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CAPÍTULO DOZE

Serviço Devocional

Texto

arjuna uvāca
evaṁ satata-yuktā ye
bhaktās tvāṁ paryupāsate
ye cāpy akṣaram avyaktaṁ
teṣāṁ ke yoga-vittamāḥ

Sinônimos

arjunaḥ uvāca — Arjuna disse; evam — assim; satata — sempre; yuktāḥ — ocupados; ye — aqueles que; bhaktāḥ — devotos; tvām — Você; paryupāsate — adoram devidamente; ye — aqueles que; ca — também; api — de novo; akṣaram — além dos sentidos; avyaktam — o imanifesto; teṣām — deles; ke — quem; yoga-vit-tamāḥ — os mais perfeitos em conhecimento de yoga.

Tradução

Arjuna perguntou: Quais são considerados os mais perfeitos, aqueles que sempre estão devidamente ocupados em Seu serviço devocional, ou aqueles que adoram o Brahman impessoal, o imanifesto?

Comentário

Kṛṣṇa acabou de explicar o aspecto pessoal, impessoal e universal e descreveu todas as espécies de devotos e yogīs. Em geral, podem-se dividir os transcendentalistas em duas classes. Uma classe são os impersonalistas, e a outra, os personalistas. O devoto personalista ocupa-se com toda a energia no serviço do Senhor Supremo. O impersonalista também se ocupa, não diretamente no serviço de Kṛṣṇa, mas em meditar no Brahman impessoal, o imanifesto.

Neste capítulo, veremos que a bhakti-yoga, ou o serviço devocional, é o mais elevado dos diferentes processos para se compreender a Verdade Absoluta. Se alguém acaso deseja ter associação com a Suprema Personalidade de Deus, então, deve adotar o serviço devocional.

Aqueles que adoram o Senhor Supremo diretamente por meio do serviço devocional chamam-se personalistas. Aqueles que se ocupam em meditar no Brahman impessoal chamam-se impersonalistas. Neste ponto, Arjuna pergunta qual é a melhor posição. Há diferentes maneiras de entender a Verdade Absoluta, mas Kṛṣṇa indica neste capítulo que bhakti-yoga, ou o serviço devocional a Ele, é a mais elevada de todas. Além de ser o mais direto, é também o meio mais fácil de associação com a Divindade.

No Segundo Capítulo do Bhagavad-gītā, o Senhor Supremo explicou que o ser vivo não é o corpo material, mas uma centelha espiritual. E a Verdade Absoluta é o todo espiritual. No Sétimo Capítulo, Ele falou que o ser vivo é parte integrante do todo supremo e recomendou que ele transferisse completamente sua atenção para o todo. E no Oitavo Capítulo foi dito que, se no momento de deixar o corpo, pensa-se em Kṛṣṇa, de imediato haverá a transferência para o céu espiritual, para a morada de Kṛṣṇa. E no final do Sexto Capítulo, o Senhor foi bem claro ao falar que, de todos os yogīs, aquele que sempre pensa em Kṛṣṇa dentro de si é considerado o mais perfeito. Logo, praticamente em cada capítulo a conclusão é que devemos nos apegar à forma pessoal de Kṛṣṇa, pois esta é a mais elevada realização espiritual.

Contudo, há aqueles que não estão apegados à forma pessoal de Kṛṣṇa. Eles são tão firmes em seu desapego que, mesmo ao prepararem seus comentários ao Bhagavad-gītā, querem que os outros se afastem de Kṛṣṇa e transfiram toda a sua devoção para o brahmajyoti impessoal. Eles preferem meditar na forma impessoal da Verdade Absoluta, que está além do alcance dos sentidos e é imanifesta.

E assim, de fato, há duas classes de transcendentalistas. Agora Arjuna está querendo que se resolva essa questão: qual é o processo mais fácil e qual das classes é mais perfeita. Em outras palavras, ele está deixando clara sua própria posição porque está apegado à forma pessoal de Kṛṣṇa. Ele não está apegado ao Brahman impessoal e quer saber se sua posição é segura. A manifestação impessoal, seja neste mundo material, seja no mundo espiritual, dificulta a meditação. Na verdade, ninguém pode conceber perfeitamente o aspecto impessoal da Verdade Absoluta. Portanto, Arjuna está tentando dizer: “De que adianta tanta perda de tempo?” No Décimo Primeiro Capítulo, Arjuna teve a experiência de que é melhor apegar-se à forma pessoal de Kṛṣṇa, pois ele pôde assim entender todas as outras formas ao mesmo tempo, e não houve nenhum distúrbio sequer em seu amor por Kṛṣṇa. Esta pergunta importante que Arjuna fez a Kṛṣṇa esclarecerá a distinção entre as concepções impessoal e pessoal sobre a Verdade Absoluta.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
mayy āveśya mano ye māṁ
nitya-yuktā upāsate
śraddhayā parayopetās
te me yukta-tamā matāḥ

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; mayi — em Mim; āveśya — fixando; manaḥ — a mente; ye — aqueles que; mām — a Mim; nitya — sempre; yuktāḥ — ocupados; upāsate — adoram; śraddhayā — com fé; parayā — transcendental; upetāḥ — dotados; te — eles; me — por Mim; yukta-tamāḥ — muito perfeitos em yoga; matāḥ — são considerados.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Aqueles que fixam suas mentes na Minha forma pessoal e sempre se ocupam em Me adorar com uma fé forte e transcendental, são considerados por Mim como os mais perfeitos.

Comentário

Em resposta à pergunta de Arjuna, Kṛṣṇa diz claramente que aquele que se concentra em Sua forma pessoal e que O adora com fé e devoção deve ser considerado o mais perfeito em yoga. Quem está nessa consciência de Kṛṣṇa desconhece atividades materiais, porque tudo o que se faz é para Kṛṣṇa. O devoto puro está sempre ocupado. Às vezes ele canta, às vezes ouve ou lê livros sobre Kṛṣṇa, ou às vezes cozinha prasādam ou vai ao mercado para comprar algo para Kṛṣṇa, ou às vezes lava o templo ou as panelas — tudo o que faz, ele não deixa passar um só momento sem devotar suas atividades a Kṛṣṇa. Semelhante ação está em samādhi completo.

Texto

ye tv akṣaram anirdeśyam
avyaktaṁ paryupāsate
sarvatra-gam acintyaṁ ca
kūṭa-stham acalaṁ dhruvam
sanniyamyendriya-grāmaṁ
sarvatra sama-buddhayaḥ
te prāpnuvanti mām eva
sarva-bhūta-hite ratāḥ

Sinônimos

ye — aqueles que; tu — mas; akṣaram — aquilo que está além da percepção dos sentidos; anirdeśyam — indefinido; avyaktam — imanifesto; paryupāsa te — ocupam-se completamente em adoração; sarvatra-gam — onipenetrante; acintyam — inconcebível; ca — também; kūṭa-stham — imutável; acalam — imóvel; dhruvam — fixo; sanniyamya — controlando; indriya-grāmam — todos os sentidos; sarvatra — em toda a parte; sama-buddhayaḥ — igualmente dispostos; te — eles; prāpnuvanti — alcançam; mām — a Mim; eva — decerto; sarva-bhūta-hite — em prol do bem-estar de todas as entidades vivas; ratāḥ — ocupados.

Tradução

Mas aqueles que adoram plenamente o imanifesto, aquilo que está além da percepção dos sentidos, o onipenetrante, inconcebível, imutável, fixo e imóvel — a concepção impessoal da Verdade Absoluta — controlando os vários sentidos e sendo equânimes para com todos, tais pessoas, ocupadas em prol do bem-estar de todos, acabarão Me alcançando.

Comentário

Aqueles que não adoram diretamente a Divindade Suprema, Kṛṣṇa, mas que, ao tentarem atingir o mesmo objetivo, utilizam um processo indireto, também terminam alcançando a mesma meta, Śrī Kṛṣṇa. “Após muitos nascimentos, o homem que possui sabedoria busca refúgio em Mim, sabendo que Vāsudeva é tudo.” Quando, depois de muitos nascimentos, a pessoa obtém conhecimento pleno, ela se rende ao Senhor Kṛṣṇa. Se alguém prefere aproximar-se de Deus utilizando o método mencionado neste verso, ele deve controlar os sentidos, prestar serviço aos demais e ocupar-se no bem-estar de todos os seres vivos. Deduz-se que ele tem que aproximar-se do Senhor Kṛṣṇa, caso contrário, não há uma realização perfeita. Muitas vezes é preciso muita penitência para que alguém se renda plenamente a Ele.

Para perceber a Superalma dentro da alma individual, é preciso cessar as atividades sensoriais que consistem em ver, ouvir, saborear, trabalhar, etc. Então, passa-se a compreender que a Alma Suprema está presente em toda a parte. Munido desta compreensão, o transcendentalista não inveja nenhuma entidade viva — ele não vê diferença entre homem e animal, porque só vê a alma e não a cobertura externa. Mas para o homem comum, este método de compreensão impessoal é muito difícil.

Texto

kleśo ’dhika-taras teṣām
avyaktāsakta-cetasām
avyaktā hi gatir duḥkhaṁ
dehavadbhir avāpyate

Sinônimos

kleśaḥ — perturbação; adhika-taraḥ — muita; teṣām — deles; avyakta — ao imanifesto; āsakta — apegadas; cetasām — daqueles cujas mentes; avyaktā — rumo ao imanifesto; hi — decerto; gatiḥ — o progresso; duḥkham — com problemas; deha-vadbhiḥ — pelos corporificados; avāpyate — é alcançado.

Tradução

Para aqueles cujas mentes estão apegadas ao aspecto impessoal e imanifesto do Supremo, o progresso é muito problemático. Progredir nesta disciplina é sempre difícil para aqueles que estão encarnados. 

Comentário

Os transcendentalistas que seguem o caminho que leva ao aspecto inconcebível, imanifesto e impessoal do Senhor Supremo chamam-se jñāna-yogīs, e aqueles que estão em plena consciência de Kṛṣṇa, ocupados no serviço devocional do Senhor, chamam-se bhakti-yogīs. E aqui se expressa definitivamente a diferença entre jñāna-yoga e bhakti-yoga. O processo de jñāna-yoga, embora possa levar o transcendentalista à mesma meta, é muito penoso, ao passo que o caminho de bhakti-yoga, o processo no qual se presta serviço direto à Suprema Personalidade de Deus, é mais fácil e é natural para a alma encarnada. A alma individual está encarnada desde tempos imemoriais. É muito difícil para ela a simples compreensão teórica de que não é o corpo. Por isso, o bhakti-yogī aceita como adorável a Deidade de Kṛṣṇa porque, como há alguma concepção corpórea fixa na mente, pode-se então aplicá-la. É claro que a adoração à forma da Suprema Personalidade de Deus que permanece no templo não é idolatria. Na literatura védica há evidência de que a adoração pode ser saguṇa e nirguṇa — em que o Supremo possui ou não possui atributos. A adoração à Deidade no templo é adoração saguṇa, pois o Senhor é representado por qualidades materiais. Mas a forma do Senhor, embora representada por qualidades materiais, tais como pedra, madeira ou pintura a óleo, na verdade não é material. Esta é a natureza absoluta do Senhor Supremo.

Pode-se dar aqui um exemplo rudimentar. Podemos encontrar pela rua algumas caixas do correio, e se pusermos nossas cartas naquelas caixas, não haverá nenhuma dificuldade de elas naturalmente chegarem a seu destino. Mas uma caixa velha qualquer, ou uma imitação que encontramos num lugar qualquer, que não é autorizada pelo correio, não servirão a este propósito. De modo semelhante, Deus é representado autorizadamente na forma da Deidade, que se chama arcā-vigraha. Esta arcā-vigraha é uma encarnação do Senhor Supremo. Deus aceitará serviço por intermédio desta forma. O Senhor é onipotente, todo-poderoso; portanto, através de Sua encarnação como arcā-vigraha, Ele pode aceitar os serviços do devoto, só para facilitar a vida do homem condicionado.

Logo, para o devoto não há dificuldade de aproximar-se do Supremo imediata e diretamente, mas o método será difícil para aqueles que buscam a compreensão espiritual seguindo o caminho impessoal. Para compreender a representação imanifesta do Supremo eles devem consultar textos védicos, tais como os Upaniṣads, e devem aprender o idioma em que estes foram escritos, entender os sentimentos não-perceptivos e realizar todos esses processos. Isto não é muito fácil para um homem comum. Quem está em consciência de Kṛṣṇa, ocupado no serviço devocional, através da orientação do mestre espiritual autêntico, do oferecimento regular de reverências à Deidade, do fato de ouvir as glórias do Senhor e comer os restos do alimento oferecido ao Senhor, tem muita facilidade de compreender a Suprema Personalidade de Deus. Não há dúvida alguma de que os impersonalistas estão tomando um caminho desnecessariamente penoso, correndo o risco de acabarem não entendendo a Verdade Absoluta. Mas o personalista, sem nenhum risco, problema ou dificuldade, aproxima-se da Suprema Personalidade diretamente. Uma passagem semelhante aparece no Śrīmad-Bhāgavatam, onde se afirma que o resultado será problemático demais para quem, por fim, tem de se render à Suprema Personalidade de Deus através do processo de rendição chamado bhakti, mas passa toda a sua vida dando-se ao trabalho de entender o que é Brahman e o que não é Brahman. Portanto, aqui se aconselha que ninguém deve trilhar este penoso caminho de auto-realização, porque o resultado final é muito incerto.

O ser vivo é eternamente uma alma individual, e se ele quiser imergir no todo espiritual, pode ser que passe a compreender os aspectos eterno e cognoscível de sua natureza original, mas não realiza a porção bem-aventurada. Pela graça de um devoto, esse transcendentalista, muito erudito no processo de jñāna-yoga, pode chegar ao ponto de bhakti-yoga, ou serviço devocional. Nesse momento, a longa prática do impersonalismo também se torna uma fonte de problemas, porque ele não pode desistir da idéia. Por isso, a alma encarnada está sempre tendo dificuldades com o imanifesto, tanto na hora da prática quanto na hora da compreensão. Todas as almas vivas são parcialmente independentes, e deve-se saber com toda a certeza que esta compreensão sobre o imanifesto vai de encontro à natureza de seu eu espiritual bem-aventurado. Não convém adotar esse processo. O processo da consciência de Kṛṣṇa, que é o mesmo que ocupar-se em serviço devocional pleno, é o melhor caminho para todos os seres vivos. Se alguém prefere ignorar este serviço devocional, há o perigo de se voltar para o ateísmo. Portanto, não se deveria jamais incentivar, especialmente nesta era, o processo de focalizar a atenção no imanifesto, ou inconcebível, que está além do alcance dos sentidos, como já foi expresso neste verso. O Senhor Kṛṣṇa não o aconselha.

Texto

ye tu sarvāṇi karmāṇi
mayi sannyasya mat-parāḥ
ananyenaiva yogena
māṁ dhyāyanta upāsate
teṣām ahaṁ samuddhartā
mṛtyu-saṁsāra-sāgarāt
bhavāmi na cirāt pārtha
mayy āveśita-cetasām

Sinônimos

ye — aqueles que; tu — mas; sarvāṇi — todas; karmāṇi — as atividades; mayi — a Mim; sannyasya — renunciando; mat-parāḥ — estando apegados a Mim; ananyena — sem divisão; eva — decerto; yogena — pela prática de tal bhakti-yoga; mām — em Mim; dhyāyantaḥ — meditando; upāsate — adoram; teṣām — deles; aham — Eu; samuddhartā — o salvador; mṛtyu — da morte; saṁsāra — na existência material; sāgarāt — do oceano; bhavāmi — torno-Me; na — não; cirāt — depois de muito tempo; pārtha — ó filho de Pṛthā; mayi — em Mim; āveśita — fixas; cetasām — daqueles cujas mentes.

Tradução

Mas aqueles que Me adoram, dedicando todas as suas atividades a Mim e não se afastando de sua devoção a Mim, ocupando-se no serviço devocional e sempre meditando em Mim, tendo fixado suas mentes em Mim, ó filho de Pṛthā — para eles Eu sou o pronto salvador do oceano de nascimentos e mortes. 

Comentário

Aqui, afirma-se explicitamente que os devotos são muito afortunados, pois o Senhor logo logo os salvará da existência material. No serviço devocional puro, o devoto passa a compreender que Deus é grande e que a alma individual está subordinada a Ele. Seu dever é prestar serviço ao Senhor — caso contrário, ele prestará serviço a māyā.

Como se declarou antes, o Senhor Supremo só pode ser apreciado através do serviço devocional. Portanto, a pessoa deve ser plenamente devotada e deve fixar a sua mente com firmeza em Kṛṣṇa a fim de alcançá-lO. Deve-se trabalhar só para Kṛṣṇa. Não importa em que tipo de trabalho alguém se ocupe, mas este trabalho deve ser feito só para Kṛṣṇa. Este é o serviço devocional exemplar. A única conquista que o devoto deseja é agradar à Suprema Personalidade de Deus. A missão de sua vida é agradar a Kṛṣṇa, e, tal qual Arjuna na Batalha de Kurukṣetra, ele pode sacrificar tudo em prol da satisfação de Kṛṣṇa. O processo é muito simples: ele deve zelar por sua ocupação e ao mesmo tempo cantar Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. Esse cantar transcendental conduz o devoto à Personalidade de Deus.

Nesta passagem, o Senhor Supremo promete que Ele logo vai livrar do oceano da existência material o devoto puro que adota tal ocupação. Aqueles que são avançados na prática de yoga podem transferir a alma para qualquer planeta que quiserem através do processo de yoga, e outros aproveitam-se da oportunidade de várias maneiras; mas quanto ao devoto, aqui se afirma claramente que o Senhor o leva pessoalmente. O devoto não precisa esperar até ficar muito experiente para se transferir ao céu espiritual.

No Varāha Purāṇa, aparece este verso:

nayāmi paramaṁ sthānam
arcir-ādi-gatiṁ vinā
garuḍa-skandham āropya
yatheccham anivāritaḥ

O significado deste verso é que o devoto não precisa praticar aṣṭāṅga-yoga para transferir sua alma aos planetas espirituais. O próprio Senhor Supremo assume a responsabilidade. Aqui, Ele é bem claro ao afirmar que Ele mesmo Se torna o libertador. Uma criança recebe de seus pais toda a atenção, e por isso sua posição é segura. De modo semelhante, o devoto não precisa entregar-se à prática de yoga para se transferir a outros planetas. Ao contrário, o Senhor Supremo, por Sua imensa misericórdia, vem imediatamente, montado em Garuḍa, o pássaro que O transporta, e de imediato livra o devoto da existência material. Quando um homem cai no oceano, embora possa lutar mui arduamente e possa ser um excelente nadador, ele não pode se salvar. Mas se alguém vem e o tira da água, ele aí é facilmente resgatado. Da mesma forma, o Senhor tira o devoto desta existência material. Tudo o que alguém precisa fazer é praticar o simples processo da consciência de Kṛṣṇa e ocupar-se no serviço devocional pleno. Qualquer homem inteligente deve sempre dar preferência ao processo do serviço devocional; e não a algum outro método. No Nārāyaṇīya, há a seguinte confirmação disto:

yā vai sādhana-sampattiḥ
puruṣārtha-catuṣṭaye
tayā vinā tad āpnoti
naro nārāyaṇāśrayaḥ

O significado deste verso é que ninguém deve ocupar-se nos diferentes processos de atividade fruitiva ou cultivar conhecimento através do processo especulativo mental. Quem é devotado à Suprema Personalidade de Deus pode conseguir todos os benefícios provenientes de outros processos ióguicos, especulação, rituais, sacrifícios, caridade, etc. Esta é a bênção específica do serviço devocional.

Pelo simples fato de cantar o santo nome de Kṛṣṇa — Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare —, o devoto do Senhor pode fácil e alegremente aproximar-se do destino supremo, mas este destino não pode ser alcançado por nenhum outro processo de religião.

No Décimo Oitavo Capítulo, consta a conclusão do Bhagavad-gītā:

sarva-dharmān parityajya
mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja
ahaṁ tvāṁ sarva-pāpebhyo
mokṣayiṣyāmi mā śucaḥ

O transcendentalista deve desistir de todos os outros processos de auto-realização e simplesmente executar serviço devocional em consciência de Kṛṣṇa. Isto o capacitará a alcançar a mais elevada perfeição da vida. Ele não precisa se preocupar com as ações pecaminosas de sua vida passada, porque o Senhor Supremo encarrega-Se de cuidar totalmente dele. Por isso, ninguém deve, em vão, tentar liberar-se a si mesmo na realização espiritual. Que todos se refugiem na Suprema Divindade onipotente, Kṛṣṇa. Esta é a mais elevada perfeição da vida.

Texto

mayy eva mana ādhatsva
mayi buddhiṁ niveśaya
nivasiṣyasi mayy eva
ata ūrdhvaṁ na saṁśayaḥ

Sinônimos

mayi — em Mim; eva — decerto; manaḥ — mente; ādhatsva — fixe; mayi — em Mim; buddhim — inteligência; niveśaya — aplique; nivasiṣyasi — você viverá; mayi — em Mim; eva — decerto; ataḥ ūrdhvam — depois disso; na — nunca; saṁśayaḥ — dúvida.

Tradução

Fixe sua mente em Mim, a Suprema Personalidade de Deus, e ocupe toda a sua inteligência em Mim. Assim, não haverá dúvida alguma de que você viverá sempre em Mim.

Comentário

Alguém que está ocupado no serviço devocional ao Senhor Kṛṣṇa vive em relação direta com o Senhor Supremo, então, não há dúvida de que sua posição é transcendental desde o início. O devoto não vive no plano material — ele vive em Kṛṣṇa. O santo nome do Senhor e o Senhor não são diferentes; por isso, quando o devoto canta Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa e Sua potência interna estão dançando na língua do devoto. Quando ele oferece alimento a Kṛṣṇa, Kṛṣṇa aceita diretamente esse alimento, e, ao comer os restos, o devoto fica Kṛṣṇa-izado. Quem não se ocupa nesse serviço não pode compreender como isto funciona, embora este processo seja recomendado no Bhagavad-gītā e em outros textos védicos.

Texto

atha cittaṁ samādhātuṁ
na śaknoṣi mayi sthiram
abhyāsa-yogena tato
mām icchāptuṁ dhanañ-jaya

Sinônimos

atha — se, portanto; cittam — mente; samādhātum — fixar; na — não; śaknoṣi — você é capaz; mayi — em Mim; sthiram — constantemente; abhyāsa-yogena — pela prática do serviço devocional; tataḥ — então; mām — a Mim; icchā — desejo; āptum — conseguir; dhanam-jaya — ó conquistador de riquezas, Arjuna.

Tradução

Meu querido Arjuna, ó conquistador de riquezas, se você não pode fixar sua mente em Mim sem se desviar, então, siga os princípios reguladores que fazem parte da bhakti-yoga. Desenvolva deste modo um desejo de Me alcançar.

Comentário

Neste verso, são indicados dois processos diferentes de bhakti-yoga. O primeiro aplica-se a alguém que, por meio do amor transcendental, desenvolveu verdadeiro apego a Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. E o outro é para alguém que não desenvolveu apego à Pessoa Suprema por meio do amor transcendental. Para esta segunda classe, há diferentes regras e regulações prescritas que o devoto pode seguir para enfim atingir a posição em que se tem apego a Kṛṣṇa.

Bhakti-yoga é a purificação dos sentidos. Atualmente, na existência material, os sentidos estão sempre impuros, pois estão ocupados no gozo dos sentidos. Porém, pela prática da bhakti-yoga, estes sentidos podem purificar-se, e no estado purificado, eles podem entrar em contato direto com o Senhor Supremo. Nesta existência material, talvez eu me ocupe no serviço a um patrão, mas não o sirva com verdadeiro amor. Eu o sirvo apenas para conseguir algum dinheiro. E tampouco o patrão tem algum amor, ele recebe meu serviço e me paga. Logo, o amor está fora de cogitação. Mas quanto à vida espiritual, o devoto deve elevar-se ao nível de amor puro. Este nível de amor pode ser conseguido através da prática do serviço devocional, executado com os sentidos atuais.

Este amor a Deus agora está latente no coração de todos, onde se manifesta de diferentes maneiras, porém, contaminado pela associação material. Por isso, o coração tem que purificar-se da associação material, e o amor natural por Kṛṣṇa, que está latente, tem que ser revivido. Este é todo o processo.

Para praticar os princípios reguladores que fazem parte da bhakti-yoga, o devoto deve, sob a orientação de um mestre espiritual experiente, seguir certas regras: ele deve levantar-se de manhã bem cedo, tomar banho, entrar no templo, oferecer orações e cantar Hare Kṛṣṇa, depois colher flores para oferecer à Deidade, cozinhar alimentos para oferecer à Deidade, tomar prasādam e assim por diante. Há várias regras e regulações que ele deve seguir. E deve ouvir constantemente o Bhagavad-gītā e o Śrīmad-Bhāgavatam sendo falados por devotos puros. Esta prática pode ajudar qualquer um a elevar-se ao nível de amor a Deus, e assim assegurá-lo de que está progredindo rumo ao reino espiritual de Deus. Esta prática de bhakti-yoga, sob regras e regulações, e com a direção de um mestre espiritual, certamente o levará ao nível de amor a Deus.

Texto

abhyāse ’py asamartho ’si
mat-karma-paramo bhava
mad-artham api karmāṇi
kurvan siddhim avāpsyasi

Sinônimos

abhyāse — na prática; api — mesmo que; asamarthaḥ — incapaz; asi — você seja; mat-karma — Meu trabalho; paramaḥ — dedicado a; bhava — torne-se; mat-artham — por Minha causa; api — mesmo; karmāṇi — trabalho; kurvan — executando; siddhim — perfeição; avāpsyasi — você alcançará.

Tradução

Se você não pode praticar as regulações que fazem parte da bhakti-yoga, então, simplesmente tente trabalhar para Mim. Porque, trabalhando para Mim, você chegará à fase perfeita.

Comentário

Se, mesmo sob a orientação de um mestre espiritual, alguém não é capaz de praticar os princípios reguladores existentes na bhakti-yoga, ele ainda assim pode ser conduzido a esta fase de perfeição, trabalhando para o Senhor Supremo. O método como se faz este trabalho já foi explicado no verso cinqüenta e cinco do Décimo Primeiro Capítulo. A pessoa deve ser favorável à propagação da consciência de Kṛṣṇa. Há muitos devotos que estão ocupados na propagação da consciência de Kṛṣṇa, e eles precisam de ajuda. Então, mesmo que alguém não possa praticar diretamente os princípios reguladores que fazem parte da bhakti-yoga, ele pode tentar ajudar esse trabalho. Para todo empreendimento precisa-se de terra, capital, organização e trabalho. Assim como nos negócios é preciso um lugar para se estabelecer, algum capital para usar, algum trabalho e alguma organização para se expandir, do mesmo modo, no serviço a Kṛṣṇa se requer tudo isto. A única diferença é que no materialismo trabalha-se para o gozo dos sentidos. O mesmo trabalho, porém, pode ser executado para a satisfação de Kṛṣṇa, e esta atividade é espiritual. Se alguém tem dinheiro suficiente, ele pode ajudar a construir um escritório ou um templo para propagar a consciência de Kṛṣṇa. Ou pode ajudar na publicação de livros e revistas. Há vários campos de atividade, e o praticante deve se interessar por essas atividades. Se ele não pode sacrificar os resultados de seu trabalho, ele mesmo pode, no entanto, sacrificar alguma porcentagem para propagar a consciência de Kṛṣṇa. Este serviço voluntário em prol da consciência de Kṛṣṇa o ajudará a elevar-se a um estado mais sublime de amor a Deus, e nesse ponto ele se torna perfeito.

Texto

athaitad apy aśakto ’si
kartuṁ mad-yogam āśritaḥ
sarva-karma-phala-tyāgaṁ
tataḥ kuru yatātmavān

Sinônimos

atha — mesmo que; etat — isto; api — também; aśaktaḥ — incapaz; asi — você seja; kartum — de executar; mat — para Mim; yogam — em serviço devocional; āśritaḥ — refugiando-se; sarva-karma — de todas as atividades; phala — dos resultados; tyāgam — renúncia; tataḥ — então; kuru — faça; yata-ātma-vān — situado em si mesmo.

Tradução

Se, entretanto, você é incapaz de trabalhar nesta Minha consciência, então, tente agir renunciando a todos os resultados de seu trabalho e procure situar-se no eu.

Comentário

Pode ser que, devido a fatores sociais, familiares ou religiosos ou mesmo por outros impedimentos, a pessoa nem seja capaz de simpatizar com as atividades da consciência de Kṛṣṇa. E se alguém se interessa diretamente pelas atividades da consciência de Kṛṣṇa, talvez surjam objeções dos membros de sua família, ou muitas outras dificuldades. Para quem tem semelhante problema, aconselha-se que sacrifique em prol de alguma boa causa aquilo que conseguiu adquirir com suas atividades. Tais procedimentos são descritos nas regras védicas. Descrevem-se vários sacrifícios e cerimônias especiais para o dia da lua cheia, ou trabalhos especiais em que se pode aplicar o resultado da ação praticada anteriormente. Assim, aos poucos pode-se adquirir conhecimento. Também consta que, quando alguém que nem sequer está interessado nas atividades da consciência de Kṛṣṇa dá caridade a algum hospital ou a alguma outra instituição social, ele renuncia aos resultados que arduamente conseguiu através de suas atividades. Isto também se recomenda aqui porque, praticando renúncia aos frutos de suas atividades, ele com certeza purificará sua mente de maneira gradual, e com a mente purificada, será capaz de compreender a consciência de Kṛṣṇa. É claro que a consciência de Kṛṣṇa não depende de nenhum outro fator, porque a própria consciência de Kṛṣṇa pode purificar a mente, mas se há impedimentos para aceitar a consciência de Kṛṣṇa, pode-se tentar abandonar os resultados das ações. A este respeito, serviço social, serviço comunitário, serviço à nação, sacrifício pela pátria, etc., podem ser aceitos de modo que algum dia seja possível chegar ao nível de serviço devocional puro ao Senhor Supremo. No Bhagavad-gītā (18.46), o Senhor declara que yataḥ pravṛttir bhūtānām: se alguém decide sacrificar-se pela causa suprema, mesmo que não saiba que a causa suprema é Kṛṣṇa, através do método sacrificatório, ele aos poucos passará a compreender que Kṛṣṇa é a causa suprema.

Texto

śreyo hi jñānam abhyāsāj
jñānād dhyānaṁ viśiṣyate
dhyānāt karma-phala-tyāgas
tyāgāc chāntir anantaram

Sinônimos

śreyaḥ — melhor; hi — decerto; jñānam — conhecimento; abhyāsāt — do que prática; jñānāt — do que conhecimento; dhyānam — meditação; viśiṣyate — é considerada melhor; dhyānāt — do que meditação; karma-phala-tyāgaḥ — renúncia aos resultados da ação fruitiva; tyāgāt — através de tal renúncia; śāntiḥ — paz; anantaram — depois disso.

Tradução

Se você não pode adotar esta prática, então, ocupe-se no cultivo de conhecimento. Entretanto, melhor do que o conhecimento é a meditação, e melhor do que a meditação é a renúncia aos frutos da ação, pois, com esta renúncia, pode-se alcançar paz de espírito.

Comentário

SIGNIFICADO Como foi mencionado nos versos precedentes, há duas espécies de serviço devocional: o caminho dos princípios reguladores e o caminho de pleno apego amoroso à Suprema Personalidade de Deus. Para quem não é deveras capaz de seguir os princípios da consciência de Kṛṣṇa, é melhor cultivar conhecimento, porque, pelo conhecimento, ele pode chegar a compreender sua verdadeira posição. Aos poucos, o conhecimento propiciará a prática da meditação. Pela meditação, ele pode ser capaz de compreender a Suprema Personalidade de Deus através de um processo gradual. Há processos pelos quais o transcendentalista é levado a entender que ele mesmo é o Supremo, e esta espécie de meditação é preferida se ele é incapaz de ocupar-se em serviço devocional. Se alguém não é capaz de praticar essa meditação, então, como consta na literatura védica, há deveres prescritos para os brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras, que encontramos no último capítulo do Bhagavad-gītā. Mas em todos os casos, deve-se abandonar o resultado ou frutos do trabalho; isto é o mesmo que empregar o resultado do karma numa boa causa. 

Em resumo, há dois processos para alcançar a meta mais elevada, que é a Suprema Personalidade de Deus: um processo é através do desenvolvimento gradual, e o outro é direto. O serviço devocional em consciência de Kṛṣṇa é o método direto, e o outro método envolve a renúncia aos frutos das próprias atividades. Daí, então, pode-se chegar ao conhecimento, depois, à meditação, à compreensão da Superalma, e então, atingir a Suprema Personalidade de Deus. Pode-se adotar o processo gradativo ou o caminho direto. O processo direto não é possível para todos; por isso, o processo indireto também é bom. No entanto, deve-se entender que o processo indireto não é recomendado a Arjuna, porque ele já está no nível de serviço devocional amoroso ao Senhor Supremo. Este processo é para os que não estão neste nível, eles devem seguir gradualmente o processo de renúncia, conhecimento, meditação e compreensão acerca da Superalma e do Brahman. Mas, quanto ao Bhagavad-gītā, enfatiza-se o método direto. Todos são aconselhados a adotar o método direto e render- se à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa.

Texto

adveṣṭā sarva-bhūtānāṁ
maitraḥ karuṇa eva ca
nirmamo nirahaṅkāraḥ
sama-duḥkha-sukhaḥ kṣamī
santuṣṭaḥ satataṁ yogī
yatātmā dṛḍha-niścayaḥ
mayy arpita-mano-buddhir
yo mad-bhaktaḥ sa me priyaḥ

Sinônimos

adveṣṭā — não invejoso; sarva-bhūtānām — para com todas as entidades vivas; maitraḥ — amigável; karuṇaḥ — bondoso; eva — decerto; ca — também; nirmamaḥ — sem sentido de propriedade; nirahaṅkāraḥ — sem falso ego; sama — igual; duḥkha — em aflição; sukhaḥ — e felicidade; kṣamī — clemente; santuṣṭaḥ — satisfeito; satatam — sempre; yogī — alguém ocupado em devoção; yata-ātmā — autocontrolado; dṛḍha-niścayaḥ — com determinação; mayi — em Mim; arpita — ocupadas; manaḥ — mente; buddhiḥ — e inteligência; yaḥ — aquele que; mat-bhaktaḥ — Meu devoto; saḥ — ele; me — para Mim; priyaḥ — querido.

Tradução

Aquele que não é invejoso, mas é um amigo bondoso para todas as entidades vivas, que não se considera proprietário e está livre do falso ego, que é equânime tanto na felicidade quanto na aflição, que é tolerante, sempre satisfeito, autocontrolado e ocupa-se em serviço devocional com determinação, tendo sua mente e inteligência fixas em Mim — semelhante devoto Me é muito querido.

Comentário

Voltando ao ponto do serviço devocional puro, nestes dois versos, o Senhor descreve as qualificações transcendentais de um devoto puro. O devoto puro jamais se perturba em circunstância alguma. Nem tem inveja de ninguém. Tampouco o devoto torna-se inimigo de seu inimigo; ele pensa: “Esta pessoa está agindo como meu inimigo devido às minhas próprias más ações passadas. Logo, é melhor sofrer do que reclamar”. No Śrīmad-Bhāgavatam (10.14.8), afirma-se: tat te ’nukampāṁ susamīkṣamāṇo bhuñjāna evātma-kṛtaṁ vipākam. Sempre que está aflito ou passa dificuldades, o devoto sabe que o Senhor está tendo misericórdia dele. Ele pensa: “Devido às minhas más ações passadas, eu deveria sofrer muito, muito mais do que estou sofrendo agora. Logo, é pela misericórdia do Senhor Supremo que não estou recebendo todo o castigo que mereço. Pela misericórdia da Suprema Personalidade de Deus, minha punição é pequena”. Por isso, ele é sempre calmo, quieto e paciente, apesar de muitas condições aflitivas. O devoto é também sempre bom para todos, mesmo para seu inimigo. Nirmama quer dizer que o devoto não dá muita importância às dores e problemas relativos ao corpo porque sabe perfeitamente bem que não é o corpo material. Ele não se identifica com o corpo; por isso, está livre da concepção do falso ego e é equânime na felicidade e na aflição. Ele é tolerante e fica satisfeito com aquilo que lhe é concedido pela graça do Senhor Supremo. Ele não se esforça muito para conseguir algo a duras penas, e por isso, está sempre alegre. Ele é um místico completamente perfeito porque está fixo nas instruções recebidas do mestre espiritual, e age com determinação porque seus sentidos estão controlados. Ele não se abala com argumentos falsos, porque ninguém consegue dissuadi-lo de ter determinação fixa no serviço devocional. Ele sabe muito bem que Kṛṣṇa é o Senhor eterno, logo, ninguém pode perturbá-lo. Essas qualificações capacitam-no a fixar toda a sua mente e inteligência no Senhor Supremo. Sem dúvida alguma, esse nível de serviço devocional é muito raro, mas o devoto situa-se nesta plataforma, seguindo os princípios reguladores que fazem parte do serviço devocional. Ademais, o Senhor diz que semelhante devoto Lhe é muito querido, pois o Senhor está sempre contente com todas as suas atividades executadas em plena consciência de Kṛṣṇa.

Texto

yasmān nodvijate loko
lokān nodvijate ca yaḥ
harṣāmarṣa-bhayodvegair
mukto yaḥ sa ca me priyaḥ

Sinônimos

yasmāt — por quem; na — nunca; udvijate — são agitadas; lokaḥ — as pessoas; lokāt — pelas pessoas; na — nunca; udvijate — é perturbado; ca — também; yaḥ — qualquer um que; harṣa — de felicidade; amarṣa — aflição; bhaya — medo; udvegaiḥ — e ansiedade; muktaḥ — libertado; yaḥ — quem; saḥ — ele; ca — também; me — para Mim; priyaḥ — muito querido.

Tradução

Aquele que não põe ninguém em dificuldades e a quem ninguém perturba, que é equânime na felicidade e na aflição, no medo e na ansiedade, Me é muito querido. 

Comentário

SIGNIFICADO Continuam sendo descritas aqui algumas das qualificações do devoto. Este devoto não põe ninguém em dificuldade, tampouco causa ansiedade, temor ou insatisfação a alguém. Como é bondoso para todos, o devoto não age de modo que outros fiquem em ansiedade. Por outro lado, se outros tentam deixar o devoto em ansiedade, ele ainda assim não se perturba. É pela graça do Senhor que ele tem tanta prática que não se deixa perturbar com nenhum contratempo aparente. De fato, porque o devoto vive absorto em consciência de Kṛṣṇa e ocupado no serviço devocional, essas circunstâncias materiais não podem afetá-lo. Em geral, um materialista fica muito feliz quando há algo que lhe propicia prazer dos sentidos e lhe satisfaz o corpo, mas quando ele vê que outros têm algo para a satisfação dos sentidos que ele não tem, ele fica triste e com inveja. Ao esperar a represália de um inimigo, ele fica com medo, e quando não pode executar algo com sucesso, fica contrariado. O devoto que é sempre transcendental a todas essas perturbações é muito querido por Kṛṣṇa.

Texto

anapekṣaḥ śucir dakṣa
udāsīno gata-vyathaḥ
sarvārambha-parityāgī
yo mad-bhaktaḥ sa me priyaḥ

Sinônimos

anapekṣaḥ — neutro; śuciḥ — puro; dakṣaḥ — perito; udāsīnaḥ — livre de cuidados; gata-vyathaḥ — livre de toda a aflição; sarva-ārambha — de todos os esforços; parityāgī — renunciador; yaḥ — todo aquele que; mat-bhaktaḥ — Meu devoto; saḥ — ele; me — a Mim; priyaḥ — muito querido.

Tradução

Esse meu devoto que não depende da rotina habitual de suas atividades, que é puro, perito, despreocupado, livre de todas as dores, e que não está lutando para obter algum resultado, Me é muito querido. 

Comentário

Pode ser que se ofereça dinheiro a um devoto, mas este não deve lutar para adquiri-lo. Se, pela graça do Supremo, o dinheiro automaticamente chega até ele, ele não se agita. É certo que o devoto toma banho pelo menos duas vezes ao dia e levanta-se de manhã cedo para executar o serviço devocional. Assim, ele é naturalmente limpo tanto interna quanto externamente. O devoto é um perito porque ele conhece a fundo a essência de todas as atividades da vida e tem plena convicção quanto às escrituras autorizadas. O devoto nunca se compromete com nenhum grupo específico; por isso, ele é despreocupado. Ele nunca se aflige, porque está livre de todas as designações; ele sabe que seu corpo é uma designação, logo, se existem algumas dores físicas, ele não se deixa afetar. O devoto puro não se esforça por nada que vá contra os princípios do serviço devocional. Por exemplo, construir um grande edifício requer muita energia, e o devoto não se entrega a esse empreendimento se isto não o ajuda a avançar em serviço devocional. Mas para construir um templo para o Senhor, ele aceita todos os tipos de ansiedade, embora não se dê ao trabalho de construir uma casa grande, para através dela expandir suas relações pessoais.

Texto

yo na hṛṣyati na dveṣṭi
na śocati na kāṅkṣati
śubhāśubha-parityāgī
bhaktimān yaḥ sa me priyaḥ

Sinônimos

yaḥ — aquele que; na — nunca; hṛṣyati — sente prazer; na — nunca; dveṣṭi — se magoa; na — nunca; śocati — lamenta; na — nunca; kāṅkṣati — deseja; śubha — do auspicioso; aśubha — e do inauspicioso; parityāgī — renunciador; bhakti-mān — devoto; yaḥ — alguém que; saḥ — ele é; me — para Mim; priyaḥ — querido.

Tradução

Aquele que não se alegra nem se magoa, que não se lamenta nem deseja, e que renuncia tanto às coisas auspiciosas quanto às inauspiciosas — semelhante devoto Me é muito querido.

Comentário

O devoto puro não fica feliz nem insatisfeito com ganho e perda materiais, nem fica muito ansioso por conseguir um filho ou discípulo, nem se aflige porque não os consegue. Se perde algo que lhe é muito querido, ele não se lamenta. Da mesma forma, se não consegue o que deseja, ele não se aflige. Diante de todas as espécies de atividades auspiciosas, inauspiciosas e pecaminosas, ele é transcendental. Ele está disposto a aceitar todas as espécies de riscos para a satisfação do Senhor Supremo. Nada impede o desempenho do seu serviço devocional. Semelhante devoto é muito querido por Kṛṣṇa.

Texto

samaḥ śatrau ca mitre ca
tathā mānāpamānayoḥ
śītoṣṇa-sukha-duḥkheṣu
samaḥ saṅga-vivarjitaḥ
tulya-nindā-stutir maunī
santuṣṭo yena kenacit
aniketaḥ sthira-matir
bhaktimān me priyo naraḥ

Sinônimos

samaḥ — igual; śatrau — para com o inimigo; ca — também; mitre — para com o amigo; ca — também; tathā — assim; māna — em honra; apamānayoḥ — e desonra; śīta — no frio; uṣṇa — e calor; sukha — felicidade; duḥkheṣu — e aflição; samaḥ — equânime; saṅga-vivarjitaḥ — livre de toda a associação; tulya — igual; nindā — na difamação; stutiḥ — e fama; maunī — silencioso; santuṣṭaḥ — satisfeito; yena kenacit — com qualquer coisa; aniketaḥ — não tendo residência; sthira — fixo; matiḥ — determinação; bhakti-mān — ocupado em devoção; me — para Mim; priyaḥ — querido; naraḥ — um homem.

Tradução

Aquele que é igual para com amigos e inimigos; que é equânime na honra e na desonra, calor e frio, felicidade e aflição, fama e infâmia; que está sempre livre de associação contaminadora, sempre silencioso e satisfeito com qualquer coisa, que não se importa com nenhuma residência; que está fixo em conhecimento e se ocupa em serviço devocional — semelhante pessoa Me é muito querida. 

Comentário

SIGNIFICADO O devoto sempre está livre de toda a má associação. Algumas vezes, a pessoa é louvada e outras, difamada; essa é a natureza da sociedade humana. Mas o devoto é sempre transcendental à fama e infâmia, tristeza e felicidade artificiais. Ele é muito paciente. Ele só fala dos tópicos de Kṛṣṇa; portanto, ele é chamado silencioso. Silencioso não quer dizer que não se deva falar; silencioso quer dizer que não se deve falar desatinos. Deve-se falar apenas o essencial, e para o devoto, a conversa mais essencial é falar em prol do Senhor Supremo. Em todas as condições, o devoto é feliz; algumas vezes, ele pode conseguir alimentos muito saborosos, outras não, mas ele fica satisfeito. Tampouco se importa com acomodações residenciais. Algumas vezes, ele pode morar debaixo de uma árvore, e outras, pode morar num edifício muito suntuoso; ele não sente atração por nenhum dos dois. Ele é chamado fixo, porque é fixo em sua determinação e conhecimento. Nós encontramos repetições nas descrições das qualificações do devoto, mas isto é só para enfatizar o fato de que o devoto deve adquirir todas essas qualificações. Sem boas qualificações, ninguém pode ser um devoto puro. Harāv abhaktasya kuto mahad-guṇāḥ: quem não é devoto não tem boa qualificação. Quem quer ser reconhecido como devoto precisa desenvolver as boas qualificações. É claro que ele não executa por sua própria conta atividades adicionais com que obtenha essas qualificações, mas a ocupação em consciência de Kṛṣṇa e o serviço devocional automaticamente ajuda-o a desenvolvê-las. 

Texto

ye tu dharmāmṛtam idaṁ
yathoktaṁ paryupāsate
śraddadhānā mat-paramā
bhaktās te ’tīva me priyāḥ

Sinônimos

ye — aqueles que; tu — mas; dharma — da religião; amṛtam — néctar; idam — este; yathā — como; uktam — dito; paryupāsate — ocupam-se completamente; śraddadhānāḥ — com fé; mat-paramāḥ — aceitando-Me, o Senhor Supremo, como tudo; bhaktāḥ — devotos; te — eles; atīva — muitíssimo; me — a Mim; priyāḥ — queridos.

Tradução

Aqueles que seguem este caminho imperecível do serviço devocional e que se ocupam com plena fé, fazendo de Mim a meta suprema, são muitíssimo queridos por Mim.

Comentário

Neste capítulo, do segundo verso até o final — de mayy āveśya mano ye mām (“fixando a mente em Mim”) até ye tu dharmāmṛtam idam (“esta religião — a ocupação eterna”) — o Senhor Supremo explicou os processos do serviço transcendental, mediante os quais alguém se aproxima dEle. Estes processos são muito queridos ao Senhor, e Ele aceita o devoto que se ocupa neles. Arjuna questionou, quem é melhor — aquele que se ocupa no caminho do Brahman impessoal ou aquele que se ocupa no serviço pessoal à Suprema Personalidade de Deus — e o Senhor lhe respondeu tão explicitamente que não resta dúvida de que o serviço devocional à Personalidade de Deus é o melhor de todos os processos de percepção espiritual. Em outras palavras, neste capítulo define-se que através de boa associação, a pessoa desenvolve apego ao serviço devocional puro, e desse modo aceita um mestre espiritual genuíno e, através dele, começa a ouvir, cantar e observar os princípios reguladores existentes no serviço devocional com fé, apego e devoção, e assim se ocupa no serviço transcendental do Senhor. Neste capítulo recomenda-se este caminho; portanto, não há dúvida de que o serviço devocional é o único caminho absoluto através do qual se obtém a auto-realização e a Suprema Personalidade de Deus. A concepção impessoal acerca da Suprema Verdade Absoluta, como se descreve neste capítulo, só é recomendada enquanto a pessoa não se rende à auto-realização. Em outras palavras, se alguém não tem oportunidade de se associar com um devoto puro, a concepção impessoal pode ser benéfica. Na concepção impessoal sobre a Verdade Absoluta, a pessoa trabalha sem resultado fruitivo, medita e cultiva conhecimento para compreender o espírito e a matéria. Isto é necessário para quem não está em associação com um devoto puro. Felizmente, se alguém desenvolve diretamente o desejo de se ocupar em consciência de Kṛṣṇa, praticando serviço devocional puro, não será necessário se submeter a melhoramentos graduais na percepção espiritual. O serviço devocional, conforme é descrito nos seis capítulos intermediários do Bhagavad-gītā, é mais apropriado. Ninguém precisa se preocupar com os artigos necessários à sobrevivência, porque, pela graça do Senhor, tudo se efetua automaticamente.

Neste ponto encerrram-se os significados Bhaktivedanta do Décimo Segundo Capítulo do Śrīmad Bhagavad-gītā que trata do Serviço Devocional.