabeça está ornada com uma pena de pavão, cuja bela forma apresenta o matiz de nuvens azuladas e cuja ternura incomparável atrai milhões de Cupidos.”

Não devemos pensar que a forma de Kṛṣṇa é imaginação de algum artista. Ele é descrito nos Vedas como veṇuṁ kvaṇantam aravinda-dalāyatākṣam. Ele toca uma flauta, e Seus olhos são como as pétalas de uma flor de lótus. Ele usa uma pena de pavão na cabeça, e Sua tez belíssima é da cor de uma nuvem escura. Ele é tão belo que atrai muitas centenas de milhares de Cupidos (kandarpa-koṭi-kamanīya-viśeṣa-śobham). Essas são descrições de Govinda encontradas nos śāstras.

No mundo material, estamos simplesmente mastigando o mastigado, jogando isso fora, pegando-o e mastigando-o mais uma vez. A variedade espiritual não é assim. Ela é ānandāmbudhi-vardhanam: aumenta a cada instante. É maior até que o oceano, pois o oceano não aumenta. As margens do oceano são fixas; elas têm certos limites. O oceano de bem-aventurança, contudo, não para de crescer. Quanto mais entramos nessa bem-aventurança espiritual, mais ficamos em júbilo.

Os jovens do movimento Hare Kṛṣṇa cantam o mantra Hare Kṛṣṇa o tempo todo. Se esse mantra fosse material, por quanto tempo eles conseguiriam cantá-lo? Não é possível cantar um nome material por muito tempo, pois o canto se torna tedioso e muito cansativo. Ninguém ficaria satisfeito só por cantar Hare Kṛṣṇa se esses nomes não fossem espirituais. Podemos cantar: “Seu João, seu João, seu João”, mas, depois de uma hora, não aguentaremos mais. Porém, quanto mais avançamos espiritualmente, mais sentimos bem-aventurança ao cantar Hare Kṛṣṇa.

Podemos experimentar ānanda em plenitude na companhia de Kṛṣṇa. Podemos nos associar com Kṛṣṇa como servos, amigos, pais, mães ou amantes. Existem cinco rasas básicas – śānta, dāsya, sakhya, vātsalya e mādhurya. Neste mundo material, experimentamos as mesmas rasas, ou relacionamentos. Relacionamo-nos com os outros como pai, filho, amante, amado, mestre, servo ou o que for. Esses relacionamentos são reflexos pervertidos da relação com Kṛṣṇa que existe no mundo espiritual. Hoje, no mundo material, posso estar reciprocando amor com meu filho, mas, no dia seguinte, meu filho pode ser meu maior inimigo. Não há eternidade nesse tipo de amor. Ou, se meu filho não se torna meu inimigo, ele pode morrer. Hoje posso amar algum homem ou alguma mulher, mas podemos nos separar amanhã. Tudo isso se deve aos defeitos do mundo material. No mundo espiritual, no entanto, esses relacionamentos nunca se rompem. Eles se intensificam cada vez mais, e isso é a perfeição.

Kṛṣṇa gosta muito de apascentar as vacas surabhi, mas os māyāvādīs não conseguem compreender isso. Eles dizem: “Quem é esse Kṛṣṇa?” Até o senhor Brahmā ficou confuso. Ele disse: “Por que este Kṛṣṇa, este menino de Vṛndāvana, está sendo adorado? Ele está sendo chamado de Suprema Personalidade de Deus. O que é isso?” O senhor Indra também ficou confuso. Logo, se não queremos nos confundir, devemos de fato compreender Kṛṣṇa ouvindo os ensinamentos dados pelo próprio Kṛṣṇa ou por Seu representante autêntico.

As atividades de Kṛṣṇa não são comuns; são divinas. Se pudermos compreender isso, alcançaremos a liberação. Basta compreendermos os passatempos de Kṛṣṇa com as gopīs. Esses passatempos não são comuns. No mundo material, um rapaz deseja dançar com muitas moças, mas a dança de Kṛṣṇa com as gopīs é diferente. Porque as pessoas não podem compreender Kṛṣṇa, elas, quando ouvem sobre a dança de Kṛṣṇa com as gopīs, tomam isso como uma espécie de concessão e dizem: “Agora, vamos dançar com as mocinhas.” Dessa maneira, elas vão para o inferno. Devemos, portanto, aprender sobre as atividades de Kṛṣṇa com a autoridade. Não devemos tentar compreender de imediato os casos amorosos entre Kṛṣṇa e as gopīs, pois eles são muito confidenciais. Estes assuntos são apresentados no décimo canto do Śrīmad-Bhāgavatam, o que indica que temos de compreender Kṛṣṇa como Ele é lendo primeiramente os nove cantos precedentes. Depois de entendermos esses nove cantos, poderemos passar para o décimo. Dessa forma, poderemos compreender que as atividades de Kṛṣṇa não são comuns, mas sim divinas, e lograremos a liberação.

Tanto podemos ouvir sobre Kṛṣṇa, como cantar Seus nomes, adorá-lO ou oferecer-Lhe preces. Em qualquer caso, entretanto, devemos agir sob a orientação de nosso mestre espiritual ou do próprio Śrī Kṛṣṇa. Por exemplo, Hanumān apenas obedeceu às ordens do Senhor Rāmacandra. Aparentemente Hanumān não era culto, tampouco era capaz de ensinar o Vedānta, mas ele obedeceu às ordens do Senhor Rāmacandra e, em razão disso, atingiu a perfeição. Arjuna, por outro lado, aceitou Kṛṣṇa como seu amigo mais íntimo. Arjuna não era um vedantista, mas sim um guerreiro, um lutador. Ele não tinha tempo para estudar o Vedānta, pois precisava envolver-se com guerras e política, mas, ainda assim, era o maior dos devotos. Alguém pode dizer: “Oh! Arjuna não era um vedantista, nem mesmo um brāhmaṇa ou sannyāsī. Como Kṛṣṇa pôde aceitá-lo como um devoto?” Contudo, na Bhagavad-gītā (4.3), Kṛṣṇa diz que Arjuna é Seu queridíssimo amigo e devoto: bhakto ’si me sakhā ceti. Se alguém se torna um devoto, não existem empecilhos materiais.

Na verdade, bhakti deve ser automática e espontânea. Não deve haver nenhum motivo para servir a Kṛṣṇa, mas, mesmo que haja algum motivo, prestar serviço a Kṛṣṇa é sempre bom. Mesmo que um homem se aproxime de Kṛṣṇa com algum motivo oculto, ele é considerado piedoso. Por exemplo, Dhruva Mahārāja, no princípio, adorou Kṛṣṇa com um motivo material, mas, após atingir a perfeição no serviço devocional, seu motivo oculto foi eliminado. Quando realmente viu Kṛṣṇa, ele disse: “Não quero nada de Ti. Não quero nenhuma bênção, exceto poder servir-Te.” Depois de ouvir sobre as ilimitadas qualidades transcendentais de Kṛṣṇa, se nos apegamos à consciência de Kṛṣṇa de uma forma ou outra, nossa vida será bem-sucedida. Tasmāt kenāpy upāyena manaḥ kṛṣṇe niveśāyet: “De uma forma ou outra, temos de fixar nossa mente na consciência de Kṛṣṇa.” (Śrīmad-Bhāgavatam 7.1.32) Então, Kṛṣṇa nos ajudará e nos dará inteligência no coração, como Ele explica na Bhagavad-gītā (10.10):

teṣāṁ satata-yuktānāṁ
bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
yena mām upayānti te

“Àqueles que estão constantemente devotados a Me servir com amor, Eu dou a compreensão pela qual eles podem vir a Mim.” Eis o verdadeiro buddhi-yoga. Bhakti-yoga significa buddhi-yoga, pois aquele que é muito inteligente decide aceitar a consciência de Kṛṣṇa. Deste modo, pode aperfeiçoar sua vida quem se ocupa em serviço devocional sob as orientações dos śāstras e do mestre espiritual. Devahūti compreende esse ponto e, por isso, está se rendendo a seu filho, assim como Arjuna se rendeu a Śrī Kṛṣṇa no campo de batalha.

Verso 30

tad etan me vijānīhi
yathāhaṁ manda-dhīr hare
sukhaṁ buddhyeya durbodhaṁ
yoṣā bhavad-anugrahāt

Meu querido filho, Kapila, afinal, sou uma mulher. Para mim é muito difícil entender a Verdade Absoluta, visto que minha inteligência não é muito grande. Porém, se fizeres o obséquio de explicá-la a mim, apesar de eu não ser muito inteligente, poderei entendê-la e, desse modo, sentir felicidade transcendental.

SIGNIFICADO—Homens comuns e menos inteligentes têm muita dificuldade para entender a Verdade Absoluta. Porém, se o mestre espiritual for muito bondoso com o discípulo, por mais obtuso que seja o discípulo, tudo lhe será revelado pela divina graça do mestre espiritual. Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz, portanto, que yasya prasādāt, pela misericórdia do mestre espiritual, revela-se a misericórdia da Suprema Personalidade de Deus, bhagavat-prasādaḥ. Devahūti pediu que seu grande filho tivesse misericórdia dela porque ela era uma mulher menos inteligente e também Sua mãe. Pela graça de Kapiladeva, ela seria capaz de entender a Verdade Absoluta, muito embora seja um tema muito difícil para pessoas comuns, especialmente para as mulheres.

Neste verso, Devahūti mostra-nos o processo para se compreenderem assuntos transcendentais. Não é através de desafios, e sim submissão. Todo o processo de bhakti é um processo de submissão. Esse também é o ensinamento de Caitanya Mahāprabhu:

tṛṇād api sunīcena
taror api sahiṣṇunā
amāninā māna-dena
kīrtanīyaḥ sadā hariḥ

(Śikṣāṣṭaka 3)

Caitanya Mahāprabhu aconselha que quem deseja avançar no processo de cantar Hare Kṛṣṇa deve ser mais humilde do que a grama e mais tolerante do que as árvores. Ninguém deve ser muito orgulhoso de sua inteligência, senão que deve oferecer todo respeito aos outros. Dessa maneira, pode-se cantar Hare Kṛṣṇa sem cometer ofensas. Apesar de ser mãe de Kapiladeva, Devahūti se apresentou como uma mulher humilde. Ela não se julgava superior por ser Sua mãe.

Temos de satisfazer o mestre espiritual através do serviço, e todo o processo de bhakti depende dessa atitude de serviço. É impossível compreender a natureza transcendental de Kṛṣṇa por intermédio de nossos sentidos materiais embotados. O nome, a forma, as qualidades e os passatempos de Kṛṣṇa são todos divya, divinos. Nossos sentidos materiais têm de se purificar através da ocupação no serviço ao Senhor, e nossa primeira ocupação começa com a língua. É com a língua que cantamos os nomes transcendentais do Senhor. Isso não é muito difícil, e esse caminho está aberto para todosaté mesmo para as mulheres, vaiśyas e śūdras. Depois de descrever todos os defeitos de Kali-yuga, o Śrīmad-Bhāgavatam (12.3.51) declara:

kaler doṣa-nidhe rājann
asti hy eko mahān guṇaḥ
kīrtanād eva kṛṣṇasya
mukta-saṅgaḥ paraṁ vrajet

“Existe uma oportunidade especial nesta era de Kali-yuga, que consiste em que as pessoas podem alcançar a liberação e voltar ao lar, voltar ao Supremo, simplesmente cantando o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa.” Śrī Caitanya Mahāprabhu disse:

harer nāma harer nāma
harer nāmaiva kevalam
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā

“Cante Hare Kṛṣṇa, cante Hare Kṛṣṇa. Não existe outra maneira, não existe nenhuma outra maneira em Kali-yuga.”

Devemos tentar evitar as dez ofensas relacionadas ao cantar do santo nome, mas qualquer um que canta Hare Kṛṣṇa com sinceridade se purifica. Ceto-darpaṇa-mārjanaṁ bhava-mahā-dāvāgni-nirvāpaṇam (Śikṣāṣṭaka 1). Esse é o processo mais fácil através do qual se pode limpar o espelho da mente. Ao ver que alguém está cantando Hare Kṛṣṇa com sinceridade, Kṛṣṇa o ajuda. Ele está dentro de todos e pode compreender se a pessoa é sincera ou não. Kṛṣṇa ajuda o devoto interna e externamente. Internamente, Ele, como o Paramātmā, ajuda dando inteligência no coração. Dadāmi buddhi-yogaṁ tam. Externamente, Ele ajuda sob a forma de Seu representante, o mestre espiritual. Caitanya Mahāprabhu, portanto, diz que guru-kṛṣṇa-prasāde pāya bhakti-latā-bīja: “Pela graça de Kṛṣṇa, a pessoa obtém um guru genuíno, e, pela graça do guru, ela obtém Kṛṣṇa.” (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 19.151) Os śāstras nos oferecem um processo muito simples para alcançarmos a vida transcendental. Tal processo é o movimento da consciência de Kṛṣṇa.

Devahūti submissamente aceitou seu filho como guru. Ela deseja compreender Kṛṣṇa perfeitamente, pela graça de Kapiladeva. É muito importante receber a misericórdia imotivada de Kṛṣṇa e do mestre espiritual. Pela misericórdia de Kṛṣṇa, recebemos um mestre espiritual e, pela misericórdia do mestre espiritual, recebemos Kṛṣṇa.

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura deu enorme ênfase à misericórdia do guru, e é um fato indiscutível que, se satisfizermos o guru através de nosso serviço, ele nos dará suas bênçãos. Essa é uma oportunidade muito valiosa, pois o guru é um servo íntimo de Kṛṣṇa. O guru jamais afirma ser Kṛṣṇa, embora seja adorado como Kṛṣṇa: sākṣād dharitvena samasta-śāstrair uktas tathā bhāvyata eva sadbhiḥ. (Gurv-aṣṭaka 7)

Todos os śāstras explicam que o guru está na mesma plataforma que Kṛṣṇa, pois ele é o representante de Kṛṣṇa. Por isso ele é adorado como Kṛṣṇa. Por ser o servo mais íntimo de Kṛṣṇa, o guru é muito querido por Kṛṣṇa; portanto, se ele recomenda alguém a Kṛṣṇa, Kṛṣṇa o aceita. O guru é o servo íntimo de Kṛṣṇa porque ele vai de porta em porta dizendo: “Por favor, torne-se consciente de Kṛṣṇa e renda-se a Kṛṣṇa.” Kṛṣṇa diz a Arjuna que tal pessoa Lhe é muito querida. O guru genuíno diz a todos que se rendam não a ele, mas a Kṛṣṇa. Logo, é preciso render-se a Kṛṣṇa através do meio transparente, isto é, o guru, e não diretamente. Eis o processo. O guru não aceita respeito de seu discípulo para si próprio, senão que transfere esse respeito a Kṛṣṇa. Se não recebemos a misericórdia do guru, é muito difícil alcançar Kṛṣṇa diretamente.

Declara-se na Bhagavad-gītā que o conhecimento sobre Kṛṣṇa descende através do paramparā, a sucessão discipular. Evaṁ paramparā prāptam. O guru oferece os mesmos respeitos a seu guru, e esse oferece respeitos ao seu, e assim chega até Kṛṣṇa. Logo, a misericórdia de Kṛṣṇa descende através do sistema de paramparā, e os respeitos oferecidos a Kṛṣṇa chegam de volta a Ele através do sistema de paramparā. Devemos aprender a nos aproximar da Suprema Personalidade de Deus dessa maneira. Portanto, se desejamos nos aproximar de Deus, em primeiro lugar temos de nos refugiar em um guru. Devahūti está implorando a misericórdia de Kapiladeva a fim de compreender a maneira de se aproximar de Kṛṣṇa. Ela, com muita humildade, disse ao Senhor: “Meu querido Kapila, és a Suprema Personalidade de Deus, mas eu sou uma mulher, e minha inteligência não é muito aguçada. Ainda assim, desejo aprender de Ti estes sublimes assuntos transcendentais. Isso é possível mediante Sua misericórdia.”

Este processo que leva a compreender a Suprema Personalidade de Deus também foi discutido por Rāmānanda Rāya e Caitanya Mahāprabhu. Primeiro, Rāmānanda Rāya explicou o processo em termos de varṇāśrama-dharma. Ele disse que, acima de tudo, a vida humana se destina à busca do Senhor Viṣṇu através das regras e regulações do varṇāśrama-dharma. Caitanya Mahāprabhu respondeu que, nesta era, é muito difícil executar as regras e regulações do varṇāśrama-dharma. É muito difícil ser um brāhmaṇa nesta era, e é quase impossível reviver a antiga cultura do varṇāśrama-dharma. Caitanya Mahāprabhu disse, portanto, que este método não é muito prático. Śrīla Rūpa Gosvāmī chamou Caitanya Mahāprabhu de “o avatāra mais magnânimo”, dado que Ele distribui amor por Kṛṣṇa de graça. Para começar, nem mesmo podemos compreender Kṛṣṇa, de modo que não há como amá-lO. Se não conhecemos alguém, como podemos amá-lo? O amor se encontra muitíssimo longe, mas Caitanya Mahāprabhu é tão bondoso que distribui kṛṣṇa-prema, amor por Kṛṣṇa, para qualquer um que O aceite. Em Sua vida, Caitanya Mahāprabhu chorava por Kṛṣṇa e mostrava como se deve enlouquecer de amor por Ele.

yugāyitaṁ nimeṣeṇa
cakṣuṣā prāvṛṣāyitam
śūnyāyitaṁ jagat sarvaṁ
govinda-viraheṇa me

“Ó Govinda! Sentindo saudade de Ti, um instante me parece doze anos ou mais. De meus olhos, fluem lágrimas como se fossem torrentes de chuva, e sinto que o mundo está vazio na Tua ausência.” (Śikṣāṣṭaka 7)

Sem Kṛṣṇa, deveríamos ver tudo como vazio. Esse é o estado mental de Rādhārāṇī, mas isso não é possível para uma entidade viva comum. Era possível para Caitanya Mahāprabhu e alguns poucos devotos, Seus discípulos imediatos, como os seis Gosvāmīs, que seguiam Seus passos. Eles adoravam Kṛṣṇa com sentimento de separação e procuravam por Kṛṣṇa em toda parte.

he rādhe vraja-devike ca lalite he nanda-sūno kutaḥ
śrī-govardhana-kalpa-pādapa-tale kālindī-vane kutaḥ
ghoṣantāv iti sarvato vraja-pure khedair mahā-vihvalau
vande rūpa-sanātanau raghu-yugau śrī-jīva-gopālakau

“Ofereço minhas respeitosas reverências aos seis Gosvāmīs, chamados Śrī Rūpa Gosvāmī, Śrī Sanātana Gosvāmī, Śrī Raghunātha Bhaṭṭa Gosvāmī, Śrī Raghunātha Dāsa Gosvāmī, Śrī Jīva Gosvāmī e Śrī Gopāla Bhaṭṭa Gosvāmī, que cantavam bem alto por toda parte em Vṛndāvana: ‘Rainha de Vṛndāvana, Rādhārāṇī! Ó Lalitā! Ó filho de Nanda Mahārāja! Onde estão todos vocês agora? Será que estão na colina Govardhana ou sob as árvores nas margens do Yamunā? Onde estão vocês?’ Tal era o sentimento deles ao seguirem a consciência de Kṛṣṇa.” (Ṣaḍ-gosvāmy-aṣṭaka 8)

Os Gosvāmīs nunca disseram: “Vimos Kṛṣṇa.” Este é o processo recomendado: adoração em separação. Devemos despertar assim nossa consciência de Kṛṣṇa perdida e enlouquecer de amor por Kṛṣṇa devido à nossa separação dEle. Isso se chama kṛṣṇa-prema, e foi esse amor que Caitanya Mahāprabhu distribuiu. Não devemos tentar compreender Kṛṣṇa por intermédio de nosso conhecimento diminuto. Visto que somos imperfeitos, como podemos especular sobre Kṛṣṇa? Há muita gente, como os jñānīs e teósofos, que tenta compreender a Verdade Absoluta através da especulação, mas isso não é possível.

athāpi te deva padāmbuja-dvaya-
prasāda-leśānugṛhīta eva hi
jānāti tattvaṁ bhagavan-mahimno
na cānya eko ’pi ciraṁ vicinvan

“Meu Senhor, se alguém é favorecido mesmo que por uma fração da misericórdia de Seus pés de lótus, ele pode compreender a grandeza de Sua personalidade. Mas aqueles que especulam a fim de compreender a Suprema Personalidade de Deus são incapazes de compreender o Senhor, mesmo que continuem a estudar os Vedas por muitos anos.” (Śrīmad-Bhāgavatam 10.14.29) Mesmo que alguém especule por muitos anos, ele não conseguirá compreender Kṛṣṇa. É necessário receber a misericórdia de Kṛṣṇa através do mestre espiritual, e esse é o processo que Śrī Caitanya Mahāprabhu recomendou. Sthāne sthitāḥ śruti-gatā tanu-vāṅ-manobhiḥ. (Śrīmad-Bhāgavatam 10.14.3) Outro nome de Kṛṣṇa é Ajita. Ninguém pode conquistar Kṛṣṇa, mas Kṛṣṇa pode ser conquistado por Seu devoto. O devoto deve ser submisso e dizer: “Kṛṣṇa, sou muito insignificante. Não tenho como compreendê-lO. Por favor, tenha misericórdia de mim. Permita que eu O compreenda e me renda.” Tal atitude é desejável. Kṛṣṇa é muito misericordioso, e quando vê que alguém se rendeu, Ele o ajuda de dentro do coração.