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A Propriedade dos Empobrecidos

namo ’kiñcana-vittāya
nivṛtta-guṇa-vṛttaye
ātmārāmāya śāntāya
kaivalya-pataye namaḥ

Minhas reverências são para Ti, aquele que é a propriedade dos materialmente empobrecidos e que não possui qualquer ligação com as ações e reações dos modos materiais da natureza. Tu és autossatisfeito, o mais amável e também o mestre dos monistas.

Um ser vivo sente-se acabado logo que não haja nada para possuir. Portanto, o ser vivo não pode ser, no verdadeiro sentido do termo, um renunciante. Renuncia-se a algo para ganhar algo mais valioso, O estudante sacrifica suas tendências infantis para obter melhor educação. Um servo abandona seu trabalho por um trabalho melhor. De modo semelhante, um devoto não renuncia ao mundo material a troco de nada, mas por algo de valor espiritual tangível. Śrīla Rūpa Gosvāmī, Sanātana Gosvāmī, Śrīla Raghunātha Dāsa Gosvāmī e outros abandonaram sua pompa e prosperidade mundanas por causa do serviço ao Senhor. Eles eram grandes homens, no sentido mundano. Os Gosvāmīs eram ministros a serviço do governo da Bengala, e Śrīla Raghunātha Dāsa Gosvāmī era o filho de um grande zamīndār daquela época. Mas eles deixaram tudo para ganhar algo superior aquilo que possuíam anteriormente. Os devotos geralmente não têm prosperidade material, mas têm um tesouro secreto aos pés de lótus do Senhor. Há uma bela história sobre Śrīla Sanātana Gosvāmī. Ele tinha consigo uma pedra filosofal e a deixou num monte de lixo. Um homem necessitado a pegou, mas depois se maravilhou por que uma pedra filosofal fosse mantida em lugar tão desprezível. Pediu, então, a Sanātana Gosvāmī a coisa mais valiosa e recebeu o santo nome do Senhor. Akiñcana significa “aquele que não tem nada para dar materialmente”. Um devoto verdadeiro, ou mahātmā, não tem nada de material a oferecer a alguém, porque já deixou todos os bens materiais. Ele pode, contudo, dar o bem supremo, a saber, a Personalidade de Deus, porque o Senhor é a única propriedade de um devoto verdadeiro. A pedra filosofal de Sanātana Gosvāmī, que havia sido atirada ao lixo, não era propriedade do Gosvāmī, caso contrário não teria sido mantida em tal lugar. Este exemplo específico é dado para os devotos neófitos, apenas para convencê-los de que os anseios materiais e o avanço espiritual não se combinam bem. A menos que alguém seja capaz de ver tudo como espiritual, em relação com o Senhor Supremo, deve sempre distinguir entre matéria e espírito. Um mestre espiritual como Śrīla Sanātana Gosvāmī, embora pessoalmente capaz de ver tudo espiritualmente, estabeleceu este exemplo para nós, porque não temos essa visão espiritual.

O progresso da visão ou da civilização material é um grande obstáculo para o avanço espiritual. Esse avanço material enreda o ser vivo no cativeiro do corpo material, o qual é seguido de todos os tipos de misérias. Tal avanço material é chamado anartha, ou coisa indesejável. De fato, isso é assim. No atual contexto do progresso material as mulheres usam batom ao preço de meio dólar, e há muitas outras coisas indesejáveis que são produto da concepção material de vida. Por desviar a atenção para tantas coisas indesejáveis, a energia humana é desperdiçada, sem ser adquirida a compreensão espiritual, a necessidade primordial da vida humana. A tentativa de alcançar a Lua é outro exemplo de desperdício de energia, porque, mesmo que a Lua seja alcançada, os problemas da vida não serão resolvidos. Os devotos do Senhor são chamados akiñcana, porque eles praticamente não têm bens materiais. Tais bens materiais são todos produtos dos três modos da natureza material. Eles embotam a energia espiritual, e assim, quanto menos possuamos tais produtos, tanto melhor será a oportunidade para o progresso espiritual.

A Suprema Personalidade de Deus não tem ligação direta com as atividades materiais, todos os Seus atos e feitos, mesmo os exibidos neste mundo material, são espirituais e não são afetados pelos modos da natureza material. Na Bhagavad-gītā, o Senhor diz que todos os Seus atos, mesmo Seu aparecimento e desaparecimento dentro e fora do mundo material, são transcendentais, e aquele que os conhece perfeitamente não nascerá novamente neste mundo material, mas voltará ao Supremo.

A doença material se deve ao anseio por dominar a natureza material. Esse anseio deve-se a uma interação dos três modos da natureza, e nem o Senhor nem os devotos têm apego a esse falso desfrute. Portanto, o Senhor e os devotos são chamados nivṛtta-guṇa-vṛtti. O perfeito nivṛtta-guṇa-vṛtti é o Senhor Supremo, porque Ele nunca é atraído pelos modos da natureza material, ao passo que os seres vivos têm essa tendência. Alguns deles caem na armadilha dessa atração ilusória.

Porque o Senhor é propriedade dos devotos, e os devotos são propriedade do Senhor, os devotos são certamente transcendentais aos modos da natureza material. Esta é uma conclusão natural. Tais devotos imaculados são distintos dos devotos mistos, que se aproximam do Senhor para a mitigação da pobreza e das misérias ou por causa da curiosidade e da especulação. Os devotos imaculados e o Senhor são transcendentalmente apegados. Para os outros, o Senhor não tem nada a reciprocar, e, portanto, Ele Se chama ātmārāma, autossatisfeito. Autossatisfeito como é, Ele é o mestre de todos os monistas que procuram fundir-se na existência do Senhor. Tais monistas mergulham na refulgência pessoal do Senhor, chamada brahmajyoti, mas os devotos entram em Seus passatempos transcendentais, que nunca devem ser equivocadamente entendidos como materiais.

Estar empobrecido materialmente é a primeira qualificação do devoto. Quem não possui nada neste mundo material, mas que só tem a Kṛṣṇa, é chamado de akiñcana. A palavra akiñcana significa “aquele que perdeu todas as posses materiais”. Enquanto mantivermos mesmo um pouco do conceito de que podemos nos tornar felizes, materialmente falando, de uma ou outra maneira teremos de aceitar outro corpo material. A natureza é tão bondosa que, de acordo com nossas tendências de desfrutar este mundo material, ela nos dará um corpo adequado, sob a supervisão do Senhor. Porque o Senhor está situado no coração de todos, Ele sabe de tudo. Por conseguinte, sabendo que ainda desejamos algo material, Ele nos dá outro corpo material: “Sim, pegue-o”. Kṛṣṇa deseja que tenhamos experiência completa, para que compreendamos que, através do lucro material, a felicidade nunca será alcançada. Esse é o desejo de Kṛṣṇa.

Devido ao fato de sermos partes integrantes de Kṛṣṇa, que possui liberdade total, nós também temos liberdade, ainda que em quantidade bem pequena. Embora a quantidade de sal contida numa gota d’água do mar não seja comparável à quantidade de sal que existe no oceano, a composição química, tanto da gota como do oceano, é a mesma. De forma semelhante, tudo o que temos em quantidade diminuta existe em Kṛṣṇa em sua totalidade (janmādy asya yataḥ). Por exemplo: temos a propensão de roubar, tirar coisas que pertencem a outros. Por quê? Porque Kṛṣṇa tem a mesma propensão. A menos que a propensão para roubar esteja presente na Verdade Absoluta, como poderia estar presente em nós? Kṛṣṇa é conhecido como “o ladrão de manteiga”. Mas o roubar de Kṛṣṇa e o nosso são diferentes. Porque estamos contaminados materialmente, nosso roubar é abominável, ao passo que, na plataforma absoluta, espiritual, o mesmo roubar é tão delicioso que chega a ser desfrutável. Mãe Yaśodā, portanto, desfruta as atividades de Kṛṣṇa como ladrão. Esta é a diferença entre material e espiritual.

Quaisquer atividades que sejam espirituais são plenamente boas, enquanto as atividades materiais são totalmente más. Esta é a diferença entre material e espiritual. A assim chamada moralidade e bondade deste mundo material são totalmente más, ao passo que, no mundo espiritual, mesmo a assim chamada imoralidade é boa. Isto nós temos que compreender. Por exemplo: dançar com as esposas de outros durante a madrugada é imoral, pelo menos de acordo com a civilização védica. Mesmo hoje em dia, na Índia, nunca será permitido a uma jovem encontrar-se com um rapaz de madrugada para dançar. Mas encontraremos no Śrīmad-Bhāgavatam que assim que as gopīs, as jovens vaqueirinhas de Vṛndāvana, ouviram a flauta de Kṛṣṇa, foram imediatamente dançar com Ele. De acordo com os conceitos materiais, isso é imoral, mas, do ponto de vista espiritual, está de acordo com a moralidade mais elevada. Caitanya Mahāprabhu disse, portanto, ramyā kācid upāsanā vraja-vadhū-vargeṇa yā kalpitā: “Oh! Não existe melhor método de adoração do que aquele concebido pelas vraja-vadhūs, as donzelas de Vṛndāvana”. Depois de ter aceitado a ordem renunciada da vida, Caitanya Mahāprabhu abandonou estritamente a associação com mulheres. Mesmo durante Sua vida familiar, nunca fez brincadeiras com mulheres. Ele era muito brincalhão, mas só com os homens, não com as mulheres. Uma vez Ele disse algumas palavras brincalhonas à Sua esposa, Viṣṇupriyā. Quando Śacīmātā, a mãe do Senhor Caitanya, estava procurando uma coisa, Ele disse, de brincadeira: “Talvez sua nora tenha pegado”. Mas, em toda Sua vida essas são as suas únicas palavras brincalhonas que encontramos em relação às mulheres. Ele era muito estrito. Depois de ter aceitado sannyāsa, a ordem renunciada, nenhuma mulher podia aproximar-se dEle, nem para oferecer reverências; ao contrário, elas o faziam de um lugar afastado. Apesar disso, Caitanya Mahāprabhu disse, ramyā kācid upāsanā vraja-vadhū-vargeṇa yā kalpitā: “Não há melhor forma de adoração além daquela concebida pelas donzelas de Vṛndāvana”. E qual era o conceito delas? Elas desejavam amar Kṛṣṇa, a qualquer risco. E isto nunca é imoral.

Qualquer coisa que esteja relacionada com Kṛṣṇa nunca é imoral. Para dar outro exemplo, o Senhor Kṛṣṇa, em Seu advento como Nṛsiṁhadeva, matou Hiraṇyakaśipu, o pai de Prahlāda Mahārāja, enquanto este observava sem protestar. Isto é moral? Quem gostaria de ver o próprio pai sendo morto? Quem ficaria ali sem protestar? Ninguém aprovaria esse comportamento nem o consideraria moral. Apesar disso, esse fato ocorreu realmente. Não só isto, mas Prahlāda Mahārāja ainda fez uma guirlanda para pôr no pescoço do matador. “Meu querido Senhor Matador”, ele disse, “por favor, aceite esta guirlanda. O Senhor matou meu pai, e o Senhor é muito bondoso”. Isto tem que ser entendido espiritualmente. Se o pai de alguém está sendo atacado, e não se pode protegê-lo, deve-se protestar e pedir socorro a outros. Mas porque o pai de Prahlāda Mahārāja foi morto por Kṛṣṇa, na forma do Senhor Nṛsiṁhadeva, Prahlāda Mahārāja ainda preparou uma guirlanda para o matador. Depois de seu pai ter sido morto, Prahlāda disse a Nṛsiṁhadeva: “Meu querido Senhor, agora que meu pai foi morto, todos estão felizes. Então, por favor, não fique mais zangado”.

Um sādhu, uma pessoa santa, nunca aprovaria o ato de matar, nem mesmo o de matar um animal, mas Prahlāda Mahārāja disse, modeta sādhur api vṛścika-sarpa-hatyā: “Mesmo uma pessoa santa fica satisfeita quando se mata um escorpião ou uma cobra”. Um escorpião, ou uma cobra, também é uma entidade viva, e um sādhu nunca fica satisfeito vendo outra entidade viva sendo morta. Mas Prahlāda Mahārāja disse: “Mesmo um sādhu fica satisfeito quando uma cobra ou um escorpião é morto. Meu pai era como um escorpião ou uma cobra e agora que foi morto, todos estão felizes”. Hiraṇyakaśipu era um demônio muito perigoso, que criava problemas para os devotos, e quando um demônio assim é morto, mesmo as pessoas santas ficam satisfeitas, embora, normalmente, não gostem de ver ninguém sendo morto. Por conseguinte, embora possa parecer que o Senhor Kṛṣṇa ou Prahlāda Mahārāja tenham agido de forma imoral, eles, na verdade, agiram de acordo com a moralidade mais elevada.

Kṛṣṇa é akiñcana-vitta, o único consolo para aquele que perdeu todas as coisas materiais. No Caitanya-caritāmṛta, o Senhor Kṛṣṇa diz: “Se alguém deseja Me alcançar e, ao mesmo tempo, anseia pela prosperidade material, ele é um tolo”. Kṛṣṇa é tão bondoso que, se alguém anseia pela prosperidade material, mas, ao mesmo tempo, deseja tornar-se um devoto, Kṛṣṇa faz dele um fracasso na vida material. Por isso, as pessoas têm muito medo de aderir à consciência de Kṛṣṇa. “Oh!”, elas pensam, “minha prosperidade material terminará”.

De modo geral, as pessoas vão a uma igreja ou um templo e oram a Deus pela prosperidade material: “Ó Deus, dê-nos o pão de cada dia”. Mas embora elas estejam se aproximando de Deus para obter prosperidade material – “Dê-me isto. Dê-me aquilo” – ainda assim são consideradas piedosas, porque se aproximam de Deus, algo que os ateístas não fazem. “Por que deveria eu aproximar-me de Deus?” O ateísta diz: “Eu criarei minha própria riqueza, e através do avanço da ciência serei feliz”. Aquele que considera que “para minha prosperidade devo depender apenas de minha força e de meu conhecimento” é um duṣkṛtī, muito pecaminoso, mas aquele que pensa “minha prosperidade depende da misericórdia de Deus” é piedoso.

É um fato que não podemos obter nada sem a sanção de Deus. Tāvat tanur idaṁ tanūpekṣitānām. Já descobrimos muitos métodos para evitar as misérias, mas, se Deus não sancionar a liberdade de tais misérias, todos nossos métodos falharão. Um homem doente, por exemplo, pode ter muitos bons remédios e um ótimo médico. Mas, se perguntarmos ao médico “Você garante a vida de seu paciente”, o doutor sempre dirá: “Não, isto eu não posso fazer. Farei o melhor que puder. Só isto”. Um médico inteligente sabe que “a sanção última está nas mãos de Deus. Eu sou apenas um instrumento. Se Deus não desejar que meu paciente viva, todos os meus remédios e todo o meu conhecimento científico falharão”.

A sanção última, portanto, é de Kṛṣṇa. Os tolos não sabem disso, daí serem chamados de mūḍhas, ignorantes. Eles não sabem que, embora o que estejam fazendo possa ser muito bom, no final tudo falhará se Deus, Kṛṣṇa, não der autorização. Por outro lado, o devoto sabe que “com toda a inteligência que tenho posso tentar ser feliz, mas, sem a sanção de Kṛṣṇa, nunca conseguirei”. Esta é a distinção entre um devoto e um não-devoto.

Como foi mencionado antes, Kṛṣṇa diz: “Aquele que tenta se aproximar e tornar-se consciente de Mim e que, ao mesmo tempo, deseja ser feliz materialmente, não é muito inteligente. Ele está perdendo seu tempo”. Nossa preocupação principal deve ser tornarmo-nos conscientes de Kṛṣṇa. Este é o principal objetivo da vida humana. Se desperdiçamos nosso tempo, tentando melhorar nossas condições materiais, e nos esquecemos de cantar Hare Kṛṣṇa, isto será uma grande perda. Portanto, Kṛṣṇa diz, āmi—vijña, ei mūrkhe ‘viṣaya’ kena dibā. (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 22.39) Em outras palavras: “Um patife pode Me pedir alguma prosperidade material, em recompensa pelo serviço devocional prestado. Mas por qual motivo Eu deveria lhe dar prosperidade material? Ao contrário, tudo que ele tiver Eu vou levar embora”.

Quando nossas qualificações materiais são levadas embora, ficamos muito tristes. Mas esse é o teste. Isto foi declarado pelo próprio Kṛṣṇa a Yudhiṣṭhira Mahārāja. Yudhiṣṭhira Mahārāja perguntou a Kṛṣṇa: “Nós dependemos completamente de Você, mas, ainda assim, estamos sofrendo muito materialmente. Nosso reino foi roubado, nossa esposa insultada e nossos inimigos tentaram nos incendiar em nossa própria casa. Como pode ser isto?” E Kṛṣṇa respondeu, yasyāham anugṛhṇāmi hariṣye tad-dhanaṁ śanaiḥ: “Sim, esta é Minha primeira providência. Quando Me sinto especialmente inclinado para alguém, Eu acabo com todas as suas fontes de renda e o ponho em grandes dificuldades”. Dessa maneira, Kṛṣṇa é muito perigoso.

Eu tenho experiência concreta em relação a isto. Não desejo contar a história toda, mas é um fato que recebi o favor especial de Kṛṣṇa dessa forma. Quando eu tinha vinte e cinco anos, meu Guru Mahārāja, meu mestre espiritual, ordenou-me que saísse para pregar. Mas pensei: “Primeiro devo me tornar um homem rico e depois usarei o dinheiro para financiar as atividades de pregação”. Eu tinha boas oportunidades de me tornar um homem de negócios muito rico. Um astrólogo chegou a me dizer que eu me tornaria o homem mais rico de toda a Índia. Havia ótimas chances. Eu era o dono de uma grande fábrica de produtos químicos, abri meu próprio laboratório, e o negócio tinha muito sucesso. Por fim, no entanto, tudo foi à falência, e, desta maneira, fui forçado a cumprir as ordens de meu Guru Mahārāja. Quando todos os meus bens materiais foram tirados, eu me aproximei de Kṛṣṇa, dizendo: “O Senhor é meu único abrigo”. Por conseguinte, Kṛṣṇa é akiñcana-vitta, a propriedade dos empobrecidos materialmente. Quando alguém está desprovido de todas as opulências materiais, se volta para Kṛṣṇa. E agora compreendo que não perdi nada; na verdade, ganhei muito.

Então, perder opulências materiais pelo bem de Kṛṣṇa não é uma perda. Ao contrário, é o maior lucro. Quando uma pessoa se torna akiñcana, não possuindo nada, Kṛṣṇa Se transforma em sua única riqueza. Expressando essa compreensão, Narottama Dāsa Ṭhākura diz:

hā hā prabhu nanda-suta    vṛṣabhānu-sutā-yuta
karuṇā karaha ei-bāra
narottama dāsa kahe na ṭheliyā raṅga-pāya
tumi vinā ke āche āmāra

“Kṛṣṇa, além do Senhor não tenho nada. Não possuo nada. O Senhor é tudo que tenho. Por favor, não me abandone”.

Esta posição é muito boa. Quem não depende de nada material, mas só depende de Kṛṣṇa, alcançou uma posição de primeira classe na consciência de Kṛṣṇa. Por isso, Kṛṣṇa é chamado de akiñcana-vitta. “Quando alguém fica empobrecido materialmente, o Senhor é a única riqueza”. Namo ’kiñcana-vittāya nivṛtta-guṇa-vṛttaye. “Quem O aceita como sua única riqueza, se liberta imediatamente das atividades da natureza material”. Em outras palavras, por se aceitar Kṛṣṇa dessa maneira, atinge-se a posição transcendental do Absoluto. Nesse momento a pessoa fica feliz com Kṛṣṇa. “Kṛṣṇa, o Senhor é feliz em Si mesmo, e quem se entrega ao Senhor fica igualmente feliz”. Não existe diferença entre o corpo de Kṛṣṇa e o próprio Kṛṣṇa. Ele é inteiramente o Eu, inteiramente espírito. Nós, por outro lado, possuímos um corpo que é diferente de nós mesmos. Eu sou um ser, mas possuo um corpo material. No entanto, quando dependermos de Kṛṣṇa de verdade, que é completamente autossatisfeito, nós também ficaremos autossatisfeitos como Kṛṣṇa.

Kaivalya-pataye namaḥ. Os filósofos māyāvādīs, os monistas, desejam tornar-se unos com o Supremo. O Supremo é autossatisfeito, e eles também querem ficar autossatisfeitos, tornando-se unos com o Supremo. Nossa filosofia da consciência de Kṛṣṇa é a mesma, mas, em vez de nos tornarmos unos com Kṛṣṇa, nós dependemos de Kṛṣṇa. Isto é verdadeira unidade. Se simplesmente concordarmos em obedecer às ordens de Kṛṣṇa, e não discordarmos dEle, estaremos situados na verdadeira unidade.

Os filósofos māyāvādīs pensam: “Por que deveria eu manter minha existência separada individualmente? Devo fundir-me no Supremo”. Isso, porém, não é possível. Desde o início, somos partes separadas de Kṛṣṇa. Por isso, Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā: “Meu querido Arjuna, você deve compreender que Eu, você e todas as pessoas reunidas aqui neste campo de batalha, fomos sempre indivíduos no passado, somos indivíduos no presente e continuaremos a ser indivíduos no futuro”.

Nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām. Kṛṣṇa é o nitya supremo, a força viva suprema entre as inumeráveis forças vivas. Nós, entidades vivas (jīva), somos inumeráveis (ananta); não podemos ser contados. Da mesma forma, Kṛṣṇa também é uma entidade viva, mas Ele é a principal, a entidade viva suprema. Esta é a diferença. Um líder pode ter muitos seguidores. De forma similar, Kṛṣṇa, a entidade viva suprema, é o líder supremo, e nós somos subordinados, entidades vivas dependentes.

Que somos dependentes não é um fato difícil de ser compreendido. Caso Kṛṣṇa não nos alimente, nós jejuaremos, porque, independentemente, não podemos produzir nada. Eko bahūnāṁ yo vidadhāti kāmān: Kṛṣṇa está mantendo tudo, e nós estamos sendo mantidos. Por conseguinte, Kṛṣṇa é o verdadeiro predominador, e nós deveríamos desejar ser predominados. Esta é a nossa posição constitucional natural. Se desejarmos ser os predominadores deste mundo material, ficaremos iludidos. Devemos abandonar essa ilusão e sempre tentar ser predominados por Kṛṣṇa. Assim, nossa vida será bem-sucedida.