CAPÍTULO SESSENTA E SEIS
Pauṇḍraka, o Falso Vāsudeva
Este capítulo relata a ida do Senhor Kṛṣṇa a Kāśī (atual Benares) e o extermínio de Pauṇḍraka e Kāśirāja, e como o disco Sudarśana do Senhor derrotou um demônio, incinerou a cidade de Kāśī e matou Sudakṣiṇa.
Enquanto o Senhor Baladeva visitava Vraja, o rei Pauṇḍraka de Karūṣa, incentivado por tolos, proclamou ser o verdadeiro Vāsudeva. Por isso ele, desafiou o Senhor Kṛṣṇa com a seguinte mensagem: “Já que apenas eu sou a verdadeira Personalidade de Deus, deves abandonar Tua falsa reivindicação dessa posição, bem como meus símbolos divinos, e refugiar-Te em mim. Caso contrário, prepara-Te para a batalha.”
Quando Ugrasena e os membros de sua assembleia real ouviram as tolas palavras arrogantes de Pauṇḍraka, todos se puseram a gargalhar. Śrī Kṛṣṇa, então, mandou o mensageiro de Pauṇḍraka levar uma mensagem a seu amo: “Ó tolo, Eu te forçarei a abandonar o falso disco Sudarśana e outros símbolos divinos Meus que ousaste carregar. E quando jazeres no campo de batalha, tu serás o abrigo de cães.”
O Senhor Kṛṣṇa, em seguida, foi para Kāśī. Pauṇḍraka, vendo que o Senhor Se preparava para a batalha, saiu depressa da cidade para enfrentá-lO com seu exército. Seu amigo Kāśirāja seguiu-o, comandando a retaguarda. Assim como o fogo da devastação universal destrói todos os seres vivos em todas as direções, da mesma forma o Senhor Kṛṣṇa aniquilou os exércitos de Pauṇḍraka e Kāśirāja. Então, depois de castigar Pauṇḍraka, o Senhor decapitou Pauṇḍraka e Kāśirāja com Seu disco Sudarśana. Em seguida, regressou a Dvārakā. Porque constantemente meditara no Senhor Supremo, chegando até a vestir-se como Ele, Pauṇḍraka logrou a liberação.
Quando Kṛṣṇa decapitou Kāśirāja, a cabeça do rei voou até a sua cidade, e, quando suas rainhas, filhos e outros parentes viram-na, todos eles começaram a lamentar-se. Naquele momento, um dos filhos de Kāśirāja, chamado Sudakṣiṇa, querendo vingar a morte do pai, passou a adorar o senhor Śiva com a intenção de destruir o assassino de seu pai. Satisfeito com a adoração de Sudakṣiṇa, o senhor Śiva ofereceu-lhe a oportunidade de escolher uma bênção, e Sudakṣiṇa pediu como bênção um meio de matar quem exterminara seu pai. O senhor Śiva o aconselhou a adorar o fogo Dakṣiṇāgni com rituais de magia negra. Sudakṣiṇa fez isso, e, como resultado, surgiu da pira do fogo de sacrifício um terrível demônio com um corpo flamejante. O demônio levantou-se carregando um tridente de fogo e partiu de imediato para Dvārakā.
Os residentes da capital do Senhor Kṛṣṇa ficaram aterrorizados ao verem aproximar-se o demônio, mas o Senhor Kṛṣṇa garantiu-lhes proteção e enviou Seu cakra Sudarśana para contra-atacar a criação mágica do senhor Śiva. O Sudarśana subjugou o demônio, que regressou, então, a Vārāṇasī e reduziu a cinzas Sudakṣiṇa e seus sacerdotes. O disco Sudarśana, perseguindo o demônio, entrou em Vārāṇasī e incinerou toda a cidade. Então, o disco do Senhor retornou a Seu lado em Dvārakā.
Texto
nanda-vrajaṁ gate rāme
karūṣādhipatir nṛpa
vāsudevo ’ham ity ajño
dūtaṁ kṛṣṇāya prāhiṇot
Sinônimos
śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; nanda — de Nanda Mahārāja; vrajam — à vila dos vaqueiros; gate — tendo ido; rāme — o Senhor Balarāma; karūṣa-adhipatiḥ — o governador de Karūṣa (Pauṇḍraka); nṛpa — ó rei (Parīkṣit); vāsudevaḥ — o Senhor Supremo, Vāsudeva; aham — eu; iti — assim pensando; ajñaḥ — tolo; dūtam — um mensageiro; kṛṣṇāya — ao Senhor Kṛṣṇa; prāhiṇot — enviou.
Tradução
Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, enquanto o Senhor Balarāma estava ausente visitando Vraja, a vila de Nanda, o governador de Karūṣa, tolamente pensando: “Eu sou o Senhor Supremo, Vāsudeva”, mandou um mensageiro ao Senhor Kṛṣṇa.
Comentário
SIGNIFICADO—Como o Senhor Rāma tinha ido para Nanda-vraja, Pauṇḍraka pensou, em sua tolice, que o Senhor Kṛṣṇa estaria sozinho e que, portanto, seria fácil desafiá-lO. Assim, ele ousou enviar sua insana mensagem ao Senhor.
Texto
avatīṛno jagat-patiḥ
iti prastobhito bālair
mena ātmānam acyutam
Sinônimos
tvam — tu; vāsudevaḥ — Vāsudeva; bhagavān — o Senhor Supremo; avatīrṇaḥ — descido; jagat — do universo; patiḥ — o mestre; iti — assim; prastobhitaḥ — encorajado pela adulação; bālaiḥ — de homens infantis; mene — imaginou; ātmānam — a si mesmo; acyutam — o Senhor infalível.
Tradução
Pauṇḍraka foi encorajado pela adulação de homens infantis, que lhe disseram: “Tu és Vāsudeva, o Senhor Supremo e mestre do universo, que agora desceste à Terra.” Dessa forma, ele imaginava ser a infalível Personalidade de Deus.
Comentário
SIGNIFICADO—Pauṇḍraka aceitava tolamente a adulação de pessoas ignorantes.
Texto
kṛṣṇāyāvyakta-vartmane
dvārakāyāṁ yathā bālo
nṛpo bāla-kṛto ’budhaḥ
Sinônimos
dūtam — um mensageiro; ca — e; prāhiṇot — enviou; mandaḥ — estúpido; kṛṣṇāya — ao Senhor Kṛṣṇa; avyakta — inescrutável; vartmane — cujo caminho; dvārakāyām — em Dvārakā; yathā — como; bālaḥ — um menino; nṛpaḥ — rei; bāla — por crianças; kṛtaḥ — feito; abudhaḥ — inteligente.
Tradução
Então, o estúpido rei Pauṇḍraka enviou um mensageiro ao inescrutável Senhor Kṛṣṇa em Dvārakā. Pauṇḍraka estava agindo como um menino ininteligente que outras crianças fazem de conta que é um rei.
Comentário
SIGNIFICADO—Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, a razão de Śukadeva Gosvāmī mencionar aqui pela segunda vez que Pauṇḍraka enviou uma mensagem ao Senhor Kṛṣṇa é que o eminente sábio está assombrado com a extrema tolice de Pauṇḍraka.
Texto
sabhāyām āsthitaṁ prabhum
kṛṣṇaṁ kamala-patrākṣaṁ
rāja-sandeśam abravīt
Sinônimos
dūtaḥ — o mensageiro; tu — então; dvārakām — a Dvārakā; etya — chegando; sabhāyām — na assembleia real; āsthitam — presente; prabhum — ao Senhor onipotente; kṛṣṇam — Kṛṣṇa; kamala — de um lótus; patra — (como) as pétalas; akṣam — cujos olhos; rāja — de seu rei; sandeśam — a mensagem; abravīt — falou.
Tradução
Chegando a Dvārakā, o mensageiro encontrou Kṛṣṇa, que tem olhos de lótus, em Sua assembleia real e transmitiu a mensagem do rei ao Senhor onipotente.
Texto
eka eva na cāparaḥ
bhūtānām anukampārthaṁ
tvaṁ tu mithyābhidhāṁ tyaja
Sinônimos
vāsudevaḥ — o Senhor Vāsudeva; avatīrnaḥ — que desceu a este mundo; aham — eu; ekaḥ eva — o único; na — não; ca — e; aparaḥ — nenhum outro; bhūtānām — para os seres vivos; anukampā — de mostrar misericórdia; artham — com o propósito; tvam — Tu; tu — porém; mithyā — falsa; abhidhām — designação; tyaja — abandona.
Tradução
[Em nome de Pauṇḍraka, o mensageiro disse:] Eu sou o único e exclusivo Senhor Vāsudeva, e não existe outro. Eu é que desci a este mundo para mostrar misericórdia aos seres vivos. Portanto, abandona Teu nome falso.
Comentário
SIGNIFICADO—Inspirado pela deusa Sarasvatī, Śrīla Viśvanātha Cakravartī fornece o significado real desses dois versos: “Eu não sou Vāsudeva encarnado, mas sim apenas Tu, e ninguém mais, és Vāsudeva. Como desceste para mostrar misericórdia aos seres vivos, por favor, faze-me abandonar minha falsa designação, que é como a de uma ostra reivindicando ser prata.” O Senhor Supremo, sem dúvida, atenderá a esse pedido.
Texto
mauḍhyād bibharṣi sātvata
tyaktvaihi māṁ tvaṁ śaraṇaṁ
no ced dehi mamāhavam
Sinônimos
yāni — que; tvam — Tu; asmat — nossos; cihnāni — símbolos; mauḍhyāt — por ilusão; bibharṣi — carregas; sātvata — ó líder dos Sātvatas; tyaktvā — abandonando; ehi — vem; mām — a mim; tvam — Tu; śaraṇam — em busca de refúgio; na — não; u — do contrário; cet — se; dehi — dá; mama — a mim; āhavam — combate.
Tradução
Ó Sātvata, abandona meus símbolos pessoais, que carregas agora por tolice, e vem refugiar-Te em mim. Se não o fizeres, então terás de combater-me.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī interpreta de novo as palavras de Pauṇḍraka segundo a inspiração de Sarasvatī, a deusa da sabedoria. Assim, podem-se interpretá-las da seguinte maneira: “Por tolice, passei a portar um búzio, disco, lótus e maça de imitação, e Tu os manténs permitindo-me usá-los. Ainda não me subjugaste nem acabaste com estes símbolos de imitação. Portanto, faze a gentileza de vir liberar-me, forçando-me a abandoná-los. Combate-me e outorga-me a liberação ao matar-me.”
Texto
katthanaṁ tad upākarṇya
pauṇḍrakasyālpa-medhasaḥ
ugrasenādayaḥ sabhyā
uccakair jahasus tadā
Sinônimos
śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; katthanam — presunção; tat — aquela; upākarṇya — ouvindo; pauṇḍrakasya — de Pauṇḍraka; alpa — pequena; medhasaḥ — cuja inteligência; ugrasena-ādayaḥ — chefiados pelo rei Ugrasena; sabhyāḥ — os membros da assembleia; uccakaiḥ — alto; jahasuḥ — riram; tadā — então.
Tradução
Śukadeva Gosvāmī disse: O rei Ugrasena e os outros membros da assembleia riram bem alto ao ouvirem esta mensagem vã e presunçosa do ininteligente Pauṇḍraka.
Texto
parihāsa-kathām anu
utsrakṣye mūḍha cihnāni
yais tvam evaṁ vikatthase
Sinônimos
uvāca — disse; dūtam — ao mensageiro; bhagavān — o Senhor Supremo; parihāsa — divertida; kathām — discussão; anu — após; utsrakṣye — jogarei; mūḍha — ó tolo; cihnāni — os símbolos; yaiḥ — sobre os quais; tvam — tu; evam — dessa maneira; vikatthase — vanglorias-te.
Tradução
A Personalidade de Deus, depois de Se divertir com os gracejos feitos na assembleia, disse ao mensageiro [que transmitisse uma mensagem a seu amo:] “Tolo! Arrancarei, certamente, as armas de que tanto te vanglorias.”
Comentário
SIGNIFICADO—A palavra sânscrita utsrakṣye significa “jogarei”, “arremessarei”, “soltarei”, “abandonarei” etc. O tolo Pauṇḍraka exigiu que o Senhor Kṛṣṇa abandonasse Suas poderosas armas, tais como o disco e a maça, e aqui o Senhor responde que utsrakṣye mūḍha cihnāni: “Sim, tolo, de fato vou soltar essas armas, quando nos encontrarmos no campo de batalha.”
Em Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, Śrīla Prabhupāda faz uma bela descrição desta cena: “Ao ouvirem essa mensagem enviada por Pauṇḍraka, todos os membros da assembleia real, incluindo o rei Ugrasena, riram muito alto por bastante tempo. Depois de Se divertir com a gargalhada de todos os membros da assembleia, Kṛṣṇa respondeu o seguinte ao mensageiro: ‘Ó mensageiro de Pauṇḍraka, podes levar Minha mensagem a teu amo. Ele é um patife tolo. Chamo-o diretamente de patife e recuso-Me a obedecer às instruções dele. Jamais abandonarei os símbolos de Vāsudeva, sobretudo Meu disco. Usarei este disco para matar não só o rei Pauṇḍraka, mas também todos os seus seguidores. Destruirei este Pauṇḍraka e seus tolos companheiros, que não passam de uma sociedade de enganadores e enganados.’”
Texto
kaṅka-gṛdhra-vaṭair vṛtaḥ
śayiṣyase hatas tatra
bhavitā śaraṇaṁ śunām
Sinônimos
mukham — rosto; tat — aquele; apidhāya — sendo coberto; ajña — ó homem ignorante; kaṅka — por garças; gṛdhra — abutres; vaṭaiḥ — e aves vaṭas; vṛtaḥ — rodeado; śayiṣyase — jazerás; hataḥ — morto; tatra — depois disso; bhavitā — te tornarás; śaraṇam — refúgio; śunām — de cães.
Tradução
“Quando estiveres morto, ó tolo, com teu rosto coberto por abutres, garças e aves vaṭa, tu te tornarás o refúgio de cães.”
Comentário
SIGNIFICADO—Pauṇḍraka disse tolamente ao Senhor Supremo que fosse refugiar-Se nele, mas aqui o Senhor Kṛṣṇa lhe diz: “Não és Meu refúgio, senão que serás o refúgio de cães quando estes, felizes, se banquetearem de teu cadáver.”
Śrīla Prabhupāda faz a seguinte descrição vívida desta cena: “[O Senhor Kṛṣṇa disse a Pauṇḍraka: ‘Quando Eu te destruir,] ó rei tolo, terás de esconder teu rosto em desgraça e, quando Meu disco decepar tua cabeça, serás rodeado por aves carnívoras tais como abutres, falcões e águias. Nesse momento, em vez de te tornares o Meu refúgio, como exigiste, ficarás sujeito à misericórdia dessas aves de nascimento inferior. Então, teu corpo será lançado aos cães, que o comerão com grande prazer.’”
Texto
svāmine sarvam āharat
kṛṣṇo ’pi ratham āsthāya
kāśīm upajagāma ha
Sinônimos
iti — assim tratado; dūtaḥ — o mensageiro; tam — aqueles; ākṣepam — insultos; svāmine — a seu amo; sarvam — todos; āharat — levou; kṛṣṇaḥ — o Senhor Kṛṣṇa; api — e; ratham — Sua quadriga; āsthāya — montando; kāśīm — de Vārāṇasī; upajagāma ha — aproximou-se.
Tradução
Depois que o Senhor disse essas palavras, o mensageiro partiu e transmitiu na íntegra a resposta insultuosa dEle a seu amo. O Senhor Kṛṣṇa, então, montou em Sua quadriga e foi para as proximidades de Kāśī.
Comentário
SIGNIFICADO—Em Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, Śrīla Prabhupāda descreve assim esse incidente: “O mensageiro transmitiu as palavras do Senhor Kṛṣṇa a seu amo, Pauṇḍraka, que ouviu pacientemente todos aqueles insultos. Sem esperar mais, o Senhor Śrī Kṛṣṇa partiu na mesma hora em Sua quadriga para punir o patife Pauṇḍraka. Como, naquela ocasião, o rei de Karūṣa [Pauṇḍraka] morava com o rei de Kāśī, seu amigo, Kṛṣṇa cercou toda a cidade de Kāśī.”
Texto
upalabhya mahā-rathaḥ
akṣauhiṇībhyāṁ saṁyukto
niścakrāma purād drutam
Sinônimos
pauṇḍrakaḥ — Pauṇḍraka; api — e; tat — dEle; udyogam — preparativos; upalabhya — notando; mahā-rathaḥ — o poderoso guerreiro; akṣauhiṇībhyām — de duas divisões militares completas; saṁyuktaḥ — acompanhado; niścakrāma — saiu; purāt — da cidade; drutam — depressa.
Tradução
Ao observar os preparativos do Senhor Kṛṣṇa para o combate, o poderoso guerreiro Pauṇḍraka saiu depressa da cidade com duas divisões militares completas.
Texto
pārṣṇi-grāho ’nvayān nṛpa
akṣauhiṇībhis tisṛbhir
apaśyat pauṇḍrakaṁ hariḥ
śrīvatsādy-upalakṣitam
bibhrāṇaṁ kaustubha-maṇiṁ
vana-mālā-vibhūṣitam
vasānaṁ garuḍa-dhvajam
amūlya-mauly-ābharaṇaṁ
sphuran-makara-kuṇḍalam
Sinônimos
tasya — dele (de Pauṇḍraka); kāśī-patiḥ — o senhor de Kāśī; mitram — amigo; pārṣṇi-grāhaḥ — como retaguarda; anvayāt — seguiu; nṛpa — ó rei (Parīkṣit); akṣauhiṇībhiḥ — com divisões; tisṛbhiḥ — três; apaśyat — viu; pauṇḍrakam — a Pauṇḍraka; hariḥ — o Senhor Kṛṣṇa; śaṅkha — com búzio; ari — disco; asi — espada; gadā — maça; śārṅga — o arco Śārṅga; śrīvatsa — com a marca de cabelo Śrīvatsa em Seu peito; ādi — e outros símbolos; upalakṣitam — marcado; bibhrāṇam — trazendo; kaustubha-maṇim — a joia Kaustubha; vana-mālā — com uma guirlanda de flores silvestres; vibhūṣitam — adornado; kauśeya — de fina seda; vāsasī — um par de roupas; pīte — amarelas; vasānam — usando; garuḍa-dhvajam — seu estandarte marcado com a imagem de Garuḍa; amūlya — valiosa; mauli — uma coroa; ābharaṇam — cujo ornamento; sphurat — refulgentes; makara — em forma de tubarão; kuṇḍalam — com brincos.
Tradução
O amigo de Pauṇḍraka, o rei de Kāśī, seguiu atrás, ó rei, chefiando a retaguarda com três divisões akṣauhiṇīs. O Senhor Kṛṣṇa viu que Pauṇḍraka usava as próprias insígnias do Senhor, tais como o búzio, o disco, a espada e a maça, e também um arco Śārṅga e uma marca Śrīvatsa de imitação. Usava uma joia Kaustubha falsa, estava enfeitado com uma guirlanda de flores silvestres e vestido com roupas superiores e inferiores de requintada seda amarela. Seu estandarte trazia a imagem de Garuḍa, e ele usava uma valiosa coroa e refulgentes brincos em forma de tubarão.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda comenta na obra Kṛṣṇa: “Quando os dois reis se apresentaram diante do Senhor Kṛṣṇa para enfrentá-lO, Kṛṣṇa viu Pauṇḍraka frente a frente pela primeira vez.”
Texto
veṣaṁ kṛtrimam āsthitam
yathā naṭaṁ raṅga-gataṁ
vijahāsa bhṛśaṁ harīḥ
Sinônimos
dṛṣṭvā — vendo; tam — a ele; ātmanaḥ — a Sua própria; tulyam — igual; veṣam — em roupas; kṛtrimam — imitação; āsthitam — trajado; yathā — como; naṭam — um ator; raṅga — no palco; gatam — que entrou; vijahāsa — riu; bhṛśam — fortemente; hariḥ — o Senhor Kṛṣṇa.
Tradução
O Senhor Hari gargalhou ao ver como o rei se vestira imitando exatamente Sua própria aparência, tal qual um ator no palco.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda descreve assim esta cena: “No conjunto, a roupa e maquiagem [de Pauṇḍraka] eram uma evidente imitação. Qualquer um poderia perceber que ele era tal qual um ator em um palco, com roupas falsas, fazendo o papel de Vāsudeva. Quando viu Pauṇḍraka imitando Sua postura e roupas, o Senhor Śrī Kṛṣṇa não pôde conter o riso, de modo que riu com grande satisfação.”
Śrīla Jīva Gosvāmī salienta que foi devido a uma bênção do senhor Śiva que Pauṇḍraka pôde imitar exatamente a roupa e a aparência do Senhor – conclusão extraída do Uttara-khaṇḍa do Śrī Padma Purāṇa.
Texto
śakty-ṛṣṭi-prāsa-tomaraiḥ
asibhiḥ paṭṭiśair bāṇaiḥ
prāharann arayo harim
Sinônimos
śūlaiḥ — com tridentes; gadābhiḥ — maças; parighaiḥ — e clavas; śakti — chuços; ṛṣṭi — uma espécie de espada; prāsa — longos dardos farpados; tomaraiḥ — e lanças; asibhiḥ — com espadas; paṭṭiśaiḥ — com machados; bāṇaiḥ — e flechas; prāharan — atacaram; arayaḥ — os inimigos; harim — o Senhor Kṛṣṇa.
Tradução
Os inimigos do Senhor Hari atacaram-nO com tridentes, maças, clavas, chuços, ṛṣṭis, dardos farpados, lanças, espadas, machados e flechas.
Texto
balaṁ gaja-syandana-vāji-patti-mat
gadāsi-cakreṣubhir ārdayad bhṛśaṁ
yathā yugānte huta-bhuk pṛthak prajāḥ
Sinônimos
kṛṣṇaḥ — o Senhor Kṛṣṇa; tu — porém; tat — aquela; pauṇḍraka-kāśirājayoḥ — de Pauṇḍraka e do rei de Kāśī; balam — força militar; gaja — elefantes; syandana — quadrigas; vāji — cavalos; patti — e infantaria; mat — que consistia em; gadā — com Sua maça; asi — espada; cakra — disco; iṣubhiḥ — e flechas; ārdayat — atormentou; bhṛśam — ferozmente; yathā — como; yuga — de uma era da história universal; ante — no fim; huta-bhuk — o fogo (da aniquilação universal); pṛthak — de diferentes espécies; prajāḥ — entidades vivas.
Tradução
O Senhor Kṛṣṇa, porém, contra-atacou ferozmente o exército de Pauṇḍraka e Kāśirāja, que consistia em elefantes, quadrigas, cavalaria e infantaria. Com sua maça, espada, disco Sudarśana e flechas, o Senhor atormentou Seus inimigos, assim como o fogo da aniquilação atormenta as várias espécies de criaturas no final de uma era cósmica.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda, na obra Kṛṣṇa, comenta o seguinte: “Os soldados do lado do rei Pauṇḍraka começaram a lançar chuvas de armas sobre Kṛṣṇa. As armas, que incluíam várias espécies de tridentes, maças, dardos, lanças, espadas, adagas e flechas, voavam em ondas, e Kṛṣṇa as neutraliza. Ele esmagava não só as armas, mas também os soldados e ajudantes de Pauṇḍraka, assim como o fogo da devastação reduz tudo a cinzas durante a dissolução do universo. Os elefantes, quadrigas, cavalos e infantaria pertencentes ao grupo adversário dispersaram-se devido ao ataque das armas de Kṛṣṇa.”
Texto
dvipat-kharoṣṭrair ariṇāvakhaṇḍitaiḥ
babhau citaṁ moda-vahaṁ manasvinām
ākrīḍanaṁ bhūta-pater ivolbaṇam
Sinônimos
āyodhanam — campo de batalha; tat — aquele; ratha — com as quadrigas; vāji — cavalos; kuñjara — elefantes; dvipat — bípedes (seres humanos); khara — mulas; uṣṭraiḥ — e camelos; ariṇā — por Seu disco; avakhaṇḍitaiḥ — cortados em pedaços; babhau — brilhava; citam — repleto de; moda — prazer; vaham — trazendo; manasvinām — aos sábios; ākrīḍanam — o lugar de diversão; bhūta-pateḥ — do senhor dos espíritos espectrais, o senhor Śiva; iva — como que; ulbaṇam — horrível.
Tradução
O campo de batalha, repleto de quadrigas, cavalos, elefantes, seres humanos, mulas e camelos que haviam sido destroçados pela arma disco do Senhor, brilhava como o horripilante lugar de diversão do senhor Bhūtapati, dando prazer aos sábios.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda descreve assim esta cena: “Embora o campo de batalha devastado parecesse o lugar onde o senhor Śiva realiza sua dança por ocasião da dissolução do mundo, os guerreiros que estavam do lado de Kṛṣṇa entusiasmaram-se muito ao ver isso e lutaram com mais bravura.”
Texto
bho bho pauṇḍraka yad bhavān
dūta-vākyena mām āha
tāny astraṇy utsṛjāmi te
Sinônimos
atha — então; āha — disse; pauṇḍrakam — a Pauṇḍraka; śauriḥ — o Senhor Kṛṣṇa; bhoḥ bhoḥ pauṇḍraka — Meu querido Pauṇḍraka; yat — aquelas que; bhavān — tu; dūta — do mensageiro; vākyena — pelas palavras; mām — a Mim; āha — falaste; tāni — aquelas; astrāṇi — armas; utsṛjāmi — estou lançando; te — a ti.
Tradução
Então, o Senhor Kṛṣṇa dirigiu-Se a Pauṇḍraka: Meu querido Pauṇḍraka, aquelas mesmas armas de que falaste por intermédio de teu mensageiro, agora Eu as lanço a ti.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda escreve o seguinte em Kṛṣṇa: “Nesse momento, o Senhor Kṛṣṇa disse a Pauṇḍraka: ‘Pauṇḍraka, exigiste que Eu abandonasse os símbolos do Senhor Viṣṇu, especificamente Meu disco. Agora Eu o entregarei a ti. Cuidado! Declaras falsamente seres Vāsudeva, imitando-Me. Portanto, ninguém é mais tolo do que tua pessoa.’ Por meio dessa declaração de Kṛṣṇa, fica evidente que qualquer patife que se proclame Deus é o maior tolo da sociedade humana.”
Texto
yat tvayājña mṛṣā dhṛtam
vrajāmi śaranaṁ te ’dya
yadi necchāmi saṁyugam
Sinônimos
tyājayiṣye — farei renunciares; abhidhānam — à designação; me — Minha; yat — que; tvayā — por ti; ajña — ó tolo; mṛṣā — falsamente; dhṛtam — assumida; vrajāmi — irei; śaraṇam — ao refúgio; te — teu; adya — hoje; yadi — se; na icchāmi — não desejo; saṁyugam — batalha.
Tradução
Ó tolo, agora farei abdicares do Meu nome, que assumiste falsamente. E com certeza Me refugiarei em ti caso não queira lutar contigo.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda escreve o seguinte: “Agora, Pauṇḍraka, Eu te forçarei a abandonar essa falsa representação. Querias que Eu Me rendesse a ti. Agora esta é a tua oportunidade. Lutaremos, e com certeza Me renderei a ti se Eu for derrotado e tu venceres.”
Texto
virathī-kṛtya pauṇḍrakam
śiro ’vṛścad rathāṅgena
vajreṇendro yathā gireḥ
Sinônimos
iti — com estas palavras; kṣiptvā — ridicularizando; śitaiḥ — pontiagudas; bāṇaiḥ — com Suas flechas; virathī — sem quadriga; kṛtya — fazendo; pauṇḍrakam — Pauṇḍraka; śiraḥ — sua cabeça; avṛścat — decepou; ratha-aṅgena — com Seu disco Sudarśana; vajreṇa — com seu raio; indraḥ — o senhor Indra; yathā — como; gireḥ — de uma montanha.
Tradução
Tendo assim ridicularizado Pauṇḍraka, o Senhor Kṛṣṇa destruiu a quadriga dele com Suas flechas pontiagudas. Então, o Senhor, com o disco Sudarśana, decepou-lhe a cabeça, assim como o senhor Indra, com seu raio, decepa abruptamente o pico de uma montanha.
Texto
chira utkṛtya patribhiḥ
nyapātayat kāśī-puryāṁ
padma-kośam ivānilaḥ
Sinônimos
tathā — do mesmo modo; kāśī-pateḥ — do rei de Kāśī; kāyāt — de seu corpo; śiraḥ — a cabeça; utkṛtya — arrancando; patribhiḥ — com Suas flechas; nyapātayat — arremessou-a pelos ares; kāśi-puryām — para dentro da cidade de Kāśī; padma — de um lótus; kośam — o cálice; iva — como; anilaḥ — o vento.
Tradução
Com Suas flechas, o Senhor Kṛṣṇa arrancou do mesmo modo a cabeça de Kāśirāja, arremessando-a pelos ares até a cidade de Kāśī tal qual uma flor de lótus atirada pelo vento.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī explica por que Kṛṣṇa atirou a cabeça de Kāśirāja para dentro da cidade: “Ao sair para a batalha, o rei de Kāśī prometera aos cidadãos: ‘Meus queridos residentes de Kāśī, hoje trarei a cabeça do inimigo e a colocarei no meio da cidade. Não tenhais dúvidas quanto a isso.’ As pecadoras rainhas do rei também anunciaram arrogantemente a suas damas de companhia: ‘Hoje nosso mestre com certeza trará a cabeça do Senhor de Dvārakā.’ Portanto, o Senhor Supremo lançou a cabeça do rei para dentro da cidade a fim de assombrar seus habitantes.”
Texto
pauṇḍrakaṁ sa-sakhaṁ hariḥ
dvārakām āviśat siddhair
gīyamāna-kathāmṛtaḥ
Sinônimos
evam — assim; matsariṇam — o invejoso; hatvā — matando; pauṇḍrakam — Pauṇḍraka; sa — junto de; sakham — seu amigo; hariḥ — o Senhor Kṛṣṇa; dvārakām — em Dvārakā; āviśat — entrou; siddhaiḥ — pelos místicos dos céus; gīyamāna — sendo cantadas; kathā — narrações sobre Ele; amṛtaḥ — nectáreas.
Tradução
Tendo assim matado o invejoso Pauṇḍraka e seu aliado, o Senhor Kṛṣṇa regressou a Dvārakā. Enquanto Ele entrava na cidade, os Siddhas dos céus cantavam Suas imortais glórias nectáreas.
Texto
pradhvastākhila-bandhanaḥ
bibhrāṇaś ca hare rājan
svarūpaṁ tan-mayo ’bhavat
Sinônimos
saḥ — ele (Pauṇḍraka); nityam — constante; bhagavat — no Senhor Supremo; dhyāna — por sua meditação; pradhvasta — completamente desfeito; akhila — todo; bandhanaḥ — seu cativeiro; bibhrāṇaḥ — assumindo; ca — e; hareḥ — do Senhor Kṛṣṇa; rājan — ó rei (Parīkṣit); svarūpam — a forma pessoal; tat-mayaḥ — absorto em consciência dEle; abhavat — tornou-se.
Tradução
Por sua constante meditação no Senhor Supremo, Pauṇḍraka desfez todos os seus vínculos materiais. De fato, por imitar a aparência do Senhor Kṛṣṇa, ó rei, ele acabou tornando-se consciente de Kṛṣṇa.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda escreve o seguinte em Kṛṣṇa: “Quanto a Pauṇḍraka, por se vestir com aquelas roupas de imitação, ele, de uma maneira ou de outra, estava sempre pensando em Vāsudeva. Por isso alcançou sārūpya, uma das cinco classes de liberação, e assim foi promovido aos planetas Vaikuṇṭha, onde os devotos têm as mesmas características corpóreas de Viṣṇu, com quatro mãos que carregam os quatro símbolos. De fato, sua meditação estava fixa na forma de Viṣṇu, mas, por se considerar o Senhor Viṣṇu, ele era ofensivo. Depois de ser morto por Kṛṣṇa, todavia, aquela ofensa também se mitigou. Dessa maneira, ele recebeu a liberação sārūpya e obteve a mesma forma do Senhor.”
Texto
rāja-dvāre sa-kuṇḍalam
kim idaṁ kasya vā vaktram
iti saṁśiśire janāḥ
Sinônimos
śiraḥ — a cabeça; patitam — caída; ālokya — vendo; rāja-dvāre — na porta do palácio real; sa-kuṇḍalam — com brincos; kim — que; idam — é isto; kasya — de quem; vā — ou; vaktram — cabeça; iti — assim; saṁśiśire — exprimia dúvida; janāḥ — o povo.
Tradução
Ao verem uma cabeça adornada com brincos jazendo no portal do palácio real, as pessoas presentes ficaram perplexas. Algumas delas perguntavam: “O que é isto?”, e outras diziam: “É uma cabeça, mas de quem?”
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda escreve o seguinte: “Quando a cabeça do rei de Kāśī foi lançada através do portal da cidade, as pessoas se reuniram e ficaram espantadas ao verem aquela coisa notável. Quando perceberam que havia brincos nela, puderam compreender que era a cabeça de alguém. Eles conjeturaram de quem podia ser. Alguns pensaram que era a cabeça de Kṛṣṇa porque Kṛṣṇa era inimigo de Kāśirāja, e eles calcularam que o rei de Kāśī podia ter jogado a cabeça de Kṛṣṇa dentro da cidade para que o povo se alegrasse com a morte do inimigo. Mas, por fim, descobriu-se que a cabeça não era de Kṛṣṇa, mas do próprio Kāśirāja.”
Texto
mahiṣyaḥ putra-bāndhavāḥ
paurāś ca hā hatā rājan
nātha nātheti prārudan
Sinônimos
rājñaḥ — do rei; kāśī-pateḥ — o senhor de Kāśī; jñātvā — reconhecendo; mahiṣyaḥ — suas rainhas; putra — seus filhos; bāndhavāḥ — e outros parentes; paurāḥ — os cidadãos; ca — e; hā — ai!; hatāḥ — (estamos) mortos; rājan — ó rei (Parīkṣit); nātha nātha — ó amo, ó amo; iti — assim; prārudan — choraram alto.
Tradução
Meu querido rei, ao reconhecerem que era a cabeça de seu rei – o senhor de Kāśī –, suas rainhas, filhos e outros parentes, junto de todos os cidadãos, começaram a chorar pateticamente: “Ai de nós! Estamos mortos! Ó meu amo, ó meu amo!”
Texto
kṛtvā saṁsthā-vidhiṁ pateḥ
nihatya pitṛ-hantāraṁ
yāsyāmy apacitiṁ pituḥ
sopādhyāyo maheśvaram
su-dakṣiṇo ’rcayām āsa
parameṇa samādhinā
Sinônimos
sudakṣiṇaḥ — chamado Sudakṣiṇa; tasya — dele (de Kāśirāja); sutaḥ — filho; kṛtvā — executando; saṁsthā-vidhim — os ritos fúnebres; pateḥ — de seu pai; nihatya — matando; pitṛ — de meu pai; hantāram — o assassino; yāsyāmi — conseguirei; apacitim — vingança; pituḥ — para meu pai; iti — assim; ātmanā — com sua inteligência; abhisandhāya — decidindo; sa — com; upādhyāyaḥ — sacerdotes; mahā-īśvaram — o grande senhor Śiva; su-dakṣiṇaḥ — sendo muito caridoso; arcayām āsa — adorou; parameṇa — com grande; samādhinā — atenção.
Tradução
Depois que Sudakṣiṇa, o filho do rei, executou os ritos fúnebres obrigatórios em homenagem a seu pai, ele se determinou em sua mente: “Só matando o assassino de meu pai poderei vingar sua morte.” Dessa maneira, o caridoso Sudakṣiṇa, junto de seus sacerdotes, começou a adorar o Senhor Maheśvara com grande atenção.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda escreve: “O senhor do reino de Kāśī é Viśvanātha (o senhor Śiva). O templo do Senhor Viśvanātha ainda existe em Vārāṇasī, e muitos milhares de peregrinos ainda se reúnem diariamente naquele templo.”
Texto
tasmai varam adād vibhuḥ
pitṛ-hantṛ-vadhopāyaṁ
sa vavre varam īpsitam
Sinônimos
prītaḥ — satisfeito; avimukte — em Avimukta, uma área especialmente sagrada no distrito de Kāśī; bhagavān — o senhor Śiva; tasmai — a ele; varam — uma variedade de bênçãos; adāt — deu; vibhuḥ — o poderoso semideus; pitṛ — de seu pai; hantṛ — o assassino; vadha — de matar; upāyam — o meio; saḥ — ele; vavre — escolheu; varam — como bênção; īpsitam — desejada.
Tradução
Satisfeito com a adoração, o poderoso senhor Śiva apareceu no local sagrado de Avimukta e ofereceu a Sudakṣiṇa a oportunidade de escolher uma bênção. O príncipe escolheu como bênção um meio de matar o assassino de seu pai.
Texto
brāhmaṇaiḥ samam ṛtvijam
abhicāra-vidhānena
sa cāgniḥ pramathair vṛtaḥ
abrahmaṇye prayojitaḥ
ity ādiṣṭas tathā cakre
kṛṣṇāyābhicaran vratī
Sinônimos
dakṣiṇa-agnim — ao fogo Dakṣiṇa; paricara — deves prestar serviço; brāhmaṇaiḥ — brāhmaṇas; samam — junto de; ṛtvijam — o sacerdote original; abhicāra-vidhānena — com o ritual conhecido como abhicāra (destinado a matar ou ferir um inimigo); saḥ — aquele; ca — e; agniḥ — fogo; pramathaiḥ — pelos Pramathas (místicos poderosos que pertencem ao séquito do senhor Śiva e assumem muitas formas diferentes); vṛtaḥ — rodeado; sādhayiṣyati — realizará; saṅkalpam — tua intenção; abrahmaṇye — contra alguém que é hostil aos brāhmaṇas; prayojitaḥ — utilizado; iti — assim; ādiṣṭaḥ — instruído; tathā — daquela maneira; cakre — fez; kṛṣṇāya — contra o Senhor Kṛṣṇa; abhicaran — tencionando fazer mal; vratī — observando os votos requeridos.
Tradução
O senhor Śiva disse-lhe: “Acompanhado de brāhmaṇas, serve o fogo Dakṣiṇāgni – o sacerdote original – seguindo os preceitos do ritual abhicāra. Então, o fogo Dakṣiṇāgni, junto de muitos Pramathas, satisfará teu desejo se o dirigires contra alguém hostil aos brāhmaṇas.” Após receber essa instrução, Sudakṣiṇa cumpriu à risca os votos ritualísticos e invocou o abhicāra contra o Senhor Kṛṣṇa.
Comentário
SIGNIFICADO—Aqui, afirma-se claramente que o poderoso fogo Dakṣiṇāgni poderia ser dirigido apenas contra alguém hostil à cultura bramânica. O Senhor Kṛṣṇa, contudo, é muito favorável aos brāhmaṇas e, de fato, é quem mantém a cultura bramânica. O senhor Śiva, portanto, sabia que, se Sudakṣiṇa tentasse dirigir o poder deste ritual contra o Senhor Kṛṣṇa, o próprio Sudakṣiṇa pereceria.
Texto
mūrtimān ati-bhīṣaṇaḥ
tapta-tāmra-śikhā-śmaśrur
aṅgārodgāri-locanaḥ
kaṭhorāsyaḥ sva-jihvayā
ālihan sṛkvaṇī nagno
vidhunvaṁs tri-śikhaṁ jvalat
Sinônimos
tataḥ — então; agniḥ — o fogo; utthitaḥ — ergueu-se; kuṇḍāt — da pira do altar de sacrifício; mūrti-mān — assumindo a forma de uma pessoa; ati — extremamente; bhīṣaṇaḥ — medonha; tapta — fundido; tāmra — (como) cobre; śikhā — o tufo de cabelo; śmaśruḥ — e cuja barba; aṅgāra — brasas quentes; udgāri — emitindo; locanaḥ — cujos olhos; daṁṣṭra — com seus dentes; ugra — terríveis; bhru — das sobrancelhas; kuṭī — do franzir; daṇḍa — e com o arco; kaṭhora — rude; āsyaḥ — cujo rosto; sva — dele; jihvayā — com a língua; ālihan — lambendo; sṛkvaṇī — ambos os cantos de sua boca; nagnaḥ — nu; vidhunvan — sacudindo; tri-śikham — seu tridente; jvalat — em chamas.
Tradução
Depois disso, o fogo ergueu-se da pira do altar, assumindo a forma de uma pessoa nua e extremamente medonha. A barba e o tufo de cabelo da criatura ígnea assemelhavam-se ao cobre derretido, e seus olhos emitiam resplandecentes brasas em chamas. Seu rosto parecia muito horripilante com suas presas e terríveis sobrancelhas arqueadas e franzidas. Enquanto lambia os cantos de sua boca, o demônio sacudia seu tridente flamejante.
Texto
kampayann avanī-talam
so ’bhyadhāvad vṛto bhūtair
dvārakāṁ pradahan diśaḥ
Sinônimos
padbhyām — com suas pernas; tāla — de palmeiras; pramāṇābhyām — cuja medida; kampayan — estremecendo; avanī — da terra; talam — a superfície; saḥ — ele; abhyadhāvat — correu; vṛtaḥ — acompanhado; bhūtaiḥ — por espíritos espectrais; dvārakām — para Dvārakā; pradahan — queimando; diśaḥ — as direções.
Tradução
Com pernas altas como palmeiras, o monstro precipitou-se para Dvārakā na companhia de espíritos espectrais, estremecendo o chão e queimando o mundo em todas as direções.
Texto
āyāntaṁ dvārakaukasaḥ
vilokya tatrasuḥ sarve
vana-dāhe mṛgā yathā
Sinônimos
tam — a ele; ābhicāra — criado pelo ritual abhicāra; dahanam — o fogo; āyāntam — aproximando-se; dvārakā-okasaḥ — os residentes de Dvārakā; vilokya — vendo; tatrasuḥ — assustaram-se; sarve — todos; vana-dāhe — quando há um incêndio na floresta; mṛgāḥ — animais; yathā — como.
Tradução
Vendo aproximar-se o demônio de fogo criado pelo ritual abhicāra, os residentes de Dvārakā ficaram todos amedrontados, assim como animais aterrorizados por um incêndio na floresta.
Texto
bhagavantaṁ bhayāturāḥ
trāhi trāhi tri-lokeśa
vahneḥ pradahataḥ puram
Sinônimos
akṣaiḥ — dados; sabhāyām — na corte real; krīḍantam — jogando; bhagavantam — à Personalidade de Deus; bhaya — pelo medo; āturāḥ — agitados; trāhi trāhi — (diziam) “Salvai-nos! Salvai-nos!”; tri — três; loka — dos mundos; īśa — ó Senhor; vahneḥ — do fogo; pradahataḥ — que está incendiando; puram — a cidade.
Tradução
Perturbados pelo fogo, o povo se colocou a clamar pela Suprema Personalidade de Deus, que Se encontrava na ocasião a jogar dados na corte real: “Salvai-nos! Ó Senhor dos três mundos, salvai-nos deste fogo a incendiar a cidade!”
Texto
dṛṣṭvā svānāṁ ca sādhvasam
śaraṇyaḥ samprahasyāha
mā bhaiṣṭety avitāsmy aham
Sinônimos
śrutvā — ouvindo; tat — esta; jana — do povo; vaiklavyam — agitação; dṛṣṭvā — vendo; svānām — de Seus próprios homens; ca — e; sādhvasam — a condição perturbada; śaraṇyaḥ — a melhor fonte de refúgio; samprahasya — rindo alto; āha — disse; mā bhaiṣṭa — não temais; iti — assim; avitā asmi — darei proteção; aham — Eu.
Tradução
Quando o Senhor Kṛṣṇa ouviu a agitação do povo e viu que até Seus próprios homens estavam perturbados, aquele digníssimo outorgador de abrigo apenas riu e lhes disse: “Não temais; Eu hei de vos proteger.”
Texto
kṛtyāṁ māheśvarīṁ vibhuḥ
vijñāya tad-vighātārthaṁ
pārśva-sthaṁ cakram ādiśat
Sinônimos
sarvasya — de todos; antaḥ — dentro; bahiḥ — e fora; sākṣī — a testemunha; kṛtyām — a criatura manufaturada; māhā-īśvarīm — do senhor Śiva; vibhuḥ — o onipotente Senhor Supremo; vijñāya — compreendendo muito bem; tat — a ele; vighāta — de derrotar; artham — com o propósito; pārśva — a Seu lado; stham — que estava; cakram — a Seu disco; ādiśat — ordenou.
Tradução
O Senhor onipotente, a testemunha interna e externa de todos, entendeu que o monstro fora produzido pelo senhor Śiva a partir do fogo do sacrifício. Para derrotar o demônio, Kṛṣṇa enviou Sua arma disco, que estava esperando a Seu lado.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī comenta que o Senhor Kṛṣṇa, fazendo o papel de rei, estava absorto em uma partida de jogo e não queria ser perturbado por um assunto tão insignificante quanto o ataque de um demônio de fogo. Por isso, Ele simplesmente despachou Sua arma cakra e ordenou-lhe que tomasse as providências necessárias.
Texto
jājvalyamānaṁ pralayānala-prabham
sva-tejasā khaṁ kakubho ’tha rodasī
cakraṁ mukundāstraṁ athāgnim ārdayat
Sinônimos
tat — aquele; sūrya — de sóis; koṭi — milhões; pratimam — semelhante a; sudarśanam — Sudarśana; jājvalyamānam — ardendo em chamas; pralaya — da aniquilação universal; anala — (como) o fogo; prabham — cuja refulgência; sva — seu; tejasā — com calor; kham — o firmamento; kakubhaḥ — as direções; atha — e; rodasī — céu e terra; cakram — o disco; mukunda — do Senhor Kṛṣṇa; astram — a arma; atha — também; agnim — o fogo (criado por Sudakṣiṇa); ārdayat — atormentou.
Tradução
Aquele Sudarśana, a arma disco do Senhor Mukunda, flamejava como milhões de sóis. Sua refulgência brilhava como o fogo da aniquilação universal, e, com seu calor, ele atormentava o firmamento, todas as direções, o céu e a terra, e também o demônio de fogo.
Texto
astraujasā sa nṛpa bhagna-mukho nivṛttaḥ
vārāṇasīṁ parisametya sudakṣiṇaṁ taṁ
sartvig-janaṁ samadahat sva-kṛto ’bhicāraḥ
Sinônimos
kṛtyā — produzido pelo poder místico; analaḥ — o fogo; pratihataḥ — frustrado; saḥ — ele; ratha-aṅga-pāṇeḥ — do Senhor Kṛṣṇa, que carrega o disco Sudarśana em Sua mão; astra — da arma; ojasā — pelo poder; saḥ — ele; nṛpa — ó rei; bhagna-mukhaḥ — desviando-se; nivṛttaḥ — tendo desistido; vārāṇasīm — da cidade de Vārāṇasī; parisametya — aproximando-se por todos os lados; sudakṣiṇam — Sudakṣiṇa; tam — a ele; sa — junto de; ṛtvik-janam — seus sacerdotes; samadahat — incinerou; sva — por ele mesmo (Sudakṣiṇa); kṛtaḥ — criado; abhicāraḥ — destinado a provocar violência.
Tradução
Frustrado pelo poder da arma do Senhor Kṛṣṇa, ó rei, a criatura de fogo produzida por magia negra virou o rosto e retrocedeu. Criado para gerar violência, o demônio, então, regressou a Vārāṇasī, onde cercou a cidade e incinerou Sudakṣiṇa e seus sacerdotes, apesar de aquele ser o seu criador.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda faz o seguinte comentário: “Por não ter conseguido incendiar Dvārakā, [o demônio de fogo] retornou para Vārāṇasī, o reino de Kāśirāja. Como resultado de seu retorno, todos os sacerdotes que haviam ajudado a ensinar os mantras de magia negra, juntamente com Sudakṣiṇa, seu empregador, foram reduzidos a cinzas pela ofuscante refulgência do demônio de fogo. Segundo os métodos dos mantras de magia negra ensinados no tantra, se o mantra não consegue matar o inimigo, então, como tem de matar alguém, ele mata seu criador original. Sudakṣiṇa era o criador, e os sacerdotes o auxiliaram; por isso, todos eles foram reduzidos a cinzas. Este é o modo de agir dos demônios: os demônios criam algo para matar Deus, mas, com a mesma arma, os próprios demônios são mortos.”
Texto
vārānasīṁ sāṭṭa-sabhālayāpaṇām
sa-gopurāṭṭālaka-koṣṭha-saṅkulāṁ
sa-kośa-hasty-aśva-rathānna-śālinīm
Sinônimos
cakram — o disco; ca — e; viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; tat — dele (o demônio de fogo); anupraviṣṭam — entrando em perseguição; vārāṇasīm — em Vārāṇasī; sa — com; aṭṭa — pórticos elevados; sabhā — seus salões de assembleias; ālaya — residências; āpaṇām — e mercados; sa — com; gopura — portais; aṭṭālaka — torres de vigia; koṣṭha — e armazéns; saṅkulām — repleta; sa — com; kośa — bancos; hasti — para elefantes; aśva — cavalos; ratha — quadrigas; anna — e cereais; śālinīm — com os edifícios.
Tradução
O disco do Senhor Viṣṇu também entrou em Vārāṇasī, no encalço do demônio de fogo, e passou a incinerar a cidade, incluindo todos os salões de assembleia e palácios residenciais com pórticos elevados, seus numerosos mercados, portais, torres de vigia, armazéns e tesourarias, e todos os edifícios que abrigavam elefantes, cavalos, quadrigas e cereais.
Texto
viṣṇoś cakraṁ sudarśanam
bhūyaḥ pārśvam upātiṣṭhat
kṛṣṇasyākliṣṭa-karmaṇaḥ
Sinônimos
dagdhvā — tendo queimado; vārāṇasīm — Vārāṇasī; sarvām — toda; viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; cakram — o disco; sudarśanam — Sudarśana; bhūyaḥ — outra vez; pārśvam — o lado; upātiṣṭhat — veio para; kṛṣṇasya — de Kṛṣṇa; akliṣṭa — sem perturbação ou cansaço; karmaṇaḥ — cujas ações.
Tradução
Depois de incendiar toda a cidade de Vārāṇasī, o cakra Sudarśana do Senhor Viṣṇu retornou ao lado de Śrī Kṛṣṇa, aquele cujas ações são feitas sem esforço.
Texto
uttamaḥ-śloka-vikramam
samāhito vā śṛṇuyāt
sarva-pāpaiḥ pramucyate
Sinônimos
yaḥ — aquele que; enam — isto; śrāvayet — faz com que outros ouçam; martyaḥ — um ser humano mortal; uttamaḥ-śloka — do Senhor Kṛṣṇa, que é louvado com os melhores versos transcendentais; vikramam — o passatempo heroico; samāhitaḥ — com concentração; vā — ou; śṛṇuyāt — ouve; sarva — de todos; pāpaiḥ — os pecados; pramucyate — livra-se.
Tradução
Qualquer mortal que narrar este passatempo heroico do Senhor Uttamaḥ-śloka ou que apenas ouvi-lo com atenção, será liberto de todos os pecados.
Comentário
Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humildes servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda referentes ao décimo canto, sexagésimo sexto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Pauṇḍraka, o Falso Vāsudeva”.