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CAPÍTULO SESSENTA E QUATRO

A Libertação do Rei Nṛga

Este capítulo descreve como Śrī Kṛṣṇa salvou o rei Nṛga de uma maldição e instruiu a ordem real sobre o grande perigo de se apossar da propriedade de um brāhmaa.

Certo dia, Sāmba e outros meninos da dinastia Yādava foram à floresta brincar e, após brincarem por muito tempo, ficaram sedentos e começaram a procurar por água. Dentro de um poço seco, encontraram uma criatura espantosa: um enorme lagarto semelhante a uma colina. Os meninos compadeceram-se dele e tentaram suspendê-lo para fora do poço. Porém, depois de várias tentativas de retirá-lo com correias de couro e cordas, viram que não conseguiriam resgatar a criatura, momento no qual foram ter com o Senhor Kṛṣṇa e contaram-Lhe o que acontecera. O Senhor acompa­nhou-os até o poço e, estendendo a mão esquerda, puxou o lagarto para fora sem dificuldade. Pelo toque da mão do Senhor Kṛṣṇa, a cria­tura transformou-se de imediato em um semideus. Então, o Senhor Kṛṣṇa perguntou: “Quem és, e como foi que assumiste uma forma tão inferior?­”

O ser divino respondeu: “Meu nome era rei Nṛga, filho de Ikṣvāku, e eu era famoso por fazer caridade. De fato, distribuí inumeráveis vacas para numerosos brāhmaas. Certa vez, no entanto, uma vaca perten­cente a um brāhmaa de primeira classe, extraviando-se, misturou-se ao meu rebanho. Desconhecendo esse fato, dei essa vaca em carida­de a outro brāhmaa. Quando o primeiro dono da vaca viu o segun­do brāhmaa levando-a embora, o primeiro brāhmaa alegou que a vaca era dele e começou a discutir com o segundo brāhmaa. Depois de discutirem por algum tempo, eles se aproximaram de mim, e eu lhes implorei que cada um levasse cem mil vacas em troca daquela vaca e que, por gentileza, perdoassem a ofensa que eu, inconsciente­mente, cometera. Mas nenhum dos brāhmaas quis aceitar minha proposta, e o assunto ficou sem solução.”

O ser divino continuou: “Pouco depois disso, eu morri e fui levado pelos Yamadūtas ao tribunal de Yamarāja. Yama perguntou-me o que eu preferia fazer primeiro: sofrer os resultados de meus pecados ou gozar os resultados de meus atos piedosos. Decidi sofrer primeiro minhas reações pecaminosas e, por isso, assumi o corpo de um lagarto.”

Depois de contar sua história, o rei Nṛga ofereceu orações ao Senhor Kṛṣṇa e, então, subiu em um aeroplano celestial, que o transpor­tou para os céus.

O Senhor Kṛṣṇa, então, instruiu Seus companheiros pessoais, bem como a massa do povo em geral, sobre os perigos de se roubar a propriedade de um brāhmaa. Por fim, o Senhor retornou ao Seu palácio.

Texto

śrī-bādarāyaṇir uvāca
ekadopavanaṁ rājan
jagmur yadu-kumārakāḥ
vihartuṁ sāmba-pradyumna
cāru-bhānu-gadādayaḥ

Sinônimos

śrī-bādarāyai — o filho de Badarāyaṇa (Śukadeva Gosvāmī); uvāca — disse; ekadā — certo dia; upavanam — a uma pequena floresta; rā­jan — ó rei (Parīkṣit); jagmu — foram; yadu-kumārakā — os meninos da dinastia Yadu; vihartum — brincar; sāmba-pradyumna-cāru-bhānu-­gada-ādaya — Sāmba, Pradyumna, Cāru, Bhānu, Gada e outros.

Tradução

Śrī Bādarāyaṇi disse: Ó rei, certo dia, Sāmba, Pradyumna, Cāru, Bhānu, Gada e outros meninos da dinastia Yadu foram brincar em uma pequena floresta.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī afirma que a história do rei Nṛga, narrada neste capítulo, visa proporcionar sérias instruções a todos os reis orgulhosos. Através deste incidente, o Senhor Kṛṣṇa também apresentou sérias lições aos membros de Sua própria família que haviam ficado orgulhosos de suas opulências.

Texto

krīḍitvā su-ciraṁ tatra
vicinvantaḥ pipāsitāḥ
jalaṁ nirudake kūpe
dadṛśuḥ sattvam adbhutam

Sinônimos

krīitvā — depois de brincar; su-ciram — por muito tempo; tatra — ali; vicinvanta — procurando; pipāsitā — sedentos; jalam — água; nirudake — sem água; kūpe — em um poço; dadśu — viram; sattvam — uma criatura; adbhutam — surpreendente.

Tradução

Depois de brincarem por muito tempo, eles ficaram com sede. Enquanto procuravam por água, olharam dentro de um poço seco e viram uma criatura estranha.

Texto

kṛkalāsaṁ giri-nibhaṁ
vīkṣya vismita-mānasāḥ
tasya coddharaṇe yatnaṁ
cakrus te kṛpayānvitāḥ

Sinônimos

kkalāsam — um lagarto; giri — uma montanha; nibham — semelhan­te a; vīkya — olhando para; vismita — espantadas; mānasā — cujas mentes; tasya — dele; ca — e; uddharae — para erguer; yatnam — esforço; cakru — fizeram; te — eles; kpayā anvitā — sentindo compaixão.

Tradução

Os meninos se espantaram ao ver essa criatura, um lagarto que parecia uma colina. Eles sentiram compaixão dele e tenta­ram retirá-lo do poço.

Texto

carma-jais tāntavaiḥ pāśair
baddhvā patitam arbhakāḥ
nāśaknuran samuddhartuṁ
kṛṣṇāyācakhyur utsukāḥ

Sinônimos

carma-jai — feitas de couro; tāntavai — e feitas de fio trançado; pāśai — com cordas; baddhvā — prendendo; patitam — a criatura caída; arbhakā — os meninos; na aśaknuran — não foram capazes; samuddhartum — de erguer; kṛṣṇāya — ao Senhor Kṛṣṇa; ācakhyu — relataram; utsukā — excitadamente.

Tradução

Eles amarraram o lagarto preso com correias de couro e, depois, com cordas trançadas, mas, ainda assim, não conseguiram retirá-­lo. Então, foram ter com o Senhor Kṛṣṇa e, ansiosos, contaram­-Lhe sobre a criatura.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Jīva Gosvāmī explica que como, neste capítulo, os meninos Yadus, mesmo Śrī Pradyumna, são descritos como muito jovens, este deve ser um passatempo antigo.

Texto

tatrāgatyāravindākṣo
bhagavān viśva-bhāvanaḥ
vīkṣyojjahāra vāmena
taṁ kareṇa sa līlayā

Sinônimos

tatra — lá; āgatya — indo; aravinda-aka — de olhos de lótus; bhagavān — o Senhor Supremo; viśva — do universo; bhāvana — o mantenedor; vīkya — vendo; ujjahāra — ergueu; vāmena — esquerda; tam — a ele; karea — com Sua mão; sa — Ele; līlayā — com facilidade.

Tradução

O Senhor Supremo de olhos de lótus, mantenedor do universo, foi até o poço e viu o lagarto. Então, com Sua mão esquerda, Ele o ergueu facilmente para fora.

Texto

sa uttamaḥ-śloka-karābhimṛṣṭo
vihāya sadyaḥ kṛkalāsa-rūpam
santapta-cāmīkara-cāru-varṇaḥ
svargy adbhutālaṅkaraṇāmbara-srak

Sinônimos

sa — ele; uttama-śloka — do glorioso Senhor; kara — pela mão; abhimṛṣṭa — tocado; vihāya — abandonando; sadya — de imediato; kkalāsa — de um lagarto; rūpam — a forma; santapta — derretido; cāmīkara — de ouro; cāru — bela; vara — cuja tez; svargī — um residente dos céus; adbhuta — surpreendentes; alakaraa — cujos ornamentos; ambara — roupas; srak — e guirlandas.

Tradução

Tocado pela mão do glorioso Senhor Supremo, o ser de imedia­to abandonou sua forma de lagarto e assumiu a forma de um residente dos céus. Sua tez tinha a beleza da cor do ouro derretido, e ele estava adornado com maravilhosos ornamentos, roupas e guirlandas.

Texto

papraccha vidvān api tan-nidānaṁ
janeṣu vikhyāpayituṁ mukundaḥ
kas tvaṁ mahā-bhāga vareṇya-rūpo
devottamaṁ tvāṁ gaṇayāmi nūnam

Sinônimos

papraccha — perguntou; vidvān — sabendo bem; api — embora; tat — disto; nidānam — a causa; janeu — entre as pessoas em geral; vikhyā­payitum — para tornar conhecida; mukunda — o Senhor Kṛṣṇa; ka — quem; tvam — tu; mahā-bhāga — ó afortunado; vareya — excelente; rūpa — cuja forma; deva-uttamam — um elevado semideus; tvām — a ti; gaayāmi — devo considerar; nūnam — decerto.

Tradução

O Senhor Kṛṣṇa compreendia a situação, mas, para informar as pessoas em geral, Ele fez as seguintes perguntas: "Quem és tu, ó pessoa afortunadíssima? Vendo tua aparência excelente, julgo que certamente és um insigne semideus."

Texto

daśām imāṁ vā katamena karmaṇā
samprāpito ’sy atad-arhaḥ su-bhadra
ātmānam ākhyāhi vivitsatāṁ no
yan manyase naḥ kṣamam atra vaktum

Sinônimos

daśām — condição; imām — a esta; vā — e; katamena — por qual; karmaā — ação; samprāpita — trazido; asi — estás; atat-arha — não a merecendo; su-bhadra — ó boa alma; ātmānam — a ti mesmo; ākhyāhi — explica, por favor; vivitsatām — que estamos ansiosos por saber; na — para nós; yat — se; manyase — pensas; na — para nós; kamam — conveniente; atra — aqui; vaktum — falar.

Tradução

“Devido a que atividade passada foste trazido a esta condição? Parece que não mereces este destino, ó boa alma. Porque estamos ansiosos por saber sobre ti, por favor, relata-nos a tua história – isto é, se pensas que este é o momento e o lugar convenientes para contar-nos.”

Texto

śrī-śuka uvāca
iti sma rājā sampṛṣṭaḥ
kṛṣṇenānanta-mūrtinā
mādhavaṁ praṇipatyāha
kirīṭenārka-varcasā

Sinônimos

śrī-śuka uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim; sma — de fato; rājā — o rei; sampṛṣṭa — interrogado; kṛṣṇena — pelo Senhor Kṛṣṇa; ananta — ilimitadas; mūrtinā — cujas formas; mādhavam — a Ele, o Senhor Mādhava; praipatya — prostrando-se; āha — falou; ki­rīena — com seu elmo; arka — como o Sol; varcasā — cujo brilho.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Assim indagado por Kṛṣṇa, cujas formas são ilimitadas, o rei, com seu elmo tão ofuscante como o Sol, prostrou-se diante do Senhor Mādhava e respondeu-Lhe o seguinte.

Texto

nṛga uvāca
nṛgo nāma narendro ’ham
ikṣvāku-tanayaḥ prabho
dāniṣv ākhyāyamāneṣu
yadi te karṇam aspṛśam

Sinônimos

nga uvāca — o rei Nṛga disse; nga nāma — chamado Nṛga; nara-­indra — um governante de homens; aham — eu; ikvāku-tanaya — filho de Ikṣvāku; prabho — ó Senhor; dāniu — entre homens de caridade; ākhyāyamāneu — quando sendo enumerados; yadi — talvez; te — Vosso; karam — ouvido; aspśam — toquei.

Tradução

O rei Nṛga disse: Sou um rei conhecido como Nṛga, o filho de Ikṣvāku. Talvez, Senhor, tenhais ouvido falar de mim enquanto se recitavam listas de homens caridosos.

Comentário

SIGNIFICADO—Os ācāryas salientam a respeito deste verso que, embora se use uma expressão hesitante – “talvez tenhais ouvido falar de mim” –, subentende-se que não há dúvida.

Texto

kiṁ nu te ’viditaṁ nātha
sarva-bhūtātma-sākṣiṇaḥ
kālenāvyāhata-dṛśo
vakṣye ’thāpi tavājñayā

Sinônimos

kim — o que; nu — de fato; te — para Vós; aviditam — desconhecido; nātha — ó amo; sarva — de todos; bhūta — os seres; ātma — da inteligência; sākia — à testemunha; kālena — pelo tempo; avyāhata — não perturbada; dśa — cuja visão; vakye — falarei; atha api — não obstante; tava — Vossa; ājñayā — pela ordem.

Tradução

O que Vos pode ser desconhecido, ó mestre? Com uma visão imperturbada pelo tempo, testemunhais a mente de todos os seres vivos. Não obstante, por Vossa ordem, falarei.

Comentário

SIGNIFICADO—Visto que o Senhor sabe tudo, não há necessidade de informá-lO sobre coisa alguma. Ainda assim, para cumprir o propósito do Senhor, o rei Nṛga falará.

Texto

yāvatyaḥ sikatā bhūmer
yāvatyo divi tārakāḥ
yāvatyo varṣa-dhārāś ca
tāvatīr adadaṁ sma gāḥ

Sinônimos

yāvatya — tantos; sikatā — grãos de areia; bhūme — que perten­ce à Terra; yāvatya — tantas; divi — no céu; tārakā — estrelas; yāvatya — tantas; vara — de chuva; dhārā — gotas; ca — e; tāvatī — tantas; adadam — dei; sma — de fato; gā — vacas.

Tradução

Dei em caridade tantas vacas quantos grãos de areia existem na Terra, estrelas no céu ou gotas em uma chuva.

Comentário

SIGNIFICADO—A ideia aqui é que o rei deu inumeráveis vacas em caridade.

Texto

payasvinīs taruṇīḥ śīla-rūpa-
guṇopapannāḥ kapilā hema-sṛṅgīḥ
nyāyārjitā rūpya-khurāḥ sa-vatsā
dukūla-mālābharaṇā dadāv aham

Sinônimos

paya-vinī — que tinham leite; taruī — novas; śīla — com bom comportamento; rūpa — beleza; gua — e outras qualidades; upapannā — dotadas; kapilā — castanhas; hema — dourados; śṛṅgī — com chifres; nyāya — honestamente; arjitā — ganhas; rūpya — prateados; khurā — com cascos; sa-vatsā — junto de seus bezerros; dukūla — tecido fino; mālā — com guirlandas; ābharaā — adornadas; dadau — dei; aham — eu.

Tradução

Novas, castanhas, carregadas de leite, bem comportadas, belas e dotadas de boas qualidades, que foram todas adquiridas honestamente e que tinham chifres dourados, cascos prateados e deco­rações feitas de finos tecidos ornamentais e guirlandas — tais eram as vacas, junto de seus bezerros, que eu dava em caridade.

Texto

sv-alaṅkṛtebhyo guṇa-śīlavadbhyaḥ
sīdat-kuṭumbebhya ṛta-vratebhyaḥ
tapaḥ-śruta-brahma-vadānya-sadbhyaḥ
prādāṁ yuvabhyo dvija-puṅgavebhyaḥ
go-bhū-hiraṇyāyatanāśva-hastinaḥ
kanyāḥ sa-dāsīs tila-rūpya-śayyāḥ
vāsāṁsi ratnāni paricchadān rathān
iṣṭaṁ ca yajñaiś caritaṁ ca pūrtam

Sinônimos

su — bem; alaktebhya — que foram ornamentados; gua — boas qualidades; śīla — e caráter; vadbhya — que possuíam; sīdat — aflitas; kuumbebhya — cujas famílias; ta — à verdade; vratebhya — dedicados; tapa — pela austeridade; śruta — bem conhecidos; brahma — nos Vedas; vadānya — muito eruditos; sadbhya — santos; prādām — dei; yuvabhya — que eram jovens; dvija — a brāhmaas; pum-gavebhya — muito excepcionais; go — vacas; bhū — terra; hiraya — ouro; āyata­na — casas; aśva — cavalos; hastina — e elefantes; kanyā — filhas casáveis; sa — com; dāsī — servas; tila — gergelim; rūpya — prata; śayyā — e leitos; vāsāsi — roupas; ratnāni — joias; paricchadān — móveis; rathān — quadrigas; iṣṭam — adoração executada; ca — e; ya­jñai — por sacrifícios védicos de fogo; caritam — feitos; ca — e; pūr­tam — obras piedosas.

Tradução

Primeiro, honrei os brāhmaṇas beneficiários de minha cari­dade decorando-os com finos adornos. Aqueles elevadíssimos brāhmaṇas, cujas famílias estavam em necessidade, eram jovens e possuíam excelente caráter e qualidades. Eles eram dedicados à verdade, famosos por sua austeridade, muito eruditos nas escrituras védicas e santos em seu comportamento. Dei-lhes vacas, terra, ouro e casas, juntamente com cavalos, elefantes e moças casáveis acompanhadas de criadas, e ainda gergelim, prata, leitos finos, roupas, joias, móveis e quadrigas. Além disso, executei sacrifícios védicos e várias atividades piedosas beneficentes.

Texto

kasyacid dvija-mukhyasya
bhraṣṭā gaur mama go-dhane
sampṛktāviduṣā sā ca
mayā dattā dvijātaye

Sinônimos

kasyacit — de um certo; dvijabrāhmaa; mukhyasya — primeira classe; bhraṣṭā — perdida; gau — uma vaca; mama — meu; go-dhane — no rebanho; sampktā — misturando-se; aviduā — que não sabia; sā — ela; ca — e; mayā — por mim; dattā — dada; dvi-jātaye — a (outro) brāhmaa.

Tradução

Certa vez, uma vaca pertencente a um brāhmaṇa de primeira classe extraviou-se e entrou em meu rebanho. Sem saber disso, eu dei aquela vaca em caridade para um outro brāhmaṇa.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī explica que o termo dvija-mukhya, “brāhmaa de primeira classe”, aqui indica um brāhmaa que deixara de aceitar caridade e se recusaria a aceitar, portanto, até mesmo cem mil vacas em troca da vaca que fora impropriamente dada.

Texto

tāṁ nīyamānāṁ tat-svāmī
dṛṣṭrovāca mameti tam
mameti parigrāhy āha
nṛgo me dattavān iti

Sinônimos

tām — ela, a vaca; nīyamānām — sendo levada embora; tat — dela; svāmī — dono; dṛṣṭvā — vendo; uvāca — disse; mama — minha; iti — assim; tam — a ele; mama — minha; iti — assim; parigrāhī — aquele que aceitara o presente; āha — disse; nga — o rei Nṛga; me — a mim; dattavān — deu; iti — assim.

Tradução

Ao ver a vaca sendo levada embora, seu primeiro dono disse: “Ela é minha!” O segundo brāhmaṇa, que a ganhara de presen­te, respondeu: “Não! Ela é minha! Nṛga me presenteou com essa vaca.”

Texto

viprau vivadamānau mām
ūcatuḥ svārtha-sādhakau
bhavān dātāpaharteti
tac chrutvā me ’bhavad bhramaḥ

Sinônimos

viprau — os dois brāhmaas; vivadamānau — discutindo; mām — a mim; ūcatu — diziam; sva — seu próprio; artha — interesse; sādhakau — satisfazendo; bhavān — tu, senhor; dātā — que deste; apahar­tā — que tomaste; iti — assim; tat — isto; śrutvā — ouvindo; me — minha; abhavat — surgiu; bhrama — perplexidade.

Tradução

Enquanto os dois brāhmaṇas discutiam, cada um tentando alcançar seu próprio objetivo, eles vieram a mim. Um deles disse: “Tu me deste esta vaca”, e o outro disse: “Mas tu a roubaste de mim.” Ouvindo isso, fiquei perplexo.

Texto

anunītāv ubhau viprau
dharma-kṛcchra-gatena vai
gavāṁ lakṣaṁ prakṛṣṭānāṁ
dāsyāmy eṣā pradīyatām
bhavantāv anugṛhṇītāṁ
kiṅkarasyāvijānataḥ
samuddharataṁ māṁ kṛcchrāt
patantaṁ niraye ’śucau

Sinônimos

anunītau — humildemente solicitados; ubhau — ambos; viprau — os brāhmaas; dharma — do dever religioso; kcchra — uma situação difícil; gatena — por (mim) quem estava em; vai — de fato; gavām — de vacas; lakam — um lakh (cem mil); prakṛṣṭānām — melhor qualidade; dāsyāmi — darei; eā — esta; pradīyatām — por favor, dai; bhavantau — vós dois; anughītām — por favor, mostrai misericórdia; kikara­sya — a vosso servo; avijānata — que não sabia; samuddharatam — por favor, salvai; mām — me; kcchrāt — de perigo; patantam — caindo; niraye — no inferno; aśucau — impuro.

Tradução

O atual dono da vaca disse: “Não quero nada em troca desta vaca, ó rei.” E foi-se embora. O outro brāhmaṇa declarou: “Eu não quero nem mesmo dez mil vacas a mais [do que estás oferecendo].” E ele também se retirou.

Texto

nāhaṁ pratīcche vai rājann
ity uktvā svāmy apākramat
nānyad gavām apy ayutam
icchāmīty aparo yayau

Sinônimos

na — não; aham — eu; pratīcche — desejo; vai — de fato; rājan — ó rei; iti — assim; uktvā — dizendo; svāmī — o dono; apākramat — foi em­bora; na — não; anyat — além disso; gavām — vacas; api — mesmo; ayu­tam — dez mil; icchāmi — quero; iti — assim dizendo; apara — o outro (brāhmaa); yayau — foi embora.

Tradução

Encontrando-me em um terrível dilema quanto a meu dever na situação, humildemente supliquei a ambos os brāhmaṇas: “Darei cem mil das melhores vacas em troca desta. Por favor, devolvam-me essa vaca. Deveis ser misericordiosos comigo, vosso servo. Eu não sabia o que eu estava fazendo. Por favor, salvai-me desta difícil situação, ou é certo que cairei em um inferno imundo.”

Comentário

SIGNIFICADO—Em Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, Śrīla Prabhupāda comenta: “Discordando assim da proposta do rei, ambos os brāhmaas deixaram o palácio irados, pensando que sua posição legítima tinha sido usurpada.”

Texto

etasminn antare yāmair
dūtair nīto yama-kṣayam
yamena pṛṣṭas tatrāhaṁ
deva-deva jagat-pate

Sinônimos

etasmin — nesta; antare — oportunidade; yāmai — de Yamarāja, o senhor da morte; dūtai — pelos mensageiros; nīta — levado; yama­-kayam — à morada de Yamarāja; yamena — por Yamarāja; pṛṣṭa — interrogado; tatra — lá; aham — eu; deva-deva — ó Senhor dos senhores; jagat — do universo; pate — ó mestre.

Tradução

Ó Senhor dos senhores, ó mestre do universo, os agentes de Yamarāja, aproveitando a oportunidade assim criada, mais tarde me levaram para sua morada. Ali, o próprio Yamarāja me interrogou.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo os ācāryas, a prática de atividades fruitivas feitas anteriormente pelo rei foi impecável. Mas agora surgira uma discrepân­cia não intencional, e assim, quando o rei morreu, os Yamadūtas levaram-no para a morada de Yamarāja, chamada Saṁyamanī.

Texto

pūrvaṁ tvam aśubhaṁ bhuṅkṣa
utāho nṛpate śubham
nāntaṁ dānasya dharmasya
paśye lokasya bhāsvataḥ

Sinônimos

pūrvam — primeiro; tvam — tu; aśubham — reações impiedosas; bhuke — desejas experimentar; uta āha u — ou então; n-pate — ó rei; śubham — reações piedosas; na — não; antam — o fim; dānasya — de caridade; dharmasya — religiosa; paśye — vejo; lokasya — do mundo; bhāsvata — brilhando.

Tradução

[Yamarāja disse:] Meu querido rei, desejas experimentar os resultados de teus pecados primeiro, ou os resultados de tua piedade? De fato, não vejo fim para a zelosa caridade que praticaste, nem para o consequente desfrute que terás nos radiantes plane­tas celestiais.

Texto

pūrvaṁ devāśubhaṁ bhuñja
iti prāha pateti saḥ
tāvad adrākṣam ātmānaṁ
kṛkalāsaṁ patan prabho

Sinônimos

pūrvam — primeiro; deva — ó senhor; aśubham — as reações pecaminosas; bhuñje — experimentarei; iti — assim dizendo; prāha — disse; pata — cai; iti — assim; sa — ele; tāvat — bem naquele instante; adrāam — vi; ātmānam — a mim mesmo; kkalāsam — um lagarto; patan — caindo; prabho — ó mestre.

Tradução

Respondi: “Primeiro, meu senhor, deixa-me sofrer minhas reações pecaminosas”, e Yamarāja disse: “Então, cai!” De imediato eu caí e, enquanto descia, eu vi que me tornava um lagarto, ó mestre.

Texto

brahmaṇyasya vadānyasya
tava dāsasya keśava
smṛtir nādyāpi vidhvastā
bhavat-sandarśanārthinaḥ

Sinônimos

brahmayasya — que era devotado aos brāhmaas; vadānyasya — que era generoso; tava — Vosso; dāsasya — do servo; keśava — ó Kṛṣṇa; smti — a memória; na — não; adya — hoje; api — mesmo; vidhvas­tā — perdida; bhavat — Vossa; sandarśana — por audiência; arthina­ — que ansiava.

Tradução

Ó Keśava, como Vosso servo, eu era devotado aos brāhmaṇas e generoso com eles, e sempre ansiava por Vossa audiência. Por­tanto, mesmo hoje, eu nunca me esqueci [de minha vida passada].

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Jīva Gosvāmī apresenta o seguinte comentário sobre este verso: “Visto que o rei Nṛga declarou publicamente possuir duas qualidades notáveis – a saber, devoção aos brāhmaas e generosi­dade – fica claro que ele possuía essas qualidades apenas em parte, pois alguém que é puro de verdade não se gabaria delas. Também se evi­dencia que o rei Nṛga considerava tal piedade como uma meta sepa­rada, desejável por si mesma. Logo, ele não apreciava em plenitude o serviço devocional puro ao Senhor Kṛṣṇa. Kṛṣṇa não foi a única meta da vida para Nṛga, como O fora para Ambarīṣa Mahārāja, mesmo na fase de prática reguladora. Tampouco vemos que o rei Nṛga tenha superado obstáculos iguais aos enfrentados por Ambarīṣa quando Durvāsā Muni se irou com ele. Ainda assim, podemos concluir que, como foi capaz de ver o Senhor por uma razão ou outra, Nṛga certamente teve a boa qualidade de desejar com sinceridade a compa­nhia do Senhor.”

Em Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, Śrīla Prabhupāda confirma a análise supracitada: “De um modo geral, [Nṛga] não desenvolveu a consciência de Kṛṣṇa. A pessoa consciente de Kṛṣṇa desenvolve amor a Deus, Kṛṣṇa, e não o amor por atividades pie­dosas ou ímpias, de modo que ele não se sujeita aos resultados de tal ação. Como se declara na Brahma-sahitā, um devoto, pela graça do Senhor, não se sujeita às reações resultantes das atividades frui­tivas.”

Śrīla Viśvanātha Cakravartī oferece o seguinte comentário: “Quan­do Nṛga mencionou ‘alguém que ansiava ter a Vossa audiência’, ele se referia a um incidente relativo a certo grande devoto que o rei Nṛga encontrara certa vez. Esse devoto desejava ardentemente adquirir um templo para uma belíssima Deidade do Senhor Supremo e também queria cópias de escrituras tais como a Bhagavad-gītā e o Śrīmad-Bhāga­vatam. Sendo muito generoso, Nṛga providenciou essas coisas, e o devoto ficou tão satisfeito que abençoou o rei: ‘Meu querido rei, que tenhas a audiência do Senhor Supremo.’ Desde aquela ocasião, Nṛga desejava ver o Senhor.”

Texto

sa tvaṁ kathaṁ mama vibho ’kṣi-pathaḥ parātmā
yogeśvaraḥ śruti-dṛśāmala-hṛd-vibhāvyaḥ
sākṣād adhokṣaja uru-vyasanāndha-buddheḥ
syān me ’nudṛśya iha yasya bhavāpavargaḥ

Sinônimos

sa — Ele; tvam — Vós mesmo; katham — como; mama — a mim; vibho — ó onipotente; aki-patha — visível; para-ātmā — a Alma Suprema; yoga — do yoga místico; īśvarai — por mestres; śruti — das escrituras; dśā — pelo olho; amala — imaculados; ht — dentro de seus corações; vibhāvya — sobre o qual se deve meditar; sākāt — diretamente visível; adhokaja — ó Senhor transcendental, que não podeis ser visto pelos sentidos materiais; uru — severas; vyasana — por per­turbações; andha — cegada; buddhe — cuja inteligência; syāt — pode ser; me — para mim; anudśya — a ser percebido; iha — neste mundo; yasya — cuja; bhava — da vida material; apavarga — a cessação.

Tradução

Ó onipotente, como é possível que meus olhos Vos vejam diante de mim? Sois a Alma Suprema, em quem os maiores mestres do yoga místico podem meditar dentro de seus corações puros apenas ao empregarem o olho espiritual dos Vedas. Então, ó Senhor transcendental, como estás diretamente visível a mim, já que as severas tribulações da vida material têm cegado minha inteligência? Apenas alguém que encerrou seu enredamento mate­rial neste mundo deveria ser capaz de ver-Vos.

Comentário

SIGNIFICADO—Até mesmo em um corpo de lagarto, o rei Nṛga podia lembrar-se de sua vida anterior. E agora que teve a oportunidade de ver o Senhor, ele pôde compreender que recebera a misericórdia especial da Perso­nalidade de Deus.

Texto

deva-deva jagan-nātha
govinda puruṣottama
nārāyaṇa hṛṣīkeśa
puṇya-ślokācyutāvyaya
anujānīhi māṁ kṛṣṇa
yāntaṁ deva-gatiṁ prabho
yatra kvāpi sataś ceto
bhūyān me tvat-padāspadam

Sinônimos

deva-deva — ó Senhor dos senhores; jagat — do universo; nātha — ó mestre; go-vinda — ó senhor das vacas; purua-uttama — ó Suprema Personalidade; nārāyaa — ó fundamento de todos os seres vivos; hṛṣīkeśa — ó mestre dos sentidos; puya-śloka — ó Vós que sois glorificado em poesia transcendental; acyuta — ó infalível; avyaya — ó Vós que não diminuís; anujānīhi — por favor, dai permissão; mām — a mim; kṛṣṇa — ó Kṛṣṇa; yāntam — que estou indo; deva-gatim — para o mundo dos semideuses; prabho — ó mestre; yatra kva api — onde quer que; sata — residindo; ceta — a mente; bhūyāt — possa ser; me — minha; tvat — Vossos; pada — dos pés; āspadam — cujo abrigo.

Tradução

Ó Devadeva, Jagannātha, Govinda, Puruṣottama, Nārāyaṇa, Hṛṣīkeśa, Puṇyaśloka, Acyuta, Avyaya! Ó Kṛṣṇa, por favor, permiti-me partir para o mundo dos semideuses. Onde quer que eu viva, ó mestre, que minha mente sempre se refugie em Vossos pés.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī faz o seguinte comentário sobre este verso: Com sua fé encorajada ao receber a misericórdia do Senhor e, desse modo, alcançando o status de servo, o rei Nṛga glorifica o Senhor de forma correta, cantando Seus nomes, após o que pede permissão ao Senhor para partir. O espírito de sua oração é o seguinte: “Sois Devadeva, Deus até mesmo dos deuses, e Jagannātha, o mestre do universo, então, por favor, sede meu mestre. Ó Govinda, por favor, fazei de mim Vossa propriedade com o mesmo olhar misericordioso que usais para encantar as vacas. Podeis fazer isso porque sois Puruṣottama, a suprema forma da Divindade. Ó Nārāyaṇa, já que sois o fundamento das entidades vivas, por favor, sede meu apoio, mesmo que eu seja uma entidade viva perversa. Ó Hṛṣīkeśa, por favor, fazei de meus sentidos a Vossa propriedade. Ó Puṇyaśloka, agora ficastes famoso como o salvador de Nṛga. Ó Acyuta, por favor, nunca Vos percais para minha mente. Ó Avyaya, jamais diminuireis em minha mente.” Assim, o grande comentador do Bhāgavatam, Śrīla Viśvanātha Cakravartī, explica o significado desses versos.

Texto

namas te sarva-bhāvāya
brahmaṇe ’nanta-śaktaye
kṛṣṇāya vāsudevāya
yogānāṁ pataye namaḥ

Sinônimos

nama — reverências; te — a Vós; sarva-bhāvāya — a fonte de todos os seres; brahmae — a Suprema Verdade Absoluta; ananta — ilimitadas; śaktaye — o possuidor de potências; kṛṣṇāya — a Kṛṣṇa; vāsude­vāya — o filho de Vasudeva; yogānām — de todos os processos de yoga; pataye — ao Senhor; nama — reverências.

Tradução

Ofereço minhas repetidas reverências a Vós, Kṛṣṇa, o filho de Vasudeva. Sois a fonte de todos os seres, a Suprema Verdade Absoluta, o possuidor de potências ilimitadas, o mestre de todas as disciplinas espirituais.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī comenta que, nesta passagem, o rei Nṛga ofe­rece reverências ao Brahman – isto é, a Verdade Absoluta –, que é imutável a despeito de executar atividades. Desde os tempos antigos, os filósofos ocidentais têm-se preocupado com a questão de como Deus pode ser imutável e, ainda assim, executar atividades. Śrīdhara Svāmī afirma que essa dúvida é respondida aqui pelo termo ananta­-śaktaye, que descreve o Senhor como “o possuidor de potência ilimitada”. Assim, por meio das infinitas potências do Senhor, Ele pode executar inumeráveis atividades sem mudar Sua natureza essencial.

O rei ainda oferece suas reverências a Śrī Kṛṣṇa, o possuidor da forma de eterna bem-aventurança e a meta suprema da vida. Um verso do Mahābhārata (Udyoga-parva 71.4), que Śrīla Prabhupāda cita em seu Caitanya-caritāmta (Madhya 9.30, significado), analisa o santo nome de Kṛṣṇa:

kṛṣir bhū-vācakaḥ śabdo
ṇaś ca nirvṛti-vācakaḥ
tayor aikyaṁ paraṁ brahma
kṛṣṇa ity abhidhīyate

“A palavra kṛṣ é o aspecto atrativo da existência do Senhor, e na significa ‘prazer espiritual’. Ao acrescentar-se a raiz verbal kṛṣ ao afixo a, resulta kṛṣṇa, que indica a Verdade Absoluta.­”

O rei Nṛga oferece as preces acima citadas quando está prestes a deixar a associação pessoal do Senhor Supremo.

Texto

ity uktvā taṁ parikramya
pādau spṛṣṭvā sva-maulinā
anujñāto vimānāgryam
āruhat paśyatāṁ nṛṇām

Sinônimos

iti — assim; uktvā — tendo falado; tam — a Ele; parikramya — circungirando; pādau — Seus pés; spṛṣṭvā — tocando; sva — com sua; mau­linā — coroa; anujñāta — dada permissão; vimāna — em um aeroplano celestial; agryam — excelente; āruhat — subiu; paśyatām — enquanto olhavam; nṛṇām — os humanos.

Tradução

Depois de falar assim, Mahārāja Nṛga circungirou o Senhor Kṛṣṇa e tocou com sua coroa os pés do Senhor. Recebendo permissão para partir, o rei Nṛga, então, embarcou em um maravilhoso aeroplano celestial enquanto todos os presentes assistiam.

Texto

kṛṣṇaḥ parijanaṁ prāha
bhagavān devakī-sutaḥ
brahmaṇya-devo dharmātmā
rājanyān anuśikṣayan

Sinônimos

kṛṣṇa — o Senhor Kṛṣṇa; parijanam — Seus companheiros pessoais; prāha — falou; bhagavān — a Suprema Personalidade; devakī-suta — filho de Devakī; brahmaya — devotado aos brāhmaas; deva — Deus; dharma — da religião; ātmā — a alma; rājanyān — a classe real; anuśikayan — de fato instruindo.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus – o Senhor Kṛṣṇa, o filho de Devakī – que é especialmente devotado aos brāhmaṇas e que corporifica a essência da religião, falou, então, a Seus companhei­ros pessoais e, dessa maneira, instruiu a classe da realeza em geral.

Texto

durjaraṁ bata brahma-svaṁ
bhuktam agner manāg api
tejīyaso ’pi kim uta
rājñāṁ īśvara-māninām

Sinônimos

durjaram — indigesta; bata — de fato; brahma — de um brāhmaa; svam — a propriedade; bhuktam — consumida; agne — do que o fogo; manāk — um pouco; api — mesmo; tejīyasa — para alguém que é mais intensamente potente; api — mesmo; kim uta — o que se dizer, então, de; rājñām — para reis; īśvara — controladores; māninām — que se julgam.

Tradução

[O Senhor Kṛṣṇa disse:] Quão indigesta é a propriedade de um brāhmaṇa, mesmo quando desfrutada apenas um pouco e por alguém mais potente do que o fogo! O que se dizer, então, de reis que tentam desfrutá-la, julgando-se senhores?

Comentário

SIGNIFICADO—Se nem mesmo aqueles que se tornaram poderosos mediante austeridade, yoga místico etc. podem desfrutar a propriedade roubada de um brāhmaa, o que se dizer de outros?

Texto

nāhaṁ hālāhalaṁ manye
viṣaṁ yasya pratikriyā
brahma-svaṁ hi viṣaṁ proktaṁ
nāsya pratividhir bhuvi

Sinônimos

na — não; aham — eu; hālāhalam — o veneno chamado hālāhala, que o senhor Śiva bebeu sem sofrer efeitos tóxicos; manye — consi­dero; viam — veneno; yasya — do qual; pratikriyā — a ação contrária; brahma-svam — a propriedade de um brāhmaa; hi — de fato; viam — veneno; proktam — chamado; na — não; asya — para ele; pratividhi — o antídoto; bhuvi — no mundo.

Tradução

Não considero hālāhala como um verdadeiro veneno, porque ele tem um antídoto. Mas a propriedade de um brāhmaṇa, quan­do roubada, pode realmente ser chamada de veneno, pois não possui antídoto neste mundo.

Comentário

SIGNIFICADO—Quem se apossa da propriedade de um brāhmaa, pensando em desfrutá-la, tomou de fato o veneno mais mortal.

Texto

hinasti viṣam attāraṁ
vahnir adbhiḥ praśāmyati
kulaṁ sa-mūlaṁ dahati
brahma-svāraṇi-pāvakaḥ

Sinônimos

hinasti — destrói; viam — veneno; attāram — aquele que ingere; vahni — fogo; adbhi — com água; praśāmyati — extingue-se; kulam — a família; sa-mūlam — até a raiz; dahati — queima; brahma-sva — a propriedade de um brāhmaa; arai — cuja lenha; pāvaka — o fogo.

Tradução

O veneno mata apenas a pessoa que o ingere, e um fogo comum pode ser extinto com água. Mas o fogo gerado da lenha da pro­priedade de um brāhmaṇa incinera toda a família do ladrão até a raiz.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī compara o fogo gerado pelo roubo da propriedade de um brāhmaa ao fogo que arde dentro da cavidade de uma árvore velha. Tal fogo não pode ser apagado nem mesmo com a água de numerosos aguaceiros. Em vez disso, a partir de dentro da árvore, ele vai queimando a mesma por inteiro, até as raízes no chão. De modo semelhan­te, o fogo produzido por se roubar a propriedade de um brāhmaa é o mais mortal, e deve-se evitá-lo a todo custo.

Texto

brahma-svaṁ duranujñātaṁ
bhuktaṁ hanti tri-pūruṣam
prasahya tu balād bhuktaṁ
daśa pūrvān daśāparān

Sinônimos

brahma-svam — a propriedade de um brāhmaa; duranujñātam — sem permissão apropriada; bhuktam — desfrutada; hanti — destrói; tri — três; pūruam — pessoas; prasahya — pela força; tu — mas; balāt — recorrendo ao poder externo (do governo etc.); bhuktam — desfrutada; daśa — dez; pūrvān — anteriores; daśa — dez; aparān — subsequentes.

Tradução

Se alguém desfruta da propriedade de um brāhmaṇa sem re­ceber a devida permissão, essa propriedade destrói três gerações de sua família. Por outro lado, se a toma pela força ou se consegue que o governo ou outros estranhos ajudem-no a usurpá-la, então dez gerações de seus ancestrais e dez gerações de seus descendentes são todas destruídas.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo Śrīla Śrīdhara Svāmī, tri-pūrua refere-se a si próprio, aos filhos e aos netos.

Texto

rājāno rāja-lakṣmyāndhā
nātma-pātaṁ vicakṣate
nirayaṁ ye ’bhimanyante
brahma-svaṁ sādhu bāliśāḥ

Sinônimos

rājāna — membros da classe real; rāja — régia; lakmyā — por opulência; andhā — cegados; na — não; ātma — sua; pātam — queda; vicakate — preveem; nirayam — inferno; ye — que; abhimanyante — desejam; brahma-svam — a propriedade de um brāhmaa; sādhu — como apropriado; bāliśa — infantis.

Tradução

Membros da ordem real, cegos pela opulência régia, não são capazes de prever a própria queda. Com o desejo infantil de desfrutar da propriedade de um brāhmaṇa, eles de fato estão desejando ir para o inferno.

Texto

gṛhṇanti yāvataḥ pāṁśūn
krandatām aśru-bindavaḥ
viprāṇāṁ hṛta-vṛttīnām
vadānyānāṁ kuṭumbinām
rājāno rāja-kulyāś ca
tāvato ’bdān niraṅkuśāḥ
kumbhī-pākeṣu pacyante
brahma-dāyāpahāriṇaḥ

Sinônimos

ghanti — tocam; yāvata — tantas; pāśūn — partículas de poeira; krandatām — que estão chorando; aśru-bindava — gotas de lágrimas; viprāām — dos brāhmaas; hta — arrebatado; vttīnām — cujo meio de sustento; vadānyānām — generosos; kuumbinām — homens de família; rājāna — os reis; rāja-kulyā — outros membros das famílias reais; ca — também; tāvata — tantos; abdān — anos; nirakuśā — descontrolados; kumbhī-pākeu — no inferno conhecido como Kumbhīpāka; pacyante — são cozidos; brahma-dāya — da partilha do brāhmaa; apahāria — os usurpadores.

Tradução

Por tantos anos quantas sejam as partículas de poeira tocadas pelas lágrimas dos generosos brāhmaṇas que tinham famílias dependentes e cuja propriedade tenha sido roubada, reis descontrolados que usurpam a propriedade de um brāhmaṇa serão cozidos, junto de suas famí­lias reais, no inferno conhecido como Kumbhīpāka.

Texto

sva-dattāṁ para-dattāṁ vā
brahma-vṛttiṁ harec ca yaḥ
ṣaṣṭi-varṣa-sahasrāṇi
viṣṭhāyāṁ jāyate kṛmiḥ

Sinônimos

sva — por si mesmo; dattām — dado; para — por outro; dattām — dado; vā — ou; brahma-vttim — a propriedade de um brāhmaa; haret — rouba; ca — e; ya — quem; aṣṭi — sessenta; vara — de anos; sahasrāi — milhares; viṣṭhāyām — em fezes; jāyate — nasce; kmi — um verme.

Tradução

Quer seja seu presente ou o presente de outrem, a pessoa que rouba a propriedade de um brāhmaṇa nascerá como um verme nas fezes por sessenta mil anos.

Texto

na me brahma-dhanaṁ bhūyād
yad gṛdhvālpāyuṣo narāḥ
parājitāś cyutā rājyād
bhavanty udvejino ’hayaḥ

Sinônimos

na — não; me — a Mim; brahma — de brāhmaas; dhanam — a riqueza; bhūyāt — que venha; yat — que; gdhvā — desejando; alpa-āyua — de vida curta; narā — homens; parājitā — denotados; cyutā — pri­vados; rājyāt — do reino; bhavanti — tornam-se; udvejina — criadores de sofrimento; ahaya — cobras.

Tradução

Não desejo a riqueza dos brāhmaṇas. Aqueles que a cobiçam reduzem a duração de sua vida e são derrotados. Perdem seus reinos e tornam-se cobras, as quais atormentam os outros.

Texto

vipraṁ kṛtāgasam api
naiva druhyata māmakāḥ
ghnantaṁ bahu śapantaṁ vā
namas-kuruta nityaśaḥ

Sinônimos

vipram — um brāhmaa erudito; kta — tendo cometido; āgasam — pecado; api — mesmo; na — não; eva — de fato; druhyata — não trateis com inimizade; māmakā — ó Meus seguidores; ghnantam — batendo fisicamente; bahu — repetidamente; śapantam — amaldiçoando; vā — ou; nama-kuruta — deveis oferecer reverências; nityaśa — sempre.

Tradução

Meus queridos seguidores, jamais trateis um brāhmaṇa erudi­to de maneira rude, mesmo que ele tenha pecado. Mesmo que ele vos ataque fisicamente ou vos amaldiçoe repetidas vezes, conti­nuai sempre a oferecer-lhe reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Kṛṣṇa oferece esta instrução não só a Seus companhei­ros pessoais, mas a todos os que alegam serem seguidores da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

yathāhaṁ praṇame viprān
anukālaṁ samāhitaḥ
tathā namata yūyaṁ ca
yo ’nyathā me sa daṇḍa-bhāk

Sinônimos

yathā — como; aham — Eu; praame — prostro-Me; viprān — diante dos brāhmaas; anu-kālam — todo o tempo; samāhita — com cuida­do; tathā — assim; namata — deveis prostrar-vos; yūyam — todos vós; ca — também; ya — aquele que; anyathā — (faz) de outra maneira; me — por Mim; sa — ele; daṇḍa — para castigo; bhāk — um candidato.

Tradução

Assim como sempre tenho o cuidado de Me prostrar diante dos brāhmaṇas, todos vós deveis igualmente prostrar-vos diante deles. Punirei qualquer um que agir de outra maneira.

Texto

brāhmaṇārtho hy apahṛto
hartāraṁ pātayaty adhaḥ
ajānantam api hy enaṁ
nṛgaṁ brāhmaṇa-gaur iva

Sinônimos

brāhmaa — de um brāhmaa; artha — a propriedade; hi — de fato; apahta — levada embora; hartāram — o que a levou; pātayati — faz cair; adha — para baixo; ajānantam — sem saber; api — mesmo; hi — de fato; enam — esta pessoa; ngam — o rei Nṛga; brāhmaa — do brāhmaa; gau — a vaca; iva — como.

Tradução

Quando a propriedade de um brāhmaṇa é roubada, mesmo sem o saber, isso decerto faz cair a pessoa que a pegou, assim como a vaca do brāhmaṇa fez com Nṛga.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui, o Senhor demonstra que Suas instruções não são teóricas, mas práticas, como se vê concretamente no caso de Nṛga Mahārāja.

Texto

evaṁ viśrāvya bhagavān
mukundo dvārakaukasaḥ
pāvanaḥ sarva-lokānāṁ
viveśa nija-mandiram

Sinônimos

evam — assim; viśrāvya — fazendo ouvir; bhagavān — o Senhor Supremo; mukunda — Kṛṣṇa; dvārakā-okasa — os residentes de Dvāra­kā; pāvana — o purificador; sarva — de todos; lokānām — os mundos; viveśa — entrou; nija — em Seu; mandiram — palácio.

Tradução

Depois de instruir assim os residentes de Dvārakā, o Senhor Mukunda, o purificador de todos os mundos, entrou em Seu palácio.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humildes servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhu­pāda referentes ao décimo canto, sexagésimo quarto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado A Libertação do Rei Nga”.