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CAPÍTULO TRINTA

As Gopīs Procuram por Kṛṣṇa

Este capítulo descreve como as gopīs, atormentadas durante a longa noite de separação de Kṛṣṇa, vagaram como loucas de floresta em floresta em busca dEle.

Quando Śrī Kṛṣṇa desapareceu de repente da arena da dança da rāsa, as gopīs, com as mentes cem por cento absortas em pensar nEle, começaram a procurá-lO nas várias florestas. A todas as criaturas, móveis e inertes, elas pediram notícias do paradeiro de Kṛṣṇa. Por fim, ficaram tão perturbadas que começaram a imitar Seus passatempos.

Posteriormente, enquanto divagavam em um recanto da floresta, as gopīs viram as pegadas de Śrī Kṛṣṇa, que apareciam entremeadas com as de Śrīmatī Rādhārāṇī. A visão dessas pegadas deixou-as extrema­mente transtornadas, e elas declararam que, sem dúvida, Śrīmatī Rādhārāṇī devia ter adorado Kṛṣṇa com excelência extraordinária, pois Ela lograra o privilégio de associar-Se com Ele a sós. Mais adiante no caminho, as gopīs chegaram a um lugar onde já não era possível ver as pegadas de Śrīmatī Rādhārāṇī, de modo que concluíram que Kṛṣṇa devia ter levado Rādhārāṇī em Seus ombros. Em outro lugar, notaram que as pegadas de Kṛṣṇa mostravam marcas apenas dos dedos e, por isso, as gopīs concluíram que Ele estivera a colher flores para com elas enfeitar Sua amada. Ainda em outro lugar, as gopīs viram sinais que as levaram a imaginar que Śrī Kṛṣṇa estivera amarrando os cachos do cabelo de Śrīmatī Rādhārāṇī. Todos esses pensamentos provoca­ram pesar na mente das gopīs.

Por causa da atenção especial que recebeu de Kṛṣṇa, Śrī Rādhā começou a considerar-Se a mais afortunada das mulheres. Ela Lhe disse que não conseguia mais caminhar e que Ele teria de carregá-lA nos ombros. Porém, bem naquele momento, o Senhor Kṛṣṇa desapa­receu de Sua visão. Śrīmatī Rādhārāṇī, tomada de aflição, começou, então, a procurá-lO em toda parte. Quando, por fim, encontrou Suas amigas gopīs, Ela lhes contou o que acontecera. Em seguida, todas as gopīs saíram à procura de Kṛṣṇa na floresta, indo até onde alcançava o luar. Porém, como acabaram não tendo êxito, elas voltaram para a margem do Yamunā e simplesmente passaram a cantar as glórias de Kṛṣṇa, em extremo desamparo.

Texto

śrī-śuka uvāca
antarhite bhagavati
sahasaiva vrajāṅganāḥ
atapyaṁs tam acakṣāṇāḥ
kariṇya iva yūthapam

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; antarhite — quando desapareceu; bhagavati — a Suprema Personalidade de Deus; sahasā eva — muito subitamente; vraja-aganāḥ — as jovens donzelas de Vraja; atapyan — sentiram enorme remorso; tam — a Ele; acakṣāṇāḥ — não vendo; kariṇyaḥ — elefantas; iva — assim como; yūthapam — seu líder macho.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Quando o Senhor Kṛṣṇa desapareceu tão subitamente, as gopīs sentiram enorme pesar por perdê-lO de vista, tal qual um grupo de elefantas que perdeu seu companheiro.

Texto

gatyānurāga-smita-vibhramekṣitair
mano-ramālāpa-vihāra-vibhramaiḥ
ākṣipta-cittāḥ pramadā ramā-pates
tās tā viceṣṭā jagṛhus tad-ātmikāḥ

Sinônimos

gatyā — por Seus movimentos; anurāga — afetuosos; smita — sorrisos; vibhrama — brincalhões; īkṣitaiḥ — e olhares; manaḥ-rama — encantadora; ālāpa — por Sua conversa; vihāra — brincadeira; vibhramaiḥ — e outras seduções; ākṣipta — arrebatados; cittāḥ — cujos corações; prama­dāḥ — as mocinhas; ramā-pateḥ — do esposo de Ramā, a deusa da for­tuna, ou do senhor da beleza e opulência; tāḥ tāḥ — cada uma delas; viceṣṭāḥ — atividades maravilhosas; jagṛhuḥ — encenaram; tat-ātmi­kāḥ — absortas nEle.

Tradução

Em virtude da lembrança do Senhor Kṛṣṇa, os corações das vaqueirinhas foram arrebatados por Seus movimentos e sorrisos amorosos, por Seus olhares brincalhões e conversas encantado­ras e pelos muitos outros passatempos que Ele desfrutava com elas. Absortas assim em pensar em Kṛṣṇa, o Senhor de Ramā, as gopīs começaram a encenar Seus vários passatempos transcendentais.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura descreve o seguinte encanta­dor diálogo entre Kṛṣṇa e as gopīs:

“Kṛṣṇa disse a uma gopī: ‘Meu querido lírio da terra, vais ofere­cer teu mel a este zangão muito sedento ou não?’

“A gopī respondeu: ‘Meu querido zangão, o esposo dos lírios é o Sol, e não o zangão, então por que estás reivindicando que meu mel Te pertence?’

“‘Mas, Meu querido lírio, a verdadeira natureza dos lírios é que eles não dão seu mel para seu esposo, o Sol, mas sim para seu aman­te, o zangão.’ A gopī, derrotada por essas palavras, riu e, então, ofe­receu seus lábios como mel para Kṛṣṇa beber.”

Śrīla Viśvanātha Cakravartī também descreve a seguinte conversa:

“Kṛṣṇa disse a uma gopī: ‘Ah! Posso compreender que, ao te apro­ximares desta árvore nīpa que aqui está, foste picada por uma cobra audaciosa. Seu veneno já alcançou teu peito, mas, como és uma don­zela respeitável, não Me pediste para curar-Te. Mesmo assim, sendo misericordioso por natureza, Eu vim até aqui. Agora, enquanto massageio teu corpo com Minhas mãos, cantarei um mantra para neutra­lizar o veneno da serpente.’

“A gopī disse: ‘Mas, meu caro encantador de serpentes, nenhuma cobra me picou. Vai massagear o corpo de alguma mocinha que de fato foi picada por uma cobra.’

“‘Vamos, Minha cara mocinha respeitável. Por tua voz trêmula, posso perceber que estás experimentando a reação febril do envenenamento. Sabendo disso, se Eu não cuidar de ti, serei culpado da morte de uma mulher inocente. Então, deixa-Me tratar de ti.’

“Kṛṣṇa, então, arranhou de brincadeira o peito da gopī.”

Texto

gati-smita-prekṣaṇa-bhāṣaṇādiṣu
priyāḥ priyasya pratirūḍha-mūrtayaḥ
asāv ahaṁ tv ity abalās tad-ātmikā
nyavediṣuḥ kṛṣṇa-vihāra-vibhramāḥ

Sinônimos

gati — em Seus movimentos; smita — sorriso; prekṣaṇa — olhar; bhāṣaṇā — conversa; ādiṣu — etc.; priyāḥ — as queridas gopīs; priyasya — de seu amado; pratirūḍha — plenamente absortas; rtayaḥ — seus corpos; asau — Ele; aham — Eu: tu — de fato; iti — falando assim; aba­lāḥ — as mulheres; tat-ātmikāḥ — identificando-se com Ele; nyavediṣuḥ — anunciavam; kṛṣṇa-vihāra — causado pelos passatempos de Kṛṣṇa; vibhramāḥ — cujo inebriamento.

Tradução

Porque as amadas gopīs estavam absortas em pensamentos sobre seu amado Kṛṣṇa, os corpos delas imitavam Seu modo de andar, Seu sorriso, Seu modo de contemplá-las, Sua fala e Suas outras características distintivas. Profundamente imersas em pensar nEle e enlouquecidas por lembrar Seus passatempos, elas declaravam umas às outras: “Eu sou Kṛṣṇa!”

Comentário

SIGNIFICADO—As gopīs começaram espontaneamente a se expressar como Kṛṣṇa: elas sorriam como Ele sorria, olhavam ousadamente como Ele olha­va e falavam como Ele falava. As gopīs encontravam-se cem por cento absortas na existência de Kṛṣṇa e loucas de amor em virtude de sua súbita separação dEle, e, dessa maneira, sua dedicação a Ele atingiu a perfeição absoluta.

Texto

gāyantya uccair amum eva saṁhatā
vicikyur unmattaka-vad vanād vanam
papracchur ākāśa-vad antaraṁ bahir
bhūteṣu santaṁ puruṣaṁ vanaspatīn

Sinônimos

gāyantyaḥ — cantando; uccaiḥ — alto; amum — sobre Ele; eva — de fato; saṁhatāḥ — juntas em um grupo; vicikyuḥ — procuraram; unmattaka-­vat — como loucas; vanāt vanam — de uma área da floresta para outra; papracchuḥ — perguntaram; ākāśa-vat — como o céu; antaram — internamente; bahiḥ — externamente; bhūteṣu — em todos os seres criados; santam — presente; puruṣam — a Pessoa Suprema; vanaspatīn — às árvores.

Tradução

Cantando bem alto sobre Kṛṣṇa, elas procuraram-nO por toda a floresta de Vṛndāvana como um bando de mulheres ensandecidas. Chegaram até mesmo a perguntar às árvores sobre Ele, que, como a Superalma, está presente dentro e fora de todas as coisas criadas, tal qual o céu.

Comentário

SIGNIFICADO—Perdidas na loucura do amor por Kṛṣṇa, as gopīs perguntaram sobre Ele até mesmo às árvores de Vṛndāvana. É claro que não existe real separação do Senhor Kṛṣṇa, dado que Ele é a Superalma onipenetrante.

Texto

dṛṣṭo vaḥ kaccid aśvattha
plakṣa nyagrodha no manaḥ
nanda-sūnur gato hṛtvā
prema-hāsāvalokanaiḥ

Sinônimos

dṛṣṭaḥ — foi visto; vaḥ — por vós; kaccit — por acaso; aśvattha — ó aśvattha (figueira sagrada); plakṣa — ó plakṣa (figueira de folhas onduladas); nyagrodha — ó nyagrodha (figueira-de-bengala); naḥ — nossas; manaḥ — mentes; nanda — de Mahārāja Nanda; sūnuḥ — o filho; gataḥ — foi embora; hṛtvā — depois de roubar; prema — amoro­sos; hāsa — com Seus sorrisos; avalokanaiḥ — e olhares.

Tradução

[As gopīs disseram:] Ó árvore aśvattha, ó plakṣa, ó nyagrodha, vistes Kṛṣṇa? Aquele filho de Nanda Mahārāja foi embora depois de roubar nossas mentes com Seus sorrisos e olhares amorosos.

Texto

kaccit kurabakāśoka-
nāga-punnāga-campakāḥ
rāmānujo māninīnām
ito darpa-hara-smitaḥ

Sinônimos

kaccit — por acaso; kurabaka-aśoka-nāga-punnāga-campakāḥ — ó árvores kurabaka (amaranto vermelho), aśoka, nāga, punnāga e campaka; rāma — de Balarāma; anujaḥ — o irmão mais novo; mā­ninīnām — das mulheres, que são orgulhosas por natureza; itaḥ — passando por aqui; darpa — o orgulho; hara — que retira; smitaḥ — cujo sorriso.

Tradução

Ó árvores kurabaka, aśoka, nāga, punnāga e campaka, o irmão mais novo de Balarāma, cujo sorriso remove a audácia de todas as mulheres orgulhosas, passou por aqui?

Comentário

SIGNIFICADO—Logo que viam que determinada árvore não respondia a elas, as gopīs impacientemente a deixavam e corriam para outra para con­tinuarem perguntando.

Texto

kaccit tulasi kalyāṇi
govinda-caraṇa-priye
saha tvāli-kulair bibhrad
dṛṣṭas te ’ti-priyo ’cyutaḥ

Sinônimos

kaccit — por acaso; tulasi — ó planta tulasī; kalyāṇi — ó bondosa; govinda — do Senhor Kṛṣṇa; caraṇa — os pés; priye — tu, a quem são queridos; saha — junto de; tvā — ti; ali — de abelhas; kulaiḥ — enxames; bibhrat — levando; dṛṣṭaḥ — visto; te — por ti; ati-priyaḥ — o que­ridíssimo; acyutaḥ — Senhor Acyuta.

Tradução

Ó amabilíssima tulasī, a quem os pés de Go­vinda são tão queridos, viste o infalível passar por aqui, carregando-te e rodeado por enxames de abelhas?

Comentário

SIGNIFICADO—Os ācāryas explicam a respeito deste verso que a palavra caraṇa é um termo de respeito, como na expressão evaṁ vadanty ācārya-caraṇāḥ. As abelhas que zumbiam em volta da guirlanda usada por Śrī Govinda sentiam-se atraídas pela fragrância dos mañjarīs de tu­lasī oferecidos a Ele. As gopīs acharam que as árvores não haviam respondido porque eram seres masculinos, mas que tulasī, por ser feminina, teria compaixão de seu estado.

Texto

mālaty adarśi vaḥ kaccin
mallike jāti-yūthike
prītiṁ vo janayan yātaḥ
kara-sparśena mādhavaḥ

Sinônimos

mālati — ó mālati (um tipo de jasmim branco); adarśi — foi visto; vaḥ — por vós; kaccit — acaso; mallike — ó mallikā (outro tipo de jasmim); jāti — ó jāti (outro tipo de jasmim branco); yūthike — ó yūthikā (mais outro jasmim); prītim — prazer; vaḥ — para vós; ja­nayan — gerando; yātaḥ — passou por; kara — de Sua mão; sparśena — pelo toque; mādhavaḥ — Kṛṣṇa, a personificação da primavera.

Tradução

Ó mālati, ó mallikā, ó jāti e yūthikā, Mādhava passou por aqui, dando-vos prazer com o toque de Sua mão?

Comentário

SIGNIFICADO—Quando nem mesmo a própria tulasī respondeu às gopīs, elas se acercaram dos fragrantes jasmins. As gopīs, vendo as trepadeiras do jasmim prostradas humildemente, deduziram que aquelas plantas deviam ter visto o Senhor Kṛṣṇa e por isso estavam mostrando hu­mildade em seu êxtase.

Texto

cūta-priyāla-panasāsana-kovidāra
jambv-arka-bilva-bakulāmra-kadamba-nīpāḥ
ye ’nye parārtha-bhavakā yamunopakūlāḥ
śaṁsantu kṛṣṇa-padavīṁ rahitātmanāṁ naḥ

Sinônimos

cūta — ó trepadeira da mangueira; priyāla — ó priyāla (espécie de árvore śāla); panasa — ó jaqueira; āsana — ó āsana (espécie de śāla amarelo); kovidāra — ó kovidāra; jambu — ó jambeiro; arka — ó planta arka; bilva — ó árvore de bel; bakula — ó mimosa; āmra — ó mangueira; kadamba — ó árvore kadamba; nīpāḥ — ó nīpa (espécie menor de kadam­ba); ye — que; anye — outras; para — de outras; artha — por causa de; bhavakāḥ — cuja existência; yamunā-upakūlāḥ — que moram perto da margem do rio Yamunā; śaṁsantu — por favor, dizei; kṛṣṇa-padavīm — o caminho que Kṛṣṇa tomou; rahita — que fomos privadas; ātmanām — de nossas mentes; naḥ — a nós.

Tradução

Ó cūta, ó priyāla, ó panasa, āsana e kovidāra, ó jambu, ó arka, ó bilva, bakula e āmra, ó kadamba e nīpa e todas vós, as demais plantas e árvores residentes nas margens do Yamunā e que dedi­cais vossa existência ao bem-estar alheio, nós gopīs perdemos nossas mentes, então, por favor, dizei-nos para onde Kṛṣṇa foi.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo Śrīla Jīva Gosvāmī, cūta é uma trepadeira da mangueira, ao passo que āmra é uma mangueira. Ele continua explicando que nīpa, embora não seja uma árvore muito proeminente, tem grandes flores, e que o desespero que as gopīs sentiam por não encontrar Kṛṣṇa fica patente pelo fato de elas se aproximarem da insignificante arka.

Śrīla Viśvanātha Cakravartī apresenta a seguinte informação sobre as árvores de Vṛndāvana: “Nīpa é a ‘kadamba do pó’ e tem grandes folhas. A kadamba propriamente dita tem flores pequenas e um perfume muito agradável. Kovidāra é uma espécie particular de kañcanāra [ébano da montanha]. Embora a planta arka seja muito insignificante, ela sempre cresce perto do Senhor Gopīśvara [a dei­dade de Śiva na floresta de Vṛndāvana], pois lhe é muito querida.”

Texto

kiṁ te kṛtaṁ kṣiti tapo bata keśavāṅghri-
sparśotsavotpulakitāṅga-nahair vibhāsi
apy aṅghri-sambhava urukrama-vikramād vā
āho varāha-vapuṣaḥ parirambhaṇena

Sinônimos

kim — o que; te — por ti; kṛtam — executada; kṣiti — ó terra; tapaḥ — austeridade; bata — de fato; keśava — do Senhor Kṛṣṇa; aṅghri — pelos pés; sparśa — por ser tocada; utsava — devido à experiência jubilosa; utpulakita — arrepiados de júbilo; aṅga-ruhaiḥ — com teus pelos (a grama e as plantas que crescem em tua superfície); vibhāsi — pareces bela; api — talvez; aṅghri — pelos pés (de Kṛṣṇa presente agora em tua superfície); sambhavaḥ — gerada; urukrama — do Senhor Vāma­nadeva, a encarnação do Senhor Kṛṣṇa como anão, que abarcou o universo inteiro com três poderosos passos; vikramāt — por causa do pisar; — ou; āha u — ou então talvez; varāha — da encarnação do Senhor Kṛṣṇa como javali; vapuṣaḥ — pelo corpo; parirambhaṇena — por causa do abraço.

Tradução

Ó mãe terra, que austeridade executaste para conseguires o contato com os pés de lótus do Senhor Keśava, que te causou tão grande alegria a ponto de teus pelos estarem arrepiados? Pare­ces muito bela neste estado. Foi durante o atual aparecimento do Senhor que adquiriste este sintoma de êxtase, ou foi talvez muito antes, quando Ele pisou em ti em Sua forma de Vāmanadeva, o anão, ou até mesmo antes, quando Ele te abraçou em Sua forma de Varāhadeva, o javali?

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī explica os pensamentos das gopīs da seguinte maneira: “‘Talvez as árvores e plantas (mencionadas nos versos anteriores) não ouviram nossa pergunta por estarem em transe, meditando no Senhor Viṣṇu. Ou talvez, como não nos querem dizer para onde Kṛṣṇa foi, elas sejam insensíveis, apesar de morarem em um lugar sagrado. De qualquer modo, de que adianta criticar sem necessidade os residentes de um lugar sagrado? Não podemos ter cer­teza se eles de fato sabem para onde Kṛṣṇa foi. Então, vamos encon­trar alguém que saiba sem dúvida onde Ele está.’ Dessa maneira, as gopīs concluíram que, como o Senhor Kṛṣṇa devia estar em algum lugar na Terra, a própria Terra devia saber de Seu paradeiro.

“As gopīs, então, pensaram: ‘Porque Kṛṣṇa sempre anda na Terra, ela nunca se separa dEle e, portanto, não pode compreender o quanto Seus pais, namoradas e servos sofrem devido à Sua ausência. Vamos perguntar-lhe que austeridades ela executou para obter a grande for­tuna de ser tocada constantemente pelos pés do Senhor Keśava.’”

Texto

apy eṇa-patny upagataḥ priyayeha gātrais
tanvan dṛśāṁ sakhi su-nirvṛtim acyuto vaḥ
kāntāṅga-saṅga-kuca-kuṅkuma-rañjitāyāḥ
kunda-srajaḥ kula-pater iha vāti gandhaḥ

Sinônimos

api — se; eṇa — dos veados; patni — ó esposa; upagataḥ — foi encontrado; priyayā — junto de Sua amada; iha — aqui; gātraiḥ — pelos membros de Seu corpo; tanvan — produzindo; dṛśām — dos olhos; sakhi — ó amiga; su-nirvṛtim — grande prazer; acyutaḥ — o infalível Senhor Kṛṣṇa; vaḥ — vosso; kāntā — de Sua amiga; aṅga-saṅga — por causa do contato físico; kuca — no seio; kuṅkuma — pelo pó de vermelhão; rañjitāyāḥ — colorida; kunda — de jasmins; srajaḥ — da guirlanda; kula — do grupo (de gopīs); pateḥ — do amo; iha — por aqui; vāti — está soprando; gandhaḥ — a fragrância.

Tradução

Ó amiga, esposa dos veados, o Senhor Acyuta esteve aqui com Sua amada, trazendo grande alegria a teus olhos? De fato, está soprando nesta direção a fragrância de Sua guirlanda de flores kunda, que se misturou com o kuṅkuma dos seios de Sua namo­rada quando Ele A abraçou.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī tece o seguinte comentário encantador sobre este verso:

“As gopīs disseram à corça: ‘Ó amiga, esposa dos veados, pela bem-aventurança aparente em teus olhos límpidos, podemos dizer que Śrī Kṛṣṇa expandiu tua alegria com a beleza de Seus membros, de Seu rosto e assim por diante. Estás ávida por experimentar o êxta­se de ver Kṛṣṇa, e, por isso, teus olhos O seguem. De fato, Ele jamais está perdido para ti.’

“Então, ao verem a corça continuar a andar à sua maneira natu­ral, as gopīs exclamaram: ‘Oh! Estás dizendo-nos que viste Kṛṣṇa? Olhai! Enquanto anda, esta corça sempre volta a cabeça para nós, como se dissesse: ‘Vou mostrá-lO para vós; basta me seguirdes e vos mostrarei Kṛṣṇa.’ Nesta inclemente Vṛndāvana, ela é a única personalidade misericordiosa.’

“Enquanto seguiam a corça, as gopīs acabaram por perdê-la de vista, momento no qual elas exclamaram: ‘Oh! Por que não conseguimos ver a corça que nos está mostrando o caminho para Kṛṣṇa?’

“Uma gopī sugeriu que Kṛṣṇa devia estar em algum lugar nos arredores e que a corça, por medo dEle, devia ter-se escondido para evitar o possível equívoco de revelar Sua presença. Enquanto faziam essas conjecturas, as gopīs perceberam uma fragrância que por acaso soprou em sua direção e, por isso, repetiram com grande alegria: ‘Sim! Sim! É isto mesmo! Pelo contato físico de Kṛṣṇa com Sua namorada, Sua guirlanda de jasmim misturou-se ao pó de kuṅkuma dos seios dEla, e todas essas fragrâncias estão chegando até nós.’ Dessa ma­neira, as gopīs sentiram o aroma dos corpos dos dois amantes, da guirlanda de jasmim de Kṛṣṇa e do pó cosmético dos seios de Sua amada.”

Texto

bāhuṁ priyāṁsa upadhāya gṛhīta-padmo
rāmānujas tulasikāli-kulair madāndhaiḥ
anvīyamāna iha vas taravaḥ praṇāmaṁ
kiṁ vābhinandati caran praṇayāvalokaiḥ

Sinônimos

bāhum — Seu braço; priyā — de Sua amada; aṁse — no ombro; upadhāya — pondo; gṛhīta — segurando; padmaḥ — um lótus; rāma­-anujaḥ — Kṛṣṇa, o irmão mais novo de Balarāma; tulasikā — que estão enxameando ao redor dos mañjarīs de tulasī (que ornamentam Sua guirlanda); ali-kulaiḥ — pelas muitas abelhas; mada — de embriaguez; andhaiḥ — que estão cegas; anvīyamānaḥ — sendo seguidas; iha — aqui; vaḥ — vossas; taravaḥ — ó árvores; praṇāmam — o prostrar-se; kim vā — se; abhinandati — reconheceu; caran — enquanto andava por; pra­ṇaya — cheios de amor; avalokaiḥ — com Seus olhares.

Tradução

Ó árvores, vemos que estais prostradas. Quando o irmão mais novo de Rāma passou por aqui, seguido de abelhas inebriadas enxameando ao redor dos mañjarīs de tulasī que enfeitam Sua guirlanda, Ele reconheceu vossas reverências com Seus olhares afetuosos? Ele certamente estava com o braço descansando no ombro de Sua amada e levando na outra mão uma flor de lótus.

Comentário

SIGNIFICADO—As gopīs viram que as árvores, curvadas devido à abundância de frutas e flores, estavam oferecendo reverências ao Senhor Kṛṣṇa. As gopīs supuseram que Kṛṣṇa devia ter passado há pouco por ali, pois as árvores ainda estavam prostradas. Porque Śrī Kṛṣṇa deixara as gopīs para ficar com Sua consorte favorita, elas sentiam ciúmes e, por isso, passaram a imaginar que Ele Se cansara com Suas aventuras amorosas e estava descansando Seu braço esquerdo no ombro delicado de Sua amada. As gopīs imaginaram ainda que Kṛṣṇa devia ter um lótus azul na mão direita para espantar as abelhas que se achavam ávidas por atacar o rosto de Sua amada após sentirem seu aroma. A cena era tão bela, imaginavam as gopīs, que as abelhas enlouquecidas haviam deixado o jardim de tulasīs para seguir o casal de amantes.

Texto

pṛcchatemā latā bāhūn
apy āśliṣṭā vanaspateḥ
nūnaṁ tat-karaja-spṛṣṭā
bibhraty utpulakāny aho

Sinônimos

pṛcchata — perguntai apenas; imāḥ — a estas; latāḥ — trepadeiras; bāhūn — os braços (galhos); api — muito embora; āśliṣṭāḥ — abraçando; va­naspateḥ — da árvore; nūnam — com certeza; tat — dEle, Kṛṣṇa; kara-­ja — pelas unhas; spṛṣṭāḥ — tocadas; bibhrati — estão levando; utpulakāni — alegres erupções na pele; aho — vede só.

Tradução

Perguntemos a estas trepadeiras sobre Kṛṣṇa. Embora este­jam abraçando seu marido, esta árvore, elas com certeza devem ter sido tocadas pelas unhas de Kṛṣṇa, pois, em virtude do júbilo, estão manifestando erupções na pele.

Comentário

SIGNIFICADO—As gopīs raciocinaram que as trepadeiras não mostrariam sinais de enlevo em virtude do mero contato físico com seu marido, uma ár­vore. As gopīs, portanto, concluíram que, embora estivessem abra­çando os membros fortes de seu marido, as trepadeiras deviam ter sido tocadas pelo Senhor Kṛṣṇa enquanto Ele andava pela floresta.

Texto

ity unmatta-vaco gopyaḥ
kṛṣṇānveṣaṇa-kātarāḥ
līlā bhagavatas tās tā
hy anucakrus tad-ātmikāḥ

Sinônimos

iti — assim; unmatta — enlouquecidas; vacaḥ — dizendo palavras; gopyaḥ — as gopīs; kṛṣṇa-anveṣaṇa — por procurar Kṛṣṇa; kātarāḥ — per­turbadas; līlāḥ — os passatempos transcendentais; bhagavataḥ — dEle, a Suprema Personalidade de Deus; tāḥ tāḥ — cada uma delas; hi — de fato; anucakruḥ — encenaram; tat-ātmikāḥ — ficando absortas em pensar nEle.

Tradução

Tendo dito estas palavras, as gopīs, perturbadas em virtude de sua busca por Kṛṣṇa, começaram a encenar Seus vários passatempos, completamente absortas em pensar nEle.

Texto

kasyācit pūtanāyantyāḥ
kṛṣṇāyanty apibat stanam
tokayitvā rudaty anyā
padāhan śakaṭāyatīm

Sinônimos

kasyācit — de uma das gopīs; pūtanāyantyāḥ — que agia como a bruxa Pūtanā; kṛṣṇāyantī — outra, que agia como Kṛṣṇa; apibat — bebia; stanam — do peito; tokayitvā — agindo como um bebê; ruda­tī — chorando; anyā — outra; padā — com o pé; ahan — batia; śakaṭā­-yatīm — em outra, que imitava um carrinho.

Tradução

Uma gopī imitava Pūtanā, enquanto outra agia como o bebê Kṛṣṇa e fingia mamar no seio dela. Outra gopī, chorando em imitação ao bebê Kṛṣṇa, chutava uma gopī que fazia o papel do demônio-carrinho, Śakaṭāsura.

Texto

daityāyitvā jahārānyām
eko kṛṣṇārbha-bhāvanām
riṅgayām āsa kāpy aṅghrī
karṣantī ghoṣa-niḥsvanaiḥ

Sinônimos

daityāyitvā — imitando um demônio (a saber, Tṛṇāvarta); jahāra — levou embora; anyām — outra gopī; ekā — uma gopī; kṛṣṇa-arbha — do bebê Kṛṣṇa; bhāvanām — que assumia a atitude; riṅgayām āsa — engatinhava; kā api — uma delas; aṅghrī — seus dois pés; karṣantī — arrastando; ghoṣa — do tilintar de guizos; niḥsvanaiḥ — com o som.

Tradução

Certa gopī assumiu o papel de Tṛṇāvarta e levou embora outra, que agia como o bebê Kṛṣṇa, enquanto uma outra gopī engati­nhava, com os guizos de tornozelo a tilintar à medida que ela ar­rastava os pés.

Comentário

SIGNIFICADO—As gopīs passaram a imitar todos os passatempos de Śrī Kṛṣṇa, a começar de Suas primeiras atividades como um bebê.

Texto

kṛṣṇa-rāmāyite dve tu
gopāyantyaś ca kāścana
vatsāyatīṁ hanti cānyā
tatraikā tu bakāyatīm

Sinônimos

kṛṣṇa-rāmāyite — agindo como o Senhor Kṛṣṇa e o Senhor Bala­rāma; dve — duas gopīs; tu — e; gopāyantyaḥ — agindo como Seus amigos vaqueirinhos; ca — e; kāścana — algumas; vatsāyatīm — que imitava o demônio-bezerro, Vatsāsura; hanti — matava; ca — e; anyā — outra; tatra — lá; ekā — uma; tu — além disso; bakāyatīm — outra, que imitava o demônio-grou, Bakāsura.

Tradução

Duas gopīs agiam como Rāma e Kṛṣṇa no meio de muitas outras, que faziam o papel de vaqueirinhos. Certa gopī encenava Kṛṣṇa matando o demônio Vatsāsura, representado por outra gopī, e duas outras gopīs interpretavam a morte de Bakāsura.

Texto

āhūya dūra-gā yadvat
kṛṣṇas tam anuvartatīm
veṇuṁ kvaṇantīṁ krīḍantīm
anyāḥ śaṁsanti sādhv iti

Sinônimos

āhūya — chamando; dūra — que estavam longe; gāḥ — as vacas; ya­dvat — assim como; kṛṣṇaḥ — Kṛṣṇa; tam — a Ele; anuvartatīm — uma gopī que estava imitando; veṇum — a flauta; kvaṇantīm — vibrando; krīḍantīm — brincando de jogos; anyāḥ — as outras gopīs; śaṁsanti — louvavam; sādhu iti — “excelente!”

Tradução

Quando uma gopī imitava com perfeição a maneira de Kṛṣṇa chamar as vacas que se haviam desgarrado, de Ele tocar Sua flauta e de Ele Se desempenhar em vários esportes, as outras congratulavam-na exclamando: “Muito bem! Muito bem!”

Texto

kasyāñcit sva-bhujaṁ nyasya
calanty āhāparā nanu
kṛṣṇo ’haṁ paśyata gatiṁ
lalitām iti tan-manāḥ

Sinônimos

kasyāñcit — de uma delas; sva-bhujam — seu braço; nyasya — colocando (no ombro); calantī — caminhando; āha — falou; aparā — outra; nanu — de fato; kṛṣṇaḥ — Kṛṣṇa; aham — eu sou; paśyata — vede só; gatim — meus movimentos; lalitām — graciosos; iti — com estas palavras; tat — nEle; manāḥ — sua mente em completa absorção.

Tradução

Outra gopī, com a mente fixa em Kṛṣṇa, caminhava com o braço descansando no ombro de uma amiga e declarava: “Sou Kṛṣṇa! Vede só meu andar gracioso!”

Texto

mā bhaiṣṭa vāta-varṣābhyāṁ
tat-trāṇaṁ vihitaṁ maya
ity uktvaikena hastena
yatanty unnidadhe ’mbaram

Sinônimos

mā bhaiṣṭa — não temais, nenhuma de vós; vāta — o vento; varṣā­bhyām — e chuva; tat — disto; trā­ṇam — vossa salvação; vihitam — foi arranjada; mayā — por mim; iti — assim; uktvā — falando; ekena — com uma; hastena — mão; yatantī — esforçando-se; unnidadhe — ela erguia; ambaram — sua roupa superior.

Tradução

“Não temais o vento e a chuva”, dizia uma gopī. “Eu vos salvarei.” E, em seguida, ela erguia seu xale sobre a cabeça.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui uma gopī interpreta o passatempo em que o Senhor Kṛṣṇa ergueu a colina Govardhana.

Texto

āruhyaikā padākramya
śirasy āhāparāṁ nṛpa
duṣṭāhe gaccha jāto ’haṁ
khalānām nanu daṇḍa-kṛt

Sinônimos

āruhya — levantando-se; ekā — uma das gopīs; padā — com seu pé; ākramya — subindo sobre; śirasi — a cabeça; āha — disse; aparām — a outra; nṛpa — ó rei (Parīkṣit); duṣṭa — perversa; ahe — ó serpente; gaccha — vai embora; jātaḥ — nasci; aham — eu; khalānām — àqueles que são invejosos; nanu — de fato; daṇḍa — o castigo; kṛt — como o que inflige.

Tradução

[Śukadeva Gosvāmī continuou:] Ó rei, certa gopī subiu nos ombros de outra e, pondo o pé na cabeça desta, disse: “Vai embora daqui, ó serpente perversa! Informo-te que Eu nasci neste mundo unicamente para castigar os invejosos.”

Comentário

SIGNIFICADO—Nesta passagem, as gopīs encenam o passatempo em que Kṛṣṇa castiga Kāliya.

Texto

tatraikovāca he gopā
dāvāgniṁ paśyatolbaṇam
cakṣūṁṣy āśv apidadhvaṁ vo
vidhāsye kṣemam añjasā

Sinônimos

tatra — ali; ekā — uma delas; uvāca — disse; he gopāḥ — ó vaqueirinhos; dāva-agnim — o incêndio na floresta; paśyata — vede só; ulbaṇam — terrível; cakṣūmsi — vossos olhos; āśu — logo; apidadhvam — fechai apenas; vaḥ — vossos; vidhāsye — arranjarei; kṣemamproteção; añjasā — com facilidade.

Tradução

Então, outra gopī tomou a palavra: Meus queridos vaqueirinhos, contemplai este furioso incêndio na floresta! Fechai logo os olhos e eu vos protegerei facilmente.

Texto

baddhānyayā srajā kācit
tanvī tatra ulūkhale
badhnāmi bhāṇḍa-bhettāraṁ
haiyaṅgava-muṣaṁ tv iti
bhītā su-dṛk pidhāyāsyaṁ
bheje bhīti-viḍambanam

Sinônimos

baddhā — amarrada; anyayā — por outra gopī; srajā — uma guirlanda de flores; kācit — uma gopī; tanvī — esbelta; tatra — ali; ulūkhale — ao pilão; badhnāmi — estou amarrando; bhāṇḍa — dos potes de armazenagem; bhettāram — o quebrador; haiyam-gava — da manteiga retirada do leite do dia anterior; muṣamo ladrão; tu — de fato; iti — assim falando; bhītā — com medo; su-dṛk — com belos olhos; pidhāya — cobrindo; āsyam — seu rosto; bheje — assumia; bhīti — do medo; viḍambanam — a simulação.

Tradução

Uma gopī atou sua esbelta companheira com uma guirlanda de flores e disse: “Agora vou amarrar este menino que quebrou os potes de manteiga e roubou a manteiga.” A segunda gopī, então, cobriu seu rosto e belos olhos, fingindo estar com medo.

Texto

evaṁ kṛṣṇaṁ pṛcchamānā
vrṇdāvana-latās tarūn
vyacakṣata vanoddeśe
padāni paramātmanaḥ

Sinônimos

evam — dessa maneira; kṛṣṇam — sobre Kṛṣṇa; pṛcchamānāḥ — perguntando; vṛndāvana — da floresta de Vṛndāvana; latāḥ — às trepadei­ras; tarūn — e árvores; vyacakṣata — viram; vana — da floresta; udde­śe — em um lugar; padāni — as pegadas; parama-ātmanaḥ — da Supe­ralma.

Tradução

Enquanto imitavam dessa maneira os passatempos de Kṛṣṇa e perguntavam às trepadeiras e árvores onde poderia estar Kṛṣṇa, a Alma Suprema, aconteceu de as gopīs virem Suas pegadas em um recanto da floresta.

Texto

padāni vyaktam etāni
nanda-sūnor mahātmanaḥ
lakṣyante hi dhvajāmbhoja-
vajrāṅkuśa-yavādibhiḥ

Sinônimos

padāni — as pegadas; vyaktam — claramente; etāni — estas; nanda-­sūnoḥ — do filho de Nanda Mahārāja; mahā-ātmanaḥ — a grande alma; lakṣyante — são comprovadas; hi — de fato; dhvaja — pela bandeira; ambhoja — lótus; vajra — raio; aṅkuśa — aguilhão para tanger elefan­tes; yava-ādibhiḥ — cevada etc.

Tradução

[As gopīs disseram:] As marcas da bandeira, do lótus, do raio, do aguilhão para tanger elefantes, da cevada e assim por diante nestas pegadas caracterizam-nas muito bem como pertencentes àquela grande alma, o filho de Nanda Mahārāja.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, em seu comentário sobre este verso, apresenta as seguintes informações escriturais acerca das marcas simbólicas nos pés de lótus de Kṛṣṇa:

“Nos seguintes versos, o Skanda Purāṇa declara quais os lugares específicos dos pés de Kṛṣṇa onde Ele tem a marca da bandeira e também outras marcas, e as razões para essas marcas:

dakṣiṇasya padāṅguṣṭha-
mūle cakraṁ bibharty ajaḥ
tatra bhakta-janasyāri-
ṣaḍ-varga-cchedanāya saḥ

‘Na base do dedo grande do pé direito, o Senhor não nascido tem a marca de um disco, que decepa os seis inimigos [mentais] de Seus devotos.’

madhyamāṅguli-mūle ca
dhatte kamalam acyutaḥ
dhyātṛ-citta-dvirephāṇāṁ
lobhanāyāti-śobhanām

‘Na base do dedo médio do mesmo pé, o Senhor Acyuta tem a marca de uma flor de lótus, que aumenta a ambição de obtê-lO nas mentes dos devotos semelhantes a abelhas que meditam em Seus pés.’

kaniṣṭha-mūlato vajraṁ
bhakta-pāpādri-bhedanam
pārṣṇi-madhye ’ṅkuśaṁ bhakta
cittebha-vaśa-kāriṇam

‘Na base de Seu dedo menor, encontra-se a marca de um raio, que esmaga as montanhas de reações aos pecados passados de Seus devotos, e, no meio de Seu calcanhar, está a marca de um aguilhão para tanger ele­fantes, que põe sob controle os elefantes da mente de Seus devotos.’

bhoga-sampan-mayaṁ dhatte
yavam aṅguṣṭha-parvaṇi

‘A articulação de Seu dedo grande direito tem a marca da cevada, representando todas as espécies de opulências desfrutáveis.’

“O Skanda Purāṇa também afirma:

vajraṁ vai dakṣiṇe pārśve
aṅkuśo vai tad-agrataḥ

‘O raio se encontra do lado direito de Seu pé direito, e o aguilhão para tanger elefantes, de baixo dele.’

“Os ācāryas da sampradāya vaiṣṇava explicam que, como os pés específicos que estão sob discussão tratam-se dos pés do Senhor Kṛṣṇa, deve­mos entender que o raio está na base de Seu dedo menor e que o aguilhão para tanger elefantes está debaixo do raio. O aguilhão para tanger elefantes que aparece no calcanhar pertence mais ao Senhor Nārāyaṇa e a outras expansões viṣṇu-tattva.

“O Skanda Purāṇa, portanto, descreve seis marcas no pé direi­to de Kṛṣṇa – o disco, a bandeira, o lótus, o raio, o aguilhão para tanger elefantes e a cevada. E o vaiṣṇava-toṣaṇī menciona ainda mais marcas: uma linha vertical que começa no meio do pé e que continua até a juntura entre o dedo grande e o segundo dedo; um guarda-sol debaixo do disco; um grupo de quatro svastikas nos quatro pontos cardeais aparece na base do meio de Seu pé; nos quatro pontos onde cada svastika encontra a outra, há quatro jambos; e no meio das svas­tikas, há um octógono. Isso perfaz um total de onze marcas no pé direito de Kṛṣṇa.”

Śrīla Viśvanātha Cakravartī descreve as marcas no pé esquerdo de Kṛṣṇa da seguinte maneira: “Na base do dedo grande, há um búzio com sua boca voltada para o dedo. Na base do dedo médio, há dois círculos concêntricos, representando os céus interior e exterior. Abai­xo dessa marca, está o arco sem corda de Cupido; na base do arco, há um triângulo; e rodeando o triângulo, um grupo de quatro cântaros. Na base do triângulo, há uma meia-lua com outros dois triângulos tocando suas pontas, e, sob a meia-lua, encontra-se um peixe.

“Todas juntas, então, perfazem um total de dezenove marcas dis­tintivas nas solas dos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa.”

Texto

tais taiḥ padais tat-padavīm
anvicchantyo ’grato ’balāḥ
vadhvāḥ padaiḥ su-pṛktāni
vilokyārtāḥ samabruvan

Sinônimos

taiḥ taiḥ — por essas várias; padaiḥ — pegadas; tat — Seu; padavīm — caminho; anvicchantyaḥ — seguindo; agrataḥ — adiante; abalāḥ — as meninas; vadhvāḥ — de Sua consorte especial; padaiḥ — com as pegadas; supṛktāni — completamente misturadas; vilokya — percebendo; ārtāḥ — aflitas; samabruvan — falaram.

Tradução

As gopīs começaram a seguir a trilha de Kṛṣṇa, como mostravam Suas muitas pegadas, mas, ao verem que essas marcas esta­vam de todo misturadas com as de Sua consorte mais querida, elas se perturbaram e falaram o seguinte.

Texto

kasyāḥ padāni caitāni
yātāyā nanda-sūnunā
aṁsa-nyasta-prakoṣṭhāyāḥ
kareṇoḥ kariṇā yathā

Sinônimos

kasyāḥ — de certa gopī; padāni — as pegadas; ca — também; etāni — estas; yātāyāḥ — que estava indo; nanda-sūnunā — com o filho de Nanda Mahārāja; aṁsa — sobre cujo ombro; nyasta — colocado; prakoṣṭhāyāḥ — Seu antebraço; kareṇoḥ — de uma elefanta; kariṇā — pelo elefante; yathā — como.

Tradução

[As gopīs disseram:] Aqui vemos as pegadas de alguma gopī que certamente andou com o filho de Nanda Mahārāja. Ele deve ter posto Seu braço no ombro dEla, assim como um elefante descansa Sua tromba no ombro de uma elefanta que o acompanha.

Texto

anayārādhito nūnaṁ
bhagavān harir īśvaraḥ
yan no vihāya govindaḥ
prīto yām anayad rahaḥ

Sinônimos

anayā — por Ela; ārādhitaḥ — perfeitamente adorado; nūnam — com certeza; bhagavān — a Personalidade de Deus; hariḥ — o Senhor Kṛṣṇa; īśvaraḥ — o controlador supremo; yat — visto que; naḥ — a nós; vihāya — rejeitando; govindaḥ — o Senhor Govinda; prītaḥ — satisfeito; yām — a quem; anayat — levou; rahaḥ — a um lugar isolado.

Tradução

Com certeza, essa gopī em particular adorou perfeitamente a todo-poderosa Personalidade de Deus, Govinda, pois Ele ficou tão satisfeito com Ela que, abandonando o restante de nós, Ele A levou para um lugar isolado.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī explica que a palavra ārādhitaḥ re­fere-se a Śrīmatī Rādhārāṇī. Ele comenta: “O sábio Śukadeva Go­svāmī tentou a todo custo manter o nome dEla oculto, mas agora ele brilha automaticamente a partir da lua de sua boca. O fato de ele ter dito Seu nome é, na verdade, a misericórdia dEla, e, portanto, a palavra ārādhitaḥ é como o ribombar do timbale tocado para anunciar Sua grande boa fortuna.”

Embora falassem como se tivessem ciúme de Śrīmatī Rādhārāṇī, as gopīs, na verdade, estavam em êxtase por ver que Ela cativara Śrī Kṛṣṇa.

Śrīla Viśvanātha Cakravartī cita a seguinte descrição detalhada das marcas dos pés de Śrīmatī Rādhārāṇī, como apresentou Śrīla Rūpa Gosvāmī em seu Śrī Ujjvala-nīlamaṇi: “Na base do dedo grande de Seu pé esquerdo, encontra-se a marca de uma cevada; sob esta marca, há um disco; sob o disco, um guarda-sol, e sob o guarda-sol, um bracelete. Uma linha vertical estende-se do meio de Seu pé até a juntura de Seu dedo grande com o segundo dedo. Na base do dedo médio, há um lótus; sob este, há uma bandeira com uma flâmula, e sob a bandeira, há uma trepadeira, junto com uma flor. Na base de Seu dedo mínimo, há um aguilhão para tanger elefantes, e sobre Seu calcanhar, uma meia-lua. Há, portanto, onze marcas em Seu pé esquerdo.

“Na base do dedo grande de Seu pé direito, há um búzio, e, debai­xo dele, há uma lança. Na base do dedo mínimo de Seu pé direito, há um altar de sacrifício; debaixo deste, um brinco, e debaixo do brinco, uma lança. Ao longo da base do segundo, terceiro, quarto e quinto dedos, figura a marca de uma montanha; debaixo dela, há uma quadriga, e, no calcanhar, encontra-se um peixe.

“Todas juntas, portanto, perfazem um total de dezenove marcas distintivas nas solas dos pés de lótus de Śrīmatī Rādhārāṇī.”

Texto

dhanyā aho amī ālyo
govindāṅghry-abja-reṇavaḥ
yān brahmeśau ramā devī
dadhur mūrdhny agha-nuttaye

Sinônimos

dhanyāḥ — santificadas; aho — ah!; amī — estas; ālyaḥ — ó gopīs; go­vinda — de Govinda; aṅghri-abja — dos pés semelhantes a lótus; reṇa­vaḥ — as partículas de poeira; yān — que; brahmā — o senhor Brahmā; īśau — e o senhor Śiva; ramā devī — Ramādevī, a esposa do Senhor Viṣṇu; dadhuḥ — colocam; mūrdhni — em suas cabeças; agha — de suas reações pecaminosas; nuttaye — para dissipar.

Tradução

Ó mocinhas! A poeira dos pés de lótus de Govinda é tão sagra­da que até mesmo Brahmā, Śiva e a deusa Ramā colocam essa poeira em suas cabeças para dissipar as reações pecaminosas.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī, citando o śāstra, explica que todos os dias, no fim da tarde, depois que Kṛṣṇa voltava com Seus amigos vaquei­rinhos dos campos de pastagens das vacas, eminentes semideuses como Brahmā e Śiva desciam dos céus e pegavam a poeira de Seus pés.

Grandes personalidades, como a deusa Ramā (esposa de Viṣṇu), Śiva e Brahmā, de modo algum são pecadores. Porém, no êxtase da pura consciência de Kṛṣṇa, eles se sentem caídos e impuros. Portanto, desejando purificarem-se, eles, com muita bem-aventurança, colocam a poeira dos pés de lótus do Senhor sobre suas cabeças.

Texto

tasyā amūni naḥ kṣobhaṁ
kurvanty uccaiḥ padāni yat
yaikāpahṛtya gopīnām
raho bhunkte ’cyutādharam
na lakṣyante padāny atra
tasyā nūnaṁ tṛṇāṅkuraiḥ
khidyat-sujātāṅghri-talām
unninye preyasīṁ priyaḥ

Sinônimos

tasyāḥ — dEla; amūni — estas; naḥ — em nós; kṣobham — agitação; kurvanti — criam; uccaiḥ — excessivamente; padāni — as pegadas; yat — porque; — quem; ekā — sozinha; apahṛtya — sendo levada à parte; gopīnām — de todas as gopīs; rahaḥ — em isolamento; bhuṅkte — Ela desfruta; acyuta — de Kṛṣṇa; adharam — os lábios; na lakṣyante — não são vistos; padāni — os pés; atra — aqui; tasyāḥ — dEla; nūnam — decerto; tṛṇa — pelas folhas de grama; aṅkuraiḥ — e os brotos que crescem; khidyat — sendo machucadas; sujāta — macias; aṅghri — de cujos pés; talām — as solas; unninye — ergueu; preyasīm — Sua amada; priyaḥ — Seu querido Kṛṣṇa.

Tradução

As pegadas desta gopī especial muito nos perturbam. De todas as gopīs, somente Ela foi levada para um lugar isolado, onde está des­frutando dos lábios de Kṛṣṇa. Prestai atenção! Não podemos ver Suas pega­das aqui! Decerto a grama e os brotos estavam machucando as macias solas dos pés dEla, então Seu amante A carregou.

Texto

imāny adhika-magnāni
padāni vahato vadhūm
gopyaḥ paśyata kṛṣṇasya
bhārākrāntasya kāminaḥ
atrāvaropitā kāntā
puṣpa-hetor mahātmanā

Sinônimos

imāni — estas; adhika — muito; magnāni — afundadas; padāni — pegadas; vahataḥ — dEle que estava carregando; vadhūm — Sua consorte; gopyaḥ — ó gopīs; paśyata — vede só; kṛṣṇasya — de Kṛṣṇa; bhāra — pelo peso; ākrāntasya — oprimido; kāminaḥ — luxurioso; atra — neste lugar; avaropitā — colocada no chão; kāntā — a namorada; puṣpa — de (colher) flores; hetoḥ — com o propósito; mahā-ātmanā — pelo inteligentíssimo.

Tradução

Por favor, observai, minhas queridas gopīs, como as pegadas do luxurioso Kṛṣṇa neste lugar estão mais fundas no chão. Car­regar o peso de Sua amada deve ter sido difícil para Ele. E, neste lugar, aquele menino inteligente deve tê-lA colocado no chão para colher algumas flores.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra vadhūm indica que, embora não estivesse casado oficialmente com Rādhārāṇī, Śrī Kṛṣṇa de fato A fizera Sua noiva na flo­resta de Vṛndāvana.

Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, as gopīs usam a pa­lavra kāminaḥ nesta passagem para indicar os seguintes pensamentos: “Nós amamos Śrī Kṛṣṇa de verdade, mas, ainda assim, Ele nos rejei­tou. Portanto, Suas relações secretas com Rādhārāṇī provam que este jovem príncipe de Vraja A levou embora devido à luxúria. Se es­tivesse interessado em amor, Ele nos teria aceitado em lugar daquela vaqueirinha Rādhārāṇī.”

Estes pensamentos revelam a postura das gopīs rivais de Śrīmatī Rādhārāṇī. É claro que as gopīs que são aliadas diretas dEla estavam contentíssimas de ver Sua boa fortuna.

Texto

atra prasūnāvacayaḥ
priyārthe preyasā kṛtaḥ
prapadākramaṇa ete
paśyatāsakale pade

Sinônimos

atra — aqui; prasūna — de flores; avacayaḥ — a colheita; priyā-arthe — para Sua amada; preyasā — pelo amado Kṛṣṇa; kṛtaḥ — feita; prapada — a parte da frente de Seus pés; ākramaṇe — com a pressão; ete — estas; paśyata — vede só; asakale — incompletas; pade — as duas pegadas.

Tradução

Vede só como, neste lugar, o querido Kṛṣṇa colheu flores para Sua amada. Aqui, porque estava na ponta dos pés para alcançar as flores, Ele deixou a impressão apenas da parte da frente de Seus pés.

Texto

keśa-prasādhanaṁ tv atra
kāminyāḥ kāminā kṛtam
tāni cūḍayatā kāntām
upaviṣṭam iha dhruvam

Sinônimos

keśa — do cabelo dEla; prasādhanam — o arranjo decorativo; tu — além disso; atra — aqui; kāminyāḥ — da mocinha luxuriosa; kāminā — pelo rapaz luxurioso; kṛtam — feito; tāni — com estas (flores); cūḍaya­tā — por Ele que estava fazendo uma coroa; kāntām — Sua consorte; upaviṣṭam — sentada; iha — aqui; dhruvam — com certeza.

Tradução

Com certeza, Kṛṣṇa sentou-Se aqui com Sua namorada a fim de arrumar-Lhe os cabelos. O rapaz luxurioso deve ter feito uma coroa para aquela mocinha luxuriosa com as flores que colhera.

Comentário

SIGNIFICADO—Os ācāryas explicam que Śrī Kṛṣṇa queria decorar o cabelo de Rādhārāṇī com as flores silvestres que Ele colhera. Por isso, Eles Se sentaram juntos olhando na mesma direção, com Rādhārāṇī entre os joelhos de Kṛṣṇa, e Kṛṣṇa passou a enfeitar-Lhe os cabelos com flores e a fazer uma coroa de flores para Ela, coroando-A como a deusa da floresta. Assim, o casal de jovens românticos brincava e gracejava juntos em Vṛndāvana.

Texto

reme tayā cātma-rata
ātmārāmo ’py akhaṇḍitaḥ
kāmināṁ darśayan dainyaṁ
strīṇāṁ caiva durātmatām

Sinônimos

reme — Ele desfrutou; tayā — com Ela; ca — e; ātma-rataḥ — Ele que obtém prazer apenas dentro de Si mesmo; ātma-ārāmaḥ — completamen­te autossatisfeito; api — embora; akhaṇḍitaḥ — jamais incompleto; kā­minām — de homens luxuriosos comuns; darśayan — mostrando; dai­nyam — a condição degradada; strīṇām — de mulheres comuns; ca eva — também; durātmatām — a dureza de coração.

Tradução

[Śukadeva Gosvāmī continuou:] O Senhor Kṛṣṇa desfrutou com aquela gopī, embora Ele, sendo autossatisfeito e completo em Si mesmo, desfrute apenas internamente. Dessa maneira, por contraste, Ele mostrou a desventura dos homens luxuriosos comuns e das mulheres duras de coração.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso refuta diretamente a crítica superficial que os materia­listas às vezes dirigem contra os passatempos do Senhor Kṛṣṇa. O filósofo Aristóteles sustentava que as atividades ordinárias não são dignas de Deus, e, com esta ideia em mente, há quem declare que, como as atividades do Senhor Kṛṣṇa assemelham-se às atividades dos seres humanos ordinários, Ele não pode ser a Verdade Absoluta.

Neste verso, contudo, Śukadeva Gosvāmī salienta com toda a ênfase que o Senhor Kṛṣṇa age na plataforma liberada da autossatisfação es­piritual. Este fato é indicado aqui pelos termos ātma-rata, ātmārāma e akhaṇḍita. É inconcebível às pessoas comuns que um rapaz atrativo e uma bela jovem a desfrutarem de românticas aventuras conjugais ao luar da floresta possam estar ocupados em uma atividade pura, livre de desejo egoísta e de luxúria. Ainda assim, embora o Senhor Kṛṣṇa seja inconcebível às pessoas comuns, aqueles que O amam podem com­preender com facilidade a natureza pura e absoluta de Suas atividades.

Talvez alguém argumente que “a beleza está nos olhos de quem a vê” e que, portanto, os devotos de Kṛṣṇa estão apenas imaginando que as atividades do Senhor são puras. Esse argumento ignora muitos fatos significativos. Em primeiro lugar, o caminho da consciência de Kṛṣṇa, ou seja, do desenvolvimento de amor por Kṛṣṇa, exige que um devoto siga à risca quatro princípios reguladores: não ter relação sexual ilícita, não participar de jogos de azar, não se intoxicar e não comer carne, peixes nem ovos. Quando alguém se liberta da luxúria material e eleva-se à plataforma liberada, além do desejo material, ele compreende a beleza absoluta do Senhor Kṛṣṇa. Este processo não é teórico: ele tem sido praticado e concluído por muitos milhares de grandes sábios, que nos deixaram seu brilhante exemplo e seus luminosos ensinamentos sobre o caminho da consciência de Kṛṣṇa.

Sem dúvidas, a beleza está nos olhos de quem vê. Contudo, a ver­dadeira beleza é percebida pelo olho da alma, e não pelo olho luxu­rioso do corpo material. É por isso que a literatura védica enfatiza reiteradas vezes que apenas aqueles que se livraram do desejo material podem ver a beleza do Senhor Kṛṣṇa com o olho da alma pura, un­gido com o amor por Deus. Pode-se observar, por fim, que, ao com­preender os passatempos do Senhor Kṛṣṇa, a pessoa se liberta de todos os traços do desejo sexual, um estado de espírito que dificil­mente resultaria da meditação sobre aventuras sexuais materiais.

Uma nota final: Os passatempos conjugais de Kṛṣṇa constituem a plenitude perfeita de Sua qualificação como a Suprema Verdade Absoluta. O Vedānta afirma que a Verdade Absoluta é a fonte de tudo; logo, o Absoluto decerto não pode carecer de nenhuma das belas coisas deste mundo. É apenas porque as aventuras românticas exis­tem de forma pura e espiritual no Absoluto que elas podem manifestar-se de forma pervertida e material neste mundo. Portanto, a aparente beleza deste mundo não deve ser rejeitada de forma abso­luta; ao contrário, a beleza deve ser aceita em sua forma pura, es­piritual.

Desde o início dos tempos, homens e mulheres têm sido inspirados ao enlevo poético através da arte do romance. Infelizmente, o romance em geral neste mundo leva a um desapontamento esmagador, causado por uma mudança de atitude do coração ou pela morte. Assim, embora possamos considerar os casos românticos como sendo belos e prazerosos no início, eles acabam arruinados pelas investidas da natureza material. Toda­via, não é razoável rejeitar por completo o conceito de romance. Devemos, antes, aceitar a atração conjugal como ela existe em Deus, em sua forma absoluta, pura e perfeita, sem vestígio de luxúria ou egoísmo materiais. Esta atração conjugal pura – a suprema beleza e prazer da Verdade Suprema – é aquilo sobre o que estamos lendo aqui nas páginas do Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

ity evaṁ darśayantyas tāś
cerur gopyo vicetasaḥ
yāṁ gopīm anayat kṛṣṇo
vihāyānyāḥ striyo vane
sā ca mene tadātmānaṁ
variṣṭhaṁ sarva-yoṣitām
hitvā gopīḥ kāma-yānā
mām asau bhajate priyaḥ

Sinônimos

iti — assim; evam — desta maneira; darśayantyaḥ — mostrando; tāḥ — elas; ceruḥ — vagueavam; gopyaḥ — as gopīs; vicetasaḥ — completamente perplexas; yām — que; gopīmgopī; anayat — Ele levou; kṛṣṇaḥ — o Senhor Kṛṣṇa; vihāya — abandonando; anyāḥ — as outras; striyaḥ — mulheres; vane — na floresta; — Ela; ca — também; mene — pensou; tadā — então; ātmānam — Ela mesma; variṣṭham — a melhor; sarva — de todas; yoṣitām — as mulheres; hitvā — rejeitando; gopīḥ — as gopīs; kāma-yānāḥ — que são impelidas pelo desejo luxurioso; mām — a Mim; asau — Ele; bhajate — está aceitando; priyaḥ — o amado.

Tradução

Enquanto vagueavam assim, com suas mentes tomadas de per­plexidade, as gopīs apontavam vários sinais que caracterizavam os passatempos de Kṛṣṇa. A gopī específica que Kṛṣṇa levara para uma floresta isolada, depois de ter abandonado todas as outras jovens, passou a considerar-se a melhor das mulheres. “Meu amado rejeitou todas as outras gopīs”, pensava Ela, “em­bora elas sejam impelidas pelo próprio Cupido. Ele escolheu re­ciprocar Seu amor apenas coMigo.”

Comentário

SIGNIFICADO—Anteriormente, todas as gopīs tinham ficado orgulhosas de sua associação com Kṛṣṇa e, então, de repente, elas perderam Sua companhia. Apenas Rādhārāṇī permaneceu com Ele. Agora, Ela também ficou orgulhosa dessa associação e sofrerá um destino semelhante ao das outras gopīs. O Senhor faz tudo isso para revelar a incomparável devoção das gopīs por Ele, devoção cuja intensidade se manifesta plenamente nos momentos de separação.

Texto

tato gatvā vanoddeśaṁ
dṛptā keśavam abravīt
na pāraye ’haṁ calituṁ
naya māṁ yatra te manaḥ

Sinônimos

tataḥ — então; gatvā — indo; vana — da floresta; uddeśam — a uma região; dṛptā — ficando orgulhosa; keśavam — a Kṛṣṇa; abravīt — Ela disse; na pāraye — sou incapaz; aham — Eu; calitum — de Me mover; naya — leva; mām — a Mim; yatra — aonde; te — Tua; manaḥ — mente.

Tradução

Enquanto o casal de amantes passava por uma parte da flores­ta de Vṛndāvana, a gopī especial começou a sentir-Se orgulho­sa. Ela disse ao Senhor Keśava: “Não posso mais caminhar. Por favor, carrega-Me para onde quiseres ir.”

Texto

evam uktaḥ priyām āha
skandha āruhyatām iti
tataś cāntardadhe kṛṣṇaḥ
sā vadhūr anvatapyata

Sinônimos

evam — assim; uktaḥ — solicitado; priyām — a Sua amada; āha — Ele disse; skandhe — em Meu ombro; āruhyatām — por favor, sobe; iti — estas palavras; tataḥ — então; ca — e; antardadhe — desapareceu; kṛṣṇaḥ — o Senhor Śrī Kṛṣṇa; — Ela; vadhūḥ — Sua consorte; anva­tapyata — sentiu remorso.

Tradução

Assim solicitado, o Senhor Kṛṣṇa respondeu: “Simplesmente sobe em Meu ombro.” Mas logo após dizer isso, Ele desapareceu. Então, Sua amada consorte de imediato sentiu grande remorso.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīmatī Rādhārāṇī estava exibindo o orgulho de uma bela jovem que colocou Seu namorado sob controle. Por isso, Ela disse a Kṛṣṇa: “Por favor, carrega-Me para onde quiseres ir. Não posso mais cami­nhar.” Nesse momento, Śrī Kṛṣṇa desaparece de Sua vista, intensificando cada vez mais o amor extático dEla.

Texto

hā nātha ramaṇa preṣṭha
kvāsi kvāsi mahā-bhuja
dāsyās te kṛpaṇāyā me
sakhe darśaya sannidhim

Sinônimos

— ó; nātha — senhor; ramaṇa — amante; preṣṭha — mais querido; kva asi kva asi — onde estás, onde estás; mahā-bhuja — ó pessoa de braços poderosos; dāsyāḥ — à serva; te — Tua; kṛpaṇāyāḥ — desditosa; me — a Mim; sakhe — ó amigo; darśaya — por favor, mostra; sanni­dhim — Tua presença.

Tradução

Ela gritava: Ó senhor! Meu amante! Ó queridíssimo, onde estás? Onde estás? Por favor, ó pessoa de braços poderosos, ó amigo, revela-Te para Mim, Tua pobre serva!

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura descreve o seguinte como­vente diálogo:

“Rādhā diz: ‘Meu Senhor, estou ardendo no grande incêndio da separação de Ti, e Meu alento vital está prestes a deixar o corpo. Nem mesmo com o maior esforço posso manter a Minha vida. Tu, porém, és o Senhor de Minha vida e, portanto, podes salvar-Me sem demora, apenas olhando para Mim. Por favor, faze isto agora mesmo. Suplico-Te que salves Minha vida, não por Minha causa, mas sim por Tua própria. Depois de abandonar todas as outras gopīs, trouxeste-­Me até um lugar tão distante e isolado na floresta apenas para gozar de um prazer especial coMigo. Se Eu morrer, não encontrarás felicidade conjugal em nenhum outro lugar. Tu Te lembrarás de Mim e, por isso, lamentarás em Teu pesar’.

“Kṛṣṇa responde: ‘Então, que Eu fique infeliz. Que Te interessa isso?’

“‘Mas Tu Me és muito querido. Sentirei Tua infelicidade milhões de vezes mais do que Tu mesmo a sentirás. Mesmo que Eu já tenha morrido, ainda assim não serei capaz de suportar a dor que sentires mesmo em um ponto das unhas de Teus pés de lótus. Na verdade, para impedir semelhante dor, estou pronta para abandonar Minha vida milhões e milhões de vezes. Então, tem a bondade de Te revelar e afasta esta tristeza.’

“‘Mas se o Teu alento vital está prestes a deixar o corpo, o que posso fazer para detê-lo?’

‘“Com o simples toque de Teus braços, que são uma erva medi­cinal com o poder de fazer reviver os mortos, Meu corpo retornará a seu estado saudável e normal, e Meu alento vital voltará automatica­mente e permanecerá em Meu corpo.’

“‘Mas conheces o caminho da floresta sem Minha ajuda, então por que diriges ordens a Mim, que sou o filho do rei e um rapaz muito gentil e respeitável? Por que ordenaste: ‘Carrega-Me para onde quiseres’? Por que Me irritas dessa maneira?’

“Rādhā chora: ‘Por favor, revela-Te para Tua desditosa serva. Tem misericórdia de Mim! Tem misericórdia! Quando Te dei aquela ordem, estava dominada pelo sono. Estava muito cansada por ter-Me divertido muito conTigo. Portanto, por favor, perdoa o que disse Tua pobre serva. Por favor, não fiques zangado. Foi só porque Me trataste como uma amiga tão íntima, embora Eu seja indigna, que falei conTigo daquela maneira.’

“‘Muito bem, Meu amor, estou muito satisfeito conTigo. Aproxi­ma-Te, pois, de Mim!’

“‘Mas fiquei cega devido à lamentação. Não consigo ver onde estás. Por favor, dize-Me onde estás.’”

Texto

śrī-śuka uvāca
anvicchantyo bhagavato
mārgaṁ gopyo ’vidūritaḥ
dadṛśuḥ priya-viśleṣān
mohitāṁ duḥkhitāṁ sakhīm

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; anvicchantyaḥ — procurando; bhagavataḥ — da Suprema Personalidade de Deus; mār­gam — a trilha; gopyaḥ — as gopīs; avidūritaḥ — não longe dali; da­dṛśuḥ — viram; priya — do amado dEla; viśleṣāt — por causa da separação; mohitām — perplexa; duḥkhitām — infeliz; sakhīm — sua amiga.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Enquanto continuavam a procurar a trilha de Kṛṣṇa, as gopīs descobriram ali perto sua infeliz amiga. Ela estava perplexa devido à separação de Seu amante.

Texto

tayā kathitam ākarṇya
māna-prāptiṁ ca mādhavāt
avamānaṁ ca daurātmyād
vismayaṁ paramaṁ yayuḥ

Sinônimos

tayā — por Ela; kathitam — o que foi relatado; ākarṇya — ouvindo; māna — de respeito; prāptim — o recebimento; ca — e; mādhavāt — do Senhor Kṛṣṇa; avamānam — a desonra; ca — também; daurātmyāt — por causa da inconveniência dEla; vismayam — atendimento; para­mam — supremo; yayuḥ — experimentaram.

Tradução

Ela lhes contou como Mādhava Lhe oferecera muito respeito, mas como, em seguida, Ela fora desonrada por causa de Seu mau com­portamento. As gopīs ficaram extremamente atônitas ao ouvirem isso.

Comentário

SIGNIFICADO—Era natural que Rādhārāṇī pedisse que Kṛṣṇa A carregasse, pois esse pedido estava de acordo com a atitude amorosa do relaciona­mento dEles. Com muita humildade, porém, Ela descreve que Seu comportamento foi malicioso. Ouvindo sobre esses aconteci­mentos, as outras gopīs ficaram atônitas.

Texto

tato ’viśan vanaṁ candra
jyotsnā yāvad vibhāvyate
tamaḥ praviṣṭam ālakṣya
tato nivavṛtuḥ striyaḥ

Sinônimos

tataḥ — então; aviśan — entraram; vanam — na floresta; candra — da lua; jyotsnā — a luz; yāvat — tão longe; vibhāvyate — quanto era vi­sível; tamaḥ — escuridão; praviṣṭam — entraram; ālakṣya — notando; tataḥ — então; nivavṛtuḥ — desistiram; striyaḥ — as mulheres.

Tradução

Em busca de Kṛṣṇa, as gopīs então entraram nas profundezas da floresta tão longe quanto alcançava a luz do luar. Mas quando se viram mergulhadas nas trevas, decidiram voltar.

Comentário

SIGNIFICADO—As gopīs entraram em uma região da floresta tão densa que nem a luz da lua cheia podia penetrá-la. Esta cena também é descrita no Viṣṇu Purāṇa:

praviṣṭo gahanaṁ kṛṣṇaḥ
padam atra na lakṣyate
nivartadhvaṁ śaśāṅkasya
naitad dīdhiti-gocaraḥ

“Uma gopī disse: ‘Kṛṣṇa entrou em uma região tão escura da floresta que não podemos ver nem mesmo Suas pegadas. Portanto, melhor deixarmos este local para onde nem o luar consegue vir.’”

Texto

tan-manaskās tad-alāpās
tad-viceṣṭās tad-ātmikāḥ
tad-guṇān eva gāyantyo
nātmagārāṇi sasmaruḥ

Sinônimos

tat-manaskāḥ — as mentes delas cheias de pensamentos sobre Ele; tat-ālāpāḥ — conversando sobre Ele; tat-viceṣṭāḥ — imitando Suas atividades; tat-ātmikāḥ — plenas de Sua presença; tat-guṇān — sobre Suas qualidades; eva — simplesmente; gāyantyaḥ — cantando; na — não; ātma — delas próprias; āgārāṇi — lares; sasmaruḥ — lembraram.

Tradução

Com suas mentes absortas em pensar nEle, elas conversavam sobre Ele, encenavam Seus passatempos e sentiam-se tomadas por Sua presença. Enquanto cantavam bem alto as glórias das qualidades transcendentais de Kṛṣṇa, elas se esqueceram por com­pleto de seus lares.

Comentário

SIGNIFICADO—Na verdade, não há separação de Kṛṣṇa para os devotos puros do Senhor. Embora parecessem abandonadas por Kṛṣṇa, as gopīs estavam de fato fortemente unidas a Ele mediante o processo espiritual de śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ, ouvir e cantar as glórias do Senhor.

Texto

punaḥ pulinam āgatya
kālindyāḥ kṛṣṇa-bhāvanāḥ
samavetā jaguḥ kṛṣṇaṁ
tad-āgamana-kāṅkṣitāḥ

Sinônimos

punaḥ — de novo; pulinam — à margem; āgatya — chegando; kālin­dyāḥ — do rio Yamunā; kṛṣṇa-bhāvanāḥ — meditando em Kṛṣṇa; sa­mavetāḥ — todas juntas; jaguḥ — cantavam; kṛṣṇam — sobre Kṛṣṇa; tat­āgamana — Sua chegada; kāṅkṣitāḥ — desejavam ardentemente.

Tradução

As gopīs retornaram à margem do Kālindī. Meditando em Kṛṣṇa e esperando avidamente Sua chegada, elas se sentaram juntas para cantar sobre Ele.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma na Kaṭha Upaniṣad (1.2.23), yam evaiṣa vṛṇute tena labhyaḥ: “A Superalma pode ser compreendida por aquele que Ela escolher.” Dessa maneira, as gopīs fervorosamente oram a fim de que Kṛṣṇa volte para elas.

Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humil­des servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhu­pāda referentes ao décimo canto, trigésimo capítulo, do Śrīmad­-Bhāgavatam, intitulado: “As Gopīs Procuram por Kṛṣṇa”.