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CAPÍTULO TRINTA E OITO

A Chegada de Akrūra a Vṛndāvana

Este capítulo descreve a viagem que Akrūra fez de Mathurā para Vṛndāvana, sua meditação em Kṛṣṇa e Balarāma durante a viagem e a honra que os dois Senhores ofereceram a Akrūra em sua chegada.

Na manhã do dia seguinte ao que Kaṁsa lhe ordenara que trou­xesse Kṛṣṇa e Balarāma para Mathurā, Akrūra preparou sua quadriga e partiu para Gokula. Enquanto viajava, ele pensava assim: “Estou prestes a obter a grande boa fortuna de ver os pés de lótus de Śrī Kṛṣṇa, que são adorados por Brahmā, Rudra e os outros semideuses. Embora Kaṁsa seja um inimigo do Senhor Supremo e de Seus de­votos, ainda assim, é por causa da graça de Kaṁsa que conseguirei esta grande dádiva de ver o Senhor. Quando eu avistar Seus pés de lótus, todas as minhas reações pecaminosas serão destruídas de ime­diato. Descerei de minha quadriga e cairei aos pés de Kṛṣṇa e Bala­rāma, e, ainda que eu tenha sido enviado por Kaṁsa, o onisciente Śrī Kṛṣṇa decerto não terá nenhuma animosidade contra mim.” Enquan­to pensava assim consigo mesmo, Akrūra chegou a Gokula ao pôr do sol. Depois de descer de sua quadriga e pisar no campo de pastagem, ele começou a rolar na poeira em grande êxtase.

Akrūra, então, continuou até chegar a Vraja. Ao ver Kṛṣṇa e Balarāma, ele caiu a Seus pés de lótus, e ambos os Senhores o abraçaram. Em seguida, levaram-no a Sua residência, perguntaram-lhe sobre como fora a viagem e honraram-no de várias maneiras – oferecendo-lhe água para lavar os pés, arghya, um assento e assim por diante. Eles aliviaram-no de seu cansaço massageando-lhe os pés e serviram-lhe um delicioso banquete. Mahārāja Nanda também honrou Akrūra com muitas palavras doces.

Texto

śrī-śuka uvāca
akrūro ’pi ca tāṁ rātriṁ
madhu-puryāṁ mahā-matiḥ
uṣitvā ratham āsthāya
prayayau nanda-gokulam

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; akrūraḥ — Akrūra; api ca — e; tām — aquela; rātrim — noite; madhu-puryām — na cidade de Mathurā; mahā-matiḥ — magnânimo; uṣitvā — permanecendo; ratham — em sua quadriga; āsthāya — montando; prayayau — partiu; nanda­gokulam — para a vila pastoril de Nanda Mahārāja.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Depois de passar a noite na cidade de Mathurā, o magnânimo Akrūra montou em sua quadriga e partiu para a vila pastoril de Nanda Mahārāja.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei Kaṁsa ordenou que Akrūra fosse para Vṛndāvana no Ekādaśī da quinzena da lua nova do mês védico de phālguna. Após passar a noite em Mathurā, Akrūra partiu no dia seguinte bem cedo. Naquela manhã, Nārada ofereceu suas orações a Kṛṣṇa em Vṛndāvana, e o demônio Vyoma foi morto ali durante a tarde. Ao anoitecer, Akrūra entrou na vila do Senhor.

Texto

gacchan pathi mahā-bhāgo
bhagavaty ambujekṣaṇe
bhaktiṁ parām upagata
evam etad acintayat

Sinônimos

gacchan — viajando; pathi — ao longo da estrada; mahā-bhāgaḥ — o afortunadíssimo; bhagavati — para a Suprema Personalidade de Deus; ambuja-īkṣaṇe — o Senhor de olhos de lótus; bhaktim — devo­ção; parām — excepcional; upagataḥ — experimentou; evam — assim; etat — isto (o seguinte); acintayat — pensou.

Tradução

Enquanto viajava pela estrada, o magnânimo Akrūra sentia tremenda devoção pela Personalidade de Deus de olhos de lótus, e assim passou a tecer as seguintes considerações.

Texto

kiṁ mayācaritaṁ bhadraṁ
kiṁ taptaṁ paramaṁ tapaḥ
kiṁ vāthāpy arhate dattaṁ
yad drakṣyāmy adya keśavam

Sinônimos

kim — o que; mayā — por mim; ācaritam — foram executadas; bhadram — boas obras; kim — o que; taptam — sofrida; paramam — severa; tapaḥ — austeridade; kim — o que; — ou então; atha api — de outro modo; arhate — adoração executada; dattam — caridade dada; yat — pela qual; drakṣyāmi — vou ver; adya — hoje; keśavam — o Senhor Kṛṣṇa.

Tradução

[Śrī Akrūra pensou:] Que atos piedosos pratiquei, a que seve­ras austeridades me submeti, que adoração executei ou que cari­dade fiz para que hoje eu possa ver o Senhor Keśava?

Texto

mamaitad durlabhaṁ manya
uttamaḥ-śloka-darśanam
viṣayātmano yathā brahma-
kīrtanaṁ śūdra-janmanaḥ

Sinônimos

mama — meu; etat — isto; durlabham — difícil de alcançar; manye — considero; uttamaḥ-śloka — do Senhor Supremo, que é louvado nos melhores poemas; darśanam — a audiência; viṣaya-ātmanaḥ — para quem está absorto em gozo dos sentidos; yathā — assim como; brahma — dos Vedas; kīrtanam — o canto; śūdra — como um homem de baixa classe; janmanaḥ — para alguém que nasceu.

Tradução

Visto que sou um materialista absorto apenas em gozo dos sentidos, julgo ser tão difícil para mim conseguir esta oportunidade de ver o Senhor Uttamaḥśloka quanto seria para alguém que nasceu súdra ter permissão de recitar os mantras védicos.

Texto

maivaṁ mamādhamasyāpi
syād evācyuta-darśanam
hriyamāṇaḥ kala-nadyā
kvacit tarati kaścana

Sinônimos

mā evam — não devo falar assim; mama — para mim; adhamasya — que sou muito caído; api — mesmo; syāt — pode acontecer; eva — certamente; acyuta — do Senhor infalível; darśanam — a visão; hriyamā­ṇaḥ — sendo arrastado; kāla — do tempo; nadyā — pelo rio; kvacit — às vezes; tarati — atravessa para a margem; kaścana — alguém.

Tradução

Mas chega desta conversa! Afinal, mesmo uma alma caída como eu pode ter a oportunidade de contemplar o infalível Senhor Supremo, pois uma das almas condicionadas que está sendo arrebatada pelo rio do tempo pode às vezes alcançar a margem.

Texto

mamādyāmaṅgalaṁ naṣṭaṁ
phalavāṁś caiva me bhavaḥ
yan namasye bhagavato
yogi-dhyeyānghri-paṅkajam

Sinônimos

mama — minhas; adya — hoje; amaṅgalam — inauspiciosas reações pecaminosas; naṣṭam — erradicadas; phala-vān — frutífero; ca — e; eva — de fato; me — meu; bhavaḥ — nascimento; yat — pois; namasye — oferecerei reverências; bhagavataḥ — do Senhor Supremo; yogi­dhyeya — em que os yogīs meditam; aṅghri — aos pés; paṅkajam — semelhantes ao lótus.

Tradução

Hoje, todas as minhas reações pecaminosas se erradicarão e meu nascimento logrará êxito, pois oferecerei reverência aos pés de lótus do Senhor Supremo, nos quais meditam os yogīs místicos.

Texto

kaṁso batādyākṛta me ’ty-anugrahaṁ
drakṣye ’ṅghri-padmaṁ prahito ’munā hareḥ
kṛtāvatārasya duratyayaṁ tamaḥ
pūrve ’taran yan-nakha-maṇḍala-tviṣā

Sinônimos

kaṁsaḥ — o rei Kaṁsa; bata — de fato; adya — hoje; akṛta — fez; me — para comigo; ati-anugraham — um ato de extrema bondade; drakṣye — verei; aṅghri-padmam — aos pés de lótus; prahitaḥ — envia­do; amunā — por ele; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; kṛta — que representou; avatārasya — Seu advento a este mundo; duratyayam — insuperável; tamaḥ — a escuridão da existência mate­rial; pūrve — pessoas no passado; ataran — transcenderam; yat — cuja; nakha-maṇḍala — do círculo das unhas dos dedos dos pés; tviṣā — pela refulgência.

Tradução

De fato, hoje o rei Kaṁsa concedeu-me extrema misericórdia ao enviar-me para ver os pés de lótus do Senhor Hari, que agora apareceu neste mundo. Devido apenas à refulgência das unhas dos dedos de Seus pés, muitas almas no passado transcenderam a insuperável escuridão da existência material e alcançaram a liberação.

Comentário

SIGNIFICADO—Akrūra notou como era irônico o fato de o invejoso e demoníaco Kaṁsa ter-lhe dado uma bênção extraordinária ao enviá-lo para ver o Supremo Senhor Kṛṣṇa.

Texto

yad arcitaṁ brahma-bhavādibhiḥ suraiḥ
śriyā ca devyā munibhiḥ sa-sātvataiḥ
go-cāraṇāyānucaraiś carad vane
yad gopikānāṁ kuca-kuṅkumāṅkitam

Sinônimos

yat — os quais (pés de lótus); arcitam — adorados; brahma-bhava — por Brahmā e Śiva; ādibhiḥ — e outros; suraiḥ — semideuses; śriyā — por Śrī; ca — também; devyā — a deusa da fortuna; munibhiḥ — pelos sábios; sa-sātvataiḥ — junto dos devotos; go — das vacas; cāra­ṇāya — para cuidar; anucaraiḥ — junto de Seus companheiros; ca­rat — perambulando; vane — pela floresta; yat — que; gopikānām — das vaqueirinhas; kuca — dos seios; kuṅkuma — pelo pó vermelho de kuṅkuma; aṅkitam — marcados.

Tradução

Aqueles pés de lótus são adorados por Brahmā, Śiva e todos os outros semideuses, pela deusa da fortuna e também pelos grandes sábios e vaiṣṇavas. Sobre aqueles pés de lótus, o Senhor caminha pela floresta enquanto cuida das vacas com Seus companheiros, e aqueles pés estão marcados com o kuṅkuma dos seios das gopīs.

Texto

drakṣyāmi nūnaṁ su-kapola-nāsikaṁ
smitāvalokāruṇa-kañja-locanam
mukhaṁ mukundasya guḍālakāvṛtaṁ
pradakṣiṇaṁ me pracaranti vai mṛgāḥ

Sinônimos

drakṣyāmi — vou ver; nūnam — com certeza; su — belos; kapola — cujas bochechas; nāsikam — e nariz; smita — sorridentes; avaloka — com olhares; aruṇa — avermelhados; kañja — semelhantes a lótus; locanam — os olhos; mukham — o rosto; mukundasya — do Senhor Kṛṣṇa; guḍa — cacheado; alaka — com cabelo; āvṛtam — emoldurado; pradakṣi­ṇam — circungirando em sentido horário; me — em relação a mim; pra­caranti — estão fazendo; vai — de fato; mṛgāḥ — os veados.

Tradução

Com certeza, verei o rosto do Senhor Mukunda, pois os veados estão passando do meu lado direito. Aquele rosto, emoldurado por Seu cabelo cacheado, é embelezado por Suas atraentes bo­chechas e nariz, Seus olhares sorridentes e Seus olhos de lótus avermelhados.

Comentário

SIGNIFICADO—Akrūra viu um presságio auspicioso – a passagem dos veados à sua direita – e, em razão disso, teve certeza de que veria o Supremo Senhor Kṛṣṇa.

Texto

apy adya viṣṇor manujatvam īyuṣo
bhārāvatārāya bhuvo nijecchayā
lāvaṇya-dhāmno bhavitopalambhanaṁ
mahyaṁ na na syāt phalam añjasā dṛśaḥ

Sinônimos

api — além disso; adya — hoje; viṣṇoḥ — do Supremo Senhor Viṣṇu; manujatvam — a forma de um ser humano; īyuṣaḥ — que assumiu; bhāra — o fardo; avatārāya — para diminuir; bhuvaḥ — da Terra; nija — por Seu próprio; icchayā — desejo; lāvaya — da beleza; dhāmnaḥ — da morada; bhavitā — haverá; upalambhanam — a percepção; mahyam — para mim; na — não é o caso; na syāt — isto não acontecerá; phalam — o fruto; añjasā — diretamente; dṛśaḥ — da visão.

Tradução

Verei o Supremo Senhor Viṣṇu, o reservatório de toda a beleza, que por Sua própria livre vontade assumiu agora uma forma humana para aliviar a Terra de seu fardo. Logo, não se pode negar que meus olhos alcançarão a perfeição de sua existência.

Texto

ya īkṣitāhaṁ-rahito ’py asat-satoḥ
sva-tejasāpāsta-tamo-bhidā-bhramaḥ
sva-māyayātman racitais tad-īkṣayā
prāṇākṣa-dhībhiḥ sadaneṣv abhīyate

Sinônimos

yaḥ — quem; īkṣitā — a testemunha; aham — falso ego; rahitaḥ — sem; api — não obstante; asat-satoḥ — de produtos e causas mate­riais; sva-tejasā — por Sua potência pessoal; apāsta — tendo dissipado; tamaḥ — a escuridão da ignorância; bhidā — a ideia de estar separado; bhramaḥ — e confusão; sva-māyayā — por Sua energia material criadora; ātman — dentro de Si mesmo; racitaiḥ — por aqueles que são produzidos (os seres vivos); tat-īkṣayā — por Seu olhar para aquela Māyā; prāṇa — pelos ares vitais; akṣa — os sentidos; dhībhiḥ — e inte­ligência; sadaneṣu — dentro dos corpos dos seres vivos; abhīyate — supõe-se a Sua presença.

Tradução

Embora Ele seja a testemunha da causa e do efeito materiais, está sempre isento da falsa identificação com eles. Por meio de Sua potência interna, Ele dissipa as trevas da separação e desorientação. As almas individuais neste mundo, que se manifestam aqui quando Ele olha para Sua energia material criadora, percebem-nO indiretamente nas atividades de seus ares vitais, senti­dos e inteligência.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, Akrūra estabelece a posição todo-poderosa do Senhor Supremo, que ele está prestes a ver em Vṛndāvana. No décimo primeiro canto do Bhāgavatam (11.2.37), descreve-se o falso conceito de estar separado do Senhor: bhayaṁ dvitīyābhiniveśataḥ syād īśād apetasya viparyayo ’smṛtiḥ. Embora toda existência emane da Verda­de Absoluta, Kṛṣṇa, imaginamos uma “segunda coisa”, este mundo material, como sendo inteiramente separado da existência do Senhor. Com esta mentalidade, tentamos explorar esta “segunda coisa” para nosso gozo dos sentidos. Dessa forma, a base psicológica da vida material é a ilusão de que este mundo de algum modo seja separado de Deus e, por isso, destine-se ao nosso desfrute.

É irônico que os filósofos impersonalistas, em sua renúncia radical deste mundo, aleguem que ele é completamente falso e separado do Absoluto. Desafortunadamente, tal esforço artificial para despojar este mundo de sua natureza divina, ou, em outros termos, de sua re­lação com Deus, não leva as pessoas a uma completa rejeição dele, mas sim a uma tentativa de desfrutá-lo. Embora seja verdade que este mundo é temporário e assim, em certo sentido, ilusório, o mecanismo da ilusão é uma potência espiritual do Senhor Supremo. Compreen­dendo isto, devemos desistir de imediato de qualquer tentativa de explorar este mundo; antes, devemos reconhecê-lo como uma energia de Deus. Na verdade, abandonaremos nossos desejos materiais somente quando entendermos que este mundo pertence a Deus e, portanto, não se des­tina a nosso prazer egoísta.

A palavra abhīyate neste contexto refere-se a um processo de supor a presença do Senhor por meio da meditação introspectiva. O segun­do canto do Bhāgavatam (2.2.35) também descreve esse processo:

bhagavān sarva-bhūteṣu
lakṣitaḥ svātmanā hariḥ
dṛśyair buddhy-ādibhir draṣṭā
lakṣaṇair anumāpakaiḥ

“A Personalidade de Deus, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, está em todo ser vivo junto com a alma individual. E este fato é percebido e apresentado como hipótese em nossos atos de ver e obter ajuda da inteligência.”

Akrūra afirma que o Senhor está isento do orgulho egoísta que aflige as almas corporificadas comuns. O Senhor, todavia, parece ter um corpo como qualquer um, e, portanto, alguém poderia objetar a afirmação de que Ele é isento de egoísmo. Śrīla Viśvanātha Cakravartī faz o seguinte comentário a respeito deste quebra-cabeça: “Como podemos distinguir entre estar livre de falso ego e ser afligido por ele? ‘Se um ser vivo está situado em um corpo’, [argumenta o oposi­tor,] ‘ele encontrará a infelicidade e confusão que ocorrem dentro dele, assim como alguém que vive em uma casa, quer esteja apegado a ela, quer não, não pode evitar a experiência de escuridão, calor e frio que ocorrem dentro dela.’ A esta objeção, responde-se o seguinte: Por meio de Sua potência interna, o Senhor dissipa a escuridão da igno­rância bem como a separação e desorientação que ela produz.”

Texto

yasyākhilāmīva-habhiḥ su-maṅgalaiḥ
vāco vimiśrā guṇa-karma-janmabhiḥ
prāṇanti śumbhanti punanti vai jagat
yās tad-viraktāḥ śava-śobhanā matāḥ

Sinônimos

yasya — de quem; akhila — todos; amīva — pecados; habhiḥ — que destroem; su-maṅgalaiḥ — auspiciosíssimas; vācaḥ — palavras; vimiśrāḥ — juntadas; guṇa — com as qualidades; karma — atividades; janmabhiḥ — e encarnações; prāṇanti — dão vida; śumbhanti — embelezam; punanti — e purificam; vai — de fato; jagat — o universo inteiro; yāḥ — as quais (palavras); tat — destas; viraktāḥ — desprovidas; śava — de um cadáver; śobhanāḥ — (como) os adornos; matāḥ — consideradas.

Tradução

As qualidades, atividades e aparecimentos do Senhor Supremo destroem todos os pecados e criam toda a boa fortuna, e as palavras que os descrevem animam, embelezam e purificam o mundo. Por outro lado, palavras desprovidas de Suas glórias são como os adornos de um cadáver.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī levanta a seguinte possível objeção: Como alguém que não tenha ego ordinário e seja cem por cento autossatisfeito pode ocupar-se em passatempos? Aqui se dá a resposta. O Senhor Kṛṣṇa age na plataforma espiritual pura para o prazer de Seus amo­rosos devotos, e não para obter alguma espécie de prazer mundano.

Texto

sa cāvatīrṇaḥ kila sātvatānvaye
sva-setu-pālāmara-varya-śarma-kṛt
yaśo vitanvan vraja āsta īśvaro
gāyanti devā yad aśeṣa-maṅgalam

Sinônimos

saḥ — Ele; ca — e; avatīrṇaḥ — tendo descendido; kila — de fato; sātvata — dos Sātvatas; anvaye — na dinastia; sva — Seus próprios; setu — códigos religiosos; pāla — que mantêm; amara-varya — dos principais semideuses; śarma — deleite; kṛt — criando; yaśaḥ — Sua fama; vitan­van — difundindo; vraje — em Vraja; āste — está presente; īśvaraḥ — o Senhor Supremo; gāyanti — cantam; devāḥ — os semideuses; yat — dos quais (a fama); aśeṣa-maṅgalam — todo-auspiciosa.

Tradução

Este mesmo Senhor Supremo descendeu na dinastia dos Sātvatas para dar prazer aos enaltecidos semideuses, que mantêm os princípios religiosos que Ele criou. Residindo em Vṛndāvana, Ele difunde Sua fama, que os semideuses glorificam em canções e que traz auspiciosidade a todos.

Texto

taṁ tv adya nūnaṁ mahatāṁ gatiṁ guruṁ
trailokya-kāntaṁ dṛśiman-mahotsavam
rūpaṁ dadhānaṁ śriya īpsitāspadaṁ
drakṣye mamāsann uṣasaḥ su-darśanāḥ

Sinônimos

tam — a Ele; tu — contudo; adya — hoje; nūnam — com certeza; mahatām — das grandes almas; gatim — o destino; gurum — e o mestre espiritual; trai-lokya — de todos os três mundos; kāntam — a verdadeira beleza; dṛśi-mat — para todos os que têm olhos; mahā-utsavam — uma grande festividade; rūpam — Sua forma pessoal; dadhānam — exibindo; śriyaḥ — da deusa da fortuna; īpsita — o desejado; āspa­dam — lugar de refúgio; drakṣye — verei; mama — minhas; āsan — tornaram-se; uṣasaḥ — as auroras; su-darśanāḥ — auspiciosas de ver.

Tradução

Hoje com certeza hei de vê-lO, a meta e mestre espiritual das grandes almas. Vê-lO traz júbilo a todos os que têm olhos, pois Ele é a verdadeira beleza do universo. De fato, Sua forma pessoal é o refúgio desejado pela deusa da fortuna. Agora, todas as auroras de minha vida tornaram-se auspiciosas.

Texto

athāvarūḍhaḥ sapadīśayo rathāt
pradhāna-puṁsoś caraṇaṁ sva-labdhaye
dhiyā dhṛtaṁ yogibhir apy ahaṁ dhruvaṁ
namasya ābhyāṁ ca sakhīn vanaukasaḥ

Sinônimos

atha — então; avarūḍhaḥ — descendo; sapadi — imediatamente; īśayoḥ — dos dois Senhores; rathāt — de minha quadriga; pradhāna­-puṁsoḥ — das Supremas Personalidades; caraṇam — aos pés; sva­-labdhaye — por causa da autorrealização; dhiyā — com sua inteligência; dhṛtam — segurados; yogibhiḥ — por yogīs místicos; api — até mesmo; aham — eu; dhruvam — decerto; namasye — eu me prostrarei; ābhyām — com Eles; ca — também; sakhīn — aos amigos; vana-okasaḥ — aos residentes da floresta.

Tradução

Então, descerei prontamente de minha quadriga e me prostrarei aos pés de lótus de Kṛṣṇa e Balarāma, as Supremas Personalidades de Deus. São dEles os mesmos pés que eminentes yogīs místicos que lutam pela autorrealização trazem em suas mentes. Ofere­cerei também minhas reverências aos vaqueirinhos amigos do Senhor e a todos os outros residentes de Vṛndāvana.

Texto

apy aṅghri-mūle patitasya me vibhuḥ
śirasy adhāsyan nija-hasta-paṅkajam
dattābhayaṁ kāla-bhujāṅga-raṁhasā
prodvejitānāṁ śaraṇaiṣiṇāṁ ṇṛnām

Sinônimos

api — além disso; aṅghri — de Seus pés; mūle — na base; patitasya — que caí; me — de mim; vibhuḥ — o Senhor onipotente; śirasi — na cabeça; adhāsyat — colocará; nija — Sua própria; hasta — mão; paṅkajam — como lótus; datta — que concede; abhayam — destemor; kāla — tempo; bhuja-aṅga — da serpente; raṁhasā — pela força veloz; prodvejitānām — que estão muito perturbados; śaraṇa — abrigo; eṣiṇām — pro­curando; nṛṇām — para pessoas.

Tradução

E quando eu estiver prostrado a Seus pés, o Senhor onipotente colocará Sua mão de lótus sobre minha cabeça. Para aqueles que buscam refúgio nEle porque estão muito perturbados pela poderosa serpente do tempo, essa mão afasta todo o temor.

Texto

samarhaṇaṁ yatra nidhāya kauśikas
tathā baliś cāpa jagat-trayendratām
yad vā vihāre vraja-yoṣitāṁ śramaṁ
sparśena saugandhika-gandhy apānudat

Sinônimos

samarhaṇam — a respeitosa oferenda; yatra — na qual; nidhāya — por colocar; kauśikaḥ — Purandara; tathā — bem como; baliḥ — Bali Mahārāja; ca — também; āpa — alcançaram; jagat — dos mundos; traya — três; indratām — o governo (como Indra, o rei dos céus); yat — a qual (mão de lótus do Senhor); — e; vihāre — durante os passatempos (da dança da rāsa); vraja-yoṣitām — das damas de Vraja; śramam — a fadiga; sparśena — por seu contato; saugandhika — como uma flor aromática; gandhi — fragrante; apānudat — enxugou.

Tradução

Por oferecerem caridade a essa mão de lótus, Purandara e Bali ganharam a posição de Indra, rei dos céus, e, durante os agradá­veis passatempos da dança da rāsa, quando o Senhor enxugou o suor das gopīs e eliminou-lhes a fadiga, o contato com as faces delas tornou aquela mão tão perfumada quanto uma flor aromática.

Comentário

SIGNIFICADO—Os Purāṇas chamam de saugandhika o lótus encontrado no lago Mānasa-sarovara. A mão de lótus do Senhor Kṛṣṇa adquiriu a fragrância desta flor por entrar em contato com os belos rostos das gopīs. Este incidente específico, que ocorreu durante a rāsa-līlā, está des­crito no vigésimo terceiro capítulo do décimo canto.

Texto

na mayy upaiṣyaty ari-buddhim acyutaḥ
kaṁsasya dūtaḥ prahito ’pi viśva-dṛk
yo ’ntar bahiś cetasa etad īhitaṁ
kṣetra-jña īkṣaty amalena cakṣuṣā

Sinônimos

na — não; mayi — para comigo; upaiṣyati — Ele desenvolverá; ari — de ser inimigo; buddhim — a atitude; acyutaḥ — o Senhor infalível; kaṁsasya — de Kaṁsa; dūtaḥ — um mensageiro; prahitaḥ — enviado; api — embora; viśva — de tudo; dṛk — a testemunha; yaḥ — que; antaḥ — dentro; bahiḥ — e fora; cetasaḥ — do coração; etat — isto; īhitam — qualquer coisa que seja feita; kṣetra — do campo (do corpo material); jñaḥ — o conhecedor; īkṣati — Ele vê; amalena — com perfeita; cakṣuṣā — visão.

Tradução

O Senhor infalível não me considerará um inimigo, ainda que Kaṁsa me tenha enviado para cá como seu mensageiro. Afinal, o Senhor onisciente é o verdadeiro conhecedor do campo deste corpo material e, com Sua visão perfeita, Ele testemunha, tanto externa quanto internamente, todos os esforços do coração da alma condicionada.

Comentário

SIGNIFICADO—Sendo onisciente, o Senhor Kṛṣṇa sabia que Akrūra era apenas externamente amigo de Kaṁsa. Internamente, ele era um devoto eterno do Senhor Kṛṣṇa.

Texto

apy aṅghri-mūle ’vahitaṁ kṛtāñjaliṁ
mām īkṣitā sa-smitam ārdrayā dṛśā
sapady apadhvasta-samasta-kilbiṣo
voḍhā mudaṁ vīta-viśaṅka ūrjitām

Sinônimos

api — e; aṅghri — de Seus pés; mūle — na base; avahitam — fixo; kṛta­-añjalim — de mãos postas; mām — a mim; īkṣitā — olhará; sa-smitam — sorrindo; ārdrayā — com afetuoso; dṛśā — olhar; sapadi — imediatamente; apadhvasta — erradicada; samasta — toda; kilbiṣaḥ — contaminação; voḍhā — conseguirei; mudam — felicidade; vīta — liberto; viśaṅkaḥ — de dúvida; ūrjitām — intensa.

Tradução

Enquanto eu estarei fixo de mãos postas, prostrado em reverências a Seus pés, Ele lançará sobre mim Seu afetuoso olhar sorridente. Dessa maneira, toda a minha contaminação logo se dissipará, e abandonarei todas as dúvidas e sentirei a mais intensa bem-aventurança.

Texto

suhṛttamaṁ jñātim ananya-daivataṁ
dorbhyāṁ bṛhadbhyāṁ parirapsyate ’tha mām
ātmā hi tīrthī-kriyate tadaiva me
bandhaś ca karmātmaka ucchvasity ataḥ

Sinônimos

suhṛt-tamam — o melhor dos amigos; jñātim — um membro da família; ananya — exclusiva; daivatam — (tendo-O) como meu objeto de ado­ração; dorbhyām — com Seus dois braços; bṛhadbhyām — grandes; pa­rirapsyate — Ele abraçará; atha — então; mām — a mim; ātmā — o corpo; hi — de fato; tīrthī — santificado; kriyate — ficará; tadā eva — exatamen­te então; me — meu; bandhaḥ — cativeiro; ca — e; karma-ātmakaḥ — devido à atividade fruitiva; ucchvasiti — será afrouxado; ataḥ — como resultado disto.

Tradução

Reconhecendo-me como amigo íntimo e parente, Kṛṣṇa me abraçará com Seus poderosos braços, santificando no mesmo instante meu corpo e reduzindo a nada todo o meu cativeiro material, que decorre das atividades fruitivas.

Texto

labdhvāṅga-saṅgam praṇatam kṛtāñjaliṁ
māṁ vakṣyate ’krūra tatety uruśravāḥ
tadā vayaṁ janma-bhṛto mahīyasā
naivādṛto yo dhig amuṣya janma tat

Sinônimos

labdhvā — tendo conseguido; aṅga-saṅgam — contato físico; praṇatam — eu que estou postado com a cabeça inclinada; kṛta-añjalim — de mãos postas em súplica; mām — para mim; vakṣyate — Ele falará; akrūra — ó Akrūra; tata — Meu querido parente; iti — com tais pala­vras; uruśravāḥ — o Senhor Kṛṣṇa, cuja fama é imensa; tadā — então; vayam — nós; janma-bhṛtaḥ — nosso nascimento logrando o êxito; mahīyasā — pela maior de todas as personalidades; na — não; eva — de fato; ādṛtaḥ — honrado; yaḥ — quem; dhik — digno de pena; amuṣya — seu; janma — nascimento; tat — esse.

Tradução

Depois de ser abraçado pelo famosíssimo Senhor Kṛṣṇa, ficarei humildemente postado diante dEle com a cabeça inclinada e de mãos postas, e Ele me dirá: “Meu querido Akrūra.” Nesse exato momento, terei cumprido o propósito de minha vida. De fato, a vida de qualquer um a quem a Suprema Personalidade deixa de reconhecer é simplesmente lastimável.

Texto

na tasya kaścid dayitaḥ suhṛttamo
na cāpriyo dveṣya upekṣya eva vā
tathāpi bhaktān bhajate yathā tathā
sura-drumo yadvad upāśrito ’rtha-daḥ

Sinônimos

na tasya — Ele não tem; kaścit — nenhum; dayitaḥ — favorito; suhṛt­tamaḥ — melhor amigo; na ca — nem; apriyaḥ — não favorecido; dveṣyaḥ — odiado; upekṣyaḥ — desprezado; eva — de fato; — ou; tathā api — ainda; bhaktān — a Seus devotos; bhajate — Ele corresponde; yathā — como eles são; tathā — de modo correspondente; sura­drumaḥ — uma árvore-dos-desejos celestial; yadvat — assim como; upāśritaḥ — torna-se abrigo de; artha — benefícios desejados; daḥ — que concede.

Tradução

O Senhor Supremo não tem um amigo favorito ou mais queri­do, tampouco considera alguém indesejável, desprezível ou digno de ser negligenciado. Ainda assim, Ele corresponde amorosamen­te com Seus devotos da mesma maneira que eles O adorem, assim como as árvores celestiais satisfazem os desejos de quem quer que delas se aproxime.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor diz algo semelhante na Bhagavad-gītā (9.29):

samo ’haṁ sarva-bhūteṣu
na me dveṣyo ’sti na priyaḥ
ye bhajanti tu māṁ bhaktyā
mayi te teṣu cāpy aham

“Não invejo ninguém, tampouco sou parcial com alguém. Sou igual com todos. Porém, todo aquele que Me preste serviço com devoção é um amigo, está em Mim, e Eu também sou seu amigo.”

Igualmente, o Senhor Caitanya era tão duro como um raio para aqueles que O invejavam, e tão suave como uma rosa para aqueles que compreendiam Sua missão divina.

Texto

kiṁ cāgrajo māvanataṁ yadūttamaḥ
smayan pariṣvajya gṛhītam añjalau
gṛhaṁ praveṣyāpta-samasta-satkṛtaṁ
samprakṣyate kaṁsa-kṛtaṁ sva-bandhuṣu

Sinônimos

kim ca — além disso; agra-jaḥ — Seu irmão mais velho (o Senhor Balarāma); — eu; avanatam — que estou postado com a cabeça inclinada; yadu-uttamaḥ — o mais elevado dos Yadus; smayan — sorrindo; pariṣvajya — abraçando; gṛhītam — segurado; añjalau — por minhas mãos postas; gṛham — para Sua casa; praveṣya — levando; āpta — que terei recebido; samasta — todos; sat-kṛtam — os sinais de respeito; samprakṣyate — Ele perguntará; kaṁsa — por Kaṁsa; kṛtam — o que foi feito; sva-bandhuṣu — aos membros de Sua família.

Tradução

E então, enquanto eu ainda estiver postado com a cabeça inclinada, o principal dos Yadus, o irmão mais velho do Senhor Kṛṣṇa, segurará minhas mãos postas e, após abraçar-me, Ele me conduzirá à Sua casa. Ali, Ele me honrará com todos os artigos do ritual de boas-vindas e me perguntará como Kaṁsa tem tratado os membros de Sua família.

Texto

śrī-śuka uvāca
iti sañcintayan kṛṣṇaṁ
śvaphalka-tanayo ’dhvani
rathena gokulaṁ prāptaḥ
sūryaś cāsta-giriṁ nṛpa

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim; sañcintayat — pensando profundamente; kṛṣṇam — sobre o Senhor Kṛṣṇa; śvaphalka-tanayaḥ — Akrūra, o filho de Śvaphalka; adhvani — na estrada; rathena — por meio de sua quadriga; gokulam — a vila de Gokula; prāptaḥ — alcançou; sūryaḥ — o Sol; ca — e; asta-girim — a montanha atrás da qual o Sol se põe; nṛpa — ó rei (Parīkṣit).

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Meu querido rei, enquanto o filho de Śvaphalka, viajando pela estrada, meditava assim profundamente em Śrī Kṛṣṇa, ele chegou a Gokula quando o Sol começava a se pôr.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī comenta que, embora Akrūra nem notasse a estrada, por estar absorto em profunda meditação no Senhor Kṛṣṇa, mesmo assim ele chegou a Gokula em sua quadriga.

Texto

padāni tasyākhila-loka-pāla-
kirīṭa-juṣṭāmala-pāda-reṇoḥ
dadarśa goṣṭhe kṣiti-kautukāni
vilakṣitāny abja-yavāṅkuśādyaiḥ

Sinônimos

padāni — as pegadas; tasya — dEle; akhila — todos; loka — dos planetas; pāla — pelos superintendentes; kirīṭa — sobre suas coroas; juṣṭa — colocada; amala — pura; pāda — de Seus pés; reoḥ — a poeira; dadar­śa — (Akrūra) viu; goṣṭhe — no pasto das vacas; kṣiti — a terra; kautakāni — que decoravam maravilhosamente; vilakṣitāni — distinguíveis; abja — pelo lótus; yava — cevada; aṅkuśa — aguilhão para tanger elefan­tes; ādyaiḥ — etc.

Tradução

No pasto das vacas, Akrūra viu as pegadas daqueles pés cuja poeira pura os governantes de todos os planetas do universo carregam em suas coroas. Aquelas pegadas do Senhor, que se distinguem por marcas tais como o lótus, a cevada e o aguilhão para tanger elefantes, tornavam o solo maravilhosamente belo.

Texto

tad-darśanāhlāda-vivṛddha-sambhramaḥ
premṇordhva-romāśru-kalākulekṣaṇaḥ
rathād avaskandya sa teṣv aceṣṭata
prabhor amūny aṅghri-rajāṁsy aho iti

Sinônimos

tat — das pegadas do Senhor Kṛṣṇa; darśana — da visão; āhlāda — pelo êxtase; vivṛddha — muito aumentada; sambhramaḥ — cuja agitação; premṇā — devido ao amor puro; ūrdhva — estando arrepiados; roma — cujos pelos; aśru-kalā — de lágrimas; ākula — cheios; īkṣaṇaḥ — cujos olhos; rathāt — da quadriga; avaskandya — descendo; saḥ — ele, Akrūra; teṣu — entre aquelas (pegadas); aceṣṭata — rolou; prabhoḥ — de meu senhor; amūni — estas; aṅghri — dos pés; rajāṁsi — partículas de poei­ra; aho — ah; iti — com essas palavras.

Tradução

Cada vez mais comovido pelo êxtase de ver as pegadas do Senhor, com os pelos arrepiados por causa de seu amor puro e os olhos cheios de lágrimas, Akrūra saltou da quadriga e come­çou a rolar entre aquelas pegadas, exclamando: “Ah! Esta é a poeira dos pés de meu senhor!”

Texto

dehaṁ-bhṛtām iyān artho
hitvā dambhaṁ bhiyaṁ śucam
sandeśād yo harer liṅga-
darśana-śravaṇādibhiḥ

Sinônimos

deham-bhṛtām — dos seres corporificados; iyān — esta; arthaḥ — a meta da vida; hitvā — abandonando; dambham — o orgulho; bhiyam — medo; śucam — e aflição; sandeśāt — a começar por ser ordenado (por Kaṁsa); yaḥ — que; hareḥ — do Senhor Kṛṣṇa; liṅga — os sinais; darśana — com o ver; śravaṇa — ouvir sobre; ādibhiḥ — e assim por diante.

Tradução

A própria meta da vida de todos os seres corporificados é este êxtase, que Akrūra experimentou quando, ao receber a ordem de Kaṁsa, colocou de lado todo orgulho, medo e lamentação e absorveu-se em ver, ouvir e descrever as coisas que lhe lembra­vam o Senhor Kṛṣṇa.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī explica que Akrūra abandonou o medo mostrando abertamente seu amor e reverência por Kṛṣṇa, ainda que ele ou sua família pudessem ser punidos pelo irado Kaṁsa. Akrūra abandonou seu orgulho de ser um membro aristocrático da sociedade e adorou os vaqueiros moradores da vila simples de Vṛndāvana. E deixou de se lamentar por sua casa, esposa e família, que estavam em perigo por causa do rei Kaṁsa. Abandonando todas essas coisas, ele rolou na poeira dos pés de lótus do Senhor.

Texto

dadarśa kṛṣṇaṁ rāmaṁ ca
vraje go-dohanaṁ gatau
pīta-nīlāmbara-dharau
śarad-amburahekṣaṇau
kiśorau śyāmala-śvetau
śrī-niketau bṛhad-bhujau
su-mukhau sundara-varau
bala-dvirada-vikramau
dhvaja-vajrāṅkuśāmbhojaiś
cihnitair aṅghribhir vrajam
śobhayantau mahātmānau
sānukrośa-smitekṣaṇau
udāra-rucira-krīḍau
sragviṇau vana-mālinau
puṇya-gandhānuliptāṅgau
snātau viraja-vāsasau
pradhāna-puruṣāv ādyau
jagad-dhetū jagat-patī
avatīrṇau jagaty-arthe
svāṁśena bala-keśavau
diśo vitimirā rājan
kurvāṇau prabhayā svayā
yathā mārakataḥ śailo
raupyaś ca kanakācitau

Sinônimos

dadarśa — ele viu; kṛṣṇam rāmam ca — o Senhor Kṛṣṇa e o Senhor Balarāma; vraje — na vila de Vraja; go — as vacas; dohanam — para o lugar de ordenhar; gatau — que iam; pīta-nīla — amarelas e azuis; ambara — roupas; dharau — usando; śarat — da estação do outono; am­buruha — como lótus; īkṣaṇau — cujos olhos; kiśorau — os dois jovens; śyāmala-śvetau — azul-escuro e branco; śrī-niketau — os abrigos da deusa da fortuna; bṛhat — poderosos; bhujau — cujos braços; su-­mukhau — com rostos atraentes; sundara-varau — os mais belos; bala — jovem; dvirada — como um elefante; vikramau — cujo andar; dhvaja — pela bandeira; vajra — raio; aṅkuśa — aguilhão para tanger elefantes; ambhojaiḥ — e lótus; cihnitaiḥ — marcados; aṅghribhiḥ — com Seus pés; vrajam — o pasto das vacas; śobhayantau — embelezando; mahā­-ātmānau — grandes almas; sa-anukrośa — compassivos; smita — e sor­ridentes; īkṣaṇau — cujos olhares; udāra — magnânimos; rucira — e atraentes; krīḍau — cujos passatempos; srak-vinau — usando colares de pedras preciosas; vana-mālinau — e guirlandas de flores; puṇya — auspiciosas; gandha — com substâncias fragrantes; anulipta — ungidos; aṅgau — cujos membros; snātau — banhados há pouco; viraja — imaculadas; vāsasau — cujas roupas; pradhāna — as mais elevadas; puruṣau — duas pessoas; ādyau — primordiais; jagat-dhetū — as causas do universo; jagat-patī — os senhores do universo; avatīrṇau — tendo descido; jagati-arthe — para o benefício do universo; sva-aṁśena — em Suas formas distintas; bala-keśavau — Balarāma e Keśava; diśaḥ — todas as direções; vitimirāḥ — livres da escuridão; rājan — ó rei; kurvāṇau — fazendo; prabhayā — com a refulgência; svayā — Sua própria; yathā — como; mārakataḥ — feita de esmeralda; śailaḥ — uma montanha; raupyaḥ — uma feita de prata; ca — e; kanaka — com ouro; aci­tau — ambas decoradas.

Tradução

Então, Akrūra viu Kṛṣṇa e Balarāma na vila de Vraja, indo ordenhar as vacas. Kṛṣṇa usava roupas amarelas, e Balarāma, azuis, e Seus olhos assemelhavam-se aos lótus de outono. A tez de um daqueles dois jovens de potentes braços, abrigos da deusa da fortuna, era azul-escura, e a do outro era branca. Com Seus rostos de finos traços, Eles eram as mais belas de todas as personalidades. Enquanto caminhavam com a passada de jovens elefantes, olhando ao redor com sorrisos compassivos, aquelas duas enaltecidas personalidades embelezavam o pasto das vacas com as impressões de Seus pés, que tinham as marcas da bandeira, do raio, do aguilhão para tanger elefantes e do lótus. Os dois Senhores, cujos passatempos são muito magnânimos e atrativos, estavam adornados com colares de pedras preciosas e guirlandas de flores, ungi­dos com substâncias fragrantes e auspiciosas, recém-banhados e vestidos em trajes imaculados. Eles eram as Supremas Personalidades primordiais, os senhores e as causas originais dos universos, os quais, para o benefício da Terra, haviam descido agora em Suas formas distintas de Keśava e Balarāma. Ó rei Parīkṣit, Eles pa­reciam duas montanhas decoradas de ouro, uma com esmeralda e a outra com prata, e, com Sua refulgência, dissipavam a escuridão do céu em todas as direções.

Texto

rathāt tūrṇam avaplutya
so ’krūraḥ sneha-vihvalaḥ
papāta caraṇopānte
daṇḍa-vad rāma-kṛṣṇayoḥ

Sinônimos

rathāt — de sua quadriga; tūrṇam — rapidamente; avaplutya — descendo; saḥ — ele; akrūraḥ — Akrūra; sneha — pela afeição; vihvalaḥ — dominado; papāta — caiu; caraṇa-upānte — próximo aos pés; daṇḍa-vat — como uma vara; rāma-kṛṣṇayoḥ — de Balarāma e Kṛṣṇa.

Tradução

Akrūra, dominado pela afeição, saltou rapidamente de sua quadriga e caiu aos pés de Kṛṣṇa e Balarāma tal qual uma vara.

Texto

bhagavad-darśanāhlāda-
bāṣpa-paryākulekṣaṇaḥ
pulakacitāṅga autkaṇṭhyāt
svākhyāne nāśakan nṛpa

Sinônimos

bhagavat — a Suprema Personalidade de Deus; darśana — devido ao fato de ver; āhlāda — por causa da alegria; bāṣpa — de lágrimas; paryākula — inundados; īkṣaṇaḥ — cujos olhos; pulaka — com erupções; ācita — marcados; aṅgaḥ — cujos membros; autkaṇṭhyāt — por causa da ansiedade; sva-ākhyāne — de se anunciar; na aśakat — não foi capaz; nṛpa — ó rei.

Tradução

A alegria de ver o Senhor Supremo inundou os olhos de Akrūra com lágrimas e decorou os membros de seu corpo com erupções de êxtase. Ele estava tão ansioso, ó rei, que não conseguiu sequer se apresentar.

Texto

bhagavāṁs tam abhipretya
rathāṅgāṅkita-pāṇinā
parirebhe ’bhyupākṛṣya
prītaḥ praṇata-vatsalaḥ

Sinônimos

bhagavān — o Senhor Supremo; tam — a ele, Akrūra; abhipretya — reconhecendo; ratha-aṅga — com uma roda de quadriga; aṅkita — marcada; pāṇinā — com Sua mão; parirebhe — Ele abraçou; abhyupā­kṛṣya — puxando para perto; prītaḥ — satisfeito; praṇata — com os que são rendidos; vatsalaḥ — que tem disposição benigna.

Tradução

Reconhecendo Akrūra, o Senhor Kṛṣṇa trouxe-o para perto com Sua mão, que tem a marca da roda da quadriga, e, então, abraçou-o. Kṛṣṇa ficou satisfeito, pois sempre mantém uma disposi­ção benigna para com Seus devotos rendidos.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo os ācāryas, ao estender a mão, marcada com a roda da quadriga, ou cakra, o Senhor Kṛṣṇa indicou Sua capacidade de matar Kaṁsa.

Texto

saṅkarṣaṇaś ca praṇatam
upaguhya mahā-manāḥ
gṛhītvā pāṇinā pāṇī
anayat sānujo gṛham
pṛṣṭvātha sv-āgataṁ tasmai
nivedya ca varāsanam
prakṣālya vidhi-vat pādau
madhu-parkārhaṇam āharat

Sinônimos

saṅkarṣaṇaḥ — o Senhor Balarāma; ca — e; praṇatam — aquele que estava postado com a cabeça inclinada; upaguhya — abraçando; mahā­-manāḥ — magnânimo; gṛhītvā — tomando; pāṇinā — com Sua mão; pāṇī — as duas mãos; anayat — Ele levou; sa-anujaḥ — junto de Seu irmão mais jovem (o Senhor Kṛṣṇa); gṛham — a Sua residência; pṛṣṭvā — perguntando; atha — então; su-āgatam — sobre o conforto de sua viagem; tasmai — a ele; nivedya — oferecendo; ca — e; vara — excelente; āsanam — um assento; prakṣālya — lavando; vidhi-vat — de acordo com os preceitos das escrituras; pādau — seus pés; madhu­-parka — mel misturado com leite; arhaṇam — como uma oferenda respeitosa; āharat — Ele trouxe.

Tradução

Enquanto Akrūra estava postado com a cabeça inclinada, o Senhor Saṅkarṣaṇa [Balarāma] segurou suas mãos postas e, então, em companhia do Senhor Kṛṣṇa, levou-o à Sua casa. Depois de perguntar a Akrūra se sua viagem fora confortável, Balarāma ofereceu-lhe um assento de primeira classe, banhou seus pés de acordo com os preceitos das escrituras e respeitosamente serviu­-lhe leite com mel.

Texto

nivedya gāṁ cātithaye
saṁvāhya śrāntam āḍṛtaḥ
annaṁ bahu-guṇaṁ medhyaṁ
śraddhayopāharad vibhuḥ

Sinônimos

nivedya — presenteando em caridade; gām — uma vaca; ca — e; atithaye — ao hóspede; saṁvāhya — massageando; śrāntam — que estava cansado; ādṛtaḥ — com grande respeito; annam — comida cozida; bahu-­guṇam — de vários sabores; medhyam — própria para oferecer; śraddhayā — fielmente; upāharat — ofereceu; vibhuḥ — o Senhor onipotente.

Tradução

O onipotente Senhor Balarāma deu uma vaca de presente a Akrūra, massageou-lhe os pés para aliviá-lo do cansaço e, então, com grande respeito e fé, serviu-lhe comidas bem preparadas e de vários sabores requintados.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī, Akrūra foi à casa de Kṛṣṇa e Balarāma no décimo segundo dia lunar, em que não se devia que­brar o jejum à noite. Akrūra, todavia, dispensou essa formalidade porque estava ávido por receber alimento na casa do Senhor.

Texto

tasmai bhuktavate prītyā
rāmaḥ parama-dharma-vit
makha-vāsair gandha-mālyaiḥ
parāṁ prītiṁ vyadhāt punaḥ

Sinônimos

tasmai — a ele; bhuktavate — que terminara de comer; prītyā — afetuosamente; rāmaḥ — o Senhor Balarāma; parama — o supremo; dhar­ma-vit — conhecedor dos princípios religiosos; mukha-vāsaiḥ — com ervas aromáticas para adoçar a boca; gandha — com perfume; mālyaiḥ — e guirlandas de flores; parām — a maior; prītim — satisfação; vyadhāt — obteve; punaḥ — outra vez.

Tradução

Depois que Akrūra comera até ficar satisfeito, o Senhor Balarāma, o supremo conhecedor dos deveres religiosos, ofereceu-lhe ervas aromáticas para adoçar a boca, bem como fragrâncias e guirlandas de flores. Assim, Akrūra mais uma vez desfrutou do prazer mais elevado.

Texto

papraccha sat-kṛtaṁ nandaḥ
kathaṁ stha niranugrahe
kaṁse jīvati dāśārha
sauna-pālā ivāvayaḥ

Sinônimos

papraccha — perguntou; sat-kṛtam — ao que fora honrado; nandaḥ — Nanda Mahārāja; katham — como; stha — estais vivendo; niranugrahe — o impiedoso; kaṁse — Kaṁsa; jīvati — enquanto está vivo; dāśārha — ó descendente de Daśārha; sauna — um matador de animais; pālāḥ — cujo guardador; iva — assim como; avayaḥ — ovelhas.

Tradução

Nanda Mahārāja perguntou a Akrūra: Ó descendente de Daśārha, como todos vós estais vos mantendo enquanto aquele impiedoso Kaṁsa continua vivo? Sois como ovelhas sob os cuidados de um açougueiro.

Texto

yo ’vadhīt sva-svasus tokān
krośantyā asu-tṛp khalaḥ
kiṁ nu svit tat-prajānāṁ vaḥ
kuśalaṁ vimṛśāmahe

Sinônimos

yaḥ — quem; avadhīt — matou; sva — de sua própria; svasuḥ — irmã; tokān — os bebês; krośantyāḥ — que estava chorando; asu-tṛp — complacente consigo mesmo; khalaḥ — cruel; kim nu — qual, então; svit — de fato; tat — dele; prajānām — dos súditos; vaḥ — vós; kuśalam — bem-estar; vimṛśāmahe — devemos conjeturar.

Tradução

Aquele cruel e egoísta Kaṁsa assassinou os bebês de sua pró­pria irmã na presença dela, mesmo enquanto ela chorava de an­gústia. Então, por que deveríamos perguntar sobre vosso bem-estar, visto que sois seus súditos?

Texto

itthaṁ sūnṛtayā vācā
nandena su-sabhājitaḥ
akrūraḥ paripṛṣṭena
jahāv adhva-pariśramam

Sinônimos

ittham — assim; sū-nṛtayā — muito francas e agradáveis; vācā — com palavras; nandena — por Nanda Mahārāja; su — bem; sabhājitaḥ — honrado; akrūraḥ — Akrūra; paripṛṣṭena — pela pergunta; jahau — pôs de lado; adhva — da estrada; pariśramam — a fadiga.

Tradução

Honrado por Nanda Mahārāja com estas palavras francas e agradáveis, Akrūra esqueceu a fadiga da viagem.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humildes servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda referentes ao décimo canto, trigésimo oitavo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “A Chegada de Akrūra a Vṛndāvana”.